[Nota do Crítica Desapiedada]: Em complemento a este guia, acesse também o debate no YouTube que gravamos com Rubens Vinícius, intitulado Marxismo e Partidos Políticos.
Os Guias de Autoformação são roteiros de estudo e seleção de textos que contribuirão para autoformação sobre diversos temas ligados à perspectiva revolucionária. Rubens Vinícius, militante autogestionário, desenvolveu um guia de autoformação sobre o tema Marxismo e Partidos Políticos, confira.
Introdução
A discussão sobre os partidos políticos recebeu inúmeros tratamentos no interior das ciências humanas e, de uma forma mais detida, é um tema recorrente no interior das discussões do marxismo e em algumas de suas interpretações.
No plano das representações ilusórias, há uma corrente de opinião predominante segundo a qual a concepção de partido político em Marx e no marxismo em geral fora continuada pela social-democracia (sobretudo Kautsky e ala moderada do Partido Social-democrata Alemão) e desenvolvida em especial por Lênin, dada a conquista do poder estatal na Rússia via contrarrevolução burocrática bolchevique.
É com o intuito de rechaçar estas deformações do pensamento de Marx e resgatar as contribuições de seus autênticos continuadores (comunismo de conselhos e marxismo autogestionário) acerca deste fenômeno que o presente guia de autoformação foi produzido. Com fins didáticos, realizamos uma divisão em três tópicos: a) escritos de Marx sobre os partidos políticos; b) escritos dos comunistas de conselhos sobre os partidos políticos; c) escritos dos marxistas autogestionários sobre os partidos políticos.
Escritos de Marx sobre os partidos políticos
Cumpre salientar que no período em que Marx viveu e efetivou suas análises, o termo partido político correspondia à causa/posição política, muito distinto do processo de burocratização que irreversivelmente tomaria conta desta organização e que Marx não teve condições de analisar com maior profundidade.
No que toca aos partidos burgueses, Marx irá criticá-los e desvendar os seus reais interesses de classe, vinculados à conquista e/ou manutenção do poder de Estado e das relações de produção capitalistas: exemplo disso é o artigo Glosas críticas marginais ao artigo “O Rei da Prússia e a Reforma Social” de um Prussiano, escrito em 1844. Em se tratando da social-democracia e dos nascentes partidos operários, estes seriam duramente criticados por Marx não somente com base no fio condutor de sua análise (a luta de classes e sua relação com os interesses imediatos e históricos do proletariado), mas também a partir de sua relação com a classe proletária e demais classes sociais em luta.
Neste sentido, três trabalhos merecem destaque, constituindo indicações fundamentais. São eles o Manifesto do partido comunista de 1848 (em especial o capítulo II e o capitulo III, onde os autores expõem a relação dos comunistas com as demais organizações de oposição e o proletariado em geral, além de revelar os interesses de classe por detrás das propostas limitadas e desvinculadas do movimento operário revolucionário dos socialistas de seu tempo), 18 Brumário de Luís Bonaparte publicado em 1852 (ao longo desta série de artigos Marx destrincha a relação entre partidos políticos e interesses de classe, além de inaugurar a crítica radical à social-democracia que então surgia na França, marcada pela tentativa de harmonizar e conciliar os interesses entre classe capitalista e classe operária) e o Manifesto dos 3 de Zurique (documento redigido em forma de circular no ano de 1879, onde Marx demole ponto por ponto o texto de Karl Hochberg, Karl Schramm e Eduard Bernstein, cujo conteúdo serviria de base para a atividade da social-democracia alemã após sua morte, criticando antecipadamente o que mais tarde seria a base da ideologia da vanguarda de Kautsky e Lênin).
Além disso, numa pequena carta endereçada ao amigo poeta Ferdinand Freiligrath datada de 1860, Marx trata o partido político em seu sentido eminentemente histórico, brotando espontaneamente do solo da sociedade capitalista e não uma ou outra organização da qual tenha sido membro. Não é à toa que nos estatutos da I AIT (Associação Internacional dos Trabalhadores, fundada em 1864) redigidos por Marx constitui-se como princípio da luta revolucionária a tese de que a emancipação da classe operária será obra da própria classe operária.
Escritos dos comunistas de conselhos sobre os partidos políticos
Coube aos comunistas de conselhos a tarefa de atualizar o marxismo à luz das transformações ocorridas em virtude das lutas de classes e tentativas inacabadas de revoluções proletárias no início do século passado. Os conselhistas avançam na crítica radical dos partidos, sindicatos e da sociedade de classes russa, sinônimo de capitalismo de Estado. No que concerne aos partidos políticos, o texto inaugural desta tendência, A revolução não é uma tarefa de partido escrito por Otto Rühle em 1920, traz uma síntese deste processo: aponta que a revolução não diz respeito aos partidos políticos, sendo uma tarefa da totalidade do proletariado.
Já o trabalho de Paul Mattick As divergências de princípio entre Lênin e Rosa Luxemburgo (1935) é uma introdução ao estudo destes autores que, no calor das lutas de finais do século 19 e início do século 20, trouxeram concepções opostas de organização partidária, bem como da relação entre proletariado e militantes políticos antes e depois da contrarrevolução bolchevique. Mattick evidencia que o bolchevismo já havia sido criticado por Luxemburgo, ainda que de modo ambíguo, uma vez que Rosa apenas no fim de sua tristemente abreviada vida consegue perceber de modo incipiente nos conselhos operários o princípio e a forma de organização correspondente ao processo de autoemancipação proletária, sinônimo de autoemancipação humana.
Em se tratando do comunismo de conselhos e da crítica aos partidos políticos, o nome de Anton Pannekoek é referência obrigatória. Nos textos curtos Partido e classe (1936) e Partido e Classe Operária (traduzido por Nildo Viana e publicado em 2011 numa coletânea que reúne textos sobre partidos, sindicatos e conselhos operários) o teórico dos conselhos operários destrincha o antagonismo entre as duas formas organizacionais e reforça a argumentação de Otto Rühle no trabalho acima mencionado. Os partidos políticos só tem um objetivo, que é tomar o poder e exercê-lo. Não querem abolir a sociedade de classes e sim melhor se instalar em seu interior, por terem horror à revolução proletária. No artigo A propósito do Partido Comunista (1936), Pannekoek demonstra como este último, controlado pela burguesia burocrática russa, buscou via III Internacional generalizar um modelo de ação que minava toda e qualquer possibilidade de autonomização da classe operária, indo ao encontro dos interesses de classe e da hegemonia bolchevique no seio do movimento operário.
Escritos dos marxistas autogestionários sobre os partidos políticos
Embora o conjunto dos autores do comunismo de conselhos haja realizado uma crítica demolidora dos partidos políticos, dos sindicatos e ter revelado o real caráter da sociedade de classes russa (um capitalismo estatal) faltou-lhes precisar melhor o conceito de partido político, bem como atentar para a necessidade da organização revolucionária. A imprecisão conceitual é perceptível nas obras indicadas, onde o termo partido político ainda se presta a usos equivocados.
Para tanto, o estudo do livro O que são partidos políticos? de Nildo Viana é uma resposta à altura, pois além de outras contribuições traz um conceito de partido político: os partidos políticos são organizações burocráticas que visam conquistar o poder estatal e para isso fundamentam sua busca de legitimidade via ideologia da representação, sendo expressão de uma classe ou frações de classe existentes. A burocracia partidária é a classe que toma as decisões e fixa os objetivos nesta organização, possuindo interesses próprios, portanto distintos e antagônicos aos do proletariado e demais classes inferiores. No texto Movimentos sociais e partidos políticos, Viana sintetiza alguns dos elementos expostos na referida obra, apontando para a relação entre os dois fenômenos e evidenciando a busca por aparelhamento das organizações mobilizadoras pelos partidos políticos.
Outro representante brasileiro do marxismo autogestionário, Maurício Tragtenberg nos anos 1980 traz alguns apontamentos sobre os partidos políticos num capítulo da obra Reflexões sobre o Socialismo, intitulado O papel do partido político. No final de seu breve livro dedicado à revolução russa Tragtenberg retoma suas considerações no tópico O partido, com foco analítico no partido bolchevique, ressaltando que os partidos são um Estado em miniatura. Com a conquista do poder pelo partido bolchevique consolida-se uma organização que visa disciplinar e tornar obedientes seus militantes e a sociedade como um todo, reforçando a divisão entre dirigentes e dirigidos que fundamenta o funcionamento de todo e qualquer partido político moderno.
Por fim, indicamos nosso texto Marx e os partidos políticos, uma tentativa de desenvolver a teoria dos partidos políticos, apontando para o processo irreversível de sua burocratização e para a necessidade de constituição e generalização de organizações autárquicas (auto-organização) aliadas ao projeto autogestionário, que porá fim aos partidos políticos e demais organizações que reproduzem o capitalismo no seu interior.
Boa leitura!
Faça um comentário