Relato Biográfico-Intelectual (Parte 2) – Gilles Dauvé

Original in French: Gilles Dauvé (I), Gilles Dauvé (II), Gilles Dauvé (III)

[Nota do Crítica Desapiedada]: O presente texto é resultado de uma entrevista concedida por Gilles Dauvé à Rádio Anábasis (Espanha) [Parte II, Parte III], em 2019. A entrevista foi realizada em francês com tradução simultânea para o espanhol. Em seguida, a Rádio disponibilizou a transcrição da entrevista para o espanhol e foi a partir dela que fizemos a tradução para o português. Por ser originalmente uma entrevista, mantivemos no texto as repetições das palavras, as interrupções no raciocínio de Gilles e outras características da linguagem oral. De todo modo, a entrevista é bastante esclarecedora sobre a vida de Gilles e nos oferece diversas informações que permitem compreender melhor o pensamento desse autor [Todo o material publicado em português está disponível em: Dossiê – Gilles Dauvé (Jean Barrot)].
Esta é a última parte da entrevista e a primeira pode ser acessada em: Relato Biográfico-Intelectual (Parte 1) – Gilles Dauvé. Boa leitura.
Obs.: A entrevista pode ser lida também em pdf: Relato Biográfico-Intelectual (Parte 2) – Gilles Dauvé.


Entrevista de Gilles Dauvé à Rádio Anábasis – Parte 2

E já que tens falado da Itália, bem… Em uma escala menor do que lá, mas houve todo um movimento autônomo que emergiu na França nos anos 70. De maneira geral, estaríamos tentados a nos identificarmos com esse movimento, ao menos em suas expressões mais radicais.

Por desgraça, as pessoas que eu conheço tinham muito pouco contato com eles e isso é um erro. Naquele momento tínhamos um amigo muito bom que vivia na Itália e falava italiano perfeitamente, nos falou disso e conhecíamos italianos, mas não muitos, de vez em quando. Talvez tinham outras coisas a fazer, tinham já muito o que fazer em seu país para vir discutir conosco, que não fazíamos muito. Tivemos pouco contato. A distância, creio que é o mais importante de todo esse período. De certa forma, mais importante que em 68 na França, porque a greve geral na França é a maior greve da história, três semanas em todo um país… Mesmo que não fosse tão geral no fim, mas bem. E além disso, como disse a IS [Internacional Situacionista], foi uma greve geral selvagem, isso é, que os sindicatos a seguiram. Se desencadeou um pouco por todos os lados e depois declararam a greve, mas começou sem eles no início… bem, embora depois eles estivessem sempre no controle, o controle global. Na Itália não houve isso, mas existia um movimento que foi muito longe, inclusive em áreas que não eram nada operárias, e isso era importante: que não era a questão do trabalho, quero dizer. A crítica do trabalho era muito mais profunda que na França, creio que, pelo que sei, nunca foi tão longe como ali, e além de outras questões que iam crescendo como a crítica da vida cotidiana, como disse a IS, a questão sexual, dos jovens, das crianças… Por exemplo na França, onde houve a antipsiquiatria, creio que estava muito mais ligada a uma perspectiva de transformação social na Itália. Na França eram mais bem psiquiatras; na Itália era por outra via. E então veio o ponto culminante de 77.

Naquele momento se vê como o “assunto Faurisson”[1], segundo você diz no Le roman de nos origines[2], foi uma polêmica que acabou por aniquilar uma corrente revolucionária que já estava bastante dispersa. O que poderíamos recuperar do “assunto Faurisson”?

O que deveríamos recuperar é que… para começar, não pôde aniquilar muito o movimento revolucionário, porque não existia. Como acabo de dizer, era extremamente débil.

Então, poderíamos dizer que aprofundou suas debilidades…

Sim, contribuiu… No fim, não poderia debilitar muito um movimento que existia muito pouco. Não, creio que não teve muitos efeitos. Teve efeitos muito desagradáveis para gente como eu, que fomos tachados de negacionistas, mas francamente não creio que desempenhou nenhum papel… Creio que é falso, porque para que destrua algo, ou para que o debilite, teria que existir antes, fora de nós. Porque para a maior parte das pessoas não lhe importa o assunto Faurisson. O negacionismo interessa aos negacionistas e aos antinegacionistas. Estou seguro de que se pegássemos agora a internet encontraríamos centenas de páginas que falam disso: antinegacionistas, negacionistas, periódicos… Mas na realidade, não muita gente se sentiu concernida.

E em todo esse assunto, ao menos…

Mas é muito desagradável para aqueles que são tachados de negacionistas quando não o são.

Há alguma lição que possamos extrair desse momento?

Talvez um dia escreva sobre tudo isso, não sei. Ao mesmo tempo, tenho outras coisas a fazer e não é muito agradável. Em todo caso, uma coisa rápida que queria dizer é que com frequência se vincula ao bordiguismo, porque a crítica do antifascismo conduziu alguns, como arma para criticar o antifascismo, a dizer que “finalmente o fascismo não é tão grave como se acredita, a prova é que não houve tantos judeus assassinados”, etc. Então, a crítica do antifascismo, “Cuidado! Conduz ao negacionismo. E olha, são os bordiguistas os que são os responsáveis por isso”. Isso em algumas pessoas que retomavam o bordiguismo. Bem, pois não é verdade. Os bordiguistas – na medida em que isso queira dizer algo – que se tornaram negacionistas se contam, pelo que sei, com os dedos de uma mão, talvez de duas. Os bordiguistas franceses jamais se vincularam a isso. Os grupos que conheço eram iguais, estavam contra. Se pode encontrar… Além disso, há todo tipo de gente na internet. Se penso que os gatos são extraterrestres, faço uma página na web e necessariamente vou me encontrar com gente que pensa que os gatos vêm do espaço. Na internet existe de tudo. Na realidade, os bordiguistas jamais se deixaram levar por isso. Os que deixaram levar foi gente como Pierre Guillaume, ao que eu conheci durante muito tempo, que sempre buscou – não sei se existe a expressão em espanhol ou em inglês – no grão de areia, a coisa que vai desviar a máquina, a peça de dominó que vai derrubar todas as outras. Não sei se está claro em espanhol, talvez haja algo parecido.

Sim, “a tecla” que se aperta para que algo exploda.

Isso, isso. O mundo está em crise, mas finalmente aguenta. Mas há algo que se o encontramos, vai fazer com que tudo se desmorone. Isso é absurdo. Pierre Guillaume sempre teve essa tendência mas antes, bem, não era grave… mas quando descobriu que o mundo inteiro se sustentava na crença das câmaras de gás… Bem, é absurdo. Mas Pierre Guillaume não é um grupo. O outro grupo que retomou isso na França, La Guerre Sociale, que não era um grupo bordiguista, que se inspirou como nós, que tomou coisas da esquerda alemã e italiana, mas que a partir de um ponto de vista pragmático buscava “o golpe”, fazer algo que deixasse uma marca, e viram aí – não estavam loucos como Pierre Guillaume, que verdadeiramente delirava -, viram algo que era eficaz. Podíamos atacar assim o antifascismo. Evidentemente era falso, por motivos bastante simples. Por um lado, as câmaras de gás existiram. Bem, era absurdo. O que é preciso aprender é que não há remédios mágicos, não há curto-circuitos para tornar revolucionário um mundo que não o é. De maneira mais geral, isso mostra também até que ponto é vulnerável um pequeno meio… Porém muito pequeno, porque a maioria das pessoas no meio não se importou. Bem, não queria que falássemos disso muito tempo, mas o artigo do La Banquise que se taxa de negacionista aparece em 83. Há um artigo de toda uma página no Le Monde sobre mim. Em 1996, treze anos depois… Durante treze anos um monte de pessoas de nosso meio, no sentido mais amplo – anarquistas, comunistas, radicais, um pouco autônomos, ultraesquerda, etc. – não se preocuparam em saber se Gilles Dauvé era um pouco ou muito negacionista. Enquanto meu nome esteve no periódico… Vocês sabem a importância do Le Monde na França, acho que não há nenhum periódico no mundo que tenha esse peso. Conheço os Estados Unidos e a Inglaterra e creio que o New York Times não é isso, ainda que evidentemente seja muito importante, tampouco o The Guardian. Bem, como havia dito a IS, o Le Monde era o periódico oficial de todos os poderes. Em todo caso, no dia em que meu nome aparece no periódico, se diz “Olha, Gilles Dauvé. Talvez fosse um pouco negacionista” e desde então… Bem, é para dizer que esse meio é capaz de ser muito tonto. Pois bem, o que me satisfaz é que todas as pessoas, com as quais eu posso ou não estar de acordo – não digo que estejam de acordo comigo, nos conhecemos há algumas horas -, mas todas as pessoas com as quais tenho algo em comum não lhes representa nenhum problema. Pode ter fortes desacordos com alguns, posso dar o nome de alguns grupos, mas eles não me consideram negacionista e creio que compreenderam mais ou menos do que se tratava. E todos os que o utilizam, seja por estupidez ou por má fé, é gente com que na realidade não posso fazer nada e que não querem nada comigo, nem sequer ler-me, nem sequer dizer “Olha, isso é interessante, este texto dele ou de seus amigos, de ddt21[3] é interessante”. Assim, é muito desagradável. É muito desagradável ter meu nome na internet com isso. Verdadeiramente… Talvez eu seja frágil pessoalmente, mas não é agradável, porque volta a sair com frequência. Mas é muito desagradável e não tem nenhuma importância. Isso é o terrível. Isto é, essas pessoas não vão me criar verdadeiros aborrecimentos. Se tenho poucos leitores, não são eles que me os tiram, e se encontro gente simpática tampouco são eles quem me impedem de encontrá-las. Sim, finalmente, é uma história muito triste, mas não é muito importante. Desagradável, mas não importante. E tampouco creio que tenha prejudicado muito nosso meio, ao contrário do que as pessoas dizem. Porque também isso é para se dar importância, fazer como se fôssemos um verdadeiro movimento que tem sido ferido por… Não, não. Não creio. Bem, de toda forma, não creio que tenha sido traduzido para o italiano, perdão, ao espanhol (ao italiano não sei), mas há um texto… Eu esqueci, preparei mal a entrevista, deveria ter pensado nisso. Há um texto em francês, alemão e inglês – em francês e inglês está na página da Troploin[4] – onde respondo a esta questão e digo algumas palavras que acredito… Talvez seja o texto que se chama… Bem, vou encontrar o título, penso em dois possíveis textos, não estou seguro de qual deles.

E precisamente, neste período dos anos 90 foi difícil, um período de retrocesso de lutas, de refluxo, de crise na militância, ao menos para não poucas pessoas e organizações. Como viveste…?

Não sei se estaria de acordo com o diagnóstico, porque nos anos 70 na França e também fora, na Inglaterra, na Alemanha, na Itália, aconteceram muitas coisas. Depois, por exemplo na França, houve lutas bastante importantes em finais dos 70 e princípios dos 80, quando se fecharam minas, serrarias… Bem, ocorreram várias coisas, mas eram lutas defensivas. Já não eram lutas de onde pudesse haver um elemento de antitrabalho, débil mas ainda assim, presente. Depois há várias coisas em 95 na França, como a greve de três semanas dos ferroviários, que foi uma greve importante. Foi de fato uma greve para tentar lutar contra a redução das pensões, porque tinham um estatuto especial. É claro, os burgueses e todo mundo, todos os que têm poder, diziam que não era normal, que tinham privilégios que o resto não tinha. Bem, sua greve era para resistir contra isso e, no fim das contas, jogaram para trás, pelo menos por um certo tempo, o governo e a patronal. Esta greve foi relativamente popular. Na pequena cidade em que estamos, durante três semanas praticamente não havia trens para ir para Paris. Foi uma greve bastante forte. Bem, reimpulsionou uma certa crítica anticapitalista, no sentido mais amplo, porque… E também houve as primeiras anticúpulas como Seattle, creio que em 98… não me lembro bem, mais ou menos, nas que houve esta prática de se enfrentar as cúpulas. Houve, creio que em diferentes países, um novo papel da crítica, mas sobre bases débeis, em minha opinião, em relação ao que havia nos anos 70.

O que vou dizer é bastante esquemático, mas creio que é verdade, em qualquer caso. Nos anos 70 está a crítica do leninismo e da URSS, que existia então, a crítica do stalinismo e a necessidade da autonomia operária. Não é por acaso se “autonomia” é a palavra principal sobretudo na Itália, onde era mais forte. Vinte anos depois, nos anos 90, 2000 e mais tarde, é a autonomia a que se reivindica como o essencial do programa: “temos que lutar nós mesmos”. O “nós mesmos” se torna essencial e todas as ideias de construir um partido, da URSS – que já não existe, de todo modo -, os que querem construir um partido são como revivals, como as pessoas que tocam o rock dos anos 50, e tudo isso não tem muita repercussão. Ninguém acredita mais nisso. As discussões que tínhamos para dizer que o Vietnã era um país capitalista, que Cuba era capitalista… as pessoas não se importam. Não ligam. “Cuba é um país um pouco ditatorial”, é isso, a URSS já não existe… É um grande movimento de base que em alguns planos parece mais radical. Por exemplo, se diz que “nossas vidas não são mercadorias”. Isto é importante. “Nossas vidas não são mercadorias” mas, finalmente, queremos um trabalho assalariado democrático. Queremos que o mundo seja… Também há um pouco de ecologia, mas esta é uma espécie de reformismo profundo, mas que não tem coerência nem programa. E dentro estão os violentos, que acrescentam a violência, como os black bloc e outros. Não tenho nada contra, evidentemente, mas é uma violência que se acrescenta, não é a violência do movimento. Agora, sei que muita gente dirá que não é verdade, que era a violência do movimento e não acrescentada, mas eu não acredito. Sou muito cético com os black bloc. De novo, se o tem feito, tudo bem, mas isso não prova que tivesse um movimento por trás. Penso que é bom que se renove esta espécie de anticapitalismo, mas é um anticapitalismo que não é mais profundo que o de antes, e que está atrasado em certos aspectos porque falta a crítica do trabalho que começava nos anos 70, sendo tudo isso parcial.

E nestes últimos anos, também em relação à onda de lutas que tem ocorrido: poderíamos nomear 2006 em Oaxaca, 2008 as chamadas lutas da fome na África e em outros países, também a partir de 2011, as primaveras árabes, Espanha, Grécia antes…

Havia dito a meus amigos que havia duas coisas que eram realmente positivas para nós: Oaxaca e Grécia. Bem, tem gente que me explica que Oaxaca não era isso, que não era verdadeiramente o proletariado, bem… Apesar de tudo, para mim seguem sendo duas coisas muito importantes. As primaveras árabes – falo um pouco mais em detalhe em um texto aparecido em inglês, no livro From crisis to communisation[5] – são uma revolta proletária, porém é detida… Bem, além disso há lutas muito importantes na Ásia. Ocorrem muitas coisas na Ásia, mas não deixa de ser – como dizemos em francês – a reivindicação dura. Bruno Astarian comentava algo que me parece acertado, uma questão que deve ser pelo menos colocada, me dizia em uma entrevista que lhe fizemos no ddt21[6]: quando os operários italianos – uma minoria, é claro, mas uma minoria ativa e que tinham o apoio do resto – sabotavam a fábrica, havia reivindicações mas havia algo mais, “não ligamos para a fábrica”, “não ligamos para o nosso trabalho”, “se formos despedidos, não ligamos”, “queremos outra coisa”, ainda que essa outra coisa fosse muito confusa, mas é normal. Também porque estavam passando muitas coisas na Itália naquele momento, mas havia uma vontade, mais que uma vontade, se inscrevia em um movimento de rechaço… rechaço, bem, é muito vago tudo isso, mas de rechaço geral. Quando os operários ou as operárias chinesas queimam suas fábricas, é porque a greve tem falhado ou é um momento da greve. Às vezes matam seu patrão, o que está bem… Bom, muito bem… Não digo que tenha que matar os patrões, é preciso ter cuidado com o que se diz se isto passa pelo rádio… Com tudo o que acontece, não queriam além de tudo que eu fosse mal interpretado. Quero dizer que pode ser uma forma de luta. Os operários são assassinados, então os patrões também podem ser. Mas aqui estamos em um caso de reivindicação, ainda que seja violenta.

Creio que, em geral, há um corte entre as lutas no local de trabalho, que existem e são muito mais do que pensamos, mas que são sobretudo lutas trabalhistas, que podem ser violentas em certos casos, e revoltas de fome que são revoltas de fome, que não podem colocar em questão mais do que isso. Por exemplo, há alguns anos em Jacarta houve uma revolta muito importante porque se aumentou o preço do petróleo – não estou certo, é preciso comprovar – ou do gás, que serve para se esquentar, cozinhar, etc., e foi muito violenta, mas não deixam de ser revoltas sobre um tema. Não estou dando uma lição, eu não tenho a receita, não é dizendo o que eu digo que vai haver uma transformação. As pessoas têm razão de… Claro, mas não vai mais além. Não é algo que vai um pouco mais além de meu problema ou de nosso problema.

De toda forma há um livro, não sei se você conhece em espanhol, que é completamente falso. Há duas coisas falsas: a teoria da era das revoltas, como se entrássemos em outro período e agora eram as revoltas. Não creio, acredito que quando se teoriza isso, na realidade se renuncia às greves, às greves violentas, à greve geral, porque se tem a impressão de que não há muitas na Europa ou não o suficiente. E isto me faz pensar no outro livro, que me parece totalmente falso, creio que o autor se chama Clover: é Riot. Strike. Riot[7]. Como se houvesse uma época de revoltas, digamos o século XIX, uma época de greves, de finais do século XIX a finais do XX, e agora seriam as revoltas de novo. Creio que é completamente falso. Acredito que cada vez que ocorre algo importante, há uma mescla das duas, a greve no local de trabalho e grevistas que não ficam ali, que saem e que fazem uma revolta com outros que não são operários nem grevistas. Creio que isso é o importante. Pelo que eu sei, por exemplo, que não é muito, segundo pessoas que foram à Túnis, a primavera árabe em Túnis foi entre outras coisas desencadeada por importantes greves de operários e depois houve a revolta nas cidades, pode ser uma parte do mesmo, mas em geral não havia um vínculo e não se impõe uma crítica global da sociedade, do qual é fácil de dizer… Se antes falássemos da Itália, é isso o que ocorreu. Pois bem, gente que conheço me disse que tenho um ponto de vista normativo, é como se eu tivesse um objetivo, “para você tem que haver uma crítica global”… Sim, mas a revolução é algo global. A Comuna de Paris não colocou em questão isto ou aquilo, com todos os seus limites, e sim colocou em questão diferentes coisas. A Revolução Russa, com seus limites, não é simplesmente o trabalho e depois a paz, e depois a terra. As coisas tendem a ir até um rechaço global. Bem, sabemos como terminou a Revolução Russa. Mas o interessante na Itália em 77, eu não idealizo, mas foi talvez a única vez onde críticas diferentes puderam convergir. Não podemos deixar de refletir sobre isso.

Queria falar algo em relação aos “coletes amarelos” (gilets jaunes)?

Bem, é muito complicado porque quando se diz algo dos coletes amarelos, por força é “já vi isso”, mas o resto viu outra coisa em outro lugar. “Ali houve tal revolta”… sim, pode se dizer revolta, “mas lá é diferente”. E logo aparecem seus porta-vozes. Agora há pessoas que falam de greve geral. Antes se contava as pessoas aos milhares em tal organização ou tal mani, mas agora se conta o número de seguidores de Facebook. Como eu não estou no Facebook, não pertenço a nada. O tipo que fala de greve geral, Drouet ou algo assim, haveria sido de extrema direita, assim já não sabemos do que estamos falando. Tenho lido um texto que me pareceu bom… Digo isto com certas reservas, além de que na pequena cidade onde estou, os coletes amarelos não tem feito grande coisa. Nos dois lugares onde tenho amigos que participam, Paris e Avignon, está ocorrendo muitas coisas. De Lyon também, mas é menos importante.

Bem, é evidente que o movimento começa no que nós, marxistas, chamamos de transclassismo ou o interclassismo. É evidente que começa assim e coloca muitas questões, bastante poucas – pelo que eu sei, que é parcial – relativas ao salário. É evidente que muitas pessoas que são proletárias, no sentido de Bordiga de “sem reservas”, participam nos cortejos e estão entre os que mais se chocam com a polícia, e são os mais presentes, etc. No último sábado em Avignon[8] havia duas ou três mil pessoas, ocorreram muitas coisas, e havia muitos poucos pequenos comerciantes, donos de café… Pois bem, a composição sociológica não nos diz o que é um movimento, porque poderia ter 100.000 verdadeiros proletários, mas se lutam por algo que acreditamos ser estúpido e negativo, não é o fato de serem proletários que muda a natureza do movimento. Por exemplo, é interessante que as ações ocorram aos sábados, ainda que haja muita gente que trabalha, há também desempregados e aposentados, bem… Mas não chega, e é seu limite, ao espaço do local de trabalho. Há exceções. Por exemplo, houve uma ação de coletes amarelos e de gente que não o era, gente como você ou como eu, que foram bloquear uma plataforma logística bastante importante perto de Paris – não recordo onde -, e isso o fizeram com o apoio de uma parte dos trabalhadores e dos caminhoneiros. Também é preciso saber que hoje muitos caminhoneiros são autônomos forçados, na França há muitos falsos autônomos, forçados por seu patrão para não pagar as contribuições. Assim, não é como o tipo que defende sua empresa porque quer ser um patrão, estão obrigados a fazer. Sei que há pessoas que dizem que não é um movimento proletário, que teria potencial comunista, porque é um movimento interclassista que fala de ingressos. É verdade que não fala de salário, e sim de renda. Bem, não sei no que esse movimento vai dar, não faço ideia. É complicado. Eu me alegro, participo no que posso participar igual meus amigos, mas é um movimento contraditório, não sei o que vai sair dali.

E uma última pergunta, que opinião tens da chamada corrente da comunização?

Ah! A comunização!

Podemos falar da corrente da comunização? E como você se posiciona em relação a ela?

Para começar, tudo o que tenho dito mostra que se o pequeno movimento revolucionário é muito débil, o movimento da comunização é ainda mais débil. Bem, como dizer… Vou ser muito pretensioso: a comunização… É muito pretensioso o que vou dizer, mas dá no mesmo. Foi traduzido para o espanhol Un monde sans argent [Un mundo sin dinero[9]]? Bem, então um conselho a todos os nossos amigos: leiam isso. Também foi traduzido para o inglês não faz muito tempo. Leiam. Isso é o que se tem que ler para compreender… Bem, não é perfeito, mas é muito bom. E inclusive apresenta a crítica do tempo de trabalho, como medida, o que poderia ser a medida da produção, a medida da vida, a produção em uma sociedade comunista. Não apresenta uma crítica tão profunda a Marx como faz Bruno Astarian, mas diz que o tempo de trabalho não pode ser a medida da atividade humana em uma sociedade comunista. É fundamental, porque isso é o que disseram os conselhistas durante muito tempo e também muitas outras pessoas.

Bem, fora isso, em duas palavras: eu gostaria de fazer um texto que se chamasse Qué no funciona en la teoría de la comunización [O que não funciona na teoria da comunização] (em inglês soa melhor que em francês, mas bem). A comunização é uma palavra necessária, eu creio – muita gente a rechaça mas dá no mesmo, eles se equivocam -; entretanto, a teoría da comunização eu acho completamente inútil. Se interpreta toda teoria comunista a luz da comunização e é como se estivéssemos em uma nova época. Agora seria a época da teoria da comunização, onde a revolução só pode ser comunizadora. Enfim, não tenho vontade… Por exemplo, creio que é mais interessante criticar alguém como Silvia Federici ou Graeber, ou outros como Piketty, por exemplo, que não é do mesmo mundo, mas bem, que tem uma audiência. Piketty não tem audiência no meio radical, mas… Ou criticar a pós-modernidade. Por exemplo, criticar Foucault é interessante, falo dele no texto de Constance Chatterley [El feminismo ilustrado o el complejo de Diana] ou na série de textos que temos feito sobre a homossexualidade, na realidade sobre a sexualidade, porque precisamente muitas das pessoas que não tem lido Foucault estão muito influenciadas por ele, e creio que isso é interessante[10]. Mas criticar grupos, e não direi nomes, que não tem mais leitores que eu – isto é, que em todo o mundo são lidos por 300 pessoas – não é interessante. Quero dizer que Silvia Federici tem um impacto. Olha a teoria do trabalho reprodutivo, esta história que, na realidade, substitui a teoria de Marx do valor e da produção, “a produção não é importante, a reprodução é fundamental”. Bem, é interessante criticar isso, a teoria do trabalho reprodutivo, inclusive para as mulheres, que obviamente são essenciais no trabalho reprodutivo[11]… É interessante criticar essa gente porque elas têm uma influência mais além dos que as leem. Foucault é uma vedete, ainda que esteja morto. Mas criticar grupos que tem, de verdade, algumas centenas de leitores no mundo não é interessante. Mas eles fazem a teoria da comunização… Mas olhe, não importa. Não é interessante. De verdade, o que digo não é depreciativo. Poderia explicar o motivo… Vou dizer algo: alguém que em minha opinião é importante é Bruno Astarian. Esta gente, cujo nome não vou dizer porque não vale a pena, tem uma indiferença ou mesmo um desprezo por ele. Uma indiferença basta. Então, não tenho ganas de falar da teoria da comunização. Entretanto, o conceito da comunização em si é importante. Porque na realidade muita gente de nosso meio vem do anarquismo e lê sobre o anarquismo. Há uma ideia que circula muito entre os anarquistas que consiste em dizer que a comunização é conhecida há muito tempo, “é o que temos dito sempre. De todo modo, jamais temos acreditado no período de transição, sabemos que é preciso passar ao comunismo imediatamente. O famoso período descrito por Marx na Crítica do Programa de Gotha em que se desenvolverão as forças produtivas durante um certo tempo e depois chegaremos ao comunismo… Não, nós os anarquistas nunca acreditamos nisso. Alguns sim, mas o anarquismo sério, nunca. Portanto, o conceito da comunização não serve para nada”. Porém sim, porque o conceito de comunização, se tomado como Bruno Astarian ou eu utilizamos, do meu modo, ou como faz Un mundo sin dinero, não é isso.

Bem, umas palavras mais sobre porque o conceito de comunização é interessante e por que alguns de nossos amigos anarquistas se equivocam ao dizer que é uma banalidade que eles, anarquistas, conhecem faz cem anos ou mais. Em definitivo – inclusive se dizem que não é verdade, é – para o anarquismo, como de fato para o marxismo, o objetivo é associar o trabalho comum, a produção comunitária; claro, isso não quer dizer que somente vamos trabalhar, é claro, vamos fazer outras coisas, o trabalho pode ser integrado na vida e tudo isso. Mas em qualquer caso, está claro que o essencial é que os seres humanos se auto-organizem, administrem eles mesmos sua vida, e isto vem acompanhado, finalmente, de uma visão bastante democrática… Claro, não a democracia parlamentar, mas o comunismo é um montão de comunas que se federam e organizam sua vida, milhões de coletivos que organizam sua vida por si mesmos… E finalmente não há uma reflexão sobre o dinheiro. Por exemplo, Malatesta, que é em minha opinião o mais interessante dos anarquistas, tem um texto onde diz que o dinheiro vai seguir existindo em uma sociedade comunista porque é preciso poder contar, mas será um dinheiro que não poderá ser acumulado nem poderá comprar o trabalho alheio. Isso é, que você e eu vamos medir o que temos, o que você e eu temos produzido, e isso nos permitirá comprar bens, mas será somente para que o utilize… mas não vai economizar nem terá uma conta bancária. Será simplesmente para dizer em que se tem contribuído para a sociedade. É claro que nem todo mundo vai trabalhar, e os que não trabalhem também comerão, mas é para se dar conta – essa é a ideia dos conselhistas holandeses – da quantidade de energia, de trabalho que é preciso fazer para produzir esta mesa ou esta roupa. Assim, o dinheiro seguirá existindo como uma espécie de instrumento de medida, como o quilograma ou o metro. Bem, pois tudo isso é falso. A ideia de que o tempo de trabalho é algo que se mede não funciona. O capitalismo o necessita, mas o faz à sua maneira; entretanto, a ideia de que nós, comunistas, poderíamos utilizá-lo de outra forma, não é possível. Portanto, o que quero dizer é que o grande limite de muitas das sociedades anarquistas, marxistas… é pensar que o que faz falta primeiro é que organizemos nossa própria vida, e os instrumentos que utilizamos são secundários. É claro, vamos utilizar os quilogramas e o metro, e talvez o dinheiro de outra forma, não será o dinheiro atual, o dólar, mas bem… Não podemos pensar isso. E esta é uma ideia que muito pouca gente tem compreendido. Creio que Un mundo sin dinero o havia compreendido, que Bruno Astarian também, talvez havia algo disso na IS, mas não se colocavam muito esta questão… Portanto, o conceito de comunização me parece importante, e não é uma evidência que sabemos desde a época de Kropotkin ou antes. Dito isto, tem havido muito poucas experiências de comunidades sem dinheiro, algumas na Espanha – não sei se conhece o livro de Bolloten, que conta alguns exemplos[12]. É importante, porque a crítica do dinheiro é uma das primeiras coisas que se fazem: o dinheiro são os ricos. Hoje na França e em qualquer outro país, a conta bancária da maior parte das pessoas são 1.000 euros, e há ainda os que não tem nada. Portanto, o dinheiro é um símbolo de algo, mas é preciso partir daí para ir mais longe e levantar a questão do tempo de trabalho. Posso acrescentar algo?

Sim, claro.

É algo que vai parecer esquemático e pomposo ao mesmo tempo. Um dia terei que escrevê-lo. Creio que na teoria revolucionária há rupturas, momentos onde se avança. Bem, é fácil criticá-lo. É como se assinalássemos os grandes momentos da filosofia, haverá sempre alguém para dizer que a história da filosofia não é assim. O que vou dizer é muito esquemático, mas creio que pode ajudar de alguma forma. Nos anos 1840, houve algo, do qual Marx foi a melhor…

Expressão?

Sim, expressão. Obrigado. Não era o único, houve outros, para ver o que era o proletariado em relação aos pobres; também, tentar compreender… Talvez no final do século XIX, quando Marx fala da Comuna… Depois foi esquecida sua crítica de que há que destruir o Estado. Bem, para os anarquistas era evidente, porque é o fundamento mesmo do anarquismo. Mas esta crítica foi retomada por alguns marxistas, também (não muitos), como Pannekoek; depois Lênin retomou Pannekoek – brevemente, é claro[13] -. Houve toda a história da autonomia operária, os sovietes… Alguém dirá que os sovietes já existiam antes, mas bem… porque estavam em 1905 e em outros países. Também estava a crítica dos sindicatos, da esquerda alemã, e que foi muito importante. Era a ideia de que quando os trabalhadores se defendem e criam sindicatos, não é necessariamente positivo. É claro que é positivo, mas é também isso o que lhes acorrenta e lhes confina no capitalismo. É preciso superar isso, como?… bem. Anos 70, eu diria o antitrabalho, já temos falado disso. A IS, que tinha todos os seus defeitos… É muito fácil demolir a IS, eram arrogantes, estúpidos às vezes, se achavam mais espertos que os outros… é muito fácil falar mal deles… Bem, o CMDO, talvez falaremos dele – um parênteses para ficar na cabeça -. Crítica da vida cotidiana, crítica do trabalho, aí algo aparece nos anos 60 e 70, tanto nos textos quanto na realidade. E esta história da comunização, que sai um pouco também dos anos 70, que é uma contribuição. Hoje dizer que uma sociedade comunista não estará baseada sobre a medida do tempo de trabalho… ninguém se importa. Ninguém liga. A ninguém, exceto Bruno Astarian… Ele tem escrito em francês sobre a China, Lutte de classe en Chine[14], etc. As pessoas dizem “Ah! É muito bom o que você escreveu, é muito interessante, luta de classes na China…”. E depois há algumas palavras, uma ou duas páginas, do que poderia se tornar a Foxconn, e então… “Uf! Tudo isso é ficção política, não é interessante. O resto, a luta de classes, está boa”. Você vê? É normal, porque hoje, em minha opinião, apesar do que dissemos de Oaxaca e disso, não há nenhuma prática proletária que tenderia a superar e fazer uma crítica global do capitalismo. É normal que a visão comunista não apareça. Não tem necessidade de aparecer. Assim, as pessoas que fazem teoria são ignoradas, não existem no mundo. Seria interessante ver os leitores de Bruno Astarian em sua página em inglês e em francês[15]. Teria que ver o que as pessoas leem. Um livro publicado por… não direi quem, mas que se chama Rupture dans la théorie[16]… Algo longo que vai ser publicado, um livro de 400 ou 500 páginas, onde há textos meus, por certo, e de meus amigos, mas não está em Un mundo sin dinero. Este livro – não direi quem o publicou, qualquer um pode saber – é considerado um dos grandes livros da comunização, da teoría da comunização, e não está o texto que em 1975 ou 1976 fala de comunização de uma forma verdadeiramente profunda, não retomado por ninguém. Inclusive amigos próximos, as pessoas com que fiz La Banquise, diziam “sim, é interessante, mas bem…”; como também mais tarde brigamos com o autor do texto[17], que se comportou de maneira bastante tola… enfim.

Já não sei a que pergunta estou respondendo. Creio que o conceito de comunização não é… Bem, as rupturas que tenho dito: anos 1840 sobre a questão do Estado, questão dos sovietes e crítica do sindicalismo, questão do antitrabalho… Havia uma pequena teoria por trás ou com ela, porque havia um movimento prático, débil, derrotado, é claro, mas agora não há nada. Agora é como… não sei se existe a expressão em espanhol… como um pelo na sopa, como quando falamos de um tema e alguém diz algo que não tem nenhuma relação com o tema, é como se tivesse um pelo na sopa. Bem, sou negativo, mas há tanta gente tão otimista que meu pessimismo toma o meio-termo.

E finalmente, nos dê algumas palavras sobre o CMDO [Conseil pour le Maintien des Occupations, Conselho para a Manutenção das Ocupações], por que queria voltar a isso.

Ah, sim. O CMDO é um erro da IS, um erro grave. A IS fez um livro depois sobre 68 que se chamou Enragés et situationnistes dans le mouvement des occupations – talvez esteja traduzido ao espanhol[18] – e onde põe uma nota, nem sequer uma nota, uma frase rápida sobre Censier, uma frase não depreciativa, porque digamos que era um pouco “a velha ultraesquerda, o velho movimento operário que estava ali”. Bem, pelo menos é tirar sarro das pessoas dizer isso. Ao contrário, tem gente que diz… Bem, tem gente que é doida. Então, está o CMDO que, em um determinado momento, se acaba e vão para o Instituto Pedagógico Nacional, porque já estavam fartos do CMDO. Porém fizeram muitas coisas, fizeram coisas quando estavam na Sorbonne e também depois.

Mas… talvez porque eram eles, mas não tentaram se ligar com os trabalhadores. Nós tampouco os procuramos. Bem, se há que acabar com isso, com o que se pode fazer, militar ou não… Somos críticos do militarismo, claro. O engraçado é que nós, que não fomos procurar os operários, e entre nós o pequeno grupo informal La Vieille Taupe, que éramos uns dez, ninguém era operário, havia três ou quatro estudantes, mas bem… Estávamos em um lugar e os operários vieram, não porque éramos mais espertos, mas porque há lugares onde se encontra, e vieram aqui. E como vieram eles, logo vieram outros mais. Se fez tudo sozinho. E depois, como disse antes, deixamos de nos ver. Não mantivemos mais do que contatos muito pessoais, e de fato um amigo se conheceu… Eu falava antes da RATP, onde houve uma reunião de mais de 600 empregados e operários da RAPT. O digo porque há muita gente, estamos juntos durante algumas semanas sobre as bases de levar a greve o mais longe possível, criticar os sindicatos… E depois, nos dispersamos, e um amigo deste comitê encontrou um textinho de 4 ou 5 páginas que havia sido feito, um ano antes, pelas pessoas do comitê com os quais ele mantinha contato, que eram operários. E de fato era um texto situacionista e conselhista, que dizia que o objetivo seriam os conselhos operários, etc. Muito bem, muito bem. Não é o mais profundo que havia em 68, mas não o critico. De todo modo, conhecemos alguns operários, fizemos coisas com eles. Creio que com o CMDO e sobretudo depois, quando foram ao Instituto Pedagógico Nacional, os situacionistas não os procuraram. Foram para um lugar onde não ocorria nada, buscaram um lugar tranquilo, enquanto ia muita gente para a Sorbonne. Ali, havia 1.000 bobagens que se dizia, havia maoistas que diziam absurdos, depois havia os curiosos, gente que vinha em família, também só para ver. Assim eles foram para um lugar onde estavam seguros de que nenhum imbecil iria tocar nos seus narizes, e portanto não conheceram muita gente. Mas bem, fizeram coisas, ainda que sua forma de falar de 68 sem falar de Censier é um erro, um erro teórico e inclusive político. Sim, um erro, mas um erro lógico para eles, porque não era importante, não tinham vontade disso. Há uma frase da IS: “Somos um Estado-Maior sem tropa”. Efetivamente. Nós também o éramos, salvo que de vez em quando nos encontrávamos com uma tropa. Bem, não somos o Estado-Maior, mas estamos com uma tropa. Porque não existe nenhum Estado-Maior sem tropa, não é nada, poderia ser nós dois, mas é uma piada. Se estamos em um Estado-Maior sem tropa eternamente, pois não somos nada, e acabamos desaparecendo como a IS. Dito isso, também nós desaparecemos, mas bem… Creio que o CMDO era algo importante, estava bem… Também estavam em um lugar, a Sorbonne, onde estava todo mundo e onde dificilmente se podia expulsar alguém. Nós expulsamos pessoas que na realidade se excluíram um pouco elas mesmas. Ou seja, que em Censier era tudo muito menor, é claro que se podia ir, era no Bairro Latino, mas estava em um extremo, era muito menos conhecido, muito menor, e finalmente os esquerdistas que vieram, porque alguns vieram para fazer política e tentar recuperar, é o trabalho deles… Vieram alguns esquerdistas, mas não conseguiram fazer nada. Na Sorbonne era mais fácil para eles tentar manipular. Mas ao se ir para um lugar onde havia muito pouca gente, não tinham muitas possibilidades de se encontrar com operários. Bem, ao mesmo tempo é idiota tirar sarro deles dizendo que a IS não fez nada em 68.

Bem, já falamos um pouco da Internacional Situacionista, sobre Pouvoir Ouvrier e sobre La Vieille Taupe, mas o que nos poderia dizer sobre a Invariance? Que papel teve em sua formação e em sua radicalização?

Creio que Invariance teve um papel, mas em muito pouca gente, como sempre[19]. Tudo o que digo desde o começo da conversa é para dizer que não éramos grande coisa, mas bem. É verdade que Invariance foi uma abertura para muitas coisas. De fato, havíamos começado a ler Invariance antes de maio de 68, mas muito pouco, e depois continuamos lendo. Conhecemos Camatte, que vivia em Paris naquele momento. Debatemos sobre umas quantas coisas. Havia várias coisas, para começar esta diferença entre o partido formal e histórico nos parecia muito interessante. Embora tenha sido retirado de Bordiga, Camatte o desenvolveu. Nos parecia muito acertado, ainda que possa se converter também em algo muito banal, a partir do momento em que há um partido formal, um histórico e qual é qual… Bem, na realidade nós conhecíamos muito mal a esquerda alemã, tínhamos apenas alguns poucos textos disponíveis, muito, muito poucos. Tínhamos a Respuesta a Lenin de Gorter[20], mas muito pouco mais. E sobre a esquerda italiana não sabíamos nada. Além disso, em nosso pequeno meio, que era muito antileninista, Bordiga aparecia como alguém que sempre havia defendido Lênin, o que é verdade, ainda que sua concepção de partido não fosse a de Lênin. Não é verdade que Bordiga fosse um leninista. Creio que, em última instância, a ideia de Lênin de que a consciência se introduz a partir de fora ao movimento operário, que em si é reformista, esta ideia não é a de Bordiga. A ideia de Bordiga é a de um partido que é muito pequeno, finalmente, e que defende os princípios que correspondem ao que já existe na classe, para utilizar estes termos. Não é algo que se tenha que introduzir na classe. Ao mesmo tempo, na realidade, Bordiga não pôde fazer grande coisa quando foi confrontado em 1919, 1920, 1921 e 1922. Estava frente a uma situação quase de guerra civil na Itália. É claro, o importante é sua posição abstencionista, isto é, a de não participar nas eleições. Lênin o criticou por isso, é claro. Mas ao mesmo tempo sempre houve uma incompreensão, alguns desacordos profundos e uma falta de interesse entre a esquerda alemã e a italiana, inclusive se naquele momento estavam muito mais próximos do que parecia.

Bem, ele nos aportou isso. Realmente acabou com a concepção gerencial que tínhamos da revolução e do comunismo. Ao mesmo tempo, em relação ao que dizíamos da contribuição da IS, a crítica da vida cotidiana – é uma frase estúpida -, Camatte jamais teve interesse por isso. A ele parecia superficial. Lhe parecia gente que teoriza a mercadoria e a mercantilização, e não o capital. Bem…

E já que falas disso, você mesmo tem trabalhado muito ultimamente sobre a questão sexual, a questão da moral, contra a moral… O que pode nos dizer sobre isso?

Por exemplo, o texto que acaba de ser publicado em espanhol, o texto de 74, El feminismo ilustrado, e que havia sido publicado no periódico de Fleig, de quem temos falado, Le Fléau Social, foi um texto sem nenhuma influência, completamente desconhecido. E logo meu amigo Tristan Leoni teve a ideia de voltar a publicá-lo e de fazer uma entrevista que fizemos em 2015, com Constance Chatterley, que havia assinado o texto. No Le Fléau Social havia pseudônimos excêntricos, eu peguei esse, um pouco ao acaso, porque queria tomar um nome feminino. E teve a ideia de voltar a publicá-lo. Deve-se dizer que Tristan Leoni havia estado em um pequeno grupo que se chamava Incendo, em francês, e que fez um número especial sobre a questão das mulheres, um texto interessante. Tem suas críticas, mas é muito interessante; diria que é o melhor sobre o tema naquele momento, muito melhor que outros textos dos que se fala, com um enfoque digamos… comunista, materialista, marxista[21]. Tristan Leoni é alguém que sempre teve um interesse por isso. É com ele que faço o blog de ddt21 e foi ele quem teve a ideia de tirar Constance novamente e fazer uma entrevista. Retiramos o texto, acrescentamos a entrevista e assinamos Constance Chatterley, sem dizer que Constance Chatterley é Gilles.

Sim, somente para ver como tem mudado as coisas. Então em 74 tomamos este pseudônimo e não colocava nenhum problema para ninguém. Era um pouco uma brincadeira. Havia pseudônimos na Le Fléau Social que… Creio que a revista está completamente disponível em francês na internet, acredito que está nessa página tão boa de que falava, Archives d’autonomie[22]. Bem, pegamos o pseudônimo, o artigo praticamente não tem repercussão. De todo modo, Le Fléau Social estava decaindo, era o último número. Vendia bem, às vezes eram 10.000 exemplares, mas bem. Em todo caso, quando lançamos o texto mais a entrevista, em 2015, durante três meses com Tristan Leoni o comentamos assim, sem dizer de onde vinha. Criamos uma pequena editora que não existe, por diversão, e o enviamos para um montão de gente. Só disse a duas pessoas, incluindo Bruno Astarian. E logo, bem, as pessoas se perguntam de onde está vindo, se diz “é um pouco estranho” ou “ah, é interessante”, “não é interessante”, “estou de acordo” ou “não o estou”. Ninguém se lembrava, é claro, de quem havia escrito isso, nem me relacionava com Constance Chatterley. E finalmente, três meses depois, o dissemos. E então, é bastante cômico, triste e cômico, algumas feministas – inclusive algumas amigas, companheiras – não estão de acordo com que tomemos um nome de uma mulher para criticar o feminismo, nem que o faça um homem. Isso é inaceitável. Bem, evidentemente não se pode responder nada a isso, porque além do mais, ao contrário dos situacionistas, que usavam pseudônimos em 68, não era nosso objetivo, e bem, durou apenas três meses. Enfim, não podemos criticar o feminismo, e ainda menos fingir que se é uma mulher… É interessante.

Enfim, o texto circulou pouco, foi traduzido. Estou muito contente de que esteja traduzido ao espanhol, o será em grego, em inglês.

Então, para voltar à questão sexual/homossexual. Creio que o que me interessa, o que interessa a qualquer um que se coloque a questão de transformar o mundo, não é a homossexualidade, nem a bissexualidade, nem a transexualidade, e sim a sexualidade de maneira geral em relação ao resto da sociedade. E de fato, a série de textos que compõem o livro Homo é tanto sobre a sexualidade como sobre a homossexualidade. Na versão inglesa, que está sendo melhorada por alguns amigos, fala ainda mais claramente – não sei se será um livro ou estará só na internet, espero que o seja, porém, não sei – da sexualidade quando fala da homossexualidade. Sim, me parece que essa é uma parte indispensável da crítica da sociedade. Tenho muitos bons amigos – penso em uma que conheço faz 40 ou 50 anos, que segue o que fazemos ainda que não sendo ativa – que me dizem “Ah, está escrevendo sobre a homossexualidade, por que?”. Por exemplo, se estou com amigos e companheiros, ou inclusive com amigos que não são muito afins em suas ideias em relação a nós, e lhes digo que estou escrevendo sobre o Brasil… “Ah! Que interessante!”. “O que estás lendo ultimamente?”, “Ah, pois sobre a crise”, “Vamos, sim, é interessante”. A palavra “sexualidade”, a sexualidade… “por quê?”, enquanto que à primeira vista me parece tão importante como o Brasil ou a crise. Bem, é curioso. Talvez porque é um âmbito sobre o que todo mundo pode dizer algo. Ou seja, que se falamos do Brasil é preciso conhecê-lo um pouco, se falamos da crise econômica é preciso conhecer um pouco sobre as finanças, a economia, como funciona… Enquanto que a sexualidade é um pouco como outros temas, não sei, como a ecologia. Todo mundo tem uma ideia sobre as árvores, os insetos… Finalmente, se tem uma visão muito reducionista da vida cotidiana. A vida cotidiana são as pequenas coisas, mas não. É como comemos… Alguém me disse faz muito tempo que o importante na vida é o que comemos, como comemos, com quem comemos, como dormimos e com quem dormimos. Creio que é verdade. Há uma frase de Nietzsche que diz que as pequenas coisas da vida são essenciais. E havia encontrado a frase de alguém, creio que Gombrowicz (que mal conheço, por certo, só li um livro dele), mas que diz em algum lugar que o problema dos filósofos é que não falam de calças ou telefones, e me parece muito acertado. E precisamente, as pequenas coisas são grandes coisas. Por exemplo, para falar pessoalmente, se tomo o que tenho escrito nos últimos 12 meses, por apenas um ano, há um texto sobre uma revolta muito complicada na África do Sul em 1922 – a versão inglesa é melhor e maior do que a francesa, vai até o final do apartheid[23]-, logo o livro Homo e depois acabo de fazer um texto com Leoni sobre a nação, a questão nacional, se a nação está desaparecendo ou não[24]. Bem, tudo isso. Creio que das coisas importantes que podemos guardar da IS, está justamente a de que não há temas pequenos. Evidentemente, se amanhã fosse ver um filme sobre caratê e escrevesse 40 páginas sobre Bruce Lee; talvez seja um nome já esquecido, mas se pegarmos alguém conhecido, como Nicole Kidman, não vou escrever 40 páginas para falar dela como atriz. Não vou fazer uma revista de cinema. Mas se Nicole Kidman faz um filme que me parece interessante por distintas razões e escrevo 10 páginas sobre isso é, de certa forma, tão importante como se falasse de uma revolta em Lyon, sabendo que uma revolta em Lyon ou em Londres tem um papel na transformação social que, claro, não tem um filme, seja qual for. O melhor filme do mundo é um filme. Uma revolta pode ter uma influência enorme sobre o que ocorre. Ir ao cinema não é enfrentar a polícia, evidentemente. Mas a reflexão sobre o mundo também parte daí. Havia uma frase em um filme antigo, por volta de 1970, um filme que ria de muitas coisas – esqueci o título – e dizia “quanto mais faço o amor, mais faço a revolução, e quanto mais faço a revolução, mais faço o amor”. Isso não é verdade, é claro. Isso é o cotidianismo [reformismo da vida cotidiana], poderiam ser os prositus[25], por exemplo. Eu não acredito nisso, mas falar de como fazemos o amor, sim, é importante. Além disso, a questão sexual não é como fazemos o amor. Bem, agora está a separação que criticavam muito os situacionistas, que segue estando na cabeça de muitos revolucionários, que vão dizer: “Ah, Gilles, é interessante este texto sobre a comunização, mas o que você escreve sobre a sexualidade… Bem… por quê?”. É isso aí, a separação é inevitável, porque como dizia no começo da conversa, a comunização… Para começar hoje fazemos a teoria, falei de Un mundo sin dinero, de Bruno Astarian… mas não tem repercussão, as pessoas não estão interessadas em ouvir. É porque não há um movimento social por trás que impulsiona uma crítica global da sociedade, o que significa dizer que as críticas se mantêm separadas. Quer dizer que na cabeça de muitos revolucionários, anarquistas, marxistas, etc., seguirão separadas. Mas não sei o que é pior, se a indiferença quando se diz que “a questão sexual não me interessa” ou o fato de querer religar tudo, gênero-raça-classe… Isso é pior, talvez. Porque ao menos, quando se diz “não me interessa” é algo claro, enquanto que mesclar gênero-raça-classe é pura confusão.

Sobretudo se se faz de uma forma separada, não? É como a questão da ecologia ou do feminismo, do movimento LGBTQI… é finalmente a possibilidade de refletir a partir da totalidade.

Sim, mas… por exemplo, não vou dizer nomes mas muitos dos que se dizem feministas-materialistas, ou que o são, não sei, que se chamam assim, em minha opinião é pura confusão. Isso é, se acrescenta a classe ao gênero. Bem… Agora, o que vou dizer é muito pretensioso, mas direi mesmo assim. Creio que no texto da África do Sul, a partir de um exemplo – que claramente é um exemplo particular: África do Sul não é os Estados Unidos nem a França, nem a Alemanha, e também foi faz quase um século -, se mostra que a classe é a constante e a raça é a variável. E creio – também agora sou muito pretensioso, mas dá no mesmo, às vezes é preciso ser um pouco afirmativo – que no livro Homo e ainda mais na versão inglesa se mostra como, há dois séculos, para não falar de antes, e depois a revolução burguesa, os tempos modernos e a revolução industrial, a relação de classe é a constante e o gênero é a variável. Creio que o mostro tanto no nascimento da sexualidade como um âmbito particular, como no que se tem convertido a homossexualidade, a maneira em que se vive… Enfim, acredito eu. Agora, dizer isso é muito esquemático, mas bem…


[1] Historiador negacionista, recentemente falecido. Alguns radicais, nucleados em torno de Pierre Guillaume, se envolveram em sua defesa desde fins dos anos 70.

[2] “Le roman de nos origines”, na La Banquise, nº 2 (1983): http://archivesautonomies.org/IMG/pdf/gauchecommuniste/gauchescommunistes-ap1952/labanquise/labanquise-n02.pdf.

[3] Douter de Tout… pour tenir l’Essential: https://ddt21.noblogs.org/

[4] “Le Fichisme ne passera pas”, 1999: https://www.troploin.fr/node/44 e “The X-Filers”: https://www.troploin.fr/node/45 respectivamente.

[5] Gilles Dauvé, From crisis to communisation. PM Press, Oakland, 2015.

[6] “La valeur et son abolition. Entretien avec Bruno Astarian”: https://ddt21.noblogs.org/?page_id=1698

[7] Joshua Clover, Riot. Strike. Riot. The new era of uprisings. Verso, Londres/Nueva York, 2016. Há uma tradução francesa: L’émeute prime. La nouvelle ére des soulèvements. Entremonde, Génova, 2018.

[8] É preciso ter em conta que a entrevista se realizou em finais de janeiro de 2019.

[9] Les Amis de 4 Millions de Jeunes Travaillers, Un monde sans argent: le communisme. 1974- 1975: https://libcom.org/files/Un_monde_sans_argent.pdf. Folheto composto por três fascículos, em castelhano foram editados os dois primeiros pelo coletivo Etcétera, em sua série “Crítica de la política”, em 1977: https://aginteahausten.wordpress.com/2018/03/19/un-mundo-sin-dinero-el-comunismo/. Ver Federico Corriente, “España y la teoría de la comunización: pasado y presente”, 2014: http://www.rebelion.org/docs/195280.pdf

[10] Ver a série “Homo” en https://ddt21.noblogs.org/?page_id=1116. Os artigos foram compilados no livro Homo. Question sociale et question sexuelle de 1864 á nos jours. Niet!, Le Mas d’Azil, 2018.

[11] Ver seu artigo “Federici contra Marx” em https://aginteahausten.wordpress.com/2015/11/09/federici-contra-marx/. Da mesma forma, uma crítica às abordagens do autor em Mike Harman, “Dauvé versus Marx”: https://libcom.org/blog/dauve-versus-marx-31072018

[12] Burnett Bolloten, La Guerra Civil española: Revolución y contrarrevolución. Alianza, Madrid, 1989.

[13] Em El Estado y la revolución, 1917: https://www.marxists.org/espanol/lenin/obras/1910s/estyrev/index.htm.

[14] Bruno Astarian, Lutte de classes dans la Chine des réformes, 1978-2009. Acratie, La Bussière, 2009: http://www.hicsalta-communisation.com/wp-content/uploads/2010/12/Luttes-de-classes-en-Chine1.pdf1.pdf

[15] Hic Salta – Communisation: http://www.hicsalta-communisation.com/.

[16] François Danel (ed.), Rupture dans la théorie de la revolution. Textes 1965-1975. Senonevero, París, 2003. Reeditado recentemente por Entremonde.

[17] Dominique Blanc.

[18] René Viénet, Enragés y situacionistas en el movimiento de las ocupaciones. Castellote, Madrid, 1978: https://sindominio.net/ash/enrages.htm.

[19] Ver nossas duas emissões sobre Invariance: http://anabasis.radioqk.org/139-jacques-camatte-i/ e http://anabasis.radioqk.org/140-jacques-camatte-ii/ e Federico Corriente, “Jacques Camatte y el eslabón perdido de la crítica social contemporánea”, 2014: https://dndf.org/?p=13570

[20] Herman Gorter, Carta abierta al camarada Lenin, 1920: https://www.marxists.org/espanol/gorter/1920/carta-abierta.htm

[21] Incendo, nº6 (2012) : sur le rapport entre genres & classes : https://incendo.noblogs.org/genresetclasses/. Uma tradução de um dos artigos desse número pode se ler em: https://aginteahausten.wordpress.com/2015/06/09/proletarios-de-todos-los-paises-quien-lava-vuestros-calcetines/.  

[22] http://archivesautonomies.org/spip.php?article168.

[23] “White riot. Classe et race dans le Rand en 1922”, 2018: https://ddt21.noblogs.org/?p=2014 e “White riot, 1922: class & race in 20th century South Africa”: http://troploin.fr/node/93.

[24] “La nation dans tout son état”, 2019: https://ddt21.noblogs.org/?page_id=2158

[25] Prositus são os pró-situacionistas, em referência aos indivíduos que resgataram a herança da Internacional Situacionista após o seu fim. [Nota do Crítica Desapiedada]

Traduzido por Igor Pasquini Pomini, a partir da versão disponível em: https://bibliotecacuadernosdenegacion.blogspot.com/2019/04/entrevista-anabasis-radio.html.

Deixe um comentário para Aníbal (inter-rev) Cancelar resposta

Seu e-mail não será publicado.


*