Autogestão e Comunismo: Paul Mattick (1904-1981) – Monica Quirico & Gianfranco Ragona

Original in Italian: Autogestione e Comunismo, Paul Mattick (1904-1981)

Autogestão e Comunismo: Paul Mattick (1904-1981)[1]

1          Vida e Obras

A vida de Paul Mattick se desdobrou em duas partes distintas: a primeira na Alemanha, de seu nascimento até 1926, e a segunda nos Estados Unidos, onde ele se estabeleceu com 22 anos de idade. Trabalhador fabril, comunista e conselhista, ele foi um militante ativo no tempo em que passou na Europa e nos primeiros anos depois de emigrar. Depois, seu engajamento se concentrou cada vez mais na atividade intelectual, tanto através das revistas que ele ajudou a publicar e dos círculos de discussão dos quais participou: ele publicou livros e numerosos ensaios em diferentes idiomas, desenvolvendo uma forte crítica tanto do mundo capitalista Ocidental e do assim chamado capitalismo de Estado soviético. Sua obra mais famosa, Marx & Keynes: Os Limites da Economia Mista, impressa em 1969, constitui o ponto mais alto do desenvolvimento de seu pensamento.

Mattick nasceu na Pomerânia, na cidade de Słupsk, na atual Polônia, mas se mudou ainda criança para Berlim com sua família. Seu pai, um social-democrata militante, tinha um emprego na Siemens lá. O ativismo moldado por seu pai o levou à esquerda e assim que ele completou 14 anos, ele se inscreveu na Freie Sozialistische Jugend (Juventude Socialista Livre). Ele também foi contratado pela Siemens e participou dos estágios iniciais da Revolução Alemã representando os aprendizes, se envolvendo, assim, com os Espartaquistas e então com o Partido Comunista (KPD, Kommunistische Partei Deutschlands – Partido Comunista da Alemanha). No racha do partido em 1920, ele tomou o lado do KAPD (Kommunistische Arbeiters Partei Deutschlands – Partido Comunista Operário da Alemanha) como muitas outras pessoas jovens e fundou um jornal, o Rote Jugend (Juventude Vermelha), com seus camaradas. Este projeto foi financiado em parte por meios de atos de “expropriação revolucionária” que, em alguns casos, eram de fato roubos. Foi neste contexto que Mattick foi preso pela primeira vez.

Nos eventos principais dos anos seguintes, ele sempre esteve no centro da ação. Em março de 1920, durante a tentativa de golpe de Estado de Wolfgang Kapp, ele participou da resistência democrática e dos trabalhadores. Ao passo que os conselhos estavam sendo reformados na bacia do Ruhr em conjunto com um “exército vermelho” real que se opunha às operações dos Freikorps, em Berlim, Mattick arriscou sua vida na tentativa de tomar armas abandonadas pelos putschistas: as autoridades o capturaram e ele conseguiu sobreviver de um cruel espancamento, ao passo que outros camaradas foram fuzilados no local.

Um ano depois, ele estava no local para as greves de março. Estas ações, disseminadas e radicais nas fábricas da Leuna em Mansfield, porém mais limitadas em Berlim, foram o palco no qual a tentativa de estender a revolta iniciada pelo KAPD e por seu sindicato associado, a AAU (Allgemeine Arbeiter-Union – União Geral dos Trabalhadores), fracassaram em última instância.

Mattick mas uma vez desempenhou um papel proeminente nas greves de 1923 na bacia do Ruhr, coincidindo com a ocupação Franco-Belga. Como trabalhador fabril em Colônia, ele se filiou ao conselho operário da empresa de engenharia Deutz e contribuiu com a organização de uma greve maciça que necessitou da intervenção dos militares; Mattick e seus camaradas resistiram em parte através da sabotagem. Pouco depois, em Leverkusen, ele esteve envolvido na greve nas fábricas da Höchst e nos confrontos com os grupos paramilitares da SIPO (Sicherheitspolizei – Polícia de Segurança), tropas especializadas em reprimir trabalhadores e socialistas. Ele foi preso novamente e testemunhou violência e tortura contra trabalhadores sob custódia policial.

No período seguinte, suas ações militantes estavam no limite da legalidade e da ilegalidade; afinal, expropriações revolucionárias eram uma forma de luta dentre outras. Mattick pertencia a grupos que estavam armados, e, contudo, logo suas principais armas se tornaram aquelas da crítica. Ele escreveu para a Kaz (Kommunistische Arbeiterzeitung – Revista Comunista dos Trabalhadores) e outras revistas e veio a enxergar como crucial a conexão entre o trabalho manual e intelectual.

Em 1926, ele se mudou para os Estados Unidos, onde a segunda fase de sua vida se realizou. Ele trabalhou em uma fábrica e continuou a estudar. Politicamente, ele entrou em contato com o que restou da IWW (Industrial Workers of the World – Trabalhadores Industriais do Mundo) e estabeleceu conexões com outros imigrantes alemães. Ele relançou a antiga Chicagoer Arbeiterzeitung [Gazeta Operária de Chicago], fundada lá em 1876, e conduziu este projeto por altos e baixos até 1924. Sob sua direção, dez edições foram publicadas entre fevereiro e dezembro de 1931. No entanto, ele não estava completamente satisfeito com o sindicalismo da IWW e, por um espaço de tempo, ele se envolveu com o Partido Proletário[Proletarian Party], que nasceu como uma ramificação do American Socialist Party [Partido Socialista Americano]. Em meio à crise dos anos 1930, ele pregou ação direta e espontaneidade, se envolvendo no movimento dos desempregados. Com base nos princípios de auto-organização e de ajuda mútua, este movimento buscou resolver os problemas materiais de um setor da classe que estava enfrentando sérias dificuldades. Foi um dos maiores movimentos sociais que já se desenvolveram nos Estados Unidos: animado por socialistas e comunistas de origens diferentes, o movimento estava equipado com estruturas do tipo conselho e ele foi bem-sucedido em envolver pessoas em tal medida que chegou a preocupar o governo. No entanto, no meio da década, após a introdução da Work Projects Administration[2] do Presidente Roosevelt com seu enorme programa de obras públicas, o movimento se reduziu; quando o país finalmente efetuou sua recuperação industrial durante a Guerra Espanhola, o movimento chegou ao fim.

Em outubro de 1934, Mattick iniciou seu maior empreendimento organizacional, começando a publicar a Correspondência Conselhista Internacional pelo United Workers Party [Partido Operário Unificado]. Ele organizou e liderou um círculo de leitura concentrado em O Capital e, em 1936, este círculo recebeu o nome de Groups of Council Communists of America [Grupos de Comunistas de Conselhos dos Estados Unidos]. Em fevereiro de 1938, a revista, com 29 edições publicadas até o final de 1937, se tornou a Living Marxism [Marxismo Vivo]. Sob esse nome, ela foi publicada até o outono de 1941, momento em que ela se tornou a New Essays [Novos Ensaios], nome que manteve entre o outono de 1942 e o inverno de 1943. Nas páginas destas revistas e nas centenas de artigos que vieram depois (sua bibliografia inclui mais de seiscentos ensaios, livros, resenhas e artigos), Mattick desenvolveu sua concepção do comunismo de conselhos e mergulhou mais profundamente em sua compreensão de Marx, se tornando um dos principais especialistas em Marx nos Estados Unidos. No entanto, sua intenção era construir sobre a obra de Marx, não construir mais uma nova escola marxista.

Tendo obtido a cidadania americana, durante a 2ª Guerra Mundial Mattick alternou entre o trabalho fabril e períodos de desemprego. Ele viveu em Nova York e uma série de meses em Vermont, longe da atividade política frenética que havia caracterizado a fase anterior de sua vida. Ele se concentrou cada vez mais intensamente em seus estudos, explorando em particular a questão da tendência das economias capitalistas à crise e estabelecendo as fundações para sua obra-prima de 1969. Na última parte de sua vida, coincidindo com a ascensão dos novos movimentos entre os anos 1960 e os anos 1970, sua perspectiva ganhou ampla visibilidade e ele foi convidado a dar muitas palestras em ambos os lados do oceano e em muitas universidades europeias. Até o fim de sua vida, ele permaneceu um firme expoente do comunismo de conselhos e um defensor da autonomia operária e do princípio da auto-organização econômica, junto de Pannekoek, Korsch, Rubel, Gorter e Rühle bem como outras figuras menos conhecidas.

2          Marx e seus Epígonos

Embora exibisse uma vasta gama de interesses (da economia à epistemologia), a relação passional e ao mesmo tempo lúcida de Mattick com o marxismo parece evitar acrobacias teóricas em favor de uma abordagem que busca tornar a relação entre teoria e prática tão fluida e criativa quanto possível. Este foi um elemento tão crucial de sua obra, na verdade, que é um tanto difícil distinguir um componente especificamente “teórico” de seus escritos. Na verdade, seu engajamento com o pensamento de Marx e seus discípulos mais ou menos fiéis muito frequentemente levava a conflitos políticos sobre assuntos atuais. Afinal, essa fusão do teórico e do prático é consistente com a visão mais madura de Mattick da relação circular entre ideias e a ação.

No decorrer de sua troca intelectual com Maximilien Rubel, Mattick salientou a seu amigo que, mesmo que Marx tivesse concluído O capital, ele não teria sido capaz de fornecer uma interpretação pormenorizada de um sistema tão dinâmico como o capitalismo, pois tal tarefa está além das capacidades de qualquer individuo particular. Esta observação era inteiramente coerente com a tendência de Mattick de enfatizar o caráter antidogmático do marxismo, uma abordagem que ele extraiu de Rosa Luxemburgo: a leitura marxiana da história é verdadeira para consigo mesma apenas se permanecer sempre pronta para fazer frente aos desafios. Logo, qualquer alegação no sentido de servir como os guardiões da verdade e de fazer julgamentos no nome de uma suposta lealdade à ortodoxia marxista é infundada.

O olhar crítico de Mattick recaiu principalmente sobre Kautsky e Lenin, em quem ele detectou continuidade teórica e estratégica. Mattick via o primeiro – o popularizador por excelência de Marx – como a encarnação da ambivalência típica do movimento operário alemão, contendo lado a lado tanto aspectos revolucionários como reacionários. Embora tenha espalhado a “palavra”, Kautsky acabou disseminando uma versão mistificada da obra de Marx, representando um marxismo expurgado de seu poder revolucionário em favor de um reformismo social que acabava pactuando com a burguesia. Na superfície, a tese de Mattick era paradoxal: Kautsky não era um “renegado”, afirmou Mattick, e ele não se empenhou em redimir sua reputação. Na verdade, sua provocação tinha a intenção de ressaltar o fato de que a fé de Kautsky na democracia como um viático[3] para o socialismo e o fato de ele ter tomado o lado da luta legal (aquela que perpetua o poder da burocracia do partido e do sindicato operário) não eram nada mais que o corolário lógico das escolhas estratégicas de longa data do SPD [Sozialdemokratische Partei Deutschlands – Partido Social-Democrata da Alemanha]. O partido, por sua vez, tinha surgido em um contexto histórico – aquele da expansão do capitalismo –, o qual minou progressivamente a confiança na ação revolucionária das massas.

A enorme lacuna entre Kautsky e Marx pode ser medida precisamente em suas concepções diferentes da relação entre teoria e prática. Marx, o mais iluminado dos revolucionários burgueses – o tanto para ser o mais próximo do proletariado –, desenvolveu o núcleo de suas teorias em tempos revolucionários, mas foi então capaz de aceitar o desafio da realidade. Como Mattick escreveu em 1939:

Como muitos de seus contemporâneos, ele subestimou a força e a flexibilidade do capitalismo e tinha esperanças de que o fim da sociedade burguesa viria demasiado cedo. Duas alternativas se abriram para ele [Marx]: ou ele se encontraria fora do desenvolvimento real, se restringindo ao pensamento radical inaplicável ou participaria sob as condições dadas nas lutas reais e reservaria as teorias revolucionárias para “tempos melhores”. Esta última alternativa foi racionalizada no “equilíbrio adequado entre teoria e prática” e a derrota ou o sucesso das atividades proletárias se tornou, com isto, mais uma vez o resultado de táticas “certas” ou “erradas”; a questão da organização adequada e da liderança correta. Não foi tanto a ligação anterior de Marx com a revolução burguesa que levou ao desenvolvimento posterior do aspecto jacobino do movimento operário chamado por seu nome, mas a prática não revolucionária deste movimento em momentos não revolucionários. (Mattick, 1939)

Mesmo enquanto se agarrava firmemente à análise das linhas de desenvolvimento gerais do capitalismo, o pensamento marxiano levou em consideração condições históricas proteiformes (deve se lembrar que Mattick acreditava que a história do capitalismo e do marxismo se sobrepunham) (Mattick, 1983, p. 74). O marxismo de Kautsky, pelo contrário, representava uma “ortodoxia” oposta às práticas reais e, como tal, forçada a se refugiar da realidade: no pensamento de Kautsky, o mantra da luta de classes tinha de se curvar a um contexto que não era revolucionário e, de fato, o disseminador do marxismo acabou se curvando a este mesmo contexto.

Ao passo que na concepção de Mattick o limite de Kautsky estava em sua total incapacidade de entender a relação osmótica que Marx e Engels tinham identificado entre ideias e ação, os defeitos de Lenin eram bem mais sérios e podiam ser efetivamente resumidos com o termo “oportunismo”. Mattick atribuiu seu erro político fundamental – aceitar a democracia de conselhos (os Sovietes, a expressão da consciência de classe) apenas na medida em que e enquanto ele fosse capaz de controlá-la – a uma aberração teórica: na verdade, argumentou Mattick, Lenin via o partido e não a ação de massas como o coração da revolução. Mattick classificou esta ideia como “idealista, mecanicista, parcial e com certeza não marxista” (Mattick, 1934, p. 3) e a caracterizou como conflitante não só com a teoria, mas também com as evidências históricas.

No nível teórico, Mattick lembrou seus leitores de que, para Marx, a consciência de classe é mais do que um fenômeno ideológico que deve ser propiciado, por assim dizer, de fora: o próprio fato de o proletariado existir, independentemente de sua maturidade ideológica, dá vida e forma a esta consciência. Do mesmo modo, o marxismo vai além de uma teoria que simplesmente reflete a posição de força do proletariado na sociedade capitalista; ele é, na verdade, uma expressão direta da luta de classes: “os trabalhadores, quer eles queiram, quer não, quer eles estejam conscientes disto ou não, quer eles conheçam Marx ou não, são incapazes de agir senão em conformidade com o marxismo, se eles quiserem se manter e, com isto, ao mesmo tempo servir ao progresso geral da humanidade” (Mattick, 1934, p. 6). Ele insistiu, portanto, no conceito marxiano de “geschichtliche Selbsstätigkeit” [autonomia histórica] como apresentado no Manifesto Comunista de 1848 e traduzido ao longo do tempo como “atividade histórica típica”, “iniciativa histórica” ou “espontaneidade histórica”. A leitura de Mattick deste conceito sugeriu a autolibertação da classe trabalhadora a partir de baixo ou, como apontou Rubel mais tarde, a “autopráxis histórica do proletariado” (Rubel, 1976, p. 773). Em suma, a revolução comunista não poderia ser um assunto do partido, mas só poderia ocorrer na forma de conselhos, uma arma de luta e meios de gerir a produção e a distribuição na sociedade futura (Grupo de Comunistas Internacionalistas, 1990)[4].

A tarefa do partido é valorosa, ainda que não decisiva, escreveu Mattick. Ao fazer isso, ele abordou alguns dos aspectos que ele sentia serem mais importantes: a ideia de que a consciência revolucionária pode aparecer em outras formas senão aquelas da organização política, ou mesmo na ausência de organização política; de fato, tal consciência é nutrida não somente por relações de produção, mas também pela crescente socialização das forças produtivas, a mais influente sendo o proletariado. Longe de cristalizar na forma do partido, ele argumentou, a consciência de classe está na luta de classes – é esta última que é decisiva. Marx não postulou nenhuma separação entre a classe e o partido, esclareceu Mattick, e a existência do partido simplesmente deriva do fato de que “apenas minorias podem fazer conscientemente o que as próprias massas são compelidas inconscientemente a fazer”; no entanto, acrescentou, significativamente, que “a minoria é uma parte (ainda que não a parte decisiva) do processo revolucionário; ela não produz o processo, mas é produzida por ele” (Mattick, 1934, p. 4).

Em relação à contradição entre o leninismo e o processo histórico, Mattick se baseou em Luxemburgo para afirmar que um dos fundamentos do materialismo dialético é a ideia de que os métodos de luta adequados a uma dada fase histórica e a uma área geográfica específica perdem toda sua efetividade se eles forem transferidos mecanicamente a um contexto diferente e é exatamente isso o que Lenin e sua Internacional tentaram fazer.

Mattick observou isto ao analisar o conflito teórico entre Luxemburgo e Lenin, conflito que a história provou a primeira como correta. Embora ele tenha reconhecido que as análises de Luxemburgo fossem, inevitavelmente, influenciadas por seu envolvimento (ainda que turbulento) militante no SPD e tenha buscado situá-las em seu contexto histórico, ele creditou a revolucionária polonesa com um insight cuja importância é difícil superestimar: “A necessidade de destruir a lenda de Lenin, como um pré-requisito de uma reorientação radical do movimento operário”.

Mattick parecia oscilar entre duas interpretações diferentes da relação do líder bolchevique com o marxismo, embora a segunda tenha acabado prevalecendo com o tempo. A primeira era uma interpretação continuísta, ainda que insultante, que colocou Lenin como ligado à pedra basilar da tradição marxista ao passo que negava que ele possuísse a menor originalidade teórica (sugerindo, na verdade, que ele meramente repropôs ideias que haviam sido desenvolvidas pelo próprio Marx, bem como Engels, Kautsky e Plekhanov). A segunda era uma interpretação antinômica que nega que Lenin pertencia ao marxismo, colocando-o – em outro ato de provocação –, em vez disso, como alinhado à 2ª Internacional[5].

Do mesmo modo que na história da 2ª Internacional, ainda que com suas próprias tensões acentuadas, o marxismo teve a função de legitimar uma política reformista e de pactuar com a burguesia. Na parábola do leninismo, portanto, isso foi usado para pintar uma retórica subversiva sobre uma linha de pensamento que a princípio era não-revolucionária (na ausência, em um país atrasado como a Rússia, das pressuposições puras e simples da revolução proletária) e depois abertamente hostil à revolução no sentido de que visava a estabelecer uma forma de capitalismo de Estado – uma revolução burguesa real sem a burguesia.

3 Economia Mista e o Capitalismo de Estado

O pensamento de Mattick sobre o capitalismo se caracterizava fundamentalmente pela revitalização da teoria do valor, a qual ele considerava como a única maneira de capturar a essência do sistema. Com o passar das décadas, seu raciocínio se desenvolveu sem quaisquer rupturas significativas, sempre mantendo a distinção fundamental entre o valor de uso e o valor de troca dos bens, em linha com o primeiro livro de O capital. Ele insistiu, assim, em descrever a força de trabalho como uma mercadoria entre outras, nunca se esquecendo de que ela também possui um valor de troca (o valor que o empreendedor “gasta” no mercado e que o trabalhador dedica um parte da jornada de trabalho para reproduzir) e um valor de uso que permite que o trabalhador individual forneça seu serviço bem além de seu valor de troca. “Obviamente, a troca ‘igual’ entre capital e trabalho em termos de valor se baseia no fato de que parte do trabalho social não é trocado de modo algum, mas é simplesmente apropriado pelos compradores da força de trabalho” (Mattick, 1969, p. 22). Afinal, se todos os bens fossem trocados com base nos equivalentes de tempo de trabalho, não haveria possibilidade de lucro: aceitar a lei do valor significa, desta maneira, admitir que o capitalismo se baseia na apropriação de trabalho não pago, isto é, na exploração. Toda a abordagem teórica de Mattick gira em torno desta simples observação.

As teorias fundamentais do marxista teuto-americano a respeito deste assunto salientavam frequentemente a centralidade do momento da produção, o local em que o trabalho vivo produz novo valor ao passo que o capital vivo, em contraste, apenas transfere aos bens o que ele já possui. Isto leva à confirmação objetiva de que o capitalismo anseia precisamente por esse mais-valor, certamente não para satisfazer necessidades sociais. Além disso, a fim de aumentar o mais-valor, a produtividade deve ser constantemente melhorada, reduzindo o tempo de trabalho que a força de trabalho exige para reproduzir bens e investindo em capital fixo como parte de cada ciclo novo. À medida que este capital fixo renovado, ampliado e melhorado aumenta, no entanto, o problema da produção de mais-valor piora: esta é a famosa teoria marxiana da “lei tendencial da queda da taxa de lucro”, à qual Mattick aludiu incansavelmente, uma vez que ele a via como a causa profunda de crises recorrentes. Mattick esclareceu que:

Uma vez que o capital geral, igual a qualquer capital particular, modifica sua composição orgânica no curso da acumulação – o capital constante aumenta mais rapidamente do que o capital variável –, a taxa de lucro, que deve ser comensurável ao capital total, mas que é gerada apenas pela parte variável, está fadada a cair. (Mattick, 1971, p. 14)

O capitalismo sem a acumulação é um sistema em profundas dificuldades. Contudo, quando a expansão da produção fracassa em garantir a lucratividade adequada do mais-valor investido, o processo desacelera e a economia colapsa. É claro, Mattick observou perspicazmente:

A crise capitalista é uma sobreprodução de capital apenas no que diz respeito a um dado grau de exploração. Se esta última é aumentada suficientemente, a acumulação pode proceder, pois ela foi interrompida apenas porque o capital acumulado se provou muito grande em relação à taxa de lucro que ele era capaz de gerar. (Mattick, 1969, p. 38)

Crises podem ser oportunidades, portanto, porque elas levam a processos de reorganização, de expurgar o mercado de capitais menores, de adotar regulamentações e de transformar a mão de obra. No entanto, ao mesmo tempo, crises com certeza não levam à “abolição” da mão de obra, como algumas fantasias pós-operárias postularam em anos subsequentes. A este respeito, Mattick especificou:

Uma distinção é feita frequentemente entre a “população trabalhadora clássica, isto é, o proletariado industrial no sentido marxiano, e a população trabalhadora moderna, da qual apenas uma parte está ocupada na produção. Porém, esta distinção é artificial, pois o que diferencia o proletariado da burguesia não é um conjunto particular de ocupações, mas a falta de controle do primeiro sobre sua existência em virtude da falta de controle por sobre os meios de produção. Mesmo que mais trabalhadores estejam agora envolvidos nas assim chamadas indústrias de serviços não produtivas, sua posição social vis-à-vis os capitalistas permanece inalterada. (Mattick, 1969, p. 169)

O capitalismo realmente está destinado a colapsar? Por um lado, embora inspirada pela obra de Grossmann em The Breakdown of the Capitalist System [O Colapso do Sistema Capitalista] (Grossmann, 1992), a perspectiva de Mattick não recorreu a nenhuma teoria mecanicista da ascensão do comunismo nem buscou encerrar de uma vez por todas as questões do poder e da subjetividade revolucionária. Por outro lado, Mattick enxergava a insustentabilidade inerente do capitalismo – o fim sendo inevitável, porém cujo momento era impossível de prever – como o resultado lógico da lei do valor. No entanto, ele tinha consciência de que contratendências existem na realidade – tendências tais como inovações tecnológicas, aparentemente criando oportunidades para “economizar” trabalho, mas que na realidade aumentam a exploração e desestabilizam a classe e seu impacto social e político:

Há excesso de trabalho para alguns, desemprego para outros. Os empregadores não cortarão horas de trabalho sem cortar salários; e os trabalhadores mais afortunados insistirão em trabalhar horas suficientes para sustentar seu estilo de vida habitual. Em lugar de menos horas, haverá desemprego crescente. O capitalismo deve atender a suas vítimas bem o bastante para assegurar sua quietude; mas o sistema arcará com esta derrota somente se a crescente produtividade do trabalho o compensar por isso. (Mattick, 1969, p. 113)

Sua análise realçou um ponto importante que também foi captado por outros economistas com orientações diferentes, incluindo Keynes: a crise representa o estado “normal” do capitalismo, não um momento de aberração em uma linha de desenvolvimento de outro modo progressiva e harmoniosa. A intervenção estatal é cada vez mais decisiva, argumentou Mattick, porque crises causadas por capital em excesso podem levar a consequências desastrosas para a sociedade como um todo, com o empobrecimento de grandes partes da população e desemprego em massa de longa duração. Portanto, era necessário, a partir dos anos 1930 e por todo o período do pós-guerra, estimular a produção e o consumo com cada vez mais vigor, superando os limites estreitos do capital privado: esta era a era da “economia mista”, com a intervenção pública buscando estabilidade para salvar o capitalismo de si mesmo. Como Mattick salientou:

Uma “economia mista” pode ser uma mistura na qual o capital privado domina, como atualmente na Europa Ocidental e, em maior medida, nos Estados Unidos. Ou pode ser uma na qual a propriedade estatal é predominante, tal como existiu nos primeiros anos do regime bolchevique na Rússia. (Mattick, 1969, p. 81)

Mattick levantou implicitamente uma questão crucial, a saber, se as tendências estruturais do capitalismo, com sua propensão à estagnação e ao colapso, podem ser superadas efetivamente por meios políticos seja acompanhadas pela imagem do capitalismo “amistoso” garantindo lucro para os proprietários de capital e estabilidade e bem-estar para todos os outros ou pela imagem de um capitalismo controlado por técnicos do partido. Na verdade, ele acreditava que ambos os casos representavam utopias contraditórias (visões que foram muito disseminadas nos Gloriosos Anos 1930) porque elas supunham modelos de sociedade nas quais o valor de uso predomina sobre o valor de troca enquanto a exploração, o dinheiro e o mais-valor continuam de fato a reinar mesmo quando associados ao adjetivo “socialista”. Mattick enxergava a economia mista como um tipo de limbo, mas um do qual a humanidade eventualmente sairia. Tal economia seria transcendida ou por uma forma arrogante e agressiva de capitalismo, caso o “paciente” recuperasse sua força, ou por formas sem precedentes de comunismo baseadas em conselhos, caso o capitalismo fosse permanentemente relegado ao museu de antiguidades.

Todo o poder aos conselhos operários! Os sindicatos são apenas um mecanismo de integração na sociedade capitalista! Trabalhadores em greve
Algo mudou, Sr. Diretor!
Sim! Os trabalhadores querem resolver seus próprios problemas!
O melhor que podemos fazer é sair fora daqui!

4          Contra o Bolchevismo, Por uma Democracia Operária

No pensamento de Mattick, a crítica do capitalismo de Estado como uma forma histórica de economia mista no Leste é paralela à sua crítica do leninismo e do bolchevismo. Junto de Luxemburgo, Karl Liebknecht, Otto Rühle (que fundou a Liga Espartaquista com eles e Franz Mehring) e também Pannekoek lhe provieram elementos valorosos para a crítica, em particular seu estudo crítico da burocratização do movimento operário. Os bolcheviques, a despeito de seu slogan “todo poder aos sovietes”, conceberam a construção do socialismo como tarefa do Estado ao invés de como o resultado da luta e da atividade dos conselhos. Na fase da estabilização capitalista depois das lutas do primeiro período pós-guerra, a Rússia foi o primeiro país a liquidar seu movimento operário por meio da ditadura do partido bolchevique. Como já foi o caso com Lenin, o julgamento de Mattick oscilou entre reconhecer a boa fé dos bolcheviques (que estavam genuinamente convictos de que o capitalismo de Estado representava um passo rumo ao socialismo) e acusá-los de oportunismo e carreirismo. É certo que, ao eliminar as forças autenticamente proletárias da revolução e se comprometerem a construir o capitalismo de Estado, a antiga guarda bolchevique pavimentou o caminho para sua própria liquidação com o advento de Stalin. Ao adotar a análise de Rühle, Mattick sintetizou os fracassos políticos e humanos causados por uma concepção vanguardista da luta de classes como segue:

Ao aspirar a liderar a revolução burguesa na Rússia, o partido de Lenin era extremamente adequado. Quando, no entanto, a Revolução Russa demonstrou suas características proletárias, os métodos táticos e estratégicos de Lenin deixaram de ser valorosos. Seu sucesso não se deveu a sua guarda avançada, mas ao movimento soviético que não havia sido de modo algum incorporado em seus planos revolucionários. E quando Lenin, depois que a revolução bem-sucedida tinha sido realizada pelos sovietes, suprimiu deste movimento, tudo o que havia sido proletário na revolução também foi suprimido. O caráter burguês da revolução passou para o primeiro plano novamente e eventualmente encontrou sua conclusão “natural” no stalinismo. (Mattick, 1978b, p. 102)

A crítica de Mattick mirava não só a social-democracia tanto em suas manifestações reformista (Kautsky e o SPD) e revolucionária (Lenin), como também dirigiu seu olhar crítico ao assim chamado comunismo de esquerda. Afinal, o comunismo de conselhos que Mattick defendia não era uma mera variação do comunismo de esquerda, como as pessoas podem supor. Da mesma maneira que a oposição entre a 2ª e a 3ª Internacionais era mais aparente do que real em virtude da continuidade estratégica e teórica destacada por Mattick, as queixas dos dissidentes da 3ª Internacional (começando com Trotsky) não só eram excessivamente dramáticas, elas também não conseguiam mudar o eixo do problema. Elas estavam presas à convicção de que a unidade de classe é construída a partir das organizações, em vez de a partir de lutas; eles acreditavam que era simplesmente uma questão de substituir o grupo dominante no poder (os bolcheviques na Rússia e seus partidos satélites em outros lugares) com um grupo verdadeiramente revolucionário. Mattick avisou que “A unidade da forma morta é a morte do espírito de luta da classe trabalhadora” (Mattick, 1934, p. 1).

Mattick lembrou os leitores de que a tarefa dos revolucionários é compreender como a revolução pode se desenvolver no mundo atual. Na obra de Marx, o caminho rumo ao socialismo permaneceu deliberadamente indefinido (Marx estava interessado em analisar o passado para melhor compreender o presente; ele não queria atuar como um profeta). Não obstante, salientou Mattick, Marx enxergava o socialismo como dizendo respeito a toda a sociedade, não simplesmente ao Estado: a ditadura do proletariado só devia ser necessária apenas até que a nova ordem tivesse sido estabilizada. As indicações marxianas podem ser genéricas, mas isso não quer dizer que elas devam ser ignoradas ou mal interpretadas. Primeiro a social-democracia e depois o bolchevismo foram contra estas indicações e, ao fazerem isso, acabaram esvaziando o conceito de “associação de produtores livres e iguais” de seu sentido. Eles identificaram erroneamente a tendência à centralização e não à auto-organização dos produtores e consumidores como o elemento da sociedade socialista já presente no modo de produção capitalista.

Mattick acreditava que, para desafiar a hegemonia soviética sobre o movimento operário internacional e recuperar confiança na possibilidade de criar uma forma de comunismo nem estatista nem autocrática (Mattick de fato usava o termo “totalitário” em relação à URSS), mas sim pluralista e libertária, a chave estava no comunismo de conselhos. O ponto de partida, sugeriu ele, deve ser a “contra-história” do comunismo, aquelas lutas que permaneceram em sua maioria intersticiais – porque foram esmagadas pela social-democracia e seus subsidiários –, mas que, não obstante, gozaram de momentos de sucesso considerável. Mattick identificou uma genealogia histórica precisa do comunismo de conselhos; em seus escritos, ele repetidamente frisou o fato de que isso não era uma utopia, mas uma possibilidade real (embora não uma necessidade) que havia surgido na história e, como tal, poderia reaparecer. Ele identificou uma primeira manifestação histórica embrionária do conselhismo na Comuna de Paris e não deixou de destacar o legado deste projeto no pensamento marxiano como o ponto de inflexão do estatismo para o autogoverno da classe trabalhadora.

Ele definiu a primeira fase do comunismo de conselhos estritamente falando na Revolução Russa de 1905, ainda que neste contexto os conselhos ainda representassem uma expressão da democracia burguesa, como de fato Lenin havia proclamado. Depois, a revolução de 1917 os colocou de volta no centro da cena e não só como prova da força criativa do proletariado, mas também como a única escolha real, dado o papel contrarrevolucionário que o movimento operário tradicional havia desempenhado por algum tempo: “o surgimento do sistema de conselhos provou que os movimentos espontâneos não resultaram necessariamente em esforços de massa disformes, mas também conseguiram produzir estruturas organizacionais que não eram meramente temporárias” (Mattick, 1977, p. 66).

Na Rússia, como na Alemanha, no entanto, os conselhos não foram capazes de consolidar o poder que haviam conquistado para construir uma sociedade socialista. No caso da Rússia, isto ocorreu por causa das condições socioeconômicas atrasadas; no caso alemão, foi por causa do fato “trivial” de que os trabalhadores não eram revolucionários (o ponto decisivo que o comunismo de esquerda havia ignorado). Além da importância das condições objetivas, Mattick enfatizou o fato de que os revolucionários não dispunham da inclinação subjetiva de refletir sobre os erros passados: “Um de seus pontos fracos, talvez o maior, era o fato de que os Conselhos não tinham de modo algum uma posição clara a respeito de seu papel na organização socialista da produção e da distribuição” (Mattick, 1970).

Mattick buscou fornecer uma contribuição a este ponto fundamental. Analisando a Revolução de Outubro e a revolução fracassada na Alemanha, Mattick concluiu em vários escritos e frequentemente com referência a seu amigo Pannekoek que o empurrão decisivo rumo ao socialismo viria da contradição entre as relações e as forças de produção, em vez de um partido: “Só foi possível trabalhar rumo a mudanças sociais decisivas se encontrando de fora do movimento operário” (Mattick, 1978b, p. 87).

Logo, a unidade deveria ser alcançada através de uma luta comum – e não sob um acrônimo partidário – liderada pelas próprias massas e coordenada pelos órgãos que elas formam espontaneamente. Estes órgãos deveriam exercer poder legislativo e executivo simultaneamente durante a fase de transição e, presumivelmente, na sociedade comunista. Mattick claramente não buscou evitar a questão de qual tipo de estrutura institucional, por assim dizer, o comunismo de conselhos deveria ter: “Portanto, nós erguemos como o slogan imediato do poder da classe trabalhadora: os trabalhadores reúnem todas as funções sociais sob seu controle direto; eles nomeiam e revogam todos os funcionários. Os trabalhadores assumem a produção social sob sua própria gestão se reunindo em organizações de oficina[6] e conselhos operários” (Mattick, 1935a, p. 18).

Mas o que estes slogans significam? Mattick insistia que o desejo de pôr um fim ao empobrecimento de grandes seções da população não era o suficiente para a revolução; em suma, a lógica do “quanto pior, melhor” não se aplica. Na verdade, o proletariado tinha de demonstrar que ele estava motivado não só pelo compreensível desejo de pôr um fim a uma situação que já havia se tornado intolerável, mas também pela determinação de reconstruir a sociedade com base em novas relações humanas. Ao considerar o princípio de regular relações entre a produção e a distribuição de uma nova maneira, Mattick se baseou e adotou um texto de um coletivo holandês associado ao movimento de conselhos com o nome Grupo de Comunistas Internacionalistas. Mattick definiu seus Princípios Fundamentais da Produção e Distribuição Comunistas, publicado em 1930, como “a primeira tentativa por parte do movimento de conselhos na Europa Ocidental de enfrentar o problema da construção do socialismo com base nos Conselhos” (Mattick, 1970). De fato, o coletivo propôs uma nova unidade de medida, o “tempo de produção social médio”, destinado a substituir o dinheiro e, assim, o valor e o trabalho assalariado, quer tal trabalho fosse executado para um indivíduo privado ou para o Estado. Ao passo que reconhecia que não era lícito especular sobre a condição da economia que seria formada logo após a revolução, Mattick esclareceu que era, não obstante, possível começar a considerar “os procedimentos e instrumentos que são necessários para a instituição de certas condições sociais desejadas, neste caso, condições que são consideradas comunistas” (Mattick, 1970).

Ao usar esta unidade de medida sugerida pelos comunistas holandeses e endossada por Mattick, os trabalhadores poderiam ser elegíveis para o que eles produziam em proporção a seu tempo de trabalho, calculado não individualmente, mas segundo seu valor social médio. Talvez isto parecesse ser uma variação daquele tempo de trabalho socialmente necessário que Marx havia usado para calcular o mais-valor; na realidade, Mattick explicou, assim que as relações capitalistas colapsassem, a lei do valor estaria fadada a fracassar também. O tempo de trabalho permaneceria a unidade de medida necessária da produção social, mas na sociedade comunista ela seria regulada de modo a satisfazer as necessidades sociais em vez de produzir lucro. Mattick não evitou o problema que Marx havia enfrentado anteriormente: uma vez que as pessoas tinham capacidades individuais diversas, para não mencionar necessidades, calcular a distribuição de bens com base no tempo de trabalho individual só geraria novas formas de desigualdade. Ainda assim, Mattick acreditava que o próprio desenvolvimento social forneceria uma solução para este problema: diferentemente do capitalismo, uma economia comunista produziria tamanha superabundância de bens de consumo estritamente necessários para atender às necessidades humanas de modo que tornaria o cálculo de quotas individuais para a distribuição do produto redundante.

Mattick entendeu a preocupação dos conselhistas[7] holandeses em garantir que os próprios produtores autodeterminassem a produção de modo a obviar qualquer necessidade de um aparato de especialistas e administradores para formular critérios de distribuição de bens. No entanto, ele avisou que não bastava colocar o produtor e o produto em contato direto; a prioridade era a produção, não a distribuição. De fato, argumentou ele, a produção deve estar sujeita ao controle consciente dos trabalhadores. Mesmo em uma sociedade comunista, instituições de supervisão seriam, assim, inevitáveis, mas sem afetar a autonomia dos produtores, uma autonomia que seria expressa através dos conselhos representando as unidades individuais de produção.

Mattick falou explicitamente da “administração central” (Mattick, 1970) da produção. No entanto, ele não chegou ao ponto de definir como estes órgãos de supervisão seriam coordenados ou como se garantiria que eles respeitariam a autonomia dos trabalhadores – em outras palavras, como evitar que órgãos centrais se tornassem mais uma vez um Estado opressivo. Afinal, o que ele escreveu sobre o texto holandês era aplicável também à sua análise: não era um programa definido de uma vez por todas, mas uma das primeiras tentativas de lidar com o problema do funcionamento de uma economia e sociedade comunistas. Por mais aproximativo que seu argumento possa parecer, ele ainda permaneceu um ponto de partida precioso para raciocinar no caminho rumo ao comunismo.

Referências

Uma série de obras de Paul Mattick está disponível no seguinte website: https://www.marxists.org/archive/mattick-paul/

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BUCKMILLER, Michael. 1981. Bibliographie der Schriften von Paul Mattick 1924–1981. Internationale Wissenschaftliche Korrespondenz zur Geschichte der Deutschen Arbeiterbewegung [Bibliografia dos Textos de Paul Mattick 1924-1981. Correspondência Científica Internacional Sobre a Histórica do Movimento Operário Alemão) 17, p. 197–224.

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ROTH, Gary. 2015. Marxism in a Lost Century. A Biography of Paul Mattick [O Marxismo em um Século Perdido. Uma Biografia de Paul Mattick]. Leiden e Boston, Brill.

RUBEL, Maximilien. 1976. L’autopraxis historique du prolétariat [A autopráxis histórica do proletariado]. Économies et Sociétés. Cahiers de l’Ismea (série S, “Études de marxologie”, n. 18) 4–5, p. 773– 812.


[1] Tradução do capítulo Self-Management and Communism: Paul Mattick (1904-1981) do livro Frontier Socialism: Self-Organisation and Anti-Capitalism, de Monica Quirico e Gianfranco Ragona, Palgrave Macmillan, 2021. Incluo entre colchetes as traduções de nomes de grupos, partidos, artigos e livros [N. T.]

[2] Agência americana criada no New Deal com o fim de gerar empregos por meio da construção de obras públicas e que gerou emprego e renda para os desempregados. [N. T.]

[3] Comunhão eucarística da Igreja Católica dada àqueles em seu leito de morte. [N. T.]

[4] Por toda sua vida, Mattick introduziu repetidamente e mencionou o texto escrito pelo Grupo de Comunistas Internacionalistas da Holanda, Princípios Fundamentais da Produção e Distribuição Comunistas (1930).

[5] Mattick abraçou a crítica desenvolvida por Pannekoek em Lenin como Filósofo, em que o famoso astrônomo demonstra o estranhamento teórico de Lenin do materialismo histórico (Pannekoek, 1975).

[6]Shop organizations” é o termo escolhido pelos autores para traduzir Betriebsorganisationen, que normalmente traduzimos como “organizações da empresa ou do local de trabalho”. [N. T.]

[7] Corrigi este trecho do original, em que aparece counciliarists [conciliaristas], que claramente não faz sentido algum ali, já que o conciliarismo é uma doutrina relativa à Igreja Católica. [N. T.]

Traduzido por Thiago Papageorgiou.

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