Fascismo por Todo o Mundo ou Revolução Mundial? – Paul Mattick

Original in English: World-wide Fascism or World Revolution?

[Nota do Crítica Desapiedada – Felipe Andrade]: O artigo que apresentamos ao leitor pertence ao United Workers Party of America (UWP), organização revolucionária que Paul Mattick participou nos anos de 1932 a 1934 nos Estados Unidos. O primeiro ponto a destacar no panfleto é a presença da palavra “partido” (party) no nome da organização. Na verdade, a UWP não era um partido propriamente dito, isto é, uma organização burocrática que visa conquistar o aparato estatal. A palavra “partido” demarcava a ideia de posição política, que, como anunciado no Manifesto abaixo, buscava expressar a perspectiva proletária, não separando os interesses do partido dos da classe trabalhadora. No entanto, a imprecisão lexical leva a equívocos e, por sua vez, a manutenção da palavra “partido” também é uma limitação teórica que determina uma visão idealista dos partidos políticos, não apreendendo que estes são organizações que cumprem determinados objetivos de classe, tendo em sua base a burocracia como classe social e, portanto, antagonizam seus interesses com o proletariado. Se a percepção da base social dos partidos políticos estivesse no campo de análise de Mattick, e assim a burocracia como classe social, certamente a UWP não se posicionaria como um “partido”. Mas, quando lemos o conteúdo do texto, evidencia-se que, tal como o KAPD na Alemanha, a UWP não era um partido político e não podemos confundir o signo com o significado expresso pelo Manifesto (visto na defesa da autoiniciativa da classe proletária) e sua prática política (vista no combate das organizações burocráticas: partidos, sindicatos, Estado, etc.). Por isso, devemos chamar a atenção do leitor para o conteúdo do Manifesto, a sua posição política proletária, mas com as seguintes ressalvas acerca do deslize terminológico com o uso da palavra “partido”.
O segundo ponto a destacar é que, originalmente, o panfleto apareceu de forma anônima, sem autoria. Foi após alguns anos que descobriram a autoria do panfleto, atribuindo-a ao comunista de conselhos Paul Mattick. Em outro texto publicado no CD, Gary Roth nos traz mais informações sobre esse panfleto, em discussão sobre as origens da ICC – International Council Correspondence [Correspondência Conselhista Internacional (ICC)]. O terceiro e último ponto que queremos destacar é a tese de Mattick sobre a “crise mortal do capitalismo”, o seu colapso final. Não resta dúvidas de que esta tese está completamente ultrapassada. O capitalismo continua de pé, após mais de 60 anos da escrita desse artigo. Isto não significa que Mattick não esteja correto em várias afirmações, principalmente em sua análise da dinâmica da acumulação de capital e suas contratendências, mas na essência, a sua concepção subestima a capacidade do capitalismo conseguir se renovar, combater a taxa declinante de lucro e gerar mudanças em seu interior (alteração da forma estatal, das relações de trabalho, da exploração internacional, etc.), o que ocorreu ao longo da história e pode ser melhor explicado pela sucessão dos regimes de acumulação, uma ideia que não foi vislumbrada por Mattick em vida. Em outro momento, esperamos dedicar uma análise mais detalhada da concepção de Mattick acerca da “crise permanente” no capitalismo e expor as contribuições e limites dessa posição.
Feitas essas breves considerações ao texto, esperamos que o leitor possa ler o ensaio no seu devido contexto, escrito no período entreguerras, no qual a ameaça do nazifascismo real era iminente e, ao contrário do discurso hegemônico em favor da democracia burguesa ou do “socialismo real” (capitalismo de Estado), a UWP posicionou-se radicalmente, indo na contramão de quase tudo que era defendido pela chamada “esquerda” nos EUA e em todo o mundo. O principal mérito de Mattick é a coragem de posicionar-se “contra tudo e todos”, mantendo acesa a chama revolucionária em um momento de isolamento político e dificuldades pessoais – na época, Mattick estava desempregado. Assim, o CD endossa que o programa de uma revolução mundial, autenticamente comunista, permanece como uma necessidade diante dos conflitos que continuam a se alastrar neste século XXI.


Fascismo por Todo o Mundo ou Revolução Mundial?
Manifesto e Programa do United Workers Party of America[1]

Prefácio

Num período de crise mundial constantemente se aprofundando; durante um processo de pauperização geral e absoluta da classe trabalhadora por todo o mundo; ante as tendências imperialistas rumo uma nova carnificina em escala mundial; com a visão da marcha do fascismo cobrindo o globo perante nós; a despeito do triunfo temporário das forças capitalistas no túmulo de um outrora poderoso movimento operário internacional, após a derrota mais séria do comunismo internacional, o United Workers Party of America apresenta este pequeno panfleto a todos os revolucionários sérios para lhes – e também nós – ajudar a compreender melhor nossa situação real e a esclarecer em certa medida a confusão ideológica atual na qual a classe trabalhadora se encontra.

O movimento dialético do mundo torna todo problema um problema histórico. Também altera em seu decorrer o papel de organizações e ideias. O que antigamente era revolucionário torna-se, com o desenvolvimento geral, reacionário. Organizações, táticas e ideologias que eram outrora a expressão do desenvolvimento progressivo da luta proletária contra o capitalismo tornam-se, no momento e no decorrer dessa luta, obstáculos no caminho do desenvolvimento posterior. O que outrora era revolucionário sobrevive, a despeito do fato de ter se tornado reacionário, como uma tradição em sua forma e conteúdo originais e impede o desenvolvimento das novas e reais forças revolucionárias. Por isso é necessário que a arma da crítica se torne a crítica das armas[2].

O Partido e seu Programa não são senão a expressão do papel que a consciência revolucionária representa na história. É uma parte da história, não a história em si. Um programa, sozinho, não tem valor salvo se for acompanhado da ação da classe trabalhadora. Se for prático, se for realista, então se torna uma força que, em combinação com as forças revolucionárias criadas pelas condições objetivas promovidas pelo próprio desenvolvimento capitalista, pode ser capaz de reduzir as dores do parto da nova sociedade.

Nossa opinião é de que não estamos no fim, mas no começo da crise geral do capitalismo mundial; e, paralelamente a essa situação objetiva, não estamos no fim, mas no começo de um movimento operário revolucionário real que deve e vai se desenvolver numa base e num princípio tático inteiramente novos. Começos são sempre difíceis e toda voz revolucionária é, primeiro, uma voz no deserto, mas estamos convictos de que mais cedo ou mais tarde a própria realidade caminhará rumo ao pensamento avançado e o que parece hoje ser ainda uma abstração tornar-se-á a prática factual do proletariado em luta. Tradições devem ser derrubadas pra promover a unidade entre teoria e prática. A revolução só é possível quando essa unidade se torna uma realidade. O propósito deste panfleto é ajudar o movimento revolucionário a se aproximar desta situação.

THE UNITED WORKERS PARTY OF AMERICA

Março de 1934.

Fascismo por Todo o Mundo ou Revolução Mundial?
O Período de Crise Geral para o Capitalismo

Passaram-se cinco anos de crise numa escala mundial. Todas as tendências estão apontando para um maior aprofundamento da crise internacional. A produção industrial mundial está abaixo da escala de 1914 e está diminuindo. O exército desempregado, embora já tenha metade do proletariado industrial mundial em suas fileiras, aumenta ainda mais. O caos econômico-político força tudo em sua tendência decrescente mortal. As teorias dos economistas da classe dominante se tornam mais ridículas e as ilusões da pequena burguesia mudam para um medo mortal. O capitalismo se transformou de um elemento de avanço num elemento de restrição. Seu movimento rumo ao colapso é uma situação de catástrofes que trazem miséria e sofrimento para a raça humana numa escala maior do que em qualquer crise anterior.

Tradições impedem que os trabalhadores compreendam o fato de que a depressão atual não pode ser superada nos limites capitalistas. A esperança que a classe dominante plantou nas cabeças dos trabalhadores, de que um novo período de boom virá, não desapareceu, embora esteja ficando cada vez mais difícil defender o sistema, como ilustrado por sua prática cotidiana. O capitalismo superou muitas crises e depressões durante seu desenvolvimento. Cada uma destas crises não foi senão um passo para o desenvolvimento posterior que formou a base para uma nova crise num plano superior; porém, todo período de depressão foi seguido por uma retomada, um boom. Todas as outras depressões foram superadas, então por que essa também não o seria? A extensão e profundidade mundiais da crise atual podem explicar sua intensidade e sua extensão, mas não podem provar a permanência de seu caráter.

É necessário que a classe trabalhadora compreenda que a crise atual é permanente para o capitalismo. A análise da situação atual deve levar em consideração o fato de que vivemos num novo período histórico; um período de declínio positivo para a ordem capitalista. O caráter real do movimento será mostrado na posição que o movimento operário assumir em relação à crise e ao colapso finais do capitalismo. Se não conseguir explicar as tendências do sistema atual, com base nas leis de movimento da sociedade atual, então fracassará em sua tarefa.

A Extensão Histórica do Desenvolvimento Capitalista

O processo de reprodução capitalista se repete não na forma dum círculo, mas como uma espiral que se estreita a um ponto. A produção capitalista deve, em virtude de suas contradições inerentes, levar à sua própria negação; mas somente a acumulação destas contradições pode transformá-las em algo diferente: na revolução.

Segundo Marx, o desenvolvimento das forças produtivas da sociedade é a força motriz do desenvolvimento histórico. Quando as forças produtivas crescem, então as relações produtivas também devem mudar para não se tornarem contraditórias a este desenvolvimento. O capitalismo tinha, como um sistema econômico, a missão histórica de desenvolver as forças produtivas da sociedade numa extensão muito maior do que era possível sob qualquer sistema anterior. A corrida pelo lucro no capitalismo é a força motriz no desenvolvimento das forças produtivas. Por este motivo, então, este processo de desenvolvimento pode continuar apenas enquanto for possível. Não há nenhum colapso econômico enquanto o lucro obtido satisfizer as necessidades de uma acumulação progressiva. Quando a acumulação não pode mais ser retomada, como na crise atual, o capitalismo atingiu, então, sua extensão histórica. Ele entra, então, na fase de declínio. É apenas neste período que um real movimento revolucionário dos trabalhadores se torna possível.

Marx sempre considera as leis econômicas de movimento de dois pontos de vista: primeiro, como “um processo de história natural”[3]; segundo, em suas formas específicas, sociais e históricas. O desenvolvimento das forças produtivas continuou em todo sistema social; um processo que consiste de uma crescente produtividade do trabalho, devido em virtude de melhores métodos e ferramentas de trabalho. O processo produtivo tem, num sistema capitalista, além de seu conteúdo geral, natural, que compartilha com todos os outros sistemas econômicos, também a forma de ser um processo que produz valores e mais-valor. Por causa dessa característica, o capitalismo foi capaz de acelerar o desenvolvimento das forças produtivas tão tremendamente. As forças produtivas não são só máquinas, matérias primas e força de trabalho, mas também capital. Seu desenvolvimento significa a expansão da produção e reprodução do capital e isso só é possível quando o mais-valor, ou o lucro, é o resultado do processo de produção. Através da análise do processo de produção do mais-valor, Marx encontra a tendência de um conflito entre as forças produtivas materiais e seu tegumento capitalista. Quando mais-valor insuficiente resulta da produção, não há nenhuma possibilidade de continuar o desenvolvimento das forças produtivas. As formas capitalistas devem, então, ser rompidas para abrir espaço para um sistema social e econômico superior, mais avançado.

O Processo de Acumulação no Capitalismo

O desenvolvimento progressivo geral da humanidade é expresso em todas as formas de sociedade pelo desenvolvimento dos meios e métodos de produção. Isto resulta num aumento da produtividade do trabalho, da massa de produtos através duma redução na força de trabalho realmente despendida. No capitalismo, isto se expressa por cada vez mais capital sendo investido em meios de produção e cada vez menos em trabalho. É verdade, é claro, que quando o capitalismo está numa crescente, como há cada vez mais capital investido nos meios de produção, logo, a quantidade de capital investida em força de trabalho também aumenta, porém mais lentamente que a primeira. Num ponto alto do desenvolvimento capitalista, o número de trabalhadores empregados em relação ao capital total não só diminui relativa, mas também absolutamente. Uma vez que a exploração de trabalhadores é a única fonte de lucros, isto já indica que os lucros do capitalista devem diminuir com uma acumulação crescente.

O aumento da composição orgânica do capital é acompanhado por uma queda na taxa de lucro. Esta queda na taxa de lucro, sozinha, não é nenhum perigo para o capitalismo desde que ele tenha a possibilidade de acumular mais rapidamente que a taxa de lucro afunde. Isto é possibilitado por um aumento na exploração, bem como com a expansão dos campos de produção capitalista. Mas mesmo se o aumento na massa de lucro compensar a queda da taxa de lucro, ou mesmo se exceder esta, a massa de lucro cresce mais lentamente que a quantidade de lucro que é necessária para satisfazer as necessidades sempre crescentes da acumulação. A queda da taxa de lucro é um índice para a queda relativa na massa de lucro que numa fase superior da acumulação torna-se uma queda absoluta.

Para a acumulação continuar, mais e mais do mais-valor produzido pelos trabalhadores deve ser usado para o desenvolvimento do aparato produtivo, reduzindo, assim, as partes destinadas ao trabalho adicional e ao consumo dos capitalistas. Eventualmente, este processo tem que se aproximar dum ponto no qual todo o mais-valor é necessário para que uma acumulação seja possível. Neste momento, os capitalistas são forçados a aumentar tremendamente a exploração dos trabalhadores para possibilitar que algum lucro compense este desenvolvimento. A luta de classes se aguça. Caso a quantidade de mais-valor produzida não seja suficiente para as necessidades do processo de acumulação, a despeito de sua exploração mais intensa, o processo de acumulação, então, cessa e resulta na crise.

Uma paralisação no processo de acumulação leva a uma crise geral que afeta todas as esferas de produção. O capital que é muito pequeno para ser investido lucrativamente torna-se, agora, na verdade, um excedente de capital. O crescimento do capital foi maior que o crescimento das possibilidades de expansão lucrativa. A sobreacumulação é o resultado, o que quer dizer que há, de um lado, um excedente de capital que não pode ser reinvestido em produção lucrativa e, de outro, um vasto exército de desempregados que não conseguem mais encontrar emprego. O processo de acumulação só pode ser retomado com a possibilidade de lucro; se esta possibilidade é excluída, então a crise de necessidade se torna de caráter permanente. Uma crise permanente significa, para o capitalismo, o colapso.

O Colapso do Capitalismo e suas Contratendências

A teoria da acumulação marxiana é a lei do colapso capitalista. A tendência do colapso é expressa na crise e é superada na crise. Se as crises são uma expressão do colapso, então o colapso final não é nada senão uma crise imperturbada por contratendências.

Contratendências são essencialmente experimentos para se reestabelecer a expansão do capital numa base lucrativa pela reorganização do mecanismo total de produção e distribuição. Em todas as crises anteriores, o sucesso destas tendências contrariantes mudou a depressão para um novo período de boom. Racionalização em geral, redução dos custos de produção, redução dos salários, redução da renda da classe média capitalista, depreciações de capital, eliminação de capital, desvalorização do capital, assegurar mais-valor extra por meio da expansão imperialista, movimentações imperialistas para obter matérias primas mais baratas, melhoria da relação com os mercados domesticamente e no mercado mundial e muitos outros fatores atuam como tendências para ajudar o capitalismo a superar a crise.

A conclusão de que esta crise é permanente e de que estamos no estágio mortal do sistema capitalista depende da análise das tendências contrariantes. Se houver quaisquer possiblidades de restaurar os lucros, mais acumulação, mais expansão, então estas devem ser consideradas.

Capitalismo Monopolista e as Contratendências Evanescentes

O capital monopolista numa depressão restringe a produção com o fechamento de alguns de seus empreendimentos. Se uma demanda maior entrar em ação, ele satisfaz isto com a reabertura das fábricas necessárias. A grande reserva de capacidades produtivas no capitalismo monopolista não necessita de novos e grandes investimentos para o capital fixo. Neste sentido, ele também restringe o progresso técnico. Numa fase superior, ele restringe o desenvolvimento dos mercados de meios de produção ao invés de desenvolvê-los.

Não se deve esperar a possibilidade duma revolução técnica que levaria à depreciação moral de amplas massas de capital porque a restrição da força produtiva se tornou uma “necessidade vital” para o capitalismo monopolista. Apesar de indicar um processo de colapso para o sistema, isto é verdadeiro. O capitalismo agora vive morrendo.

Em crises anteriores, a desvalorização do capital foi um fator importante rumo à recuperação. Ela diminuiu a composição orgânica do capital e, através disso, tornou o capital total menor para que os lucros se tornassem relativamente maiores. Na crise anterior, também, depois que as falências em massa haviam eliminado um grande número de empreendimentos capitalistas, aqueles que sobreviveram foram forçados a reduzir seus custos de produção pela competição num período de queda dos preços. Eram necessárias máquinas novas e maiores que pudessem operar lucrativamente no novo e menor nível de preço. A demanda por novo capital fixo aumentou e esta demanda levou consigo outras indústrias a um novo boom. Todavia, na crise atual, a grande quantidade de falências não teve um efeito similar.

Fica claro como uma desvalorização forçada do capital no capitalismo significa pouco se encararmos a produção do capital monopolista em relação à produção social total. Há indústrias em que 90% da produção social total é realizada pelo capital monopolista. Isto é especialmente verdade nos EUA. Quase a metade da produção social total numa escala internacional, nos ramos mais importantes da produção, é realizada pelo capital monopolista. Que resultado as falências de pequenas empresas poderia ter nesta condição? A depressão atual demonstrou que esta contratendência, a desvalorização do capital, praticamente se foi.

A racionalização ainda pode enriquecer um capitalista individual e, em alguns casos, solucionar seus problemas individuais; porém, para a sociedade como um todo, o processo de racionalização no capitalismo monopolista tende a tornar a sociedade mais pobre. Ainda pode ocasionar uma economia nos salários e reduzir os custos de produção, mas tudo que é economizado é consumido por gastos não produtivos oriundos do capital ocioso na forma de empresas fechadas e pela restrição adicional das possibilidades de mercado como um resultado do próprio processo. No estágio posterior da acumulação, ela torna-se uma racionalização debilitada; não serve mais como um meio de superar a crise, mas tende a aprofundar a depressão.

A exportação de capital, que no imperialismo é um dos meios mais poderosos para a retomada capitalista e um fator deveras importante para superar a crise, diminuiu a quase nada em escala internacional. A concorrência imperialista por mercados externos tornou-se consequentemente ainda mais aguçada. As tendências à guerra numa proporção mundial permanecem como uma ameaça constante.

A crise atual se distingue de todas as anteriores pelo fato de que as tendências contrariantes ou não estão presentes ou são fracas demais para operar com sucesso e restaurar os lucros a um ponto no qual a expansão adicional é possível, onde o capital ocioso pode ser posto em funcionamento e o processo de acumulação capitalista ser novamente retomado.

O Capitalismo em sua Crise Mortal

A redução no mais-valor total intensifica a luta entre os diferentes grupos capitalistas por sua porção do mais-valor. As manobras políticas dos diferentes interesses espelham esta situação econômica. A gravidade da crise atual, por exemplo, torna impossível para o capital industrial pagar as dívidas com o capital bancário ou até mesmo os juros sobre esse dinheiro. Falências industriais são acompanhadas por falências do capital bancário. A inflação e medidas similares são tomadas para liquidar estas dívidas e o custo desta liquidação é impingido no capital bancário, nas classes médias e na classe trabalhadora.

Em sua luta para aumentar seus lucros disponíveis, o capitalismo é forçado a realizar fortes investidas contra a pequena-burguesia para eliminar tanto dos estratos médios que consomem lucro quanto possível. O crescimento da classe média ocorre mais lentamente do que o processo de sua proletarização. A eliminação total da classe média, contudo, é impossível no capitalismo, pois, para assegurar sua própria existência, o capitalismo precisa da classe média.

Com a crise mortal do capitalismo monopolista, a crise agrária crônica se aprofunda. A desproporção entre os preços industriais e os preços dos produtos agrários força os agricultores em muitos países do mundo à rebelião escancarada. Relutantemente, o capitalismo é compelido a fazer concessões à população agrária na forma de reformas tarifárias, empréstimos e créditos estatais, estabilização dos preços, assistência direta em troca de uma redução na produção, etc. Estas concessões, no entanto, são normalmente feitas à custa dos trabalhadores.

O processo de pauperização da classe trabalhadora se desenvolve concomitantemente com o desenvolvimento do capitalismo. Na crescente do capitalismo, ele age como uma pauperização relativa, mas na crise mortal isso muda para a pauperização absoluta. Cortes salariais e uma piora geral das condições do proletariado resultam na miséria em massa. Para evitar agitações sociais, os capitalistas são forçados a dispensar assistência. Também são forçados a fortalecer seu “poder de coerção”, a força repressiva do Estado, para prevenir revoltas. A manutenção do Estado se torna cada vez mais cara. Em contradição à necessidade de aumentar os lucros para o capitalismo, há uma redução nos lucros disponíveis e, com ela, um aumento no custo de coisas improdutivas.

Conforme a crise se aprofunda, as possibilidades para até mesmo uma recuperação parcial diminuem e o colapso capitalista como uma tendência se torna cada vez mais ativo. O colapso político como uma tendência o acompanha, mas aqui também há contratendências que devem ser consideradas.

Tendências rumo ao “Capitalismo de Estado” e “Uma Economia Planificada”

A esperança de que o capitalismo superará sua crise atual pressupõe a outra esperança de que é possível desenvolver uma forma econômica superior ao capitalismo monopolista. Esta esperança é impossível no âmbito da propriedade privada. O “Capitalismo de Estado” não é, num sentido econômico, uma forma superior ao capitalismo monopolista, mas apenas uma face nova para esta. É uma medida política para combater os perigos políticos que acompanham as mudanças de classe na última fase do capitalismo. A base política da classe dominante se torna pequena demais neste estágio e ela tem que engajar o poder estatal no interesse do capitalismo monopolista mais diretamente.

A escassez de lucros e a impossibilidade de superar a depressão levam à intensificação da luta pela divisão do mais-valor. As relações sócio-políticas no capitalismo se tornam muito instáveis. A luta entre interesses financeiros, industriais e agrícolas intensifica a luta pelo controle do governo. Esta luta não é senão um reflexo político do aprofundamento da crise mundial. Apesar das muitas modificações possíveis, o grupo capitalista mundial, o capital monopolista, finalmente controlará as situações.

A Luta do Estrato Médio

A classe média que vive direta ou indiretamente do mais-valor não possui causa política em comum com o proletariado, embora tentem frequentemente engajar os trabalhadores em favor de sua causa especial. Sua esperança e luta é promover-se a partir de sua posição de pequenos burgueses à de um burguês de fato. Isto só é possível quando o capitalismo funciona e as chances são maiores quando ele funciona bem. A pauperização real da classe média, via de regra, não muda, num primeiro momento, sua atitude contra a classe trabalhadora, mas apenas aguça sua luta para escapar de um status proletário. A classe média torna-se não menos, mas mais inclinada capitalistamente. Contanto que suas esperanças possam ser preservadas, ela permanece como aliada da classe dominante e, com ela, a força mais poderosa contra a revolução proletária.

Os Interesses dos Agricultores

Geralmente, os agricultores, com exceção daqueles que, pela industrialização de suas empresas familiares já se consideram capitalistas, têm interesses diferentes dos capitalistas industriais e financeiros. O desenvolvimento se baseia parcialmente na destruição do antigo estilo agrário. É do interesse do capital manter os lucros dos agricultores tão baixos quanto possível para assegurar a si mesmo maiores lucros. Para cortar salários na indústria, é necessário que os produtos agrícolas tenham preços baixos. O atraso técnico da produção agrária concedeu certos privilégios aos agricultores, já que seus lucros não eram calculados na taxa de lucro média. A eliminação de lucro dos agricultores significa o alívio do fardo da depressão para o capitalista. Através do uso de cada vez mais capital fixo na agricultura, este privilégio dos agricultores está sendo eliminado, mas antes que toda a agricultura seja industrializada, ainda há um longo caminho a percorrer. Entrementes, a luta entre o agricultor e o capitalista nunca cessará, e esta luta é apenas outra expressão da crescente socialização do trabalho. A crescente especialização da produção agrária possibilita que o capital também controle cada vez mais os preços e lucros dos agricultores.

O agricultor não luta contra o capitalismo, mas por seus “interesses” dentro do capitalismo. Os agricultores defendem sua propriedade privada que é ameaçada pelo processo de expropriação do capital monopolista. A luta continuará enquanto o capitalismo durar. Na luta, uma parte dos agricultores será jogada contra a outra.

Uma situação de luta energética pela existência resulta, cada um lutando para evitar a eliminação. Os agricultores se tornam mais radicais e também mais revoltosos, mas num sentido reacionário. A luta dos agricultores por sua propriedade privada não os traz para mais perto dos trabalhadores, mas os transforma mais num inimigo da classe trabalhadora.

A política do movimento agrícola às vezes parece muito favorável aos trabalhadores que esperam seu apoio. Na verdade, estão interessados em salários altos para os trabalhadores industriais porque estão interessados em preços altos para seus produtos que entram no consumo da classe trabalhadora industrial. Esta atitude, contudo, muda imediatamente numa luta amarga contra a classe trabalhadora quando se torna uma questão de comunismo ou capitalismo. O comunismo não é uma solução para os agricultores, já que o comunismo expropria sua propriedade privada e a transforma em propriedade social. No comunismo, este é um ato radical. O processo de expropriação que ocorre no capitalismo monopolista é gradual e envolve apenas uma pequena fração dos agricultores de cada vez.

As frentes da luta de classes no capitalismo monopolista tornam-se mais claras do que nunca. Por um lado, têm algo a perder, mesmo que isso possa ser apenas suas esperanças; porém, por outro lado, não têm nada a perder, nem mesmo esperanças.

Na crescente do capitalismo, o processo de concentração e centralização se expressou na continuação da acumulação do capital total. Agora, no período de declínio do capitalismo, este mesmo processo é levado em frente apenas pela eliminação dos capitalistas mais frágeis, pela restrição e redução dos padrões de vida da classe média e dos agricultores e pela pauperização geral e absoluta dos trabalhadores. A tendência rumo ao capitalismo de Estado é a expressão política deste processo no período de estagnação do capitalismo monopolista. A concentração econômica também precisa de mais concentração política nas mãos do grupo capitalista dominante.

O “capitalismo de Estado” só pode ser realizado como uma tendência. Ele nunca pode ser completado. Esta é outra prova do fato de que o capitalismo monopolista tornou-se um grilhão para o desenvolvimento social da produtividade. Prova também o caráter permanente da crise atual.

As Tendências Rumo a uma “Economia Planificada”

As tendências ao “capitalismo de Estado” estão ligadas intimamente às tendências capitalistas rumo a uma “economia” mais “planificada”. Realizam-se tentativas de copiar o exemplo russo, desconsiderando a diferença no desenvolvimento econômico nos diversos países. Isso é especialmente verdade nas nações fascistas e aquelas que estão se inclinando em direção ao fascismo. Continua-se uma propaganda intensa pela economia planificada que suprimirá a desproporção nos diferentes ramos de produção, eliminará a competição, regulará os salários, o tempo de trabalho e os preços das mercadorias pelo Estado. Até mesmo o controle dos lucros é levado em consideração.

A “economia planificada” capitalista é uma impossibilidade porque o sistema só pode se desenvolver e funcionar contanto que seja anárquico. Na relação de capital, uma economia planificada pressuporia um capitalismo estático e um capitalismo estacionário significa uma crise permanente. Mesmo que estas teorias da economia planificada fossem aplicadas, elas seriam suprimidas assim que se iniciasse um novo boom. Um novo período de boom só é possível com a retomada da acumulação. Isso equivale a um ímpeto à produção capitalista, não uma restrição; isso significa um aumento, não uma redução na anarquia capitalista.

Os experimentos da “economia planificada” realizados nos EUA, Itália e Alemanha provaram que este processo só era para atender aos interesses do capital monopolista. Eles assumem a forma de trustificação forçada, organização de cartéis, créditos estatais, acordos salariais com base na repartição da miséria geral, exploração do trabalho barato dos desempregados, redução do custo do seguro desemprego, etc. Todas estas coisas ajudam; nenhuma delas fere os interesses do capitalismo, mas não solucionam a crise.

O New Deal

O programa New Deal do governo Roosevelt não foi nada mais que a nova concepção do movimento monopolista do capital americano na crise permanente. Seu único valor para o capitalismo como um todo foi o fortalecimento da ideologia capitalista. Os meios de realizar isso eram meios muito simples. Roosevelt emprestou do Movimento Operário Americano, que ainda segue as concepções do liberalismo, os slogans de reformas. Estes slogans e ideias foram formulados para solucionar a desproporção nos diferentes ramos de produção; para eliminar a competição injusta; para promover salários mais altos (?); uma jornada de trabalho menor; um sistema bancário melhor; e outras frases que às vezes se tornaram até mesmo sensacionais.

Em contraste aos slogans e à propaganda do New Deal, sua prática era completamente diferente. Cada uma de suas tentativas fracassou. Cada uma destas ideias se provou um fracasso. Nenhuma recuperação foi alcançada. Nenhuma expansão da produção se iniciou; créditos industriais não cresceram e os números do desemprego não foram afetados. Os projetos agrícolas permaneceram apenas como demonstrações da insanidade do sistema através de sua destruição de produtos agrícolas e suas restrições de produção; mas isso não removeu de modo algum o fardo do agricultor. A eliminação da “competição injusta” só foi dirigida contra as sweatshops concorrentes de pequenos capitalistas e que foi, nisso, um meio para uma maior concentração de capital que levou a um aprofundamento da crise geral. O resultado do encurtamento da jornada de trabalho foi negado por uma maior racionalização e não teve efeitos sobre a situação dos desempregados. Todas as belas teorias fracassaram como um meio de superar a depressão.

É verdade que o CWA[4] deu empregos temporários para um grande número de desempregados, o que resultou, por sua vez, num leve boom em certas indústrias; mas as estatísticas provam que a soma do total de salários não cresceu, mas, na verdade, caiu. Os preços dos bens de consumo dos quais os trabalhadores precisam crescem mais rapidamente que os salários. Com o New Deal, os trabalhadores, como uma classe, receberam menos do produto social total do que recebiam antes. A política de Roosevelt apenas aumentou o ritmo do processo de pauperização geral. Resultou somente numa distribuição mais planificada da miséria para a classe trabalhadora. A sobreacumulação do capital, mesmo que se admita bastante sucesso na eliminação da concorrência, ainda está operando e leva ao colapso capitalista.

Fascismo

A redução dos lucros na crise geral intensifica a luta de classes. A luta política, assim como a econômica, torna-se mais aguçada. Em virtude do processo de concentração, a base política para governar o capitalismo torna-se pequena demais. Para os capitalistas, torna-se necessário fortalecer suas forças políticas engajando a classe média e os fazendeiros em seu apoio. Os antigos métodos democráticos não são mais satisfatórios; eles devem ser trocados por métodos mais espertos e mais diretos. Um governo não basta mais; é necessária uma ditadura. A fermentação e agitação sociais na última fase do capitalismo devem ser suprimidas e controladas para que o sistema possa sobreviver.

A Ideologia Social

A consciência social é, no capitalismo, uma ideologia como em todas as outras sociedades de classe. O propósito dessa ideologia é ocultar o caráter real do capitalismo; ocultar os diferentes interesses de classe e a luta de classes. Na realidade capitalista, não existem interesses comuns. Ele tem que falsificar, por meio da ideologia, uma aparência de interesse comum para possibilitar uma prática social. As necessidades do capitalismo são identificadas como as necessidades de toda a raça humana.

Com o aguçamento da luta de classes real e a crescente contradição entre ideologia e realidade, torna-se cada vez mais difícil manter a farsa da colaboração de classe como sendo os interesses de todas as classes. Torna-se necessário lutar contra a ideia da luta de classes mais impiedosamente. O capital, por meio de seu porta-voz da classe média, torna-se “social”; não ignora mais a luta de classes, mas torna a luta de classes responsável por todas as dificuldades capitalistas. A luta de classes não é um resultado da crise; mas agora, para o capitalismo, a crise é o resultado da luta de classes. A ideia da luta de classes é dada como uma invenção, trazida ao mundo por criminosos marxianos. É perigosa não só para o capital, mas para toda a sociedade. O “socialismo” real torna a abolição da luta de classes necessária. A luta de classes não é suprimida com a eliminação das classes, mas pela destruição da “ideia” da luta de classes marxista. As classes médias, que preferem permanecer como uma classe média ao invés de se tornar proletárias, agarram-se a essa ideia e, por isso, são levadas a uma frente com o capital monopolista contra os trabalhadores. O movimento operário ressaltou o que distingue as classes; agora, o capitalismo indica o que une as classes.

O ultranacionalismo também se torna uma grande parte da ideologia capitalista, então o fascismo se torna “nacional-socialista”. A nação é colocada contra o resto do mundo, ou contra inimigos especiais. Um “terceiro” fator, não o sistema de classes, é responsável por toda a miséria na qual as pessoas se encontram num país em particular. A propaganda em favor de aventuras imperialistas é, por isso, imensamente fortalecida.

O fascismo, contudo, não está necessariamente ligado a uma ideologia específica. Pode variar de acordo com peculiaridades, a história, o grau de desenvolvimento e outras coisas especiais nos diferentes países. O aspecto essencial, entretanto, é o mesmo em todos os lugares. Ele é desenvolvido para preservar a ordem social existente.

Os desejos da classe média eram mais bem atendidos no passado do que no presente. Isto torna a ideologia fascista reacionária. “De volta aos bons tempos” é o grito do fascismo na Europa; “de volta aos dias do velho oeste” é o grito nos Estados Unidos, mas é reacionário apenas como uma ideologia. Na realidade, satisfaz o processo de mais concentração do capitalismo e salva os lucros para a classe dominante.

O fato de o fascismo também existir nos países menos desenvolvidos não altera a conclusão de que ele é uma forma de governo no capitalismo monopolista. O czarismo, por exemplo, só se distingue do fascismo alemão pelo fato de que, no primeiro caso, um regime feudal tentou manter o poder; e, no segundo, um regime capitalista luta para permanecer no controle da sociedade.

O fascismo na crise geral é uma situação de barbárie capitalista. Matar torna-se uma ciência política; o roubo acontece como economia. A pauperização dos trabalhadores, como a única fonte que torna lucros possíveis, torna um proletariado passivo necessário. Para realizar isto, deve-se dar privilégios suficientes aos assassinos. A rebelião da classe média se dirige essencialmente não contra o capitalismo, mas contra sua própria pauperização. O fascismo faz uso de todas as energias da classe média e a envolve nos interesses do capitalismo contra a única classe revolucionária – o proletariado.

Nos Estados Unidos, com o colapso do New Deal, considera-se provável que o regime de Roosevelt vá se tornar uma ditadura fascista; mas esta conclusão não está necessariamente correta. O fascismo é a melhor forma de governo na crise permanente para o capitalismo monopolista, mas não é uma necessidade absoluta. Uma ditadura da classe capitalista, esses mesmos, é possível aqui, onde a classe média é relativamente fraca. Apenas quando existe uma condição na qual os trabalhadores estão numa condição ameaçadora, quando a classe média se revolta, quando uma situação realmente revolucionária se apresenta perante o capitalismo, só então a classe dominante será forçada a promover as tendências fascistas.

As novas organizações fascistas que estão sendo organizadas nos Estados Unidos e que tentam copiar o movimento de Hitler não são as forças fascistas essenciais, mas são meramente empresas privadas de pequenos políticos. As verdadeiras reservas fascistas estão nas organizações mais antigas, como a Legião Americana e a Federação Americana do Trabalho, que sempre foram a expressão de toda força reacionária da classe média e da aristocracia proletária. Estas organizações ainda não são fascistas porque a luta de classes ainda não se desenvolveu a um ponto na qual será necessário que o capitalismo americano acione suas últimas reservas. Quando a classe média torna-se mais pauperizada do que atualmente, o movimento fascista crescerá mais rapidamente nos Estados Unidos do que em qualquer outro lugar; na verdade, na situação atual nos Estados Unidos, o fascismo tem mais chances de se desenvolver do que o movimento operário revolucionário.

O antigo movimento operário morre com o capitalismo. Isso possibilita que o fascismo inclusive atraia muitos trabalhadores para suas fileiras. O desenvolvimento leva da reforma social ao fascismo social. Apesar deste desenvolvimento, contudo, para a classe trabalhadora escapar de sua miséria nada mais é possível senão derrubar o fascismo e o sistema capitalista. A crise mortal é, neste sentido, diferente de todas as crises anteriores na medida em que, mesmo que uma parte da classe capitalista supere a depressão do ponto de vista de seus lucros, para os trabalhadores, a continuidade do capitalismo só quer dizer a piora constante de suas condições. A porção que os trabalhadores recebem do produto social será sempre menor; fome e morte são as únicas perspectivas, no capitalismo, para os trabalhadores.

O caráter internacional da depressão e o caráter internacional da luta de classes forçarão a ditadura da classe dominante por todo o mundo. O fascismo torna-se uma ameaça mundial. Para escapar desta situação, nada mais é possível senão que os trabalhadores derrubem o capitalismo com a revolução mundial. A história determinou o estágio – fascismo por todo o mundo ou revolução mundial – barbárie ou comunismo.

O Antigo Movimento Operário

A análise econômica demonstrou que a situação objetiva para a revolução está presente. A situação política, contudo, é diferente. Num sentido relativo, a burguesia internacional nunca foi politicamente forte, a despeito de seu caótico status econômico. O movimento revolucionário da classe trabalhadora sofreu uma derrota após a outra, culminando com a aniquilação do movimento alemão, que era a chave para a revolução mundial. Estas derrotas podem ser atribuídas não só ao despreparo do movimento, mas também ao fato de que os trabalhadores fracassaram em compreender a importância da crise permanente e ao fato de que o movimento não se livrou dos métodos e tradições do antigo movimento operário que são obstáculos à revolução.

O antigo movimento operário teve seu começo e desenvolvimento durante o período de crescimento do capitalismo, um período no qual o processo de pauperização dos trabalhadores só ocorria duma maneira relativa. A teoria marxiana de que a acumulação de capital caminhava de mãos dadas com a acumulação de miséria dos trabalhadores foi, para o observador superficial, derrotada. Aparentemente, à medida que a produtividade crescia, o padrão de vida dos trabalhadores também se tornava melhor. O fato de que, em relação ao que produziam, os trabalhadores recebiam cada vez menos – que os trabalhadores recebiam uma parte cada vez menor do produto social foi ignorada. As organizações sindicais e parlamentares social-reformistas cresceram e até mesmo a influência política dos trabalhadores pareceu aumentar. Uma política oportunista onde os trabalhadores obtiveram reformas alinhando-se a grupos capitalistas contra outros grupos capitalistas, tirando vantagem, assim, das divisões entre os capitalistas, não mostrou nada senão o atraso da luta de classes. Esta foi a base do antigo movimento operário num período em que apenas reformas eram possíveis. Até mesmo o movimento operário podia ter apenas uma política capitalista. A luta entre capital e trabalho era por uma parcela maior do produto social – uma luta na base de e dentro do quadro da sociedade capitalista.

A teoria do colapso econômico e o princípio da revolução foram facilmente perdidos e em seu lugar cresceu o ideal de “se desenvolver pacificamente ao socialismo”. Os interesses do movimento operário foram identificados com os interesses da sociedade como um todo e, então, consequentemente, com os interesses dos capitalistas. Para o reformismo, a causa da crise foi a insuficiência da organização capitalista. O problema não estava na produção capitalista, mas na circulação das mercadorias e na competição. Isso seria solucionado pela concentração de capital e pela educação dos trabalhadores na medida em que eles adquiririam poder político legalista o bastante para suscitar o socialismo por meio da legislação. A luta revolucionária foi jogada ao mar e estas políticas capitalistas tomaram seu lugar na medida em que o movimento se tornou apenas uma ferramenta no controle do capitalismo.

Da Reforma Social ao Fascismo Social

Com o advento da Guerra Mundial, o movimento operário do pré-guerra, que se reuniu na II Internacional, abandonou todas as frases socialistas e passou a defender os capitalistas nos diversos países. Provaram que sua forma reacionária não era senão um manto para seu conteúdo reacionário[5]. Também mostraram no período revolucionário no fim da guerra que estas organizações que foram construídas para lutar por reformas no capitalismo não podiam tirar vantagem de uma situação revolucionária.

No estrondo das revoltas revolucionárias russas e da Europa central nasceu o novo movimento operário. Um movimento revolucionário num período revolucionário. O objetivo era a derrubada do sistema capitalista. Os meios foram as novas organizações operárias: os comitês de ação, os conselhos operários, os sovietes.

O antigo movimento operário foi mais uma vez capaz de servir ao capitalismo. Ele derrotou o jovem movimento revolucionário com o massacre de muitos milhares de trabalhadores revolucionários na Alemanha e ao tomar o controle dos sovietes das mãos dos operários na Rússia e ao instituir a ditadura do partido bolchevique sobre os trabalhadores. Com novos nomes, novos slogans e novos líderes, a III Internacional tornou-se o centro dos recém-organizados resquícios do antigo movimento operário. Uma aparência nova, mas o mesmo velho conteúdo social-democrata. Assim, iniciou-se um período de troca de votos sindicalista e falcatruas parlamentares em que a classe trabalhadora foi de uma derrota a outra.

O Desenvolvimento Russo

Para compreender a III Internacional, o movimento bolchevique com suas diversas oposições, como os neo-bolcheviques da “IV Internacional”, é necessária uma análise do desenvolvimento russo.

Os trabalhadores industriais que assumiram a liderança e lutaram na revolução russa lutaram pelo interesse do comunismo. Entretanto, os camponeses, que eram a vasta maioria da força real da revolução não foram além da nova distribuição das terras. Sua vontade principal era uma revolta contra as condições feudais para criar as possibilidades de desenvolvimento da técnica agrária capitalista. Eles têm sido continuamente um fator determinante no desenvolvimento da Rússia desde 1917.

O caráter econômico atrasado do país não permitia a construção de uma sociedade socialista. A única política possível sob estas condições era fazer quaisquer concessões que fossem necessárias, a fim de manter o poder. Esta política de concessões, tanto numa escala nacional como internacional, se desenvolveu a um ponto em que ela é, agora, dirigida contra os interesses do proletariado industrial mundial e da revolução mundial.

É verdade que esta política de concessões deveria ser adotada apenas temporariamente e seria abolida logo que a revolução mundial se espalhasse pela Europa; porém, com a derrota dos trabalhadores alemães em 1919, e novamente em 1923, a esperança de uma revolução mundial contínua foi abandonada. O objetivo principal tornou-se manter e fortalecer o poder do partido bolchevique na Rússia.

Como o maior partido na III Internacional, o Partido Comunista Russo tornou-se a seção dominante. A III Internacional ter sido realizada em Moscou fortaleceu esta tendência. Com os interesses nacionais e internacionais da Rússia como uma influência determinante, a III Internacional seguiu construindo partidos de massa nos vários países para apoiar o desenvolvimento russo. As diferentes seções do movimento comunista foram forçadas a adotar políticas reformistas e oportunistas para competir com os partidos da II Internacional a fim de controlar e usar grandes porções da classe trabalhadora. A defesa da União Soviética se tornou o primeiro princípio de todos os partidos comunistas da III Internacional. A revolução mundial do proletariado foi passada para o segundo plano e a primeira obrigação dos comunistas agora era apoiar o regime bolchevique e “construir o socialismo na Rússia”. Qualquer crítico desta política era imediatamente expulso. A tradição do sucesso bolchevique de 1917 encobriu sua prática contrarrevolucionária.

O alívio momentâneo que deveria salvaguardar o regime bolchevique levou ao crescimento de uma forte burocracia. A “ditadura dos trabalhadores” tornou-se uma ditadura da burocracia sobre os trabalhadores. Eles identificaram seus interesses com os interesses dos trabalhadores russos e inclusive com aqueles da classe trabalhadora internacional. Todas as conveniências que consideraram necessárias foram realizadas “no interesse da revolução mundial”. Alianças comerciais, alianças militares com países capitalistas, paz mundial para prosseguir com o processo de industrialização e se preparar para ações imperialistas, matando todos os movimentos revolucionários reais em nome do comunismo, construindo um novo sistema de exploração dos trabalhadores sob o nome de “comunismo de Estado”, isso resume a política atual da burocracia e sua ferramenta – a Internacional Comunista.

A atividade principal das diversas seções da III Internacional tornou-se a propaganda em nome da Rússia. Ao retratar o lindo progresso feito na “Pátria Operária”, os trabalhadores de outros países devem ser convencidos de que seguir o exemplo dos trabalhadores russos é sua solução. Aqui, novamente, como com a II Internacional, o processo revolucionário se torna um de propaganda, apenas. Algum dia, os trabalhadores serão convencidos e, como resultado de sua consciência, agirão. Aqueles que melhor conseguirem fazer propaganda serão bem sucedidos. Isso se chama “marxismo” e leninismo.

Construindo o “Socialismo”?

O objetivo de Lenin: “O Estado operário” ou “o capitalismo de Estado sob o controle operário” (que é, afinal, uma utopia) realmente levou ao desenvolvimento de um capitalismo de Estado que controla os trabalhadores. Todas as tendências socialistas estão sendo mortas, ao passo que as tendências capitalistas estão se tornando mais fortes. Na ideologia predominante, que é necessária para cobrir as realidades, ele é descrito como “comunismo de Estado” e “construção do socialismo”. A base econômica, contudo, é a exploração dos trabalhadores. No lugar dos antigos exploradores capitalistas e feudais, novos – a burocracia organizada – estão no controle. Esta burocracia, não os trabalhadores, tem controle sobre os meios de produção e, consequentemente, também sobre os produtos. Com isso, a exploração dos trabalhadores é garantida.

Explica-se que, embora a exploração permaneça agora, num estágio posterior do desenvolvimento, ela será devolvida aos trabalhadores na forma de benefícios sociais e salários crescentes. Entretanto, a prática do comunismo de Estado provou que com seu desenvolvimento os trabalhadores não são menos, mas sim mais explorados. É verdade que podem mostrar que os salários dos trabalhadores aumentaram, mas não aumentaram tão rapidamente quanto a produtividade. Temos aqui o processo de pauperização relativa dos trabalhadores que se torna pauperização absoluta num estágio posterior de desenvolvimento. Ao ressaltar que não há desemprego, não se prova nada senão o fato de que o desenvolvimento industrial não foi capaz de converter o campesinato em trabalhadores assalariados industriais tão rapidamente quanto é exigido pela técnica atual. Num estágio de industrialização posterior, o desemprego deve necessariamente desenvolver-se do mesmo modo que em outros países capitalistas.

A relação salário e capital da produção russa, a produção de valores de troca, o controle sobre os meios de produção pela burocracia e não pelos trabalhadores exclui qualquer desenvolvimento rumo ao comunismo na Rússia. Este novo sistema de exploração desenvolve uma nova classe dominante que é tanto inimiga da revolução proletária quanto os capitalistas de antes. Uma nova revolução proletária torna-se a perspectiva dos trabalhadores russos. A relação de capital na produção inevitavelmente resultará em miséria crescente para os trabalhadores, em crise e no colapso final.

A política da III Internacional de converter o caráter do movimento comunista num exército de defesa da Rússia desvia estes trabalhadores organizados da luta de classes de fato e da luta real pela revolução proletária e pelo comunismo.

Tradições Bolcheviques

Tradições do passado sempre inibem o desenvolvimento real do presente. Os trabalhadores continuam a lutar na luta de classes da mesma maneira que lutaram no passado. A despeito do fato de que ambas as Internacionais colapsaram como organizações revolucionárias, a ideologia destas organizações ainda existe e inibe o desenvolvimento da real consciência revolucionária. Nos países onde o movimento operário foi destruído, os trabalhadores construíram-no novamente sobre os antigos princípios e nas velhas formas que possuíam antes.

Os grupos de oposição que criticam duramente a III Internacional por seu oportunismo e suas contradições tentam construir um movimento neo-bolchevique. A crítica que oferecem, contudo, é puramente baseada na tática. As táticas incorretas da Internacional Comunista e suas diversas seções são resultados da fraca liderança.

Torna-se uma questão de boa ou má liderança, uma posição baseada em pura especulação porque ninguém pode saber por quanto tempo líderes continuarão a serem bons ou em quanto tempo se tornarão ruins. A luta competitiva entre líderes e burocracias no movimento caracteriza a luta entre a Internacional Comunista e suas oposições. Em sua luta, eles tentam elevar a luta entre facções políticas à história mundial.

Todo o programa dos neo-bolcheviques dos grupos da “IV Internacional” pode ser resumido em seu slogan, “Retorno a Lenin”. No que diz respeito a Lenin, ele não fez nada a mais nem a menos do que propor a demanda marxiana pela ditadura do proletariado num país atrasado duma forma modificada. A modificação desta demanda da ditadura dos trabalhadores na ditadura do partido foi resultado do atraso do país. O sucesso bolchevique de 1917 é um sucesso histórico. O sucesso de sua política naquele momento não garante sucesso noutro país noutro período histórico. O “Retorno a Lenin” é, na realidade, uma frase insignificante e estúpida. Uma distinção entre o leninismo e o stalinismo não é possível, já que este é o resultado daquele. Não é meramente uma derrota do stalinismo que confronta o movimento mundial, mas todo o período bolchevique que começou com Lenin encontrou seu fim histórico. A questão hoje se tornou bolchevismo ou comunismo.

Tanto para o movimento bolchevique como para o movimento reformista da II Internacional, o desenvolvimento da consciência de classe era determinado pelo desenvolvimento do Partido. Sem o Partido correto, sem as táticas e liderança corretas, os trabalhadores estavam desamparados. Os trabalhadores podem lutar, mas suas lutas não poderiam ser bem-sucedidas sem o partido correto na liderança. Então, o Partido se torna a coisa determinante. O partido correto é aquele com o programa e tática mais corretos. A tática correta depende da liderança correta e, então, em última análise, a história torna-se novamente a obra de grandes homens.

A Questão dos Sindicatos

A luta das burocracias em concorrência no movimento se manifesta nas tentativas de construir organizações de massa. Com este objetivo, sua abordagem do movimento sindical se torna uma de tentar conquistar os trabalhadores operando dentro dos sindicatos ou se mostra em tentativas de conquistar o controle dos sindicatos. Uma análise do movimento sindical é necessária.

O sucesso dos sindicatos depende da condição na qual uma parte dos trabalhadores melhora a si mesmos à custa do resto da classe trabalhadora. Pressupõe uma divisão dos trabalhadores na minoria organizada e a maioria desorganizada. Não pode em momento algum representar os interesses da classe trabalhadora. Só pode funcionar no capitalismo, e quanto mais estável o capitalismo estiver, melhor ela pode funcionar. Sua função se concentra na luta da seção organizada dos trabalhadores por reformas na luta contra o processo de pauperização relativa no período de crescimento de capitalismo. Na crise permanente, quando o processo de pauperização se torna absoluto, o movimento sindical perde todas as possibilidades de funcionar mesmo no interesse da seção organizada. Pior, tornam-se não só passivos na luta entre capital e trabalho, mas, na verdade, reacionários na medida em que operam para derrotar todas as lutas reais dos trabalhadores contra a usurpação de seu padrão de vida pelo capital.

Por causa da tendência a greves espontâneas e a possibilidade de que a liderança burocrática do movimento sindical possa perder o controle dos trabalhadores na última fase do capitalismo, ele perde inclusive seu valor para a classe capitalista. Como resultado, ele muda para um “baluarte contra a revolução” e torna-se um dos melhores apoiadores do sistema. Com a neutralização de grandes seções dos trabalhadores, é uma força tão grande em favor do fascismo quanto o movimento fascista o é ao lutar por ele.

A política de “perfurar por dentro[6]” de capturar os sindicatos ou revolucioná-los é tão impossível quanto a política socialista de revolucionar o governo capitalista. Os novos sindicatos comunistas, em países em que tinham uma chance de se desenvolver, provaram-se tão reacionários quanto os antigos.

Quando a crise capitalista se aprofundar a um estágio perigoso, o capitalismo destruirá os sindicatos ou os tornará organizações fascistas servis operando contra os trabalhadores. Não podem mais permitir que eles funcionem independentemente por causa do perigo de que a liderança possa perder seu controle e os trabalhadores possam precipitar uma luta que seria perigosa para o capitalismo num período tão precário.

Na crise permanente, o movimento sindical chegou a seu fim histórico e deve ser demolido como uma ameaça ao movimento revolucionário.

Participação na Política Parlamentar

Os partidos políticos-parlamentares são construídos como os sindicatos, com uma liderança burocrática no topo que controla os membros e as atividades da organização. A organização sempre funciona nos interesses da burocracia ao invés dos interesses dos trabalhadores.

Os parlamentos pertencem à classe capitalista e ao sistema capitalista. Sua função é servir como um instrumento para as diferenças legais entre os grupos capitalistas dentro do sistema. São absolutamente inúteis como um “Tribunal revolucionário”, e na depressão permanente não podem nem sequer permitir a menor reforma em favor dos trabalhadores. O uso de eleições como um “barômetro da maturidade da classe trabalhadora” é apenas outra desculpa para a falcatrua parlamentar; um “parlamentarismo revolucionário” é impossível, já que a participação na atividade parlamentar se baseia na concessão, e isso significa que os trabalhadores devem abrir mão de seus reais interesses de classe.

O parlamento também serve como um meio de pôr ilusões nas cabeças dos trabalhadores. A iniciativa e a luta ativas dos trabalhadores não são necessárias. Os líderes obterão os resultados para eles nos parlamentos. Ante o Fascismo Mundial crescente, é um crime exigir a participação em atividades parlamentares que distraiam os trabalhadores da luta real para uma luta ilusória.

Na última fase do capitalismo monopolista, o parlamentarismo perde seu valor inclusive para a classe capitalista. Mesmo como uma ideologia, a “democracia” não pode ser tolerada. A ditadura fascista se torna o único meio de controle absoluto necessário ao capitalismo.

A atividade de construir os partidos políticos historicamente desgastados derrota o movimento revolucionário da classe trabalhadora no fato de que negligenciam, com isso, a luta de classes real e o movimento revolucionário real.

O Novo Movimento Operário Revolucionário

Para o reformismo, bem como para o bolchevismo, o desenvolvimento da consciência de classe significa o desenvolvimento do Partido. O Partido é a cabeça, o cérebro, o diretor na luta de classes e da revolução. Sem um Partido, e especialmente sem um partido com o programa correto e as táticas corretas, os trabalhadores estão desamparados. Os trabalhadores podem se revoltar, mas sem a liderança do partido eles não podem lutar com sucesso. O ritmo de desenvolvimento do partido é o ritmo da revolução em si. Slogans corretos e táticas corretas são importantes e a liderança é a mais importante de todas. A iniciativa das massas é assassinada; a disciplina de acordo com a linha do partido é o que importa. A influência do partido é tudo, a revolução é apenas o resultado desta influência.

A lealdade ao partido significa, em última análise, lealdade à burocracia no controle. Não pode haver controle dos próprios trabalhadores; também não pode haver uma real frente única dos trabalhadores por causa da competição entre os diversos grupos de líderes.

A concepção do antigo movimento operário, de Kautsky a Lenin, de que os trabalhadores, por si próprios, nunca desenvolverão uma consciência de classe real, de que o partido é necessário para levar essa consciência às massas, é uma concepção mecânica do papel que a consciência desempenha na luta de classes e não tem nada a ver com Marx ou com o marxismo. Para Marx, a revolução do proletariado é inevitável. Ela surge a partir do processo social do desenvolvimento das forças produtivas. O proletariado, uma força produtiva em si mesma, uma classe independente da ideologia de qualquer organização, é a materialização da consciência de classe que resulta do movimento dialético da sociedade de uma forma inferior a uma forma superior. Mesmo que a revolução e a consciência sejam um processo intercambiante, a revolução é o fator principal. A revolução é o fator determinante, não a ideologia.

A consciência de classe não precisa se expressar na forma-partido; também pode se expressar em outras formas de organização. Se o partido expressou a cristalização da consciência de classe num momento durante o processo histórico, não segue que este será sempre o caso. O fato de que o partido nunca foi, nos últimos vinte anos, o fator determinante em qualquer situação revolucionária é um fato indisputável. Os sovietes, os comitês de ação, os conselhos militares e operários foram a expressão espontânea dos trabalhadores em luta.

A consciência de classe revolucionária pode ser expressa e é expressa no capitalismo como uma ideologia. Mas é mais do que isso; também é idêntica à luta material dos trabalhadores independentemente de sua ideologia. Surge da necessidade e das lutas dos trabalhadores em ação, conforme o processo histórico e econômico se desenvolve. A consciência de classe separada da classe trabalhadora em ação não significa nada.

Os sovietes

No último estágio do período de declínio capitalista, a classe dominante não pode tolerar nem mesmo o menor distúrbio econômico. Sua posição se torna tão precária que deve suprimir o menor movimento por parte dos trabalhadores. É forçada a lutar contra os trabalhadores como se fossem revolucionários, independentemente de quão atrasada possa ser a ideologia destes trabalhadores. Com isso, forçam os trabalhadores a contra-atacar como se estivesse lutando por fins revolucionários. Contra sua vontade, a classe dominante ensina aos trabalhadores a arma da guerra civil. O capitalismo não só produz seus próprios coveiros, como também mostra a eles como lutar contra o capitalismo com sucesso.

O fascismo destruirá o antigo movimento operário, mas precisará erigir uma nova burocracia em seu lugar. Para deter o poder, para garantir sua própria existência, a nova burocracia deve suprimir continuamente o movimento operário. A crise permanente força o terror permanente, uma expressão da barbárie capitalista em sua última fase. Pode retardar a organização dos trabalhadores, mas não pode parar a luta de classes.

Novas organizações crescerão e desaparecerão e, novamente, novas crescerão em seu lugar. Nenhuma delas será permanente ou poderosa o bastante para controlar grandes porções dos trabalhadores. Organizações grandes e centralizadas não serão mais possíveis numa situação de ditadura capitalista.

Entretanto, a necessidade política da classe dominante de isolar e de atomizar os trabalhadores, por assim dizer, não altera a necessidade econômica de ter trabalhadores juntos em grandes quantidades nas fábricas, nas indústrias, nos centros de desempregados, em projetos de obras civis, etc. Onde os trabalhadores estão reunidos com interesses comuns, situações comuns, eles se organizarão na nova forma que não pode ser controlada ou destruída. Eles se organizarão para agir e escolher uma liderança a partir de suas próprias fileiras. Os comitês de ação são aqui a única liderança possível nos conselhos operários, os sovietes. A liderança dos trabalhadores, nunca separada dos trabalhadores em luta, sob o controle dos trabalhadores, sofrerá em caso de derrota assim como os trabalhadores que são derrotados. Os sovietes, ou conselhos operários, que têm sido a organização real dos trabalhadores em todas as revoltas da classe trabalhadora, tornam-se, na crise permanente do capitalismo, a única forma possível de organização. A supressão capitalista dá luz à organização e aos instrumentos de luta.

Estas organizações, apesar de sua fraqueza organizacional, terão em suas fileiras os revolucionários reais. Sua clareza significará mais nas próximas ações de massa do que o seguimento automático de líderes que distingue o antigo movimento operário. A iniciativa própria dos trabalhadores caracterizará estes movimentos. Os sovietes se tornam a prática da classe trabalhadora e, com isso, a revolução se torna a questão do dia. A revolução é obra do proletariado enquanto classe e só se pode fazer a classe agir acima de todos os interesses de grupos e partidos e ela só pode ser bem-sucedida nesta função na forma de sovietes.

O Papel do Partido

O partido comunista revolucionário é um instrumento da revolução e, como tal, deve servir a esse propósito. Não tem interesses distintos da classe trabalhadora, mas é apenas uma expressão do fato de que as minorias tornam-se conscientemente revolucionárias antes das grandes massas. Ele usa essa vantagem apenas nos interesses da classe trabalhadora. Não busca poder para si mesmo ou para qualquer burocracia, mas trabalha para fortalecer o poder dos conselhos operários, os sovietes. Não está interessado em manter posições, mas em colocar o poder nas mãos dos comitês operários, exercido pelos próprios trabalhadores. Não busca liderar os trabalhadores, mas diz aos trabalhadores para eles usarem sua própria iniciativa. É uma organização de propaganda para o comunismo e mostra, pelo exemplo, como lutar na ação.

O partido comunista revolucionário não compete contra outras organizações por membros ou pelo controle das massas de trabalhadores. Não busca nenhum poder fora do capitalismo, então parlamentos e sindicatos não lhes são úteis; mas, percebendo a natureza reacionária destes, deve lutar contra todas as organizações que tendem a afastar trabalhadores da luta real e do objetivo revolucionário.

Pelo motivo de a exploração dos trabalhadores no capitalismo somente ser possível porque a classe capitalista controla os meios de produção e, logo, também o produto, o partido lutará não só pela revolução, mas para colocar este controle nas mãos dos trabalhadores. A revolução proletária pelo comunismo deve abolir o sistema do salariado, e, logo, o partido defende a eliminação da relação entre capital e salário. O partido luta pelo comunismo real contra o “comunismo de Estado” na medida em que luta contra a ditadura do partido pela ditadura do proletariado.

Embora o cenário ainda não esteja pronto nos EUA para o conflito final entre o capitalismo e o comunismo, isso não exclui a possibilidade de um programa revolucionário real. O partido, por não ter interesses distintos da classe trabalhadora, luta com eles em suas lutas pela existência em todos os momentos, sempre apontando para a necessidade final da revolução proletária. O partido se envolve nas lutas por demandas imediatas contanto que os próprios trabalhadores estejam direta e realmente envolvidos na luta. Recusa-se a fazer qualquer coisa pelos trabalhadores, já que ninguém pode fazer nada por eles que eles mesmos não possam realizar. O partido participará na luta dos desempregados, em greves e em toda atividade que aprofunde e aguce a luta de classes e desenvolverá a militância e a auto-iniciativa dos trabalhadores. O partido não se engaja, sob nenhuma circunstância, em qualquer forma de atividade parlamentar nem lida como um mediador entre o capital e o trabalho no campo sindical. Está interessado apenas na luta e disputa dos trabalhadores e na revolução proletária; ele deixa para seus inimigos a transformação do movimento operário num negócio.

Nós da classe trabalhadora nos encontramos, nesta, a crise final do capitalismo, numa situação de condições em piora contínua, miséria geral espalhada, sujeitos aos massacres de uma classe capitalista implacável, ameaçados por um vicioso movimento mundial do fascismo, traídos pela reacionária assim chamada liderança operária, prejudicados por tradições ultrapassadas e confrontados por numerosas lutas intensificadas. Nesta situação é necessário não só compreender o processo histórico, mas também reconhecer nossos inimigos. Nosso dever, nossa tarefa histórica, está diante de nós. Conforme a crise mundial se aprofunda, a situação revolucionária se aproxima, na qual deve se travar o conflito final contra a barbárie capitalista pela ditadura do proletariado e pela realização do comunismo real – a associação de produtores livres e iguais.

Programa do United Workers Party of America

A crise atual estabelece que o capitalismo passou de seu zênite e está agora nas fases de declínio. Será uma crise permanente enquanto a ordem capitalista durar. Daqui em diante, os capitalistas só podem reter sua posição como classe dominante pela pauperização geral, absoluta e contínua da classe trabalhadora. A fim de garantir este processo de pauperização ininterrupta, torna-se necessário descartar a estrutura política democrática e que a ditadura declarada tome seu lugar. O fascismo mundial confronta a classe trabalhadora, a não ser que ela realize uma revolução proletária bem-sucedida e estabeleça a ditadura proletária na forma dos sovietes.

O antigo movimento operário não pode satisfazer essa necessidade; não tem chance de sobreviver aos massacres da classe dominante. Não são capazes de realizar a tarefa histórica do proletariado. Os movimentos reformista, sindical, bolchevique e neo-bolchevique, mesmo contra suas próprias vontades, agirão nos interesses do capitalismo. Devem ser postos de lado para abrir espaço para os sovietes operários, as organizações de luta da revolução.

Diferentemente de outros partidos, que em sua ânsia por força numérica e influência fazem concessões às classes agrárias e à pequena-burguesia, o United Workers Party sustenta que a única classe revolucionária na sociedade é o proletariado. Lutamos com os trabalhadores em suas lutas por demandas imediatas contanto que os trabalhadores estejam engajados nestas lutas, sempre destacando que a solução final para a classe trabalhadora está na revolução proletária.

Opomo-nos a toda atividade parlamentar e sindical já que estas atividades não podem conquistar nada no período de crise permanente, mas tendem a agir contra os interesses dos trabalhadores como classe; apenas a luta real dos próprios trabalhadores pode alcançar quaisquer resultados. A revolução proletária é historicamente possível apenas durante o período de colapso do capitalismo e a única forma de organização que pode sobreviver e funcionar com sucesso durante esta fase são os conselhos operários liderados pelos comitês de ação.

Nossa teoria e prática é marxiana e nos consideramos o movimento comunista real do presente e do futuro. Trabalharemos pela unidade entre grupos como o nosso nos muitos países por todo o mundo para criar uma Internacional revolucionária real com base neste programa.

Obras de Marx

Capital, vol. 1 (tradução de Samuel Moore & Edward Aveling), Chicago, Charles H. Kerr & Company, 1906.

O capital, livro I (tradução de Rubens Enderle), São Paulo, Boitempo, 2013.

MEW Band 23 [Capital I], Berlin, Dietz Verlag, 1962.


[1] Publicado originalmente pelo United Workers Party, 1604, N. California Ave., Chicago, Illinois.

[2] Referência à passagem da Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel (Marx, 2010, p. 151). [N. T.]

[3] Mattick utiliza a tradução de Samuel Moore & Edward Aveling d’O capital, que possui diversas incorreções. Ilarion Ignatievich Kaufmann, citado por Marx (1906), p. 23, no prefácio à segunda edição alemã. No original, “einen naturgeschichtlichen Prozess”, mais bem traduzido como “um processo histórico-natural” (1962, p. 16 [2013, p. 89]). [N. T.]

[4] O Civil Works Administration foi um programa de criação de empregos temporários criado durante a Grande Depressão. [N. T.]

[5] Provável lapso de Mattick, que devia estar querendo se referir à sua “forma revolucionária” como algo que disfarçava seu conteúdo real, reacionário. [N. T.]

[6] Tática de se filiar a um partido de oposição com a intenção de subvertê-los ou convertê-los à sua ideologia. [N. T.]

Traduzido por Thiago Papageorgiou, a partir da versão disponível em: https://www.marxists.org/archive/mattick-paul/1934/fascism-revolution.htm. O texto original pode ser acessado em: http://aaap.be/Pdf/International-Council-Correspondence/World-Wide-Fascism.pdf.

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será publicado.


*