Análise da atual crise e revolta em Cuba – Proletarios Revolucionarios

Original in Spanish: Análisis de la actual crisis y revuelta en Cuba desde la perspectiva comunista radical

[Nota do Crítica Desapiedada]: Apresentamos ao leitor uma análise das manifestações recentes em Cuba pelo coletivo Proletarios Revolucionários, oriundo de Quito, Equador. Em seu blog, o coletivo se autodenomina “minoria radical e avançada na teoria revolucionária, no âmbito tanto do marxismo como do anarquismo”. Suas produções podem ser vistas no blog mencionado anteriormente e nas postagens no Facebook através do perfil Proletarios Hartos De Serlo.
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Para outras análises críticas sobre Cuba:
Estalinismo canavieiro: Capitalismo de Estado e Desenvolvimento em Cuba – Emanuel Santos
O Capitalismo Estatal Cubano – John Taylor
Os dez mitos da Revolução Cubana – Jayro de Sousa Costa
Revolução Cubana: da luta pela independência a burocracia do capitalismo de Estado – Adriano José Borges


Análise da atual crise e revolta em Cuba a partir de uma perspectiva comunista radical (18 de Julho de 2021)

Os fatos e suas falsas versões da direita e da esquerda

Através de ações de massa diretas e espontâneas que vão desde fazer marchas e assembleias auto-organizadas até virar com as próprias mãos os carros de polícia e saquear lojas, o proletariado da região cubana levantou-se nas ruas contra a fome e contra a tirania estatal, ou seja, contra as miseráveis condições materiais de existência impostas pelo capitalismo e sua crise atual. Da mesma forma, o proletariado das regiões colombiana, birmanesa, iraniana e sul-africana, revoltou-se durante este ano e igualmente o proletariado das regiões equatoriana, chilena, haitiana, francesa e iraquiana, entre outras, há dois anos.

Com todas as suas fraquezas, limitações e contradições internas (patriotismo, interclassismo, falta de autonomia revolucionária, isolamento, etc.), a revolta proletária desses dias na região cubana é um elo ou um episódio a mais da tendência à recomposição da revolta proletária internacional que se abriu em 2018-2019 e foi “interrompida” pela pandemia e a ditadura sanitária contrainsurrecionária, ou pela contrarrevolução preventiva de 2020-2021 por parte de todos os Estados deste planeta.

Para começar, então, um ABC anticapitalista a respeito: desde que existem já há vários séculos, o capitalismo, a crise, o proletariado e a luta de classes são mundiais. As diferenças destes em/entre cada época histórica e cada região geográfica são somente de grau e de forma, não de natureza ou de substância em suas condições, relações e categorias fundamentais. Estas, principalmente o trabalho assalariado e a acumulação de capital, espalharam-se e aprofundaram-se com o passar do tempo em todos os lugares. De tal modo que tanto o “socialismo cubano” como a “restauração capitalista em Cuba depois da queda da URSS” sempre foram mitos: na verdade, o que sempre existiu em Cuba é capitalismo e luta de classes, porém sob outra forma e em outro grau, da mesma forma que na ex-URSS e em todo o mundo. A única coisa que realmente mudou desde a queda do bloco soviético até agora é o predomínio do capital privado em comparação ao capital estatal sobre o proletariado, hoje em dia mais precarizado e explorado.

Portanto, os dois pontos que seguem nesta parte de nossa análise são as duas versões da falsa dicotomia entre a direita imperialista do capital e a esquerda anti-imperialista do capital, ou seja, entre os dois tentáculos políticos do mesmo polvo monstruoso e gigantesco que é o sistema capitalista histórico-mundial:

De um lado, a direita pequeno-burguesa cubana e o imperialismo estadunidense estão capitalizando política e midiaticamente esta conjuntura[1] emergente sobre a base material da atual crise econômica, ecológico-sanitária e política, bem como na ausência de uma situação histórica revolucionária e, portanto, de uma direção revolucionária autônoma das próprias massas em revolta. Por isso, sua versão desses protestos em massa é a versão dominante ou da fração dominante da classe capitalista nos meios de comunicação, a fim de posicionar publicamente que “o socialismo não funciona” e que Cuba deve sofrer uma intervenção militar, política, tecnológica e “humanitária” para “reestabelecer a democracia, a liberdade e a paz social”, tal como no Haiti ou na Síria.

Por outro lado, o governo “socialista” cubano e a esquerda do capital internacional concentram-se propositadamente apenas em seu oponente imperialista de direita. Assim, ambos buscam ocultar o capitalismo e a luta de classes realmente existente dentro de Cuba, de modo a conservar seu poder e sua imagem da falsa revolução e falso socialismo/comunismo no clássico estilo stalinista-orwelliano, porém em sua versão latino-americana. Por isso, o governo de Díaz-Canel e a esquerda pró-Cuba desqualificam e caluniam esses protestos massivos como “comandados e dirigidos pelo imperialismo”, “friamente calculados”, “manipulados”, “vendidos”, “com agenda intervencionista”, “com projeto golpista e colonialista”, “vermes”, “comedores de merda”, “mercenários”, “reacionários”, “fascistas”, “contrarrevolucionários”, etc. O que, de fato, é falso, absurdo, conspiratório e cínico.

E por esse motivo, o Estado cubano enfrenta essa revolta de massas combinando a repressão policial e militar (apesar do “apagão informativo” ou cerco comunicativo existente – até o encerramento desta edição sabe-se que já há 5 mortos, dezenas de feridos e mais de 150 detidos e desaparecidos) com a mobilização das bases sociais ideologizadas e encantadas que ainda lhe restam, como também recrutando à força jovens para que se somem a essas bases. Eles fazem contramarchas igualmente repressivas (policiais de vermelho), nas quais gritam os habituais slogans patriotas de sempre e portam bandeiras nacionais e faixas com fotos de Fidel Castro que lembram o culto de personalidade na Rússia stalinista, assim como as declarações públicas de “anti-imperialismo, soberania nacional e socialismo”.

Porém, os fatos são bestas e, por mais que os governantes e seus lacaios se esforcem, a fome e a raiva massivas não podem ser escondidas.

As causas conjunturais e seus dados

Por um lado, é a atual crise econômica e sanitária; mais especificamente, a estrondosa queda do PIB em 11% – a pior nas últimas 3 décadas –, da balança comercial – um déficit de 9 bilhões de dólares, considerando que 80% dos produtos para consumo são importados –, das divisas pelo turismo – a segunda fonte de rendimento da economia e da população cubana, depois da exportação de profissionais, ou “capital humano” –, e da produção e exportação de açúcar – por falta de combustível e avaria das máquinas –, devido à pandemia e também devido à reforma monetária e cambial que foi decretada no fim do ano passado pelo governo de Díaz-Canel – chamada “Tarea Ordenamiento” – que, no lugar de neutralizar a crise, a tornou pior (a cura acabou sendo pior que a doença).

O resultado disso tudo é que atualmente há desemprego, desabastecimento e inflação: há escassez de trabalho, de dinheiro, de alimentos, de medicamentos e de serviços básicos para a maioria da população em Cuba (dizemos para a maioria da população, porque a burguesia burocrática-militar cubana e os turistas estrangeiros gozam de todo tipo de privilégios). Como sempre foi nesse regime, porém hoje mais que antes, com o agravante do ressurgimento da covid-19[2] (exemplo do fracasso do supervalorizado e mistificado sistema médico cubano, por certo) e seu impacto altamente negativo na saúde, na economia e na vida cotidiana.

De forma mais específica ainda: em outubro de 2020, 8 a cada 10 cubanos sobreviviam com apenas o suficiente, 67% das famílias classificaram sua alimentação diária como deficitária, enquanto que para 6 de cada 10 famílias a caderneta de abastecimento cobria somente de 5 a 10 dias por mês. Depois da “Tarea Ordenamiento” em dezembro de 2020, tal situação piorou: aumentou o desemprego no setor público ao mesmo tempo em que a proletarização e a taxa de exploração (“mão de obra barata”) no setor privado, os serviços e bens da cesta básica subiram entre 500% e 600% (a luz, a água e os medicamentos tornaram-se praticamente inacessíveis), e tanto as remessas de familiares no exterior como os depósitos bancários locais foram “retidos” ou “congelados” parcial e temporariamente pelo Estado. Além de tudo isso, soma-se o aumento de casos de contágio (mais de 275.000 pessoas) e morte (mais de 1.800 pessoas) por conta do ressurgimento da covid-19 na ilha. Também é muito provável que tenham aumentado os casos de depressão e suicídio.

Em outras palavras, esse é um mal-estar que vem sendo acumulado diariamente há décadas, tornou-se mais agudo no ano passado e explode este ano pelas razões mencionadas anteriormente. A maioria da população desse país hoje está mais faminta, doente e desesperada do que nunca.

É por isso que hoje, ao grito de “comida, eletricidade e vacinas”, os despossuídos e famintos de Cuba saem às ruas para protestar massivamente, como não faziam há décadas. Poderia ser dito, então, que se trata de uma “revolta da fome” no que decorre desse ano, tal como as que estouraram em todo o mundo durante 2008, ano da crise alimentícia. Tudo isso no contexto da crise de valorização que caracteriza a atual crise do capitalismo[3], como pano de fundo.

Por outro lado, é a crise política; mais especificamente, a “falta de instituições democráticas” ou de “poder popular” que canalizem e amorteçam as reivindicações sociais. Isso não é um “erro na construção do socialismo”, ou uma “contradição da revolução”, porque em Cuba não existe tal revolução, mas sim, inclusive do ponto de vista político-democrático da “governabilidade” e da “hegemonia”, o regime cubano já não é legitimo nem sustentável – menos no sentido da repressão e da mentira institucionalizadas (por exemplo, através dos “Comités de Defensa de la Revolución-CDR”).

Agora, de uma perspectiva anticapitalista e antiestatal, a outra causa conjuntural – com elementos de causa estrutural – dessa revolta é o poder totalitário que a burguesia estatal exerce sobre a maioria da população nesse campo de concentração caribenho, ou gulag tropical, que é Cuba; dito de maneira melhor, a ditadura capitalista e burocrático-militar do Partido “Comunista” Cubano (PCC) da rica e poderosa família Castro e do Grupo de Administración Empresarial S.A. (GAESA) de outros líderes militares – donos e acionistas da maioria das empresas, lucros e inclusive de “Panama Papers” desse país – sobre o proletariado – cada vez mais fragilizado, explorado, alienado e oprimido –, como em seu tempo foi também a URSS de Lenin e Stalin, assim como a China de Mao (esta última até hoje, ao lado da Coreia do Norte e a Venezuela).

As evidentes diferenças entre Cuba e Rússia ou China é que, em meados do século passado, Cuba converteu-se na nova e pequena colônia açucareira, com uma liderança militar “carismática” à frente dessas grandes potências capitalistas-imperialistas asiáticas que se disfarçavam de “comunistas”; e que, ao contrário da Rússia e China que hoje seguem sendo potências, mas já hiper-modernizadas, Cuba ficou petrificada ou enferrujada naquele passado, do qual fez, contudo, seu capital turístico para a classe média alta europeia e norte-americana, bem como um fetiche de apego emocional nostálgico para a esquerda latino-americana, também de classe média do capital, que defende religiosa e visceralmente o mito do “socialismo cubano”.

Pelo contrário, o proletariado anônimo da região cubana está farto de viver nessa penúria. Está farto de tanta miséria e opressão estatal. É por isso que nos últimos dias as pessoas têm saído em massa às ruas gritando “abaixo a ditadura” e “liberdade”.

Nesse sentido, já não é somente uma “revolta da fome”, mas também uma revolta política, na qual lamentavelmente, na ausência de uma situação histórica e internacional revolucionária[4], o instinto de classe e a espontaneidade não bastam. O proletariado cubano foi também subdesenvolvido e reprimido em termos de luta revolucionária por parte do Estado cubano. É por isso que essa revolta está sendo capitalizada política e midiaticamente pela fração direitista e imperialista do capital mundial, enquanto é reprimida física e simbolicamente pela fração esquerdista e anti-imperialista do mesmo capital mundial.

Em outras palavras, o proletariado em revolta “na Ilha” encontra-se literalmente ilhado, desarmado e atacado por todos os lados. E, como demonstra a história da luta de classes, o isolamento condena toda revolta – e toda revolução – à derrota.

As causas estruturais e seus dados

NÃO é o “bloqueio imperialista” – como repetem os fanáticos do regime castro-stalinista –: os EUA são o 9º fornecedor de bens importados para a ilha. Desde o ano de 2019, há 32 grandes empresas ianques (como Visa, Accor, Mastercard ou Amazon) que investem nesse país. Além disso, Cuba realiza comércio com 170 países e atualmente 40% de suas exportações são “auxiliadas” pela China.

Tampouco é um inexistente “Estado operário degenerado”, ou uma “restauração capitalista” em Cuba que ocorre desde a década de 90 – como argumentam os trotskistas –, porque não é possível restaurar o capital – entendido como relação impessoal e fetichista de produção e reprodução social, e não como simples propriedade jurídica ou formal sobre os meios de produção – onde nunca foi removido, e porque o único que realmente mudou desde então é o predomínio do capital privado, em comparação com o capital estatal, sobre o proletariado cada vez mais fragilizado e explorado.

Então, o que é? É a crise econômica, política e social do subdesenvolvido capitalismo de Estado[5] cubano que, por sua vez, é dependente do mercado mundial. É o mito do “socialismo cubano” que cai por terra sob seu próprio peso, ou por suas contradições capitalistas e lutas de classes internas, não desde a queda da URSS, mas desde que começou em 1959 e mais ainda hoje, na segunda década do século XXI, por causa da crise geral e multidimensional do capitalismo mundial, manifestada concretamente na crise econômica e sanitária atual e acompanhada de protestos e revoltas proletárias cada vez mais frequentes e explosivas, porém, ao mesmo tempo, efêmeras e sem direção revolucionária autônoma e contundente das próprias massas, devido à ausência de uma situação histórica revolucionária.

Esse contexto histórico-estrutural e global de catástrofe capitalista generalizada e luta de classes não-revolucionária, marcado por um desenvolvimento desigual, o caos, a turbulência e a incerteza, é o que realmente explica a crise, os protestos e as revoltas em todas as nações do planeta durante os últimos anos, das quais a revolta atual em Cuba é somente mais um episódio, apesar de suas particularidades já mencionadas.

Conclusões e perspectivas substanciais

Dado o atual contexto mundial de catástrofe econômica e ecológico-sanitária, contrarrevolução preventiva e revoltas efêmeras sem direção revolucionária autônoma de massas, que hoje em dia se manifesta de maneira mais intensa em países como Cuba, o mais provável é: que essa revolta proletária contra a fome e a tirania estatal continue sendo capitalizada política e midiaticamente pela direita pequeno-burguesa cubana, o imperialismo estadunidense e seus coristas internacionais; que o Estado capitalista cubano, disfarçado de “socialista”, siga caluniando-a e reprimindo-a até derrotá-la, sob o pretexto de que é “contrarrevolucionária” – também com a benção de seus coristas internacionais de esquerda; e que as massas exploradas e oprimidas da região cubana sigam acumulando fome, doença, desespero, raiva, experiência de luta e lições até um novo ciclo de estouros sociais do proletariado internacional contra o capitalismo mundial (o que, segundo o próprio FMI, é provável que ocorra em 2022).

Porém, para nós que fazemos o esforço de ver a realidade sem viseiras ideológicas ou mistificadoras, essa revolta proletária espontânea consegue o mérito de destruir, nos fatos e em pleno século XXI, o mito do “socialismo cubano” e sua base ideológica que é o marxismo-leninismo, porque na verdade não são outra coisa que capitalismo e socialdemocracia “radical”, respectivamente. Em suma: não são a revolução, são a contrarrevolução. O regime político-militar-empresarial do Partido “Comunista” Cubano e sua empresa GAESA não defendem nenhuma revolução. Defendem a contrarrevolução capitalista e sua ditadura sobre o proletariado dessa região. É fração esquerdista, estatista e anti-imperialista do capital mundial no Caribe. Aqueles que defendem esse regime são, portanto, igualmente contrarrevolucionários disfarçados de “revolucionários”.

Para que fique mais claro ainda e não aconteçam deturpações grosseiras e maliciosas por parte tanto de direitistas como de esquerdistas do capital: a causa da atual crise e revolta em Cuba NÃO é que “o socialismo não funciona”, e NÃO é tampouco “o bloqueio imperialista” dos EUA. Diante de tantas notícias e análises falsas por todos os lados, o que é próprio da falsa dicotomia esquerda/direita, vale relembrar o ABC anticapitalista autônomo a respeito: o que existe em Cuba NÃO é socialismo ou comunismo, é capitalismo pura e simplesmente: mais especificamente, é um subdesenvolvido capitalismo de Estado que participa de maneira subordinada e dependente no mercado mundial, e que hoje está em crise porque o capitalismo histórico e internacional está em crise.

Por quê? Porque não pode existir “socialismo em um só país”, já que o capitalismo é mundial. Porque a estatização ou a nacionalização da agricultura, da indústria, do comércio e do banco não é o mesmo que a abolição real – não somente formal ou jurídica – da propriedade privada sobre os meios de produção, distribuição e consumo. E, acima de tudo, porque no comunismo não existe produção de mercadorias, trabalho assalariado, extração de mais-valor, lei do valor, mercado, competição, empresas, acumulação de capital, dinheiro, classes sociais, Estado, patriarcado, máfias, prostituição, corrupção e nem fronteiras nacionais. De modo contrário, em Cuba existe tudo isso, não como categorias abstratas, mas como realidades muito concretas e cotidianas. Sim, em Cuba existem classes sociais: exploradores e explorados, opressores e oprimidos, marginalizadores e marginalizados. É por isso que há luta de classes em Cuba e uma prova irrefutável disso são os protestos das massas proletárias de todos os setores, sexos, “raças” e gerações contra o Estado capitalista, disfarçado de “socialista”, nesse país durante os últimos dias.

Por fim, em qualquer uma de suas versões, formas ou aparências, o sistema que realmente já não funciona é o capitalismo. Contudo, esse ainda sobrevive em meio a sua decomposição, devido à falta de condições e situações revolucionárias que somente as mesmas contradições estruturais do capitalismo e as lutas de classes reais em processo podem produzir – que são fenômenos materiais e espontâneos de massa, e que além do mais levam várias gerações –, e não a consciência, a ideologia, a propaganda, a vontade e o ativismo político de algumas poucas organizações e pessoas de esquerda e extrema-esquerda.

A perspectiva comunista radical contida nesta análise de conjuntura é produto não de algumas poucas mentes brilhantes e delirantes, senão da mesma luta de classes histórico-mundial e de nossa situação concreta de vida e luta. Assim sendo, nós comunistas antiestatais e internacionalistas estamos do lado dos explorados e oprimidos que lutam por suas vidas sem representantes nem intermediários e sem importar sua nacionalidade, porque nós proletários não temos pátria. De fato, um dos slogans mais contrarrevolucionários que pode haver é o de “pátria ou morte”, como o que repete automaticamente o atual governo esquerdista cubano e seus seguidores acríticos lá e em todas as partes. Diferentemente, nós estamos contra toda forma de capitalismo e de Estado-nação, incluindo o “Estado socialista” que na verdade é capitalismo de Estado, determinado, por sua vez, pelo mercado mundial. Portanto, estamos contra a direita e a esquerda do capital, já que ambas não são contrarias senão competidoras complementares e alternantes na administração do Estado e da economia capitalista. No caso cubano, a esquerda do capital no Estado é uma burocracia político-militar-empresarial que explora ou extrai mais-valor do proletariado, vigia-o e reprime-o brutalmente, faz suculentos negócios com empresas internacionais e já apoiou sangrentas ditaduras em outros países, tanto de esquerda como de direita.

Em síntese, nos posicionamos contra o capitalismo, contra seus defensores de direita e seus falsos críticos de esquerda. Ao mesmo tempo, estamos a favor da autonomia proletária expressa na ação direta e na auto-organização das massas, da ruptura revolucionaria e da revolução comunista mundial. Porque a emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores ou não será. Porque sem ruptura com as falsas críticas e falsas alternativas ao capitalismo não haverá revolução. E porque a revolução será antimercantil, antiestatal e internacional ou não será.

Por isso que, no atual contexto histórico e mundial, que ainda é contrarrevolucionário, nos posicionamos a favor dos protestos e revoltas proletárias em todas as partes contra as miseráveis condições materiais de existência de nossa classe e contra todos os governos do capital[6], como é a atual revolta em Cuba, apesar de todas as suas fraquezas, limitações e contradições. Porque a melhor “escola de formação” para o proletariado é a própria luta de classe, e essa, por sua vez, é o único modo de produzir crises revolucionarias e embriões de comunismo e anarquia. Acima de tudo, estamos a favor daquelas lutas que mostram embriões e tendências de autonomia de classe e de ruptura com as condições capitalistas e, em especial, com sua própria condição de classe explorada e oprimida. Embriões que podem ser vislumbrados nas revoltas dos últimos anos. Sem deixar de sermos objetivos e críticos destas. Com a perspectiva de que as contradições e os conflitos sociais se intensifiquem, que a correlação de força se inverta, que a revolta proletária global retorne, e que esta se critique e se supere a si mesma para que se transforme em revolução social – não política, social – internacional.

Revolução na qual se insurrecione e se comunize todo o existente, a fim de frear a atual catástrofe capitalista e de criar uma vida que mereça ser vivida por todos em todas as partes, inclusive na região cubana. Revolução que, sobre a base da abolição do trabalho assalariado e da troca de mercadorias, realize a abolição da sociedade de classes, gêneros, raças e nacionalidades. Substituindo-a por novas e múltiplas relações sociais não-mercantis, não-coisificadas e não-hierárquicas entre indivíduos livremente associados sem separações ou fronteiras de nenhum tipo, em equilíbrio com a natureza.

Entretanto, o capitalismo e a luta de classes continuaram desenvolvendo-se desigual e catastroficamente em todo o planeta, até que à humanidade não lhe reste opções a não ser o comunismo ou a extinção. E a partir daí, nada nem ninguém será poupado. Cuba é hoje apenas mais um episódio crítico nesse drama histórico-mundial em curso.


[1] O texto do Proletarios possui o mérito de analisar criticamente as manifestações em Cuba e apresentar uma posição adequada sobre esse país, cujo caráter é capitalista. Por sua vez, o propósito do texto é realizar uma “análise de conjuntura”, o que é um esquema comum presente em tendências do bloco progressista e até do bloco revolucionário (principalmente em organizações e indivíduos inspirados no anarquismo). Assim, em vários trechos o texto cai na armadilha do conjunturalismo, o que compromete a análise e perde-se de vista a totalidade. É preciso ficar atento ao conjunturalismo, pois este “aponta para o fetiche da conjuntura e se baseia na descrição dos acontecimentos, em reflexões que não apontam para as múltiplas determinações dos fenômenos, revelando a ausência de historicidade, radicalidade e totalidade (expressões da perspectiva do proletariado revolucionário). Os conjunturalistas trazem dados estatísticos e os tratam como se estes explicassem a realidade, isolam fantasticamente determinados fenômenos da totalidade das relações sociais, fundamentando-se numa concepção não-marxista” (conferir: Reflexões sobre o Conjunturalismo e o Presentismo). O conjunturalismo está presente em vários trechos e, especialmente no tópico sobre os “causas conjunturais e seus dados”, fica visível a falta de senso crítico na análise dos “dados”, trazendo até o FMI como uma instituição confiável para informar sobre um hipotético ciclo de lutas que virá em 2022. De certa forma, o principal demérito do texto é ficar preso no fetiche da conjuntura e na descrição dos acontecimentos.
Para outras análises fundamentadas sobre o capitalismo em Cuba, confira a nota introdutória do Portal indicando outros textos sobre o tema (Nota do Crítica Desapiedada – CD).

[2] No ano de 2020, Cuba era considerado um país que havia lidado de forma exemplar com a pandemia da covid-19, sendo um dos países que menos tiveram infecções e mortes comparadas ao total da sua população e em relação a outros países mais avançados do ponto de vista capitalista. Desta forma, quando o texto fala do “ressurgimento da covid-19” na ilha, ele refere-se ao aumento de casos na ilha nesse ano de 2021, o que demonstra que o exemplo cubano no controle da pandemia não foi tão eficaz assim. (Nota do CD).

[3] A nosso ver, a “atual crise do capitalismo” não é bem o que está ocorrendo neste momento. Em nossa análise, uma crise do capitalismo ocorre quando as lutas do movimento operário e de outros setores descontentes da sociedade radicalizam, começam a contestar a própria existência dessa sociedade, colocando-a em xeque. Na atualidade, o que acontece é uma crise no capitalismo, em alguns de seus elementos, como visto na crise sanitária devido à pandemia.  A crise no capitalismo, produto de múltiplas determinações, significa que existem problemas na reprodução de seu regime de acumulação atual, o integral, que pode ser sucedido por outro regime de acumulação, ou abrir margem para um avanço das lutas de classes que derrube o modo de produção atual e o substitua por um modo de produção comunista, ou, em outras palavras, uma sociedade autogerida. Para uma discussão mais detalhada sobre esse tema, confira: Os Ciclos dos Regimes de Acumulação e O Capitalismo está em Crise? (Nota do CD).

[4] O jargão “situação revolucionária” possui origem leninista e é aqui reproduzido acriticamente por uma tendência pertencente ao bloco revolucionário. Em um artigo do Nildo Viana publicado no Portal (O Significado Político do Maio de 1968), podemos ler a seguinte crítica: “A ideia de uma “situação revolucionária” e seu pressuposto de divisão entre “condições objetivas” e “condições subjetivas” é ideológica. A categoria da totalidade é abandonada e em seu lugar emerge um antinomismo, típico da episteme burguesa (VIANA, 2018), que opõe condições objetivas e condições subjetivas. As condições objetivas seriam a pobreza, as dificuldades da burocracia estatal em governar e a crise econômica e as condições subjetivas seriam o partido e sua ideologia comandando um proletariado descontente e atuante. Para haver revolução é preciso de seres humanos concretos e reais que a queiram. Isso significa que a situação não pode ser revolucionária sem haver ações e ideias revolucionárias. Se tais ações e ideias não são revolucionárias, então não existe situação revolucionária, o que pode existir é crise, o que é outra coisa.”.
No caso do texto do Proletarios Internacionalistas, troca-se a direção do “partido e sua ideologia comandando um proletariado descontente e atuante” pela “direção revolucionária autônoma de massas”, o que corresponde à “autonomia proletária expressa na ação direta e na auto-organização das massas”. Desse modo, falta aparecer a “situação revolucionária” para o proletariado se autonomizar. Este discurso continua preso na linguagem fetichista e antinômica oriunda do jargão leninista. O importante é perceber que há um elemento ausente na análise do Proletarios: a consciência, o projeto revolucionário em cena. Mais à frente, o texto até desconsidera “a consciência, a ideologia, a propaganda, a vontade”, reduzindo a luta às “condições e situações revolucionárias”, isto é, uma possível crise do capitalismo que acirre a luta de classes. É possível que ocorra daqui uns anos a ampliação da crise no capitalismo (uma tendência insolúvel presente nesse modo de produção) e a autonomização do movimento operário (e não das “massas”), o que vai depender de diversas determinações e dentre elas é necessário de antemão realizar uma ampla luta cultural, sedimentar uma cultura contestadora e fortalecer o bloco revolucionário a nível mundial. A autonomização do proletariado não pode ser desvinculada do desenvolvimento da consciência revolucionária que permita a crítica e superação concreta das organizações burocráticas (sindicatos, partidos, estado, etc.), a ampliação da luta cultural, entre outros elementos, visando a instauração de uma sociedade autogerida e não dando brecha para a contrarrevolução, como ocorreu nas diversas experiências inacabadas do proletariado (Rússia em 1917, Alemanha em 1918, etc.). Para uma discussão mais detalhada sobre o tema, conferir: As Tarefas dos Militantes Autogestionários (Nota do CD).

[5] Aqui deve ser esclarecido que “capitalismo de Estado” é uma expressão cunhada e usada por alguns setores da esquerda histórica comunista para denunciar o caráter capitalista dos “países comunistas” como a URSS, mal designados assim tanto pela direita como pela esquerda do capital, já que o capitalismo é mundial e, consequentemente, o comunismo só pode ser mundial; e, sobretudo, porque nesses países as relações e categorias capitalistas fundamentais (valor, mercado, empresa, trabalho assalariado, acumulação de capital, dinheiro, classes sociais, estado, ideologia…) nunca foram extirpadas, mas permaneceram intactas e continuaram a se desenvolver). Na realidade, capital e Estado são inseparáveis: nesta sociedade, o Estado só pode ser o Estado do capital, visto que é o ápice sumário ou institucional das relações sociais capitalistas básicas que, por sua vez, administra estas relações com a violência e outros aparatos de dominação, mesmo que adote formas, graus e administradores diferentes, como neste caso uma burocracia autodenominada “comunista” ou “socialista”, com base na propriedade estatal dos meios de produção de mercadorias e do mais-valor. Portanto, da perspectiva comunista, é estritamente correto falar do capitalismo como tal e não do capitalismo de estado. Mas, neste artigo, usamos esta expressão imprecisa em vista de sua carga histórica específica acima mencionada, bem como para enfatizar a crítica comunista de todos os tipos de Estado. Além disso, estamos também considerando que muitos leitores não estão familiarizados com estes conceitos e estes debates.
A mesma lógica subjacente se aplica, a propósito, à igualmente falsa expressão de “neoliberalismo” ou “capitalismo de mercado livre”, que em vez disso é usada e abusada pela social-democracia anti-neoliberal e neo-keynesiana, quando na realidade “a mão invisível do mercado” não pode funcionar sem “o punho de ferro do Estado” e vice-versa. Esse é outro exemplo da falsa dicotomia esquerda/direita que a perspectiva comunista critica e rompe ao afirmar que o comunismo é a contraposição viva e a abolição/superação tanto do mercado quanto do Estado.

[6] O texto do Proletarios possui inumeráveis termos problemáticos. Entre estes termos, podemos destacar “causas”, “estrutura”, “sistema capitalista”, “direita” e “esquerda”, palavras que não correspondem ao léxico marxista e ofuscam a realidade de fenômenos concretos e muito mais complexos. Para uma crítica e aprofundamento dessas questões, confira: Direita e Esquerda: Duas Faces da Mesma Moeda e Sistema Capitalista e Subjetividade: O marxismo assimilado pelos paradigmas hegemônicos (Nota do CD).

Traduzido por Guilherme Fernandez, a partir da versão disponível em: http://proletariosrevolucionarios.blogspot.com/2021/07/analisis-de-la-actual-revuelta-en-cuba.html. Revisado por Thiago Oligon.

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