Sobre o interminável conflito entre Israel e Palestina (2018) – Alerta Comunista

Original in English: On the Never-Ending Israel-Palestine Conflict

[Nota do Crítica Desapiedada]: Apresentamos o texto de 2018 do grupo grego Alerta Comunista com o intuito de oferecer uma reflexão crítica sobre a questão nacional e defesa de um Estado capitalista no contexto do conflito entre Israel e Palestina. São dois textos que foram originados de uma resposta a grupos “autonomistas” na Grécia. Em relação à posição do Crítica Desapiedada sobre o conflito atual (ataque do Hamas no dia 7 de Outubro de 2023), sugerimos a leitura de nossa análise: Política Revolucionária e a Guerra no Oriente Médio.
Apesar das diferenças nos aspectos teóricos, metodológicos, nas proposições políticas e estratégicas, etc., recomendamos também os respectivos materiais em português, cujas posições internacionalistas proletárias podem contribuir com a análise dessa guerra:
A Classe Trabalhadora e a Guerra em Israel-Palestina – Fredo Corvo & Aníbal [Holanda-Espanha]
A guerra entre Israel e o Hamas em uma perspectiva crítico-radical – Pablo Jiménez [Chile]
Nenhuma guerra, senão a guerra de classes! – Manifesto em conjunto com Editora Amanajé [Brasil]


Abaixo, traduzimos para o inglês dois textos escritos em 2018 durante os protestos na fronteira de Gaza. O primeiro texto foi escrito como prefácio para uma tradução grega de Lettera sull’antsionismo[“Carta sobre o antissionismo”] do blog Il lato cattivo. Durante esse período, alguns “autonomistas”, representados principalmente pela revista grega Sarajevo, publicaram artigos e cartazes contra o estado de Israel e em apoio aos protestos palestinos de uma forma claramente antissemita, como normalmente o fazem. Quanto à sua posição política geral, eles acreditam que são influenciados pelo operaismo[1] italiano e pela autonomia organizzata – mas, na realidade, assemelham-se muito mais à autonomia diffusa. Esse prefácio foi uma crítica ao seu discurso a respeito do conflito entre Israel e Palestina. O segundo texto, chamado “Tudo ou Nada?”, é uma resposta concreta a algumas críticas abstratas feitas ao nosso primeiro texto. Infelizmente, alguns links no segundo texto estão desativados depois de todos esses anos e não foram recuperados nem mesmo pelo Internet Archive.

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Prefácio de Carta sobre o Antissionismo

[M]eu método analítico [… ] não decorre do homem⁣, mas de um dado período econômico da sociedade.
– Karl Marx, “Glosas Marginais ao Lehrbuch der politischer Oekonomie de Adolph Wagner”, MECW 24, p. 547[2]

                A paixão dos últimos maoistas remanescentes, dos terceiro-mundistas de todos os matizes, dos “anti-imperialistas”, dos nacionalistas escoceses, dos alter-globalistas, dos trotskistas e mesmo dos anarquistas e “antagonistas” por Rojava só pode ser comparada àquela pela “causa palestina”. Depois da URSS stalinista, da China de Mao e de todos os destinos exóticos que se seguiram, cabe agora a Rojava carregar as esperanças “revolucionárias”. Rojava alimenta as esperanças daqueles que deram as costas à luta de classes ou que nunca balançaram a sua bandeira. A popularidade desses fenômenos marginais da reestruturação permanente da dominação capitalista é inversamente proporcional à intensidade da luta de classes que se desenvolve lá. Hoje, ela dificilmente aparece, de modo que o inter-classismo e os nacionalismos de várias cores prosperam. As peregrinações dos “antagonistas” aos novos lugares santos do anti-imperialismo e do nacionalismo multiplicam-se como as idas à Cuba, à China maoista, à Palestina ou a Chiapas no passado.
– Mouvement Communiste/Kolektivně proti Kapitălu, “Rojava: The Fraud of a Non-existent Social Revolution Masks a Kurdish Nationalism Perfectly Compatible with Assad’s Murderous Regime“, p. 9.

Ultimamente, vimos alguns cartazes “decorando” as paredes de Atenas. Colocamos as aspas não devido a qualquer oposição aos cartazes enquanto cartazes, mas devido ao conteúdo de um destes cartazes em particular. “Do rio ao mar, a Palestina será livre”. Comecemos por uma aula de geografia: o rio é o rio Jordão, o mar é o Mar Mediterrâneo. Prosseguiremos com uma aula de história. A palavra de ordem foi usada pela primeira vez pela Organização para a Libertação da Palestina (OLP). Na história da OLP há um ataque com foguetes contra um ônibus escolar na cidade de Avivim, no norte de Israel (12 israelenses mortos, incluindo 9 crianças, e 25 feridos) em 22 de maio de 1970 – e para aqueles rápidos em dizer que o ataque foi realizado pela PFLP-GC, iremos lembrá-los que até 1974 a PFLP-GC[3] fazia parte da OLP. Outro pequeno exemplo da atividade da OLP é o sequestro de um ônibus na avenida costeira de Tel Aviv (38 israelenses mortos, incluindo 13 crianças e 71 feridos) em 1978. A ação foi concretizada pelo Fatah, que é a principal facção da OLP. Achamos que não é necessário se aprofundar mais nas ações da OLP. Hoje, essa palavra de ordem é adotada pela organização islâmica palestina Hamas, uma conhecida organização fundamentalista islâmica que, entre outras coisas, é responsável por muitos atentados suicidas contra civis em Israel.

Por isso, perguntamos: será que os “autonomistas” que assinam esse cartaz não conhecem a história da palavra de ordem que estão abraçando? Mas, mesmo que não o soubessem, com base apenas na geografia, pode a palavra de ordem implicar outra coisa senão a eliminação total do Estado de Israel? Se os “autonomistas” negassem a criação de um Estado palestino, a sua propaganda seria equilibrada. Mas o problema é que eles apoiam a criação de um Estado palestino. Finalmente, para os “autonomistas” (e para todos os que adotam essa palavra de ordem), todos os povos têm ou não direito à chamada “autodeterminação”? Ou alguns, como os judeus, são excluídos desse direito? E se o Estado de Israel for dissolvido e a palavra de ordem for concretizada, o que acontecerá aos atuais cidadãos do país? O Estado palestino será um Estado multicultural e secular que vai proporcionar aos judeus plena cidadania e igualdade com os palestinos árabes muçulmanos? Vai massacrá-los? Vai deportá-los? A história do conflito entre Israel e Palestina mostra que os judeus provavelmente não terão lugar no interior de um Estado Palestino (lembrem das suásticas nazistas levantadas por alguns palestinos reivindicando a jihad e um novo Holocausto), assim como o inverso acontece hoje em dia. Então, o que exatamente uma inversão de papéis resolverá? Por que os “autonomistas” não apoiam uma variação da solução de dois estados na região, um israelense e um palestino?

Mas, de que lado nós estamos? Obviamente, não defendemos o Estado israelense, isso seria uma estupidez. Palestina Ou Israel? Que tipo de pergunta é essa? Panathinaikos FC ou Olympiacos FC[4]? Para quem torcemos no campeonato? A última pergunta não faz sentido e qualquer resposta pode ser trocada por outra: se alguém apoia o Panathinaikos ou o Olympiacos, a sua posição nesse dilema não tem substância, não significa absolutamente nada. Mas a escolha entre um Estado israelense ou um Estado palestino é uma escolha política: descreve, se não todo, pelo menos parte do posicionamento político de alguém. Nós, parafraseando Bebel, dizemos que o anti-imperialismo é o socialismo dos tolos, e o antissemitismo é o anti-imperialismo dos mais tolos ainda. Não responderemos a essa pergunta. Se há uma coisa que aprendemos com Marx, é que devemos sempre, em primeiro lugar, questionar a questão em si.

De modo algum é suficiente investigar: quem deve se emancipar? Quem deve ser emancipado? A crítica teve de investigar um terceiro ponto. Ela teve de inquirir: que tipo de emancipação está em questão? Que condições decorrem da própria natureza da emancipação que se exige? (Karl Marx, “A Questão Judaica”, MECW 3, p. 149.)[5]

A emancipação palestina promovida pela maioria daqueles que são solidários à “resistência dos palestinos” é uma emancipação política. Trata-se da criação de um Estado palestino através do qual serão reconhecidos como cidadãos. Mas “os limites da emancipação política são imediatamente evidentes pelo fato de que o Estado pode libertar-se de uma restrição sem que o homem esteja realmente livre dessa restrição, de que o Estado pode ser um Estado Livre sem que o homem seja um homem livre” (ibid., p. 152). Aqui Marx referia-se à religião como uma restrição da liberdade. Mas o mesmo, e com muito mais peso, pode-se dizer das condições econômicas. Obviamente, a criação de um Estado palestino significaria, sem dúvida, uma melhoria no nível de vida dos palestinos: eles não teriam bombas e balas chovendo sobre suas cabeças. Mas a maioria dos palestinos continuaria provavelmente a viver na pobreza, com o proletariado palestino não alcançando uma posição particularmente melhor no âmbito da divisão global do trabalho. Ou, se os judeus permanecessem na região e não fossem massacrados ou expulsos, para que os palestinos ganhassem melhores posições econômicas, os judeus teriam de ser empurrados para o fundo da estratificação hierárquica do proletariado na região. Assim, uma solução palestina com apenas um Estado significaria o extermínio/deportação em massa dos judeus, com a maioria dos palestinos permanecendo na mesma condição econômica, ou haveria uma inversão de papéis entre judeus e palestinos.

Pode haver um conflito entre o nacionalismo palestino e israelense, mas esse conflito não contém em si uma dinâmica que tenha o potencial de abolir os termos do conflito. Um conflito entre dois nacionalismos só pode levar à predominância de um sobre o outro. Um conflito entre dois nacionalismos não tem o potencial de destruir os próprios nacionalismos – exceto se, quando falamos de “destruição de nacionalismos”, nos referimos à aniquilação completa das duas populações opostas. A única oposição de cuja dinâmica interna pode desenvolver-se uma força centrífuga, uma possibilidade de abolição das condições que determinam a própria oposição, é a luta de classes: o proletariado tem a possibilidade de abolir a relação do capital, abolindo assim tanto a classe capitalista como a si enquanto proletariado. E o fenecimento do Estado, uma característica fundamental já do ponto zero da revolução, abole a base material da nação: o Estado.

[A] Comuna prova que o “não-Estado” (a destruição do Estado) não é apenas o resultado do processo revolucionário. Pelo contrário, é o seu aspecto inicialdiretamente presente nele, sem o qual não há nenhum processo revolucionário. [… ] [O] fenecimento começa imediatamente e o seu início imediato, não em termos de intenções, mas em termos de medidas práticas que se oponham diretamente à inevitável “sobrevivência” do Estado, é a condição material tanto para a transformação efetiva das relações de produção quanto para o desaparecimento definitivo do próprio Estado (Étienne Balibar, Κράτος, Μάζες, Πολιτική, κτός Γραμμής Press, 2014, p. 40-41)[6].

Então, onde isso nos deixa? Uma solução – revolução? De certa forma, sim. Se não queremos “meias-medidas” para a “questão palestina”, não há outra resposta. Podemos ser acusados de que a resposta “revolução” é apenas uma solução fácil, a tentativa de evitar dar uma resposta. Mas, a realidade é que “revolução” é a resposta difícil: no momento, não há nenhum sinal da eclosão da revolução comunista mundial em qualquer lugar no horizonte. No entanto, a determinação da questão precede a determinação da resposta. A resposta “revolução” é a resposta à “questão palestina” na sua totalidade, que, por sua vez, é apenas uma pequena parte da “questão social” global e geral. Para a “questão palestina” como uma questão política autônoma, isto é, como uma questão de soberania política sobre um território geográfico específico, a resposta não pode escapar ao quadro burguês, de modo que acaba sendo “Estado palestino” – e a solução proposta por “do rio ao mar, a Palestina será livre” de apenas um Estado é uma das variações mais reacionárias do amplo espectro de um “Estado palestino”, pois implica o extermínio ou a opressão violenta dos judeus: olho por olho e dente por dente.

E, claro, a questão mais importante: existe alguma relação entre a libertação nacional e a revolução comunista? Os palestinos são um povo-proletariado e os israelenses são um povo-burguesia? Não existem classes dentro de ambos os povos? Não existem capitalistas palestinos? Portanto, a “libertação na Palestina” não significa, na prática, “adquirir uma máquina de Estado para a dominação de classe do capital palestino”? Como vimos acima, Marx perguntou: “Que tipo de emancipação está em questão? Que condições decorrem da própria natureza da emancipação que é exigida?” As lutas de libertação nacional dentro da tradição comunista foram muitas vezes tratadas como análogas às lutas de classes porque organizam os “oprimidos” (uma categoria muito geral cujo conteúdo varia) e, se bem sucedidas, podem provocar mudanças na estruturação social global da acumulação de capital. Mas do que a libertação nacional liberta? Apenas de relações desiguais entre diferentes zonas da economia capitalista global – mas mesmo isso é apenas uma possibilidade, não uma certeza. Aqueles que pregam a “libertação da Palestina” se esquecem de que:

A tirania industrial da Inglaterra sobre o mundo é a dominação da indústria sobre o mundo. A Inglaterra nos domina porque a indústria nos domina. Só podemos nos libertar da Inglaterra no estrangeiro se nos libertarmos da indústria em casa. Só poderemos dar um fim ao domínio da Inglaterra na esfera da concorrência se superarmos a concorrência dentro das nossas fronteiras. A Inglaterra tem poder sobre nós porque transformamos a indústria em um poder sobre nós. Que a ordem social industrial é o melhor mundo para os burgueses, a ordem mais adequada para desenvolver as suas “capacidades” como burgueses e a capacidade de explorar tanto as pessoas como a natureza – quem duvidará dessa tautologia? Quem duvidará que tudo o que hoje se chama de “virtude”, seja individual ou social, é fonte de lucro para os burgueses? Quem duvidará que o poder político é um meio para o seu enriquecimento, que até a ciência e os prazeres intelectuais são seus escravos? Quem duvidará? (Karl Marx, “Rascunho de um artigo sobre o livro de Friedrich List: Das Nationale System der Politischen Oekonomie“, MECW 4, p. 283-284)[7].

É claro que, na passagem acima, Marx estava se referindo à dominação econômica mundial da Inglaterra, daí o domínio da Inglaterra sobre a Alemanha. O domínio de Israel sobre os palestinos é também um domínio militar. Mas a supremacia militar sobre os palestinos não decorre também da economia? E se os palestinos adquirirem um Estado, i.e., poder político, isso não significará que, através dele, a burguesia palestina acumulará mais riqueza, isto é, explorará mais eficazmente o proletariado palestino? Para onde a libertação nacional conduz o proletariado? É algo mais do que uma “mudança da vez” de quem vai segurar o chicote que cai sobre as costas do proletariado palestino? A libertação do proletariado pode significar outra coisa do que a revolução comunista?

A verdade é que não esperamos nenhuma resposta particular dos “autonomistas”. Às objeções levantadas até agora em relação ao seu discurso sobre o assunto, o Sr. Sarajevo evitou responder falando de “funcionários dos Serviços Secretos israelenses” ou de “idiotas úteis”. Nós, pelo contrário, estamos apresentando argumentos, não insultos ad hominem sem fundamento. Para onde tal tática levaria? A falar besteiras infundadas como a de que os “autonomistas” são agentes do Hezbollah ou do Irã e é por isso que se opõem ao Estado de Israel? Somos comunistas, não teóricos da conspiração. Também não tentamos evitar o diálogo, mesmo que isso signifique inevitavelmente um confronto e não um acordo.

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Tudo ou Nada? 

Várias décadas se passaram desde o movimento negro pelos direitos civis nos EUA. Em 2018, os EUA tiveram um presidente afro-americano por oito anos. Em 2018, um em cada dez homens negros entre 18 e 35 anos está preso. Entre os homens negros nascidos no final dos anos 1970, um em cada quatro já passou algum tempo na prisão quando alcança os 35 anos. A taxa de encarceramento para negros que não concluíram o ensino médio é de 70% (ver Bruce Western, Punishment and Inequality in America, Russell Sage Foundation, 2006). Em 1970, o sociólogo americano Sidney M. Willhelm previu em seu livro, Who Needs the Negro?, que enquanto o movimento dos direitos civis prometia acabar com a discriminação no trabalho, a automação estava destruindo os empregos dos quais os negros eram excluídos. Apesar de sua profecia distópica, até ele acreditava que tais taxas de encarceramento para administrar a população excedente negra eram impossíveis de serem impostas. Mas a realidade provou que ele estava errado.

Então, o que aconteceu com o movimento dos direitos civis e o poder negro [black power]? Eles foram bem-sucedidos? Eles falharam? Qual é o critério do sucesso e, portanto, do fracasso? Na verdade, muitas das reformas que o movimento exigiu foram realizadas. Na verdade, a discriminação que sofrem em sua vida quotidiana, tanto institucionalmente como ao nível das suas relações interpessoais quotidianas, é menor. Abriram-se caminhos de ascensão social aos quais eles antes não tinham acesso. Mas as prisões e execuções policiais não acabaram. Mesmo em relação a essa questão, no entanto, no período entre 1970 – 2000, a taxa de crescimento da taxa de encarceramento de negros foi a mesma que a dos brancos, e ainda que depois de 2000 a taxa de crescimento começou a diminuir para os negros, para os brancos continuou a aumentar. A taxa de encarceramento dos negros continua a ser muito mais elevada, mas a diferença diminuiu. Ou seja, o racismo não é a (única) razão pela qual os negros nos EUA estão sendo presos em massa. O encarceramento é a forma de gerir tanto a população excedente negra como (pelo menos parte) da população excedente branca. Em 2018, o legado básico do racismo nos EUA tem mais a ver com quem é relegado à população excedente. A taxa de crescimento da taxa de encarceramento dos brancos mostra que como a população excedente é gerida é uma função secundária do racismo. Uma solução política para o racismo significaria apenas a igualdade entre brancos, negros, mexicanos, etc., reduzindo-os a populações excedentes.

Quanto maior a riqueza social, o capital funcional, a extensão e a energia do seu crescimento e, portanto, quanto maior a massa absoluta do proletariado e a produtividade do seu trabalho, maior é o exército industrial de reserva. As mesmas causas que desenvolvem o poder expansivo do capital, também desenvolvem a força de trabalho à sua disposição. A massa relativa do exército de reserva industrial aumenta, portanto, com a energia potencial da riqueza. Mas, quanto maior esse exército de reserva em proporção ao exército industrial ativo, maior é a massa de uma população excedente consolidada, cuja miséria está em razão inversa à quantidade de tortura que tem de sofrer sob a forma de trabalho. Quanto mais extensos, finalmente, os setores pobres da classe operária e do exército industrial de reserva, maior é o pauperismo oficial. Essa é a lei geral absoluta da acumulação capitalista. (Karl Marx, Capital, vol. 1, Penguin Books, 1976, p. 798)[8]

Não pode haver uma solução política para o problema da produção de populações excedentes. É tão impossível quanto exigir a abolição da extração de mais-valor por decreto estatal. O Estado tem um papel central na distribuição do mais-valor. Assim, no que diz respeito à população excedente, a política só pode fornecer soluções que aliviam o sofrimento das populações excedentes (bem-estar social) e, na melhor das hipóteses, reduzir a população excedente (recrutamentos estatais), mas não pode eliminá-la. E, para que o Estado as implemente, é preciso haver uma massa suficientemente grande de mais-valor para poder redirecionar uma parte para o proletariado em geral, e para a população excedente em particular. Mas, em tempos de crise, todas essas medidas estatais são jogadas fora.

Por que nas eleições de junho de 2012 o Aurora Dourada[9] [Golden Dawn] aumentou sua força eleitoral de quase zero para 6,92%? É claro que não só os proletários votaram a favor do Aurora Dourada, mas são eles que nos interessam aqui. Eles foram enganados? O principal pilar das propostas políticas do Aurora Dourada era a imigração. A reivindicação de “empregos apenas para os gregos” é crucial no momento em que as taxas de desemprego aumentam e os salários diminuem (crucial no sentido de que foi apresentada no momento certo para ter repercussão).

O exército industrial de reserva, durante os períodos de estagnação e de prosperidade média, exerce um peso sobre o exército ativo dos trabalhadores; durante os períodos de sobre-produção e de atividade febril, limita as suas pretensões. A população excedente relativa é, portanto, o pano de fundo contra o qual a lei da procura e da oferta de trabalho faz o seu trabalho” (Marx, op. cit., p. 792)

A deportação em massa de imigrantes significaria uma redução da oferta de força de trabalho, o que significaria um aumento do seu poder de barganha. Os apoiadores do Aurora Dourada são definitivamente uns merdas, e as ações criminosas do Aurora Dourada são bem conhecidas. Mas, em geral, o apoio a uma política de imigração que reduza o número de imigrantes na Grécia não tem necessariamente nada a ver com o ódio aos imigrantes. Tem a ver com as leis da economia política e com a compreensão da economia política clássica de como os interesses de cada classe são definidos: para Adam Smith, os interesses são definidos no mercado.

Primeiro, a ordem social tripartite da qual [Smith] falou era um predicado de um tipo particular de sociedade; aquela definida pelo alcance territorial de um soberano ou Estado definido. Estes eram os Estados da Europa como tinham sido e estavam sendo formados dentro de domínios mutuamente exclusivos que operam no interior de um sistema interestatal.
Em segundo lugar, as suas ordens sociais (ou classes) foram definidas com base nas relações de propriedade. A propriedade da terra, do capital e da força de trabalho definem as três grandes ordens na sociedade. […]
Em terceiro lugar, os interesses de cada uma das ordens/classes sociais foram identificados com a sua situação no mercado; isto é, tanto as suas oportunidades competitivas em relação umas às outras enquanto classes (e de indivíduos dentro de cada classe entre si), como os custos e benefícios para cada uma delas do poder monopolista no interior dos mercados, entendido como restrição de entrada. Em A Riqueza das Nações, Smith limitou o fundamento subjetivo da ação coletiva de uma classe a esses interesses de mercado. […]
Em quarto lugar, as relações de mercado foram definidas dentro ou entre os espaços econômicos nacionais. Os conflitos e alinhamentos de classe limitavam-se, assim, às lutas dentro de cada Estado por influência/controle sobre as suas políticas. A unidade de análise, em outras palavras, era o Estado-Nação, que determinava tanto o contexto quanto o objeto das contradições de classe.
Em quinto lugar, pressupunha-se uma “autonomia relativa” das ações do Estado em relação aos interesses e poderes de classe. A promulgação de leis e regulamentos pelo Estado foi continuamente atribuída aos poderes e influência de classes particulares ou “frações” das mesmas. Mas presumia-se que o soberano estava em condições de se distanciar de qualquer interesse particular para promover alguma forma de interesse geral, refletindo e/ou gerando um consenso para o interesse geral (Arrighi, Hopkins & Wallerstein, Antisystemic Movements, Verso, 1989, p. 5-6)

Os conflitos no seio do proletariado não surgem da “falsa consciência”, mas de interesses materiais conflitantes entre diferentes fracções do proletariado. Não existe um interesse único e objetivo do proletariado – a revolução comunista. O proletariado só é revolucionário no sentido que sua luta implica a possibilidade da abolição da relação social do capital. Nem toda luta do proletariado é revolucionária – pelo contrário, pode ser extremamente reacionária – mas só o proletariado pode travar lutas que conseguem abolir a ordem atual.

Fomos acusados (pelo nosso prefácio à tradução do texto “Carta sobre o antissionismo”) de um maniqueísmo de “tudo ou nada”, “ou uma sociedade sem classes, ou nada”. Gostaríamos de recordar algumas coisas aos nossos críticos. No primeiro volume de O Capital, na seção sobre a luta por uma jornada normal de trabalho, Marx escreveu sobre as leis relevantes promulgadas que

estas especificações altamente detalhadas, que regulam, com uniformidade militar, os tempos, os limites e as pausas do trabalho pelo bater do relógio, não eram de modo algum um produto da fantasia dos membros do Parlamento. Elas se desenvolveram gradualmente a partir das circunstâncias como leis naturais do moderno modo de produção. Sua formulação, reconhecimento oficial e proclamação pelo Estado foram o resultado de uma longa luta de classes” (Marx, op. cit., P. 394-395)

Gostaríamos de chamar a atenção para a frase uniformidade militar e o aumento do controle e da disciplina que isso implica. Uma vez que a duração da jornada de trabalho foi reduzida, a primeira resposta foi intensificar o trabalho como método alternativo para aumentar o mais-valor (e a segunda resposta foi aumentar a produtividade do trabalho). Finalmente, concluindo o capítulo sobre a jornada de trabalho, Marx diz que os trabalhadores, para serem “protegidos” dos capitalistas, tiveram que recorrer à mediação do Estado para aprovar leis que limitam a jornada de trabalho. E ele exclama: “no lugar do pomposo catálogo dos ‘direitos inalienáveis do homem’, entra a modesta Carta Magna da jornada de trabalho legalmente limitada, que finalmente deixa claro ‘quando termina o tempo que o trabalhador vende e quando começa o seu próprio’. Quantum mutatus ab illo!”(Marx, op. cit., P. 416). Não devemos nos surpreender com este encerramento irônico do capítulo sobre a jornada de trabalho. Logo no início do capítulo, ele diz:

o capitalista mantém os seus direitos de comprador quando tenta prolongar o dia de trabalho o máximo possível e, sempre que possível, fazer de um dia de trabalho dois. Por outro lado, a natureza peculiar da mercadoria vendida implica um limite ao seu consumo pelo comprador, e o trabalhador mantém o seu direito de vendedor quando deseja reduzir a jornada de trabalho a uma duração normal específica. Há, portanto, aqui uma antinomia, de direito contra direito, ambos igualmente com o selo da lei da troca. Entre direitos iguais, a força decide” (Marx, op. cit., P. 344).

A luta pela jornada normal de trabalho não escapa à lei da troca de equivalentes: “exijo uma jornada normal de trabalho porque, como qualquer outro vendedor, exijo o valor da minha mercadoria” (Marx, op. cit., p. 343).

Marx insiste repetidamente em O Capital que o salário é um fetiche. O salário, mesmo se presumirmos que coincide com o valor da força de trabalho, nada tem a ver com a quantidade de trabalho exercida pelo trabalhador. Porque o valor da força de trabalho tem a ver com a cesta de bens socialmente necessária para a (re)produção da força de trabalho.

Mas essas coisas não abolem mais a exploração do trabalhador assalariado e a sua situação de dependência do que roupas, alimentos e tratamentos melhores, e um maior peculium, no caso do escravo. Um aumento do preço da força de trabalho, em consequência da acumulação de capital, só significa, de fato, que o comprimento e o peso da cadeia de ouro que o trabalhador assalariado já forjou para si permitem que ela seja um pouco afrouxada. […] As condições de venda [da força de trabalho], mais ou menos favoráveis ao trabalhador, incluem, portanto, a necessidade de sua constante revenda e a reprodução constantemente ampliada da riqueza como capital. […] Mesmo se deixarmos de lado o caso em que um aumento dos salários é acompanhado por uma queda no preço da força de trabalho, é claro que, na melhor das hipóteses, um aumento dos salários significa apenas uma redução quantitativa da quantidade de trabalho não remunerado que o trabalhador tem de fornecer. Essa redução nunca pode ir tão longe a ponto de ameaçar o próprio sistema” (Marx, op. cit., P. 769-770)

Adiante (p. 770), Marx observa que Adam Smith já mostrou que, em conflitos sobre salários, “o mestre, em geral, permanece o mestre”.

Embora as lutas quanto à duração da jornada de trabalho e o nível dos salários não escapem, por si só, do quadro geral da relação do capital, elas têm o potencial de levar as contradições do capital ao ponto de explodirem (não é apenas a luta por estas duas questões que possuem esse potencial, nós simplesmente as trazemos como um exemplo encontrado em O Capital). Se a luta pelos salários ou pela jornada de trabalho é potencialmente revolucionária, não é porque melhora nossas condições de vida. É potencialmente revolucionária porque se for levada ao extremo, isto é, se chegar ao ponto de aniquilar o trabalho excedente (ou mais precisamente, a quantidade de trabalho excedente necessária para a continuação sem solavancos do processo de acumulação de capital), significa que “irá ameaçar o próprio sistema”. E é nessa crise, nessa desestabilização, que a superação do capitalismo se torna possível: a transformação da luta de classes “quotidiana” numa revolução comunista. Isto não significa apenas uma diferença quantitativa, mas qualitativa: já não se trata de reduzir o trabalho não remunerado, mas da abolição total do trabalho assalariado.

Parêntese: o comunismo, “o movimento real que abole o estado atual de coisas”, é um processo negativo par excellence. É a aniquilação de todas as formas contemporâneas de dominação e exploração existentes. A explosão da contradição de classe significa desastre: desemprego, pobreza, conflitos, etc. Eis o paradoxo do comunismo: a passagem do capitalismo para uma sociedade sem classes implica necessariamente a completa desestabilização, a destruição de tudo o que hoje é considerado “normal” e “dado”. O aprofundamento da crise significa que toda a segurança oferecida pelo capitalismo e pelo Estado-Nação desaparecem: como podem oferecer segurança e normalidade quando estão desarticulados, quando são postos fora de ação, quando liberam todas as forças repressivas como última tentativa do seu sistema imunológico de se manterem vivos? Em certo sentido, no processo revolucionário, a condição dos proletários será pior do que antes: antes, pelo menos alguns deles tinham salários, tinham benefícios sociais. A menos que haja uma transição imediata para um novo modo de vida, a menos que novas relações sociais comecem a ser estabelecidas imediatamente no ponto zero da revolução, então tudo o que está à frente é um recuo para o capitalismo ou a morte. A esquerda do capital quer salvar a economia, quer uma saída “pró-trabalhadores” da crise. Os comunistas querem que a luta de classes agrave a crise, destrua a economia. Fechamos o parêntese.

Uma luta dos proletários gregos desempregados contra os imigrantes, que inclua pogroms contra os imigrantes, exigências ao Estado para a deportação de imigrantes e exigências aos patrões para não contratar imigrantes, será uma luta dos proletários gregos defendendo os seus interesses particulares de mercado, a fim de melhorar as suas condições de vida (acesso ao trabalho assalariado e, consequentemente, ao dinheiro para comprar meios de subsistência). Entende-se, portanto, que uma luta por melhores condições de vida não implica necessariamente um potencial revolucionário. E uma luta que, de fato, envolva essa potencialidade não significa necessariamente que resultará numa revolução.

Esta é a tarefa da teoria comunista: “a crítica impiedosa de tudo o que existe, implacável tanto no sentido de não ter medo dos resultados a que chega como no sentido de ter tão pouco medo do conflito com os poderes constituídos” (Marx para Ruge, setembro de 1843)[10]. Aqui, Marx lançou a primeira base para a tarefa da teoria comunista. Mas ele ainda estava entre os jovens hegelianos; sua crítica não tinha ido além da crítica feuerbachiana. O objetivo da crítica permaneceu a mudança de consciência, que

consiste apenas em tornar o mundo consciente de sua própria consciência, em despertá-lo de seu sonho sobre si, em explicar o significado de suas próprias ações. Todo o nosso objectivo só pode ser – como é também o caso da crítica de Feuerbach à religião – dar às questões religiosas e filosóficas a forma correspondente ao homem que tomou consciência de si” (ibid.)

Portanto, como completamos a definição da tarefa da teoria?

As conclusões teóricas dos comunistas não se baseiam de modo algum em ideias ou princípios inventados ou descobertos por este ou aquele pretenso reformador universal. Exprimem apenas, em termos gerais, relações concretas que brotam de uma luta de classes existente, de um movimento histórico que se desenrola sob os nossos olhos. [ … ] Em todos esses movimentos, [os comunistas] trazem para a frente, como a questão principal de cada um, a questão da propriedade, independentemente do seu grau de desenvolvimento na época (Marx & Engels, “Manifesto do Partido Comunista”), MECW 6, p. 498 & 519)[11]

A teoria comunista não é uma filosofia que interpreta o mundo, é uma crítica que intervém nas lutas para mudar o mundo. Teoria comunista significa reflexão sobre a práxis, sobre movimentos reais, e intervir neles para levantar questões práticas. Essa é a tarefa da teoria comunista. A teoria comunista não é uma ciência que deriva o comunismo da análise econômica do capital. Em vez disso, a teoria comunista parte das lutas de classe do proletariado e tenta entender como a contradição revelada por essas lutas oferece a possibilidade de superar o modo de produção capitalista e estabelecer o comunismo. As questões práticas não são sobre alcançar um melhor nível de vida dentro do capitalismo, mas sobre levar a contradição da relação de classe ao extremo para que ela exploda. O objetivo dos comunistas não é promover lutas por um melhor nível de vida: de qualquer forma, os movimentos sobre esse ponto rebentam espontaneamente, sem que os comunistas os promovam, quer sob formas progressistas, quer reacionárias – é claro que, naqueles sob formas reacionárias, como o exemplo do movimento anti-imigração usado acima, geralmente não há espaço para intervenção, mas apenas para conflito direto. A teoria comunista encara a realidade e procura os movimentos que são uma crítica prática da ordem das coisas existente.

Neste sentido, e apenas neste sentido, pode-se dizer que temos uma lógica de tudo ou nada. Só no sentido de que estamos interessados naqueles movimentos no interior dos quais pode se desenvolver uma dinâmica capaz de abolir a relação do capital. Se essa dinâmica irá realmente desenvolver-se e, em caso afirmativo, se vai ganhar ou perder, é outra questão. No exemplo mencionado acima, do movimento anti-imigração, tal dinâmica não pode desenvolver-se, por isso não estamos interessados em tal movimento – ou melhor, estamos interessados em confrontar esse movimento, porque ele mina a criação de um movimento em que tal dinâmica possa desenvolver-se. No caso de Rojava, tal dinâmica não pode ser desenvolvida. Não podemos dizer que estamos procurando um conflito com esse movimento. Trata-se da criação de um proto-Estado, mas é uma tentativa de sobrevivência no contexto de guerra, e o que se pode dizer sobre as pessoas que formam a base deste movimento? Elas devem se sentar em silêncio enquanto as bombas caem sobre suas cabeças? Nenhuma alternativa revolucionária foi desenvolvida por qualquer outro movimento. Uma vez que nenhum movimento desse tipo foi desenvolvido, por que devemos esperar que o façam e culpá-los por não o fazerem? Será que devemos dizer que eles devem fazer um movimento revolucionário ou morrerem? Claro que não. A única crítica que nos interessa aqui não é uma crítica a Rojava per se, mas uma crítica àqueles que elevam essa luta pela sobrevivência em meio à guerra a uma revolução.

Voltemos agora à Palestina. Os proletários palestinos estão recebendo golpes de dois lados: tanto da sua própria classe dominante como da de Israel. De fato, nesse momento, existem duas facções da classe dominante palestina, que estão em conflito entre si. Uma é a Autoridade Palestina oficial na Cisjordânia, liderada pelo Fatah, e a outra é o governo da Faixa de Gaza, liderado pelo Hamas. O Hamas se viu à frente da Faixa de Gaza depois de confrontos armados com o Fatah em junho de 2007. Após várias tentativas fracassadas de reconciliação entre os dois governos, foi assinado um acordo no ano passado, 2017, segundo o qual o Hamas deu o controle dos serviços públicos de Gaza à Autoridade Palestina (ou seja, ao Fatah) em troca da flexibilização do embargo econômico a Gaza. O Fatah parece estar lentamente regressando a Gaza, mas isso também não foi menos violento do que a tomada da liderança pelo Hamas. A própria Autoridade Palestina, alguns meses antes de o acordo ser finalmente concluído, pressionou o Hamas ao não pagar a eletricidade que Israel fornece a Gaza, com o resultado de que Gaza só tem eletricidade durante 4 horas por dia. De acordo com Mkhaimar Abusada, cientista político da Universidade Al-Azhar, em Gaza, a Autoridade Palestina, em vez de cortar os seus subsídios diretos a Gaza, decidiu atacar indiretamente o Hamas, não pagando a Israel pela eletricidade fornecida a Gaza. Para Abusada, a Autoridade Palestiniana está tentando colocar a culpa em Israel, pois se cortarem o fornecimento de eletricidade porque a Autoridade Palestina não está pagando, os habitantes de Gaza culparão Israel e não o Fatah (q. v. o artigo relacionado no New York Times). E acrescentamos: assim, se um acordo for finalmente alcançado, o Fatah poderá apresentar-se ao povo de Gaza como um salvador. Além disso, o Catar, patrono do Hamas, está sob embargo do Egito e outros países. O Catar continua a apoiar o Hamas, mas é pressionado a reconciliar-se com o Fatah. Os Emirados Árabes Unidos demonstraram interesse em investir em Gaza se não for mais controlada pelo Hamas (q. v. artigo na The Economist).

Outra medida de pressão foram os drásticos cortes salariais feitos em 2017 aos funcionários da Autoridade Palestina em Gaza, com cortes que variam entre 30% e 70% (q. v. artigos por Electronic Intifada and Ma’an News Agency). A Autoridade Palestina, formada em 1994 como resultado dos Acordos de Oslo em 1993, estabeleceu um salário mínimo palestino somente após 18 anos, em 2012, de 1.450 shekels (375 dólares à época) e apenas depois da pressão dos protestos sindicais palestinos e protestos gerais contra o aumento dos preços dos produtos básicos. Shaher Sa’id, então Secretário-Geral da Confederação Geral dos Sindicatos Palestinos, disse ao Jornal Palestiniano Al-Quds que o salário mínimo deveria estar ligado à linha da pobreza, que era de 2.300 shekels, e que o salário mínimo atual condenava os trabalhadores à miséria e à morte (q. v. artigos em The Times of Israel and Ma’an News Agency). No início do mês (maio de 2018), a Autoridade Palestina efetuou novos cortes salariais de 20% para os seus empregados em Gaza, embora ainda não tenha pago os salários de abril e, ao mesmo tempo, tenha forçado 1/3 dos seus empregados em Gaza a aposentadoria antecipada (q. v. artigo em Reuters).

Segundo o Palestinian Central Bureau of Statistics (PCBS), o instituto oficial de Estatística da Autoridade Palestina, em 2017 a taxa de desemprego na Faixa de Gaza foi de 43,6%, enquanto na Cisjordânia foi de 18,1% (note-se que, para ser breve, a seguir, sempre que nos referimos a Gaza, queremos dizer a faixa de Gaza e não a cidade de Gaza, sempre que nos referimos à Cisjordânia, referimo-nos às áreas A e B da Cisjordânia, e sempre que nos referimos a Israel, incluímos os assentamentos israelenses). No geral, entre os homens, a taxa de desemprego foi de 22,3%, enquanto para as mulheres foi de 47,4%. Entre aqueles que trabalham na Palestina e não em Israel, o setor dos serviços empregava 32,7% dos trabalhadores de Gaza e 53,3% dos trabalhadores da Cisjordânia. No setor público (Autoridade Palestina), 36,5% trabalham em Gaza e 15,2% na Cisjordânia. O salário médio diário na Cisjordânia é de 101,5 shekels (cerca de 24 euros), enquanto em Gaza é de 59,4 shekels (cerca de 14 euros). A jornada média de trabalho dos assalariados na Cisjordânia é de 44,2 horas, enquanto em Gaza é de 37,6 horas. Do total de assalariados na Palestina, 25,3% têm um contrato de trabalho, 51,2% não têm contrato e 23,5% têm um contrato oral (!). Na Cisjordânia, 17,9% dos trabalhadores recebem menos do que o salário mínimo, enquanto em Gaza o número é de 80,6%. O número de palestinos que trabalham em Israel é de 130.700. Destes, 67.900 possuem uma licença, 43.400 não têm licença (portanto, trabalho informal) e 19.400 têm um documento de identificação israelense ou um passaporte estrangeiro. O salário médio diário dos palestinos que trabalham em Israel é de 226,7 shekels (cerca de 54 euros), com uma semana de trabalho média de 41,6 horas. Dos palestinos que trabalham em Israel, 61,6% estão empregados no setor da construção (Para todos os números acima, ver aqui). O salário médio diário dos palestinos que trabalham em Israel parece estar ligeiramente abaixo do salário mínimo israelense, uma vez que, de acordo com dados do Bituah Leumi (Instituto Nacional de Seguridade de Israel, a agência de Seguridade Social do Estado israelense), em 2017 o salário mínimo diário para um emprego de 5 dias era de 230,77-244,62 shekels (cerca de 55-58 euros) (ver aqui).

Há 504.600 trabalhadores em Gaza e 870.000 na Cisjordânia. A taxa de desemprego em Gaza é de 43,6% e de 18,1% na Cisjordânia. Portanto, a força de trabalho total na faixa de Gaza é de 894.680 pessoas e na Cisjordânia 1.062.271 pessoas. No total, 1.956.951. E, como dissemos, há apenas 130.700 palestinos trabalhando em Israel. Ou seja, do total da força de trabalho palestina, apenas 6,7% trabalham em Israel. Os restantes trabalham na Palestina ou estão desempregados. Portanto, onde está o “apartheid israelense” de que falam os “amigos” dos palestinos? O Apartheid na África do Sul tinha um objetivo específico: a exploração do trabalho dos negros, asiáticos e outras minorias. No caso da Palestina, a maioria dos proletários palestinos tem seu trabalho explorado por palestinos, não por israelenses. E os desempregados constituem um excedente populacional tanto para o capital israelense como para o capital palestino. O capital israelense não quer explorar os trabalhadores palestinos, a maioria deles acaba sendo inútil e ele tenta mantê-los fora do seu território. Nenhum estado de bem-estar apoia o excedente populacional palestino, assim como nenhuma autoridade israelense ou palestina, e sabe-se que só sobrevivem graças à ajuda humanitária internacional.

Por que razão os “amigos” gregos dos palestinos guardam silêncio sobre tudo isso? Por que, em vez de falarem das condições concretas do proletariado palestino, falam apenas abstratamente do povo palestino? Enquanto o proletariado palestino está morrendo devido ao tríplice conflito entre a burguesia israelense (tentando mantê-lo fora do seu território) e as duas facções em guerra da burguesia palestina (lutando pelas rédeas da soberania política nos territórios palestinos), por que é que eles estão falando apenas da burguesia israelense? Israel é o único responsável pelo empobrecimento dos proletários palestinos? Por que não falam sobre as contradições e os conflitos na sociedade palestina? No mês passado (abril de 2018), um palestino de 25 anos da Cisjordânia, Ahmad Al-Awartani, foi detido e espancado até ficar inconsciente pela Autoridade Palestina após fazer críticas a ela em um post no Facebook, e depois entrou em greve de fome na prisão. A Addameer, uma ONG palestina que apoia presos políticos palestinos em prisões palestinas e israelenses, fala frequentemente da tortura de presos políticos pela Autoridade Palestiniana (Q. v. artigo na Al Jazeera). Há alguns meses, os faxineiros dos hospitais de Gaza entraram em greve porque não eram pagos há 4 meses (Q. v. a Haaretz artigo). Greves e protestos de trabalhadores palestinos contra a humilhação que sofrem nos postos de controle durante entrada/saída dos territórios israelenses todos os dias quando vão trabalhar não são raras. Os “amigos” dos palestinos que falam apenas das relações dos palestinos com Israel, por que se referem exclusivamente aos conflitos relativos às fronteiras territoriais dos territórios políticos? Por que não falam sobre as condições de trabalho dos palestinos nas empresas israelenses e multinacionais situadas dentro do território israelense? Na verdade, uma vez que tais empresas são um ponto de encontro para os trabalhadores palestinos e israelenses, são um local provável a partir do qual uma luta comum pode rebentar, rompendo as divisões nacionalistas entre as duas classes trabalhadoras. “Amigos” do povo palestino, por fim, digam-nos: que bandeira estão levantando? A da luta de classes ou da libertação nacional?


[1] O operaísmo, conhecido também por “marxismo autonomista”, é uma corrente política próxima do marxismo que surgiu na Itália no período de efervescência das lutas operárias na década de 1960 e 1970. Essa corrente política se reuniu inicialmente ao redor das revistas Quaderni Rossi e Classe Operaia, publicações que eram organizadas por dissidentes do Partido Socialista Italiano (PSI) e do Partido Comunista Italiano (PCI). Para acessar documentos em português sobre essa tendência política, confira a nossa seção Autonomismo Italiano. [Nota do Crítica Desapiedada]

[2] Este texto foi publicado no Brasil com o título “Glosas Marginais ao Tratado de Economia Política de Adolph Wagner”, em Últimos Escritos Econômicos: anotações de 1879 – 1882 (Boitempo, 2020). Outra tradução está disponível na revista Verinotio: Glosas marginais ao Manual de economia política de Adolph Wagner (1879-1881). [Nota do Crítica Desapiedada]

[3] “PFLP-GC” é a Frente Popular para a Libertação da Palestina – Comando Geral. Mais informações sobre essa Frente podem ser acessadas no wikipedia. [Nota do Crítica Desapiedada]

[4] Panathinaikos FC e Olympiacos FC são os principais times de futebol da Grécia. [Nota do Crítica Desapiedada]

[5] Uma tradução brasileira foi publicada pela editora Boitempo: Sobre a questão judaica, Boitempo, 2010, Nélio Schneider e Wanda Caldeira Brant (tradutores). Para acessar um pdf desta tradução, clique aqui. [Nota do Crítica Desapiedada]

[6] O texto citado faz parte do livro em edição inglesa, Masses, Classes, Ideas: Studies on Politics and Philosophy Before and After Marx (Etienne Balibar). [Nota do Crítica Desapiedada]

[7] Este texto está disponível em português com o seguinte título: “Sobre o Livro de Friedrich List: Sistema Nacional da Economia Política” (1845). Disponível em: https://gmarx.fflch.usp.br/boletim-ano3-01#_ftn1. [Nota do Crítica Desapiedada]

[8] Uma tradução brasileira foi publicada pela editora Boitempo: O capital [Livro I]: crítica da economia política. O processo de produção do capital. Boitempo, 2023, Rubens Enderle (tradutor). Para acessar um pdf desta tradução, clique aqui. [Nota do Crítica Desapiedada]

[9] O Aurora Dourada é um partido político grego considerado de “extrema-direita”. A sua fundação data de 1980. Mais informações sobre esse partido podem ser acessadas no wikipedia. [Nota do Crítica Desapiedada]

[10] Conferir a nota de rodapé 5. [Nota do Crítica Desapiedada]

[11] Uma tradução brasileira foi publicada pela editora Boitempo: Manifesto Comunista, Boitempo, 2010, Álvaro Pina e Ivana Jinkings (tradutores). Para acessar um pdf desta tradução, clique aqui. [Nota do Crítica Desapiedada]

Traduzido por Marco Túlio Vieira.

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