As divergências de princípio entre Rosa Luxemburgo e Lênin – Paul Mattick

Original in German: Die Gegensätze zwischen Luxemburg und Lenin

TÍTULO ORIGINAL: “Luxemburg versus Lenin” (1935), in P. Mattick, Rebels and Renegades, and Other Essays, Melbourne, 1946, pp. 8-39.

I

Rosa Luxemburgo e Lênin formaram-se ambos no seio da social-democracia da qual se tornaram figuras eminentes. As suas obras deveriam não só exercer uma influência considerável nos movimentos operários russo, polaco e alemão, mas ainda viriam a adquirir uma importância histórica universal. Os dois encarnaram a oposição ao revisionismo e ao reformismo inerentes à II Internacional e ficaram indissoluvelmente ligados à reorganização do movimento operário durante e depois da Guerra Mundial. Estes marxistas, de temperamento excepcional e que jamais superaram a teoria da prática, foram – para usar uma expressão cara a Rosa Luxemburgo – “tochas ardendo nos dois extremos”.

Entregando-se a uma missão idêntica – fazer sair o movimento operário do marasmo em que mergulhara e lançá-lo no ataque ao capitalismo – Luxemburgo e Lênin seguiram vias diferentes senão mesmo opostas. Sem quebra da estima que os unia, discutiram vivamente a propósito das questões fundamentais da estratégia e princípios revolucionários. Pode afirmar-se logo de início que em muitos pontos essenciais as suas concepções diferiam como dia da noite ou, mais exatamente, como os problemas da revolução burguesa e os da revolução operária. Agora, que ambos desapareceram, não é raro ver-se leninistas inconsequentes esforçarem-se, devido a razões políticas, por conciliar Luxemburgo e Lênin e minimizarem o que os opôs; porém, não passam de incríveis falsificações históricas as quais só servem os seus falsificadores e apenas durante um breve tempo.

O que uniu Luxemburgo e Lênin foi a luta contra o reformismo anterior a 1914 e o chauvinismo sobre que oscilou a social-democracia logo após a declaração de guerra. Mas esta união não viria a impedir que a discussão entre ambos atingisse um máximo. As divergências tratavam da via a seguir pela revolução e, sendo a tática inseparável dos princípios, do conteúdo e forma do novo movimento operário. Se é evidente que um e outro foram inimigos jurados do revisionismo (o que associa muitas vezes os seus nomes), não o é menos o fato de não haver uma ideia precisa sobre as suas divergências. De há uma dezena de anos para cá que a III Internacional, no contexto das crises políticas que permanentemente a abalam, tem usado e abusado do nome de Rosa Luxemburgo e, mais especialmente, do ataque que lançou ao “luxemburguismo contrarrevolucionário”, como gostam de lhe chamar[1]. Mas nada se fez para esclarecer a controvérsia. Em geral não interessa desenterrar o passado. A exemplo de socialdemocracia alemã que alegando “falta de dinheiro recusou um dia publicar as obras de Luxemburgo[2]”, a III Internacional acabou por abandonar a promessa – feita em seu nome por Clara Zetkin[3] – de assegurar a edição desses mesmos trabalhos. Contudo, face à concorrência, a III Internacional não deixa de se reclamar de Rosa Luxemburgo de cada vez que isso lhe parece oportuno. Quanto à socialdemocracia, parece muitas vezes falar com lágrimas na voz da “grande revolucionária que se enganou e que caiu, vítima do seu arrebatamento e não dos vergonhosos mercenários de Noske, o velho camarada de partido”[4]. Quando, após a experiência das duas internacionais, se pretende construir não só um movimento novo, e realmente revolucionário, mas também tirar partido das lições do passado, reduzem-se as divergências em causa a um desacordo sobre a questão nacional e que teria tocado apenas problemas de ordem tática e relativos à independência da Polônia. Com este objetivo, dão-se mil voltas para atenuar o debate, para fazer dele um caso desprezível e concluir, contrariamente à evidência, que Lênin foi o vencedor.

Contudo, a questão nacional é inseparável dos outros problemas que Luxemburgo e Lênin discutiram. Na verdade, ela liga-se estreitamente a todas as outras questões referentes à revolução mundial, tendo, porém, a vantagem de evidenciar melhor a divergência fundamental: o antagonismo irreconciliável entre a concepção jacobina da revolução e a sua concepção proletária. Quando, face aos erros nacionalistas da era stalinista da III Internacional, se crê correto, a exemplo de Max Shachtman[5], retomar as ideias de Rosa Luxemburgo, deve-se também considerar isso como justificado em relação às de Lênin. Após a morte deste, a política da III Internacional mudou sem dúvida em muitos pontos, mas na questão nacional conservou-se essencialmente leninista. Um leninista não pode deixar de ter uma atitude oposta à de Luxemburgo, de que é não só adversário em matéria de teoria, mas igualmente o inimigo mortal. Por outro lado, a posição de Luxemburgo é incompatível com o bolchevismo leninista e, por consequência, quem quer que se reclame de Lênin não poderá simultaneamente invocar Rosa Luxemburgo em apoio das suas teses.

A Oposição ao reformismo

O desenvolvimento do capitalismo mundial, a expansão imperialista, a monopolização gradual da economia e os grandes lucros a ela ligados, viriam a permitir a formação provisória de uma aristocracia operária, a criação de uma nova legislação do trabalho e uma melhoria geral da condição proletária. Daí o sucesso do revisionismo e o progresso do reformismo no seio do movimento operário. Ao marxismo revolucionário – enfraquecido, dizia-se, pela prosperidade capitalista – substituiu-se a teoria da realização progressiva do socialismo graças à democracia. Desde então, o movimento operário oficial pôde desenvolver-se e receber a adesão de uma massa de pequeno-burgueses; imediatamente estes se asseguraram na sua direção intelectual e dividiram, com os operários arrivistas, as vantagens materiais ligadas às carreiras que se ofereciam assim às suas ambições. Pelo fim do século, os assim chamados “marxistas-ortodoxos”, com Kautsky no comando, conduziram contra esta evolução uma luta que não passou, porém, de palavras e depressa foi abandonada. Entre os teóricos mais célebres desta época, Luxemburgo e Lênin foram dos poucos que prosseguiram sem tréguas, e a favor de um movimento operário realmente marxista, um combate implacável, primeiramente contra o reformismo confesso e depois também contra o reformismo “ortodoxo”.

Não será exagerado afirmar que, entre as críticas ao revisionismo, o ataque de Luxemburgo terá sido o mais vigoroso e eficaz. Na polêmica com Bernstein[6] sublinhava uma vez mais, em resposta às teses absurdas dos partidários do legalismo a todo o preço: “é impossível transformar as relações fundamentais da sociedade capitalista, que são as de domínio de uma classe por outra, através de reformas legais que respeitem o seu fundamento burguês”[7]. A reforma social, contrapõe ela, tem o fim não “de limitar a propriedade capitalista, mas pelo contrário de a proteger. Ou ainda – economicamente falando, não constitui um atentado à exploração capitalista, mas uma hipótese de a normalizar”[8]. Longe de conduzir ao socialismo, o capitalismo afunda-se, declara Rosa Luxemburgo, e é a esta ruína que os operários devem fazer frente – não com uma reforma mas com a revolução. O que não significa que se desprezem as questões do dia a dia; os marxistas revolucionários apoiam as lutas cotidianas dos trabalhadores, mas, contrariamente aos revisionistas, interessam-se mais pelo modo como se luta do que pelos seus objetivos imediatos. Para os marxistas, o problema atual consiste em fazer evoluir os fatores subjetivos, a consciência de classe revolucionária, por intermédio das lutas sindicais e políticas. Colocar a reforma e a revolução como termos que se excluem mutuamente é pôr mal o problema; conquanto haja oposição entre ambas, é necessário colocá-la no seu contexto próprio, o progresso social. A luta pelas reivindicações imediatas não deve fazer perder de vista o objetivo final: a revolução proletária[9].

Pouco tempo depois atacou Lênin, por sua vez, o revisionismo de idêntico modo. Também ele via as reformas como uma espécie de sub-produtos da luta pela conquista do poder político. No que respeita quer ao combate contra a mutilação do marxismo, quer à luta revolucionária pela conquista do poder político, os seus pontos de vista concordavam com os de Rosa Luxemburgo. Foi somente no contexto da revolução russa em 1905, quando a situação pôs na ordem do dia a luta revolucionária pelo poder e dela fez uma questão viva, a abordar de um ângulo mais concreto, que pela primeira vez se manifestaram divergências entre ambos. Eis a razão pela qual o conflito rebentou a propósito de assuntos de ordem tática: os problemas de organização e a questão nacional.

A Questão Nacional

A maneira de Kautsky, que em muitos aspectos foi seu mestre espiritual, Lênin estava convencido do caráter progressista dos movimentos de independência nacional, atendendo a que – dizia – “O Estado nacional oferece incontestavelmente melhores condições ao desenvolvimento do capitalismo”[10]. Sustentando contra Luxemburgo que a palavra de ordem da auto-determinação dos povos é revolucionária, porque se trata de “uma reivindicação que em nada difere das outras reivindicações democráticas”, Lênin proclamava: “Em todo o nacionalismo burguês de uma nação oprimida existe um conteúdo democrático e é esse conteúdo que apoiamos sem restrições”[11].

Como múltiplas passagens das suas obras o demonstram[12], a atitude de Lênin face à auto-determinação dos povos, ou à questão nacional, é corrente com a sua posição sobre a conquista dos direitos democráticos. A primeira permite, pois, compreender a segunda. Bastará citar a este propósito o que Lênin escreveu nas suas “Teses sobre a revolução socialista e do direito das nações a disporem de si mesmas”: “Seria um erro capital acreditar que a luta pela democracia é suscetível de desviar o proletariado da revolução socialista, eclipsar esta, esbatê-la, etc. Pelo contrário. Do mesmo modo que é impossível conceber um socialismo vitorioso que não realize a democracia integral, também o proletariado não pode preparar a vitória sobre a burguesia se não fizer uma luta geral sistemática a revolucionária pela democracia”[13].

Vê-se assim claramente que, segundo Lênin, movimentos e guerras de tendências nacionalistas têm por único objetivo instaurar a democracia, devendo o proletariado participar nelas visto que, ainda seguindo Lênin, “a democracia é uma etapa obrigatória na luta pelo socialismo”. “Se a luta pelo socialismo é uma luta justa, diz, a guerra pela democracia é justa também” e, por consequência, “numa guerra verdadeiramente nacional as palavras “defesa da pátria” não são de modo algum um engano”[14]. Eis porque Lênin é de opinião que em tal caso e “desde que a burguesia de uma nação oprimida lute contra a nação que a oprime, nós estaremos sempre do lado daquela e mais decididamente do que quem quer que seja”. E acrescenta: “porque nós somos o inimigo mais encarniçado e mais consequente da opressão”[15].

Lênin conservou-se fiel a esta concepção até ao seu último dia e os seus seguidores têm-no sido do mesmo modo, pelo menos na medida em que o poder bolchevique não corra o perigo (e não corre) de enfraquecer devido a isso. A única diferença, sem dúvida pequena, entre o mestre e os seus discípulos, consiste em que Lênin, antes da revolução russa, considerava as guerras e movimentos de libertação nacional como elementos do movimento geral para instaurar a democracia, estas guerras e estes movimentos passaram a ser considerados como parte integrante do processo da revolução proletária mundial.

Rosa Luxemburgo tinha como totalmente erradas as teses de Lênin tal como as acabamos de reconstituir. Na Juniusbrochüre, aparecida durante a guerra, ela resumia assim a sua concepção: “Enquanto existirem Estados capitalistas, enquanto, mais precisamente, a política imperialistas universal determinar e moldar a vida interior e exterior dos Estados, o direito das nações a disporem de si mesmas não passará de palavra vã , quer em tempo de guerra quer em tempo de paz. Ainda mais: na atual conjuntura capitalista não há lugar para uma guerra nacional de defesa e qualquer política socialista que abstraía desta conjuntura histórica, que apenas se guie, no meio do turbilhão universal, pela ótica de um só país, estará desde o início destinada ao fracasso”[16].

Nunca, mas mesmo nunca, Rosa Luxemburgo fez alguma concessão a Lênin sobre este assunto. Assim, quando após a revolução russa o direito à autonomia foi posto em prática, Luxemburgo perguntou-se a razão porque os bolcheviques mantinham, contra tudo e todos, e com uma tal tenacidade, uma palavra de ordem em contradição flagrante não só com o centralismo, aliás manifesto, da sua política, mas também com a atitude adotada quanto aos outros princípios democráticos. Esta evidente contradição é tanto menos compreensível quanto as formas democráticas da vida de um país constituem, na verdade, os fundamentos mais preciosos e indispensáveis da própria política socialista, ao passo que o célebre “direito à auto-determinação das nações” pertence ao domínio do palavreado oco e da “mistificação pequeno-burguesa”[17].

Tratava-se, segundo a sua opinião, de uma “variedade de oportunismo”, com vista a “ligar as numerosas nacionalidades alógenas que o império russo compreendia à causa da revolução”, ou seja, de um outro aspecto da política oportunista adotada pelos bolcheviques face aos camponeses russos: “Queria-se satisfazer a fome de terra com a palavra de ordem de apropriação direta dos domínios senhoriais e uni-los assim à bandeira da revolução e do governo proletário”. Infelizmente, acrescentava Rosa Luxemburgo, “nos dois casos o cálculo era totalmente errado. Defensores da independência nacional, mesmo até ao separatismo, Lênin e os seus amigos pensavam manifestamente fazerem assim da Finlândia, da Ucrânia, da Polônia, da Lituânia, dos países bálticos, do Cáucaso, etc., fiéis amigos da revolução russa. Porém, assistimos ao contrário: uma após outra, estas “nações” utilizaram a liberdade que lhes ofereceram para se aliarem, como inimigas mortais, ao imperialismo”. Evidentemente que em todo o caso não são as “nações” que praticam esta política reacionária, mas as classes burguesas e pequeno-burguesas que, em oposição violenta com as respectivas massas proletárias, transformaram o “direito à auto-determinação nacional” em instrumento da sua política de classe reacionária. Mas, – e tocamos o centro do problema – esta fórmula nacionalista revela o seu caráter utópico e pequeno-burguês, pois na dura realidade da sociedade de classes, e principalmente em época de antagonismos exacerbados, ela vem a transformar-se num meio de dominação das classes burguesas[18]

Os bolcheviques não tinham assim hesitado em acenar, em pleno combate revolucionário, com a questão das nacionalidades e das tendências separatistas, o que, segundo Rosa Luxemburgo, “tinha lançado a dúvida nas fileiras socialistas”. E constatava: “os bolcheviques forneceram a ideologia que permitiu lançar a ofensiva contrarrevolucionária; eles reforçaram a posição da burguesia e enfraqueceram a do proletariado (…). Estava reservado aos antípodas dos socialistas governamentais, aos bolcheviques, graças à bela fórmula da “auto-determinação”, levarem a água ao moinho da contrarrevolução, e forneceram assim a ideologia que permitira não só esmagar a revolução russa dentro das suas próprias fronteiras, mas também liquidar a guerra mundial no seu conjunto conforme os planos contrarrevolucionários”[19].

Podemo-nos perguntar, tal como Rosa Luxemburgo, qual a razão que levou Lênin a nada destruir da fórmula do direito dos povos a disporem de si mesmos e da libertação das nações oprimidas. Não estava este slogan em contradição evidente com as exigências da revolução mundial? E Lênin, à semelhança de Rosa Luxemburgo, não trabalhava para ela? A exemplo de todos os marxistas do seu tempo, não acreditava que a Rússia, abandonada a si mesma, estivesse à altura de prosseguir até ao fim o combate revolucionário. Lênin partilhava a tese de Marx e Engels segundo a qual “se a revolução russa se tornar o sinal de uma revolução operária no Ocidente, de modo a que as duas revoluções se completem, a atual propriedade comunal russa poderá ser o ponto de partida para um futuro comunismo”[20]. Lênin não só estava convencido de que os bolcheviques deveriam tomar o poder na Rússia, mas também que a revolução russa só conduziria ao socialismo se alcançasse a Europa e, para além dela, o mundo. Dada a situação objetiva criada pela guerra, a ideia de uma Rússia isolada fazendo frente às potências imperialistas, sem o apoio de uma revolução na Europa Ocidental, não o podia satisfazer, e tão pouco a Luxemburgo. Esta última era aliás categórica: “Bem entendido, a Rússia não poderá manter-se no meio desta confusão infernal”[21].

Esta posição não tinha por base o fato de saber do que seriam capazes Lênin e Trotsky, a desconfiança que os seus discursos aberrantes sobre o direito dos povos a disporem de si mesmos lhe inspirava, a política de concessão aos camponeses e o restante. Tão pouco era ocasionada pela relação de forças existentes entre a Rússia revolucionária e as potências imperialistas ou, sequer, provinha de uma concepção análoga à dos sociais-democratas que, de estatísticas na mão, se divertiam a demonstrar que o estado atrasado da economia russa não justificava a revolução nem permitia o socialismo. A razão profunda do seu pessimismo era, antes de mais, devida ao fato de “a social-democracia deste Ocidente, superiormente desenvolvido, ser composto de sujos poltrões que, como espectadores pacientes, deixarão os russos esgotarem o seu sangue”. Deste modo, conquanto criticasse os bolcheviques à luz das exigências da revolução mundial, apoiava a sua causa, não deixando de acentuar, por exemplo, que se aqueles sofriam graves prejuízos econômicos, era porque o proletariado da Europa Ocidental nada fazia para os auxiliar. “Ah, sim, os bolcheviques! Claro que neste momento não me encantam absolutamente nada com o seu fanatismo pela paz (alusão a Brest-Litovsk). Mas ao fim e ao cabo a culpa não lhes cabe. Estão numa situação de constrangimento: apenas podem escolher entre duas possibilidades e preferem a menos má. Outros são os responsáveis de que seja o diabo quem aproveita da revolução russa”[22].

Argumentação que com o desenrolar dos acontecimentos viria a retomar nos seguintes termos: “os socialistas governamentais alemães bem podem gritar alto e bom som que o domínio dos bolcheviques não passa de uma caricatura de ditadura do proletariado. Mas se assim aconteceu, ou acontece ainda, é exclusivamente porque ela foi o produto da atitude do proletariado alemão, ela mesma caricatura da luta de classe socialista”[23].

Rosa Luxemburgo morreu demasiado cedo para constatar que a política de Lênin estava perfeitamente à altura de conservar o poder nas mãos dos bolcheviques, sobre uma base de capitalismo de Estado, mesmo quando estes haviam já cortado com qualquer espécie de ajuda ao movimento revolucionário mundial. Karl Liebknecht, na prisão, notava-o, concordando: “Dilema: naufrágio na honra revolucionária – os espera de um milagre vergonhoso – ou revolução alemã”[24].

Os bolcheviques optaram pela segunda solução. No tempo em que era ainda marxista, Eugène Varga escrevia a este propósito: “Encontram-se na Rússia comunistas que, cansados de esperar pela revolução europeia, procuram extrair as últimas consequências do isolamento do país. Se a Rússia nunca de desinteressasse da revolução social nos outros países (…) os governos capitalistas teriam pelo menos a certeza de relações de boa vizinhança (…). Posta assim fora do circuito, a Rússia revolucionária comprometeria gravemente o êxito da revolução mundial”[25].

A política seguida por Lênin em matéria de auto-determinação dos povos não causou perdas irreparáveis ao regime. É claro que certas regiões do ex-império russo se separaram e passaram à contrarrevolução aberta: mas isso não impediu o regime bolchevique de se estabelecer mais solidamente do que nunca. Assim, tudo parece indicar que a história confirmou a linha leninista e, simultaneamente, desacreditou as apreensões de Rosa Luxemburgo. No entanto, é uma impressão que só se justifica na medida em que se aplica ao poder do aparelho de Estado bolchevique. Ela torna-se diferente quando referida à revolução mundial, centro da controvérsia entre Lênin e Luxemburgo. Sem dúvida que a Rússia sobreviveu à tempestade; porém, jamais foi o que era, ou dizia ser nos primeiros tempos. Longe de servir ao avanço da revolução mundial serve ao seu esmagamento. A revolução russa, que Rosa Luxemburgo e todos os revolucionários da sua época haviam saudado com entusiasmo, desiludiu todas as esperanças.

Neste sentido, a História confirmou, e não desmentiu, os receios que Rosa Luxemburgo, já em 1914, exprimia nos seguintes termos: “Vê-se aproximar o espectro sinistro (…) de uma aliança dos bolcheviques com o imperialismo alemão que poderá trazer ao socialismo internacional o golpe moral mais terrível que alguma vez lhe terá sido infligido (…). Com o grotesco “casamento” de Lênin e Hindenburg estender-se-ia a leste a cobertura moral (…). Uma revolução socialista (…) sob a jurisdição protetora do imperialismo alemão – eis o que será para nós um espetáculo de uma monstruosidade sem igual. Além de totalmente utópico (…). Qualquer declínio político dos bolcheviques durante um nobre combate contra forças superior e uma situação histórica desfavorável valeria mais do que este declínio moral”[26].

Ainda que a velha amizade germano-russa do tempo de Lênin e de Hindenburg tenha arrefecido – provisoriamente – e que a ditadura bolchevique prefira agora o apoio da Sociedade das Nações em geral e das baionetas francesas em particular[27], a Rússia leninista ficou sempre fiel à política que erigiu em princípio e da qual Bukhárin dera uma definição sem equívocos no IV Congresso do Komintern: “Não há diferença de princípio entre um empréstimo financeiro e uma aliança militar (…). Nós somos suficientemente fortes para fazer uma aliança com um Estado burguês e poder utilizá-la para abater um outro. Esta forma de defesa nacional – aliança com certos Estados burgueses – impõe com dever aos camaradas desses países contribuir para a vitória da nossa coligação”[28].

O “grotesco casamento” de Lênin e Hindenburg, do capitalismo e do bolchevismo, foi uma manifestação particularmente clara do recuo da vaga revolucionária, recuo este que de resto não atingiria ainda o seu ponto culminante. O movimento operário, que se une sob a égide de Lênin, inscreve-se no quadro da política capitalista; é incapaz de agir como revolucionário. Considerada nos seus prolongamentos históricos, a estratégia leninista – colocar os movimentos nacionalistas ao serviço da revolução mundial – revelou-se absolutamente errada. E os piores receios de Rosa Luxemburgo justificaram-se, muito para além do que ela poderia imaginar.

Hoje, as nações “libertas” fazem à Rússia um cerco fascista. Na “livre” Turquia abatem-se os comunistas com armas de origem russa. Os dirigentes chineses, que a Rússia e a III Internacional apoiam na luta pela independência nacional, afogaram no sangue o movimento operário, e de uma maneira tal que lembra a Comuna de Paris. Por todo o mundo, os cadáveres de milhares e milhares de trabalhadores massacrados demonstram – e de que sinistro modo – a justeza das concepções de Rosa Luxemburgo: o engano acerca dos direitos dos povos a disporem de si mesmos não passa de uma “mistificação pequeno-burguesa”.

Os desvios nacionalistas da III Internacional na Alemanha mostraram ao que conduz o belo princípio: “A luta pela libertação nacional confunde-se com a luta pela democracia”. Não terão estes desvios contribuído até para abrir a via do fascismo? Sim. Dez anos de propaganda nacionalista com Hitler acabaram por transformar os próprios operários em fascistas. E Litvinov (delegado da Rússia na Sociedade das Nações – N.T.F.) não chegou a apresentar os resultados do plebiscito do Sarre como uma vitória do ideal leninista da livre disposição dos povos? Desde então, se algo pode ainda surpreender é que exista gente capaz de sustentar, como Max Schachtman: “Apesar das críticas enérgicas de Rosa Luxemburgo, a política das nacionalidades seguida pelos bolcheviques após a revolução justificou-se pelos seus resultados”[29].

É preciso notar, além do mais, que a atitude de Lênin sobre a questão nacional foi nada menos que incoerente e sempre sujeita a considerações táticas. Na verdade, ela foi perfeitamente contraditória. Assim, Lênin não hesitava em afirmar: “Quando em tempo de guerra se fala em atos revolucionários contra o governo do próprio país, é sem dúvida incontestável que se trata não só de desejar a queda deste, mas também de trabalhar realmente para isso”[30]. Mas, desenvolvendo esta ideia, chega-se a uma flagrante contradição: na verdade, dado que diversos países em guerra não são afetados no mesmo grau pelo derrotismo e simultaneamente pela revolução operária, esta tática tem por consequência facilitar a vitória do país menos atingido e a opressão naquele que o foi mais! Durante uma guerra imperialista, o proletariado – se seguir Lênin – deve ajudar a derrota do seu país. Alcançada esta, é-lhe necessário mudar de atitude e apoiar a sua burguesia nacional na luta pela libertação da pátria. Depois, quando o país “oprimido” retomar o seu lugar no concerto das nações, os operários devem, uma vez mais, abandonar a luta pela defesa do território. Será isto falsear o pensamento de Lênin? Absolutamente em nada, como, aliás, o demonstra um simples olhar retrospectivo sobre a prática real. No que diz respeito à Alemanha, a posição de Lênin e dos bolcheviques variou de fato do seguinte modo: 1914-18, contra a defesa do país; 1919-1923, pela defesa e libertação do território nacional; finalmente, quando a Alemanha retomou a situação de potência imperialista, graças à ajuda do proletariado, vieram de novo a tomar posição contra a defesa da nação. A tática derrotista, preconizada por Lênin durante a primeira Guerra, encontra-se em contradição absoluta quer com o direito dos povos a disporem de si mesmos, quer com a causa das guerras de libertação nacional. Trata-se simplesmente de um movimento de reequilíbrio: o proletariado assume o papel de uma justiça compensatória entre os rivais capitalistas. Rosa Luxemburgo bem se esforçou por fazer ver que tudo isto nada tinha de comum com a luta de classes marxista.

Lênin em política, foi um espírito positivo. No essencial, foi só na tática que diferiu dos teóricos da II Internacional. O que estes pensavam obter por vias democráticas, ele procurava consegui-lo por meios revolucionários. Querendo realizar o socialismo para os operários, contava fazê-lo não com discursos no Parlamento, mas pela força, no terreno real da luta de classes. A missão do partido consistia em fazer a revolução para as massas, sendo estas levadas a aderirem e a confundirem-se desde logo com aquele. Seria necessário que o poder passasse para os bolcheviques para que estes pudessem libertar os explorados da Rússia e a revolução triunfasse mundialmente sobre o capitalismo. A tomada do poder pelo partido foi o alfa e o ômega da política leninista – política muitas vezes qualificada de inteligente e sutil, mas, na verdade, muito simplesmente oportunista.

Quando a revolução rebentou, a burguesia russa não estava à altura de tomar o poder nem, a fortiori, de o conservar, porque era incapaz de resolver a questão agrária. Esta obra realizaram-na os bolcheviques. “O que está totalmente concluído na nossa revolução é tão só o seu programa democrático burguês”, declarou Lênin por ocasião do quarto aniversário da Revolução de Outubro[31], e isso ficou a dever-se ao campesinato. Uma vez no poder, os bolcheviques jogaram sempre com os antagonismos entre os operários e os camponeses. Daí essa política de zig-zag, essa série de bruscas inversões de vapor, que hoje toda a gente conhece quer no plano russo quer no plano internacional. Foi esta política, unicamente concebida para conservar o poder, que de crise em crise acabou por precipitar o declínio da III Internacional.

Desde a primeira concessão de envergadura feita aos camponeses, Rosa Luxemburgo pôde prever, nas suas grandes linhas, a evolução da revolução bolchevista nos anos que se seguiram, evolução essa inevitável, caso a revolução mundial não viesse destruir no embrião os fatores de reação social engendrados por esta “transgressão”. “A palavra de ordem lançada pelos bolcheviques: apropriação imediata e partilha das terras pelos camponeses, deveria atuar totalmente no sentido inverso [ao objetivo procurado]. Não só não é uma medida socialista como, além de criar uma montanha de dificuldades intransponíveis à reestruturação das condições agrícolas no seio do socialismo, obstruir o caminho que a este conduz”[32]. Rosa Luxemburgo, devido ao fato de estar na prisão, ignorava nesse momento que os camponeses haviam partilhado as terras sem para isso esperarem pela permissão dos bolcheviques, os quais, na verdade, se limitaram a reconhecer um estado de fato. No seu movimento espontâneo, as massas camponesas não tiveram, num único momento, o cuidado de consultar os “transmissores da consciência revolucionária” que os bolcheviques afirmavam ser. Contudo, estes esperavam bem levar a revolução burguesa até ao seu limite. Para isso era necessário converter os camponeses em assalariados agrícolas, ou seja, industrializar a agricultura. Os leninistas estariam então autorizados, pelo menos aparentemente, a afirmarem que Rosa Luxemburgo se enganava quando dizia que, na ausência de uma revolução mundial, os bolcheviques seriam forçados a capitular face aos camponeses. Mas esta hipótese supõe ainda e sempre que o bolchevismo haja conduzido ao socialismo. Ora o que hoje existe na Rússia de modo algum é o socialismo, mas sim o capitalismo de Estado. Poder-se-á chamar socialismo, mas jamais o sistema russo passará de um capitalismo de Estado explorador do trabalho assalariado; eis porque os receios expressos por Rosa Luxemburgo foram confirmados pela História, pelo menos quanto ao essencial, embora algumas correções hajam a acrescentar.

As revoltas camponesas que se seguiram aos primeiros anos da revolução forçaram os bolcheviques, sob pena de perderem o poder, a tomarem uma via que apenas podia vir a prejudicar o desenvolvimento da revolução mundial e que, na própria Rússia, não permitiria ir além da organização de um sistema capitalista de Estado, cuja abolição pelo proletariado constituirá no futuro uma condição necessária para a realização do socialismo. No entanto, o que aqui nos interessa é, antes de mais, o fato de os bolcheviques não chegarem ao poder senão com a ajuda dos levantamentos nos campos e, por outro lado, estarem persuadidos que lhes bastava possuírem as rédeas dos comandos político e econômico para conduzirem o país ao socialismo, com a condição, bem entendido, de aplicarem a “linha correta”. Na realidade, obrigados como estavam, pelas condições de atraso da Rússia, quer a centralizar ao máximo os órgãos de decisão, quer a fazer enormes concessões ao campesinato, os bolcheviques imaginavam que seguiam uma política adequada, uma política tão clarividente como coroada de sucesso, e trataram de a impor igualmente a nível internacional.

Lênin soube descobrir, com uma clareza notável, e muito antes do acontecimento, as leis do desenvolvimento da revolução russa e conceber uma teoria e uma prática adequadas a esse contexto nacional. De onde derivam, por consequência, as suas concepções de economia estatal (de acordo com as ideias de Hilferding sobre a “socialização”), e também a sua posição acerca da questão nacional. Rosa Luxemburgo, conhecendo a situação russa como conhecia, estava mais bem colocada que qualquer outro marxista para poder compreender e analisar nos seus fundamentos históricos a política leninista; na medida em que a ação dos bolcheviques assumia um caráter revolucionário à escala mundial, ela inclinava-se a ver nesse hipercentralismo um mal inevitável e ao qual era forçoso resignar-se. Mas foi tenazmente que combateu a ideia de fazer das condições específicas da Rússia uma receita que permitiria resolver os problemas da revolução proletária em todo o mundo. “O perigo começa, escreve, quando, fazendo da necessidade virtude, eles (os bolcheviques) procuram fixar em todos os pontos teóricos uma tática que lhes foi imposta por condições únicas e a propõem ao proletariado internacional como modelo da tática socialista”[33].

Conforme as suas previsões, Lênin viu a aliança dos camponeses e operários levar à tomada do poder pelos bolcheviques; desde então concebeu o curso da revolução mundial como uma repetição seguramente mais vasta, daquele processo. Sendo as nações oprimidas sobretudo países agrícolas, a Internacional comunista esforçou-se por fazer, em todo o mundo, a unidade das aspirações camponesas com as operárias, criando assim uma força capaz de fazer frente ao capitalismo e abatê-lo, segundo o modelo da revolução russa. Acresce que os dirigentes russos julgaram indispensável apoiar os movimentos de libertação nas colônias e os das minorias étnicas nos países capitalistas, a fim de dividirem a intervenção das potências imperialistas na Rússia e melhor a combaterem.

Contudo, a longa série de reveses que a direção do Komintern viria a sofrer ao desejar uma Internacional operária e camponesa sob medida, não fez senão confirmar esta verdade primeira: a revolução mundial não poderia ser uma reprodução em grande escala da revolução russa. Longe de contribuir para o sucesso dos movimentos revolucionários, esta política veio a provocar a sua desagregação. O único resultado obtido foi a consolidação do poder do Estado bolchevique, que pôde beneficiar, graças àquela política de uma longa trégua histórica, geradora da triste situação atual do movimento operário na Rússia e no resto do mundo.

II

Lênin tinha sobre a questão nacional uma posição semelhante à concepção que dela possuía a social-democracia anterior à guerra, cujos pontos de vista estava bem longe de ultrapassar. Por outro lado, Lênin via na realização desta concepção um meio de assegurar e reforçar o domínio dos bolcheviques sobre a Rússia e de o estender – tanto quanto possível – ao resto do mundo. Para Rosa Luxemburgo, no entanto, tratava-se de uma política nefasta que seria necessário pagar, e caro.

Ao contrário do Lênin que, baseando-se na sua concepção global, considerava a construção do Partido e o respectivo acesso ao poder como passado obrigatório para a vitória do socialismo, Rosa Luxemburgo partia da situação de classe do proletariado e das suas exigências. E mais, enquanto em Lênin a teoria e a prática eram originadas diretamente pelas condições atrasadas da Rússia, em Luxemburgo elas estavam ligadas às condições específicas da luta de classes nos países capitalistas mais desenvolvidos. Eis a razão porque Luxemburgo se recusava a identificar a “missão histórica” do proletariado com a função do Partido e a reduzi-la a uma questão de direção centralizada. Mais do que no crescimento da organização e qualidade dos dirigentes, ela punha a tônica no movimento espontâneo das massas, na sua “auto-ativação”, no desenvolvimento da sua própria iniciativa. De onde também as divergências fundamentais de apreciação, que a separavam de Lênin, no que diz respeito ao papel histórico dos fatores espontaneidade e organização. Todavia, antes de examinarmos mais a fundo estas divergências, será conveniente comparar brevemente as interpretações que Lênin e Luxemburgo deram à teoria marxista da acumulação do capital, problema que está diretamente ligado a todos os outros.

A derrocada do capitalismo

No contexto da polêmica com Bernstein e seguidores, Rosa Luxemburgo havia já mostrado a necessidade de o movimento operário trabalhar com vista à revolução e não a meras reformas sociais, pois o capitalismo estava condenado à derrocada total. Contrariamente aos revisionistas, os quais procuravam demonstrar a perenidade do sistema capitalista, ela sustentava que se se supuser “a possibilidade de um crescimento ilimitado da acumulação, o socialismo perde simultaneamente o fundamento de granito da necessidade histórica objetiva e mergulha-se assim nas brumas dos sistemas e escolas pré-marxistas que pretendiam explicá-lo como fruto da injustiça e confusão mundial atual, assim como da vontade revolucionária das classes trabalhadoras”[34].

A sua principal obra econômica, na qual ela abria uma saída, e não a menor, para a refutação do reformismo, tem por objetivo não só a demonstração da existência de um limite real ao desenvolvimento do capital, mas também a crítica da teoria marxista da acumulação do capital total.

Segundo a sua opinião, se Marx teve o mérito de levantar o problema, não o soube, no entanto, resolver. O Capital parece-lhe uma obra “incompleta” – um esboço – cujas lacunas são necessárias preencher. Marx, diz ela, descreveu “o processo de acumulação do capital no seio de uma sociedade composta unicamente por capitalistas e operários”. Deste modo, acaba por abstrair indevidamente do comércio exterior, do que resulta, no quadro do sistema marxista, ser “tão necessário quanto impossível realizar a mais-valia fora das duas classes sociais existentes”; desde então, a acumulação “não pode sair de um círculo vicioso”. Ainda segundo Rosa Luxemburgo, a obra de Marx é vítima das suas “contradições flagrantes”, que ela pretende resolver[35].

No pensamento de Rosa Luxemburgo, a necessidade da derrocada do capitalismo funda-se na “contradição dialética segundo a qual a acumulação, para se estimular, tem necessidade de formações sociais não-capitalistas em torno de si (…) e não pode subsistir na ausência de contatos com tais meios”[36].

É na esfera da circulação do capital, na realização da mais-valia e nos problemas que ela coloca, que Luxemburgo situa a origem das dificuldades com que a acumulação depara, enquanto para Marx as dificuldades se manifestam já na esfera da produção, estando ligadas, segundo ele, à valorização do capital. O problema principal, sustenta Marx, é a produção da mais-valia, não a sua realização. Ora, Luxemburgo pensa que uma parte da mais-valia não pode ser realizada no quadro de um capitalismo como o que Marx descreveu. Apenas as trocas com regiões extra-capitalistas permitem, ainda segundo Luxemburgo, converter a mais-valia em capital adicional. Eis, aliás, como ela mesma se exprime, a propósito deste assunto:

“A acumulação tende a substituir a economia natural pela economia de mercado simples e esta por uma economia capitalista; ela tende a estabelecer, enfim, o domínio absoluto e geral da produção capitalista em todos os países e em todos os setores da economia. Mas o capital entra então num impasse. Uma vez atingido o resultado final – teoricamente pelo menos – a acumulação torna-se impossível, e a realização e capitalização da mais-valia tornam-se problemas insolúveis. O momento em que o esquema marxista de reprodução alargada coincide com a realidade assinala a paragem, os limites históricos do processo de acumulação, e portanto o fim da produção capitalista. A impossibilidade da acumulação significa, do ponto de vista capitalista, a inviabilidade do desenvolvimento posterior das forças produtivas e por isso a necessidade histórica objetiva da derrocada do capitalismo”[37].

Estas considerações nada acrescentam de novo e apenas têm de original as bases que Rosa Luxemburgo lhes dá. É por intermédio de uma crítica aos esquemas da reprodução alargada que figuram no volume II de O Capital, que Rosa Luxemburgo tenta demonstrar a correção das bases a partir das quais raciocina. Segundo Marx, o capital é obrigado a acumular-se. Se não existirem determinadas proporções entre os diversos setores de produção, os capitalistas não chegarão a encontrar os meios de produção, os operários e os bens de consumo necessários à reprodução do capital. Estas proporções, que os homens não podem modificar, estabelecem-se ao acaso, por meio do mercado. Marx reduziu a produção social a dois grandes setores: o fabrico de meios de produção e o dos bens de consumo. A fim de evidenciar o mecanismo das trocas intersetoriais, Marx ordena num esquema números arbitrariamente escolhidos. No quadro deste esquema nada parece impedir a acumulação: as trocas entre os dois setores prosseguem sem incidentes. Mas, afirma Rosa Luxemburgo, “se se tomar o esquema à letra, tal como ele é exposto no fim do livro II de O Capital, tem-se a impressão que a produção capitalista realiza sozinha a totalidade da mais-valia e a utiliza, capitalizada, para as suas próprias necessidades (…). E como a produção capitalista compra ela própria e exclusivamente o seu sobreproduto, não há limite para a acumulação de capital (…). Desde então o esquema [de Karl Marx] apenas permite uma única interpretação: a produção pela produção até ao infinito”[38]. Todavia, acrescenta Luxemburgo, a acumulação não pode ter um tal “objetivo”: “do ponto de vista capitalista”, o produzir por produzir, que o esquema supõe, seria ‘puro absurdo’”[39]. “Na base do esquema não é possível saber quem aproveita deste contínuo aumento da produção. É evidente que o consumo da sociedade aumenta ao mesmo tempo que a produção: tanto o dos capitalistas (…) como o dos operários. Contudo, mesmo sem ter em conta os restantes fatores, a acumulação do capital não poderá ter por objetivo o crescimento do consumo da classe capitalista; pelo contrário, todo o aumento deste consumo se faz em detrimento da acumulação; o consumo pessoal dos capitalistas entra na categoria da reprodução simples. Para quem produzem os capitalistas se em lugar de consumirem eles próprios a mais-valia “praticarem a abstinência”, ou seja, acumularem? – eis o verdadeiro problema. Ainda com maioria de razão o objetivo da acumulação não pode ser, do ponto de vista capitalista, a manutenção de um exército de operários sempre em crescimento. O consumo dos operários é uma consequência da acumulação. Não é o seu fim nem a sua condição, a menos que as bases da produção capitalista se transformem “completamente”[40]. Consequentemente, “o momento em que o esquema marxista da reprodução alargada corresponde à realidade marca a paragem, os limites históricos do processo de acumulação do capital, e portanto o fim da produção capitalista”[41].

Da mesma forma, uma mudança sem conflitos e um estado de equilíbrio intersetorial é, segundo Luxemburgo, algo perfeitamente inconcebível na base do esquema de Marx. Na hipótese de uma composição orgânica do capital[42] em aumento constante, acrescenta, a manutenção da proporcionalidade entre os dois grandes setores da produção, condição imprescindível ao bom funcionamento da acumulação, acaba por se encontrar excluída; ou seja, a impossibilidade de uma acumulação contínua ao longo de um grande é visível com a ajuda de um esquema puramente quantitativo (tal como aquele que a própria Luxemburgo propõe). O setor dos bens de consumo apresenta desde então um excedente de produtos não vendáveis no mercado capitalista, mostrando a necessidade absoluta de realizar um certo quantum da mais-valia nos meios extra-capitalistas[43]. Por outro lado, é por este mesmo mecanismo que Rosa Luxemburgo explicava o desenvolvimento do imperialismo moderno, teoria oposta às teses de Lênin no respeitante ao mesmo assunto. Para este, as contradições que revelam a existência de limites históricos inerentes ao desenvolvimento do capital não se situavam de modo algum na esfera da circulação, mas antes na da produção. Lênin segue assim o ensinamento de Marx, cujas teorias econômicas adotava sem qualquer espécie de reserva. Considerando inútil completá-las, contentou-se em fazer a sua aplicação ao estudo do desenvolvimento do capitalismo em geral e do capitalismo russo em particular.

Lênin teve ocasião de emitir, aquando da polêmica com os narodniks[44], bastantes argumentos que mais tarde viria a utilizar contra Rosa Luxemburgo. Os narodniks sustentavam que o mercado capitalista interno, já demasiado exíguo para permitir o desenvolvimento de um capitalismo nacional, não cessaria de diminuir devido à crescente pauperização das massas. Do mesmo modo que Rosa Luxemburgo, parecia-lhes inconcebível que a mais-valia pudesse ser realizada na ausência de mercados exteriores. Eis, contudo, o que, segundo Lênin, nada tem a ver com a realização de mais-valia. “É evidente, acentuava ele, que neste caso se deve abstrair do comércio exterior porque, se o fizermos intervir, em vez de avançarmos na solução do problema, apenas nos afastamos dela ao alargar a questão de um só país a vários”[45].

Segundo a sua opinião, “o que para um país capitalista determina a necessidade de possuir um mercado exterior, não são as leis da realização do produto social (e da mais-valia em particular), mas, antes de tudo, o fato de o capitalismo aparecer como resultado de uma circulação de mercadorias largamente desenvolvida e que se estende para além das fronteiras do Estado”[46]. Por isso, “também a venda do produto num mercado exterior exige uma explicação, ou seja, que se encontre um equivalente para a parte distribuída do produto (…). Se se quiser falar das “dificuldades” da realização, das crises que daí resultam, etc., convirá reconhecer que estas “dificuldades” não são apenas possíveis, mas fundamentalmente necessárias para todas as partes do produto capitalista e não só para a mais-valia. As dificuldades deste gênero, que dependem da repartição desproporcionada dos diferentes setores de produção, aparecem sem cessar, não só aquando da realização da mais-valia, mas também no momento da realização do capital constante e do capital variável; no momento da realização do produto não só em bens de consumo, mas também meios de produção”[47].

“Tal é, sabe-se – escrevia Lênin em 1897 – a lei do desenvolvimento do capital: o capital constante cresce mais depressa que o variável ou, por outras palavras, uma parte cada vez maior dos novos capitais destina-se ao setor da economia social que alimenta os meios de produção (…). Deste modo, os bens de consumo pessoal ocupam um lugar cada vez mais reduzido no conjunto da produção capitalista. E isso condiz totalmente com a “missão histórica” do capitalismo e com a sua estrutura social específica: a primeira consiste precisamente em desenvolver as forças produtivas da sociedade (produção para a produção), a segunda exclui a sua utilização pela maior parte da população”[48].

É absurdo, segundo Lênin, deduzir desta contradição entre a produção e o consumo que Marx haja negado a possibilidade de uma realização da mais-valia no seio da sociedade capitalista, ou que tenha atribuído a origem das crises a um sub-consumo: “Os diferentes setores da indústria, que servem de mercado uns aos outros, não se desenvolvem uniformemente, mas ultrapassam-se alternadamente e as indústrias mais avançadas procuram um mercado exterior. Isto não significa de modo algum “a impossibilidade para uma nação capitalista de realizar a mais-valia” (…), mas apenas evidencia a desproporção no desenvolvimento das diversas indústrias. O próprio país poderia realizar a mesma quantidade de produtos, desde que o capital nacional estivesse distribuído de uma outra forma”[49].

Ainda segundo Lênin, Marx “explicou perfeitamente”, graças aos esquemas da reprodução, “o processo de realização do produto em geral e da mais-valia em particular na produção capitalista, e mostrou que é absolutamente falso fazer intervir o mercado exterior no problema da realização daquela”[50]. A propensão do capitalismo para as crises e as tendências expansionistas que o caracterizam tem, portanto, uma origem comum, o desenvolvimento desigual dos diversos setores da indústria. Era do caráter monopolista do capitalismo que Lênin fazia derivar a constância da expansão colonial e a partilha imperialista do mundo. Na realidade, a partilha dos capitais e a apropriação das fontes de matérias-primas no mundo permitiam à burguesia dos principais países capitalistas arrecadar enormes lucros. Na perspectiva de Lênin, portanto, a expansão imperialista serve menos à realização da mais-valia do que ao aumento da massa de lucro[51].

Esta concepção, no seu conjunto, está incontestavelmente mais próxima da teoria de Marx que as teses de Rosa Luxemburgo. Contudo, esta tinha razão ao discernir, na teoria marxista da acumulação, a lei da queda do capitalismo; não chegando, todavia, a descobrir quais as bases desta concepção em Marx, Rosa Luxemburgo elaborou toda uma teoria pessoal da realização da mais-valia, que Lênin pode e com razão classificar de errada e estranha ao marxismo. Notemos a este propósito que na bibliografia do marxismo que juntou à sua biografia de Marx, Lênin assinala a obra de Luxemburgo e a “análise da sua falsa interpretação da teoria de Marx por Otto Bauer”[52].

Ora, Rosa Luxemburgo considerava esta “análise da sua teoria, e não sem razão, como “uma vergonha para o marxismo oficial”. Na verdade, Bauer limitara-se a retomar a concepção revisionista segundo a qual não existem limites objetivos no capitalismo. Segundo a nossa opinião, proclama Bauer, “o capitalismo é viável mesmo na ausência de expansão”[53]. E concluía a sua crítica à obra de Luxemburgo com a seguinte passagem: “Não é a impossibilidade mecânica de realizar a mais-valia que virá a provocar a ruína do capitalismo. Este será vencido pela indignação que desperta nas massas populares (…). Muito antes disso, a classe operária, consciente do seu constante crescimento da sua formação ideológica, da sua unidade e organização, resultantes do próprio processo de produção capitalista, destrui-lo-á”[54].

Bauer tinha elaborado um esquema da reprodução do capital, expurgado de alguns dos defeitos que Luxemburgo tinha assinalado no de Marx. Procurava assim demonstrar que, mesmo no caso de aumento regular da composição orgânica do capital, uma troca harmoniosa entre os dois setores se manteria possível. Contudo, Rosa Luxemburgo demonstrou, por seu turno, que mesmo neste esquema modificado subsiste um excedente não realizável e que para o realizar é necessária a abertura de novos mercados. Bauer foi incapaz de refutar esta contra-crítica, o que não impediu Lênin de o saudar como “o analista da falsa teoria de Luxemburgo”.

Além de a crítica em causa não ter atingido em nada o seu fim, poder-se-ia mostrar que as conclusões que Bauer tirou quanto à inexistência de limites objetivos à acumulação (aparte a questão das trocas intersetoriais) são absolutamente desprovidas de fundamento. Henryk Grossmann deduziu que se se projetasse para um longo período os dados do esquema de Bauer, assistir-se-ia não a um desenvolvimento harmonioso, mas à derrocada do capitalismo. Deste modo, a crítica da teoria da derrocada do capitalismo elaborada por Rosa Luxemburgo apenas teria aberto o caminho a uma nova teoria da ruína[55].

Apesar da controvérsia Luxemburgo-Bauer ser perfeitamente vã, Lênin, e não é sem interesse que o notamos, não se apercebeu disso. No centro do debate estava a possibilidade ou impossibilidade de uma troca harmoniosa entre os dois setores do esquema de Marx, troca essa que permitira a realização da mais-valia. Em Marx o esquema não tem outra validade além da de ilustrar a análise teórica. O seu autor jamais lhe atribuiu a menor correspondência objetiva com a realidade. Grossmann, quer num ensaio sobre a mudança de plano do Capital[56], quer noutros estudos, revelou a verdadeira significação do esquema conferindo assim à discussão novas premissas e um caráter mais fecundo.

Em Rosa Luxemburgo, toda a crítica do esquema marxista da reprodução assentava no postulado da realidade objetiva que lhe corresponderia. Ora, como Grossmann bem o acentuou, “o esquema de modo algum pretende ser uma imagem fiel da realidade capitalista concreta. Não representa senão um elo do método das sucessivas aproximações posto em prática por Marx e forma um todo indissociável de outras hipóteses simplificadoras que o suportam e das modificações seguidamente trazidas ao objeto analisado, com vista a concretizá-lo progressivamente”[57].

O esquema marxista trata de valores de troca; no entanto, na realidade, os produtos não são trocados pelo seu valor, mas pelo seu preço de produção. Igualmente, “num esquema de reprodução construído sobre valores (…) aparecerão taxas de lucro diferentes em cada setor, quando porém a experiência nos ensina que num sistema capitalista baseado na concorrência, as diversas taxas de lucro, realizadas nas respectivas esferas de produção, apresentam uma tendência para o nivelamento, para a formação de uma taxa de lucro geral, ou seja, de uma média”. De onde se subentende, caso se queira tomá-lo como base para uma demonstração da possibilidade (ou impossibilidade) de realizar a parte acumulável da mais-valia numa sociedade propriamente capitalista, a necessidade de transformar o esquema baseado em valores num outro baseado nos preços[58].

Supondo que Luxemburgo demonstrara realmente a impossibilidade de dar saída à totalidade das mercadorias, que no esquema marxista o excedente dos bens de consumo não vendáveis deveria aumentar de ano para ano, que teria ela evidenciado? “Muito simplesmente que um “saldo inconvertível” deve aparecer no setor II do esquema-valor, se se puder como hipótese a troca de mercadorias ao seu valor”[59]. Ora, no esquema que serve de base à análise de Rosa Luxemburgo, os diversos setores da produção têm cada um taxas de lucro particulares, as quais não poderiam, devido à falta de concorrência, alcançar o nivelamento numa única taxa de lucro médio. Como poderiam as conclusões de Luxemburgo corresponder à realidade se provêm precisamente de um esquema desprovido de validade objetiva? “Dado que a concorrência, afirma Grossmann, tem como efeito a conversão de valores em preços de produção, e consequentemente uma redistribuição de mais-valia entre os diversos setores da indústria (no contexto do esquema), segue-se necessariamente uma transformação das proporções existentes até aí nas esferas do esquema. É de todo possível, provável mesmo, que um “saldo de consumo”, que subsiste no esquema-valor, desaparecesse no equilíbrio originado no primeiro esquema tivesse como resultado uma desproporção no segundo”[60].

A confusão teórica feita por Luxemburgo aparece mais claramente no fato de, se por um lado ela vê na taxa de lucro médio o fator determinante que “trata cada capital privado como a parte da mais-valia global extorquida à sociedade em função da sua grandeza, independentemente da quantidade de lucro realmente adquirida”[61], por outro lado põe em dúvida a possibilidade de uma troca completa, utilizando para isso um esquema que exclui a formação de uma taxa de lucro médio! Desde que se tenha em conta esta taxa média, nada fica da tese, cara a Luxemburgo, das desproporções inevitáveis, dado que certos capitalistas vendem as mercadorias acima do seu valor e outros abaixo dele e que, na base do preço de produção, a parte não realizada da mais-valia poderá sê-lo daí em diante. A lei da acumulação do capital, tal como Marx a enunciou, confunde-se com a lei de decrescimento da taxa de lucro. Este decrescimento só pode ser contrabalançado durante um certo tempo pelo aumento da massa de lucro, em razão das exigências sempre renovadas da acumulação do capital. Segundo Marx, o sistema capitalista está condenado a soçobrar, não porque não chegue a realizar esse excedente de mais-valia, mas simplesmente devido à ausência desta.

Rosa Luxemburgo não discerniu as consequências do decrescimento da taxa de lucro. Essa a razão por que achou por bem levantar a questão – inepta do ponto de vista marxista, – do “objetivo” da acumulação. “Diz-se, escrevia ela, que o capitalismo acabará por cair ‘devido ao decrescimento da taxa de lucro’” (…). No entanto, esta asserção fica reduzida a zero com uma só frase de Marx: “Para os grandes capitais o decrescimento da taxa de lucro é compensado pela sua massa. Correrá ainda muita água sob as pontes antes que o decrescimento da taxa de lucro provoque a derrocada do capitalismo”[62]. Mas isto era esquecer que se Marx não perdera de vista este aspecto, também não deixará simultaneamente de lhe marcar os limites: o decrescimento da taxa de lucro leva ao decrescimento da massa real do lucro que, primeiramente relativa, se torna em seguida absoluta em relação às necessidades da acumulação capitalista.

Lênin, depois de haver acentuado que “a taxa de lucro tem tendência para decrescer”, acrescentava que “Marx analisa minuciosamente esta tendência, assim como as circunstâncias que a mascaram ou a contrariam”[63]. Mas, à semelhança de Luxemburgo, não atribuiu a necessária importância a esta lei dentro do sistema marxista. O que explica que Lênin desse por fundamentada a argumentação que Bauer opusera a Luxemburgo, tal como o desigual desenvolvimento dos diversos setores da produção lhe parecia bastar para explicar a origem das crises. Isto também poderá esclarecer a razão por que Lênin, apesar de falar do “fim inevitável” do capitalismo, afirmava por outro lado – sem lhe perceber a contradição – que não existem situações das quais o capitalismo se não possa salvar. É em vão que se procurará nas suas obras econômicas um só argumento demonstrando a existência de limites objetivos ao desenvolvimento do capitalismo e, contudo, Lênin não estava menos convencido que o sistema caminhava sem remissão para a sua perda. A causa reside certamente no fato de, contrariamente a Bauer e seus consócios da social-democracia, Lênin não aceitar a possibilidade de transformação do capitalismo em socialismo através de reformas mas, todavia, aceitar, tal como aqueles, que o derrubamento do primeiro dependeria unicamente da maioridade da consciência revolucionária do proletariado ou, para ser mais preciso, da organização e direção da classe operária.

A Espontaneidade e o Papel da Organização

Vimos mais acima que Rosa Luxemburgo tinha, e com razão, sublinhado que para Marx a lei da acumulação do capital formava um todo com a lei da derrocada do capitalismo. Apesar dos seus erros de raciocínio, ela chegara assim a uma conclusão que não podia ser mais fundada. Luxemburgo, ainda que estivesse a cem léguas de Marx quando interpretava a seu modo a lei da derrocada do capitalismo, não deixava, no entanto, de lhe admitir a existência. Os argumentos que Lênin contrapôs à sua teoria eram judiciosos e – por mais longe que fossem – em perfeito acordo com a doutrina de Marx; Lênin iludiu, contudo, o problema da existência de limites objetivos à expansão do capital. A sua teoria das crises era tão insuficiente como desprovida de coerência interna. Mais “correta” sem dúvida que a de Rosa, ela não implicava, no entanto, nenhuma conclusão verdadeiramente revolucionária, ao contrário do que acontecia com a teoria desta, apesar de ser falsa.

Muito mais próximo da social-democracia que Rosa Luxemburgo, Lênin considerava a queda do capitalismo mais como um ato revolucionário consciente do que como o resultado de um processo de ordem econômica. Assim, não chegou a dar-se conta de que, no caso de uma revolução proletária, a questão de saber qual o fator determinante, se o político, se o econômico, não é uma questão de teoria abstrata, mas diz respeito igualmente à situação concreta num determinado momento. Indivisíveis um do outro, os dois fatores não podem na verdade separar-se senão ao nível da análise conceitual. Ora Lênin adotara imensas teses desenvolvidas por Hilferding em O Capital Financeiro (1910), segundo as quais o sistema capitalista evoluiria para a formação de um “cartel geral”. Ou seja, Lênin, constrangido desde o início a pensar em função do caráter burguês da revolução russa – e, portanto, obrigado a adaptar-se conscientemente às manifestações e exigências burguesas – encontrou-se, por ter aderido às especulações relativas aos países capitalistas altamente desenvolvidos, mais inclinado ainda a superestimar o “lado político” da revolução proletária.

É por esta razão que para Lênin o maior dos erros será defender que se entrou numa época de revolução proletária pura (e isto aplica-se igualmente à escala internacional); segundo a sua concepção geral, uma revolução deste gênero é totalmente inconcebível. Para Lênin, a única revolução possível passa pela conversão dialética da revolução burguesa em revolução proletária. Os objetivos da primeira, que continuam na ordem do dia, só podem ser atingidos no quadro da segunda; mas esta última apenas tem de proletária a natureza da classe chamada a dirigi-la. Na realidade ela engloba todos os oprimidos (camponeses, pequeno-burgueses, nações dominadas, etc.) com os quais o proletariado teve que se aliar. Esta autêntica revolução só é possível na era do imperialismo, imperialismo que é a consequência direta da monopolização da economia e forma “parasitária” de um capitalismo “em estagnação”, “último grau do desenvolvimento do capitalismo que, continua Lênin, precede imediatamente o rebentar da revolução social”[64]. Além disso, “o capitalismo na sua fase imperialista conduz diretamente à socialização integral da produção. De certo modo ele arrasta os capitalistas, mau grado as suas vontades e consciência, para uma nova ordem social que marca uma transição da inteira liberdade de concorrência para a socialização integral”[65].

Segundo Lênin, o capital monopolista transformou a um ponto tal a produção que a tornou suficientemente madura para o socialismo; assim resta apenas tirar a direção da economia aos capitalistas para a entregar ao Estado, o qual organizará então a distribuição de acordo com os princípios socialistas. Toda a questão do socialismo se reduz à conquista do poder pelo partido proletário, o qual em seguida realizará o socialismo em proveito dos operários.

No que respeita à construção do socialismo e ao modo de organização deste, não existia assim a menor divergência de vulto entre Lênin e os sociais-democratas. Estes apenas se lhe opunham num ponto: o método a empregar com vista à conquista da gestão da produção – via parlamentar ou via revolucionária? Ambas as concepções tinham de comum o verem na posse do poder político e no monopólio completo do Estado sobre a economia instrumentos que, por si só, bastariam para a resolução dos problemas na economia socialista. Tal é também a razão que levava Lênin a acomodar-se de bom grado à perspectiva de um capitalismo de Estado. Aqueles que nesta questão se lhe opunham replicava: “O capitalismo de Estado será um capitalismo que nós saberemos limitar e, deste modo, fixar-lhe as fronteiras; este capitalismo está ligado ao Estado, mas o Estado são os operários, é a vanguarda, somos nós (…). O que será o capitalismo de Estado? Isso depende de nós”[66]. Do mesmo modo que, segundo Otto Bauer, a revolução proletária depende unicamente da atitude, da vontade política dos operários conscientes e organizados (e, portanto, na prática, do aparelho que domina todos os aspectos da vida da organização social-democrata), assim também para Lênin o futuro do capitalismo de Estado dependerá unicamente da atitude do Partido, ditada, por sua vez, pela burocracia. Assim, a História, no seu conjunto, torna-se a história da grandeza de alma e nobre conduta de um grupo de homens, formados no exercício destas virtudes pelo mais virtuoso entre os virtuosos. Tomando esta posição sobre o capitalismo de Estado – modelado, como se é levado a crer, pela vontade humana e não por leis econômicas, quando na realidade as leis do capitalismo de Estado são análogas às dos capitalismo monopolista – Lênin mantinha-se fiel a si mesmo; não professava ele também que em última instância a revolução dependia da qualidade do Partido e dos seus dirigentes? De acordo sobre esse problema com Kautsky, para quem igualmente a consciência revolucionária (questão unicamente ideológica segundo a sua opinião) apenas podia ser injetada nos trabalhadores a partir do meio exterior, Lênin afirmava: “A história de todos os países atesta que pelas suas próprias forças a classe operária apenas é capaz duma consciência “trade-unionista”, isto é, a convicção de que é necessário unir-se em sindicatos, bater-se contra os patrões, reclamar do governo as leis necessárias aos operários, etc. Quanto à doutrina socialista, ela nasceu das teorias filosóficas, históricas, econômicas, elaboradas pelos representantes cultos das classes possuidoras, pelos intelectuais”[67]. Assim, os operários são incapazes de adquirir uma consciência política, condição imprescindível para a vitória do socialismo. Como no caso da concepção social-democrata, o socialismo deixa desde logo de ser “a obra dos próprios trabalhadores”, segundo a fórmula de Karl Marx. E, sem dúvida, alguma, o “marxista” religioso Middleton Murry não faz mais que acertar o passo com Kautsky e Lênin quando chega à conclusão lógica de que o socialismo é “por essência, um movimento de burgueses convertidos”[68].

Lênin, incontestavelmente, não abandona o marxismo quando proclama a incapacidade dos operários para forjarem por si próprios uma consciência política. Na verdade, é dentro do mesmo espírito que a Arnold Ruge, que se lamentava e admirava ao mesmo tempo com esta ausência de consciência visto que, dizia ele, a crescente pauperização das massas deveria ter engendrado, Marx responde: “É falso que a miséria social produza a inteligência política; pelo contrário, é antes o bem-estar social que lhe dá origem. Ela é uma qualidade intelectual oferecida àquele que já possui, que vive como o peixe na água”[69]. Em compensação, Lênin rompe com Marx e fica ao nível de um revolucionário burguês, como Ruge, quando se mostra incapaz de conceber uma revolução proletária que não seja ligada à existência desta consciência intelectual, à intervenção consciente “daqueles que sabem”: os revolucionários profissionais. Esta ideia, comum a Ruge e Lênin, é refutada por Marx nos termos seguintes: “Quanto mais o espírito político de um povo é desenvolvido e generalizado, mais o proletariado – pelo menos durante o começo do seu movimento – esbanja as suas forças em motins irrefletidos, inúteis, e abafados em sangue. Adotando um modo de pensamento político, o proletariado percebe finalmente a causa de todos os seus males na má vontade, e como única solução a violência e destruição de uma forma política do Estado (…). É assim que [a] inteligência [lhe] escondia a raiz da miséria social, falseando-lhe a compreensão do objetivo real; é assim que [a sua] inteligência política enganava o seu instinto social”[70].

Face a Ruge (e por tabela a Lênin), que pretendia que uma revolução é inconcebível na ausência de “espírito político”, Marx afirmava: “Uma revolução de espírito político organiza, por consequência, de acordo com a natureza limitada e dividida da sua essência, uma esfera dominante na sociedade, e à custa desta”[71]. Mas Lênin nunca procurou outra coisa senão colocar os meios de produção sob a disposição de novas autoridades, o que lhe parecia uma condição suficiente para a instauração do socialismo. De onde a importância excessiva que atribuía ao fator político, ao fator subjetivo, chegando a considerar a obra de organização da sociedade socialista como um ato político. Não existe socialismo sem revolução, diz firmemente Marx, e a revolução constitui um ato político. Contudo, acrescenta ele, o proletariado apenas tem recurso a este ato político “na medida em que tiver necessidade de destruir e desfazer. Logo que começa a sua ação organizativa, desde que se manifeste o seu objetivo imanente, a sua alma, o socialismo despoja-se da sua forma política”[72].

Foi o elemento burguês das suas concepções que levou Lênin a pensar que o fim do capitalismo dependia primeiramente de certas condições de ordem política, não ainda necessariamente reunidas; a imaginar a monopolização progressiva da economia como sinônimo de socialização da produção (coisa evidentemente falsa como hoje nos podemos dar conta); a reduzir toda a questão do socialismo à transferência dos monopólios para as mãos do Estado – uma nova burocracia sucedendo então à antiga – e a acreditar que uma revolução é uma luta entre revolucionários e burgueses, ambos aspirando a ganhar o favor das massas. É, portanto, nesta base que Lênin minimiza o elemento revolucionário – o movimento espontâneo das massas, com a sua força e a sua visão lúcida do objetivo a alcançar – em favor da elogiosa exaltação do papel da personalidade ou de uma consciência socialista definitivamente representada como ideologia.

É evidente que Lênin não negava o fator espontaneidade, mas não via nele “mais do que, em última instância, uma forma de consciência embrionária” que só atinge a maturidade por intermédio da organização e que só nesse momento se torna de fato uma consciência adulta e perfeitamente revolucionária[73]. O levantamento espontâneo não chega para fazer triunfar a revolução, dirá ele: “Que as massas participem espontaneamente no movimento não faz com que a organização desta luta seja menos necessária, mas, pelo contrário, ainda mais urgente”[74].

O vício inerente à teoria da espontaneidade, afirma Lênin, é o de “diminuir a energia e iniciativa dos militantes conscientes”, de recusar a direção firme, exercida por indivíduo selecionados, e indispensável ao sucesso da luta de classes[75]. Segundo a opinião de Lênin, as fraquezas da organização são exatamente sinônimo de fraquezas do movimento operário. É necessário organizar a luta, estruturar rigorosamente a organização, dependendo isso tudo de os dirigentes seguirem ou não a linha correta. É necessário que a direção do Partido adquira influência sobre as massas, e esta influência torna-se mais importante que o destino das próprias massas. Que as massas se organizem em sovietes ou sindicatos, eis o que é absolutamente secundário. O essencial é que sejam os bolcheviques a dirigi-las.

Rosa Luxemburgo tem do problema uma visão totalmente diferente. Ela não confunde consciência revolucionária e consciência intelectual dos revolucionários profissionais, de tipo leninista. Apenas é importante, segundo a sua opinião, a consciência em ação, a consciência atuante das massas que nasce e se desenvolve sob a pressão da necessidade: as massas conduzem-se revolucionariamente em situações onde não podem agir de outro modo e se veem constrangidas à ação. O marxismo, para Luxemburgo, não é uma ideologia que se cristaliza na organização, mas antes, e acima de tudo, a luta viva do proletariado, o qual faz passar o marxismo pelos fatos, não porque o queira, mas porque não pode atuar de outro modo. Enquanto Lênin assinala como missão do revolucionário organizado a condução das massas, concebidas apenas como um material a moldar, o revolucionário, segundo Rosa Luxemburgo, nasce diretamente do próprio desenvolvimento da consciência de classe e, melhor ainda, da prática revolucionária das massas. Face a uma superestimação do papel da organização e dos seus dirigentes, ela não se limita a marcar uma oposição de princípio, mas demonstra, exemplificando com a experiência, que “é justamente durante a revolução que é extremamente difícil a um organismo dirigente do movimento operário prever e calcular que situações e fatores poderão ou não provocar explosões”[76]. E acrescenta: “A concepção esquemática, rígida e burocrática não admite a luta senão como resultado da organização, após esta haver atingido um determinado estágio de desenvolvimento. A evolução dialética viva, pelo contrário, concebe a organização como um produto da luta”[77].

A propósito das greves de massa do 1905 russo, Rosa Luxemburgo sublinha: “Contudo, também nessa ocasião não se pode falar de um plano pré-estabelecido ou de ação organizada: as palavras de ordem dos partidos só com dificuldade acompanhavam os levantamentos espontâneos das massas, mal deixando aos dirigentes o tempo necessário para a sua formulação, enquanto a massa dos proletários se lançava ao assalto”[78]. E, generalizando, concluía nestes termos: “Quando a situação na Alemanha tiver atingido o grau de maturidade necessário a um tal período, as categorias mais atrasadas e inorganizadas de hoje constituirão, muito naturalmente, o elemento mais radical na luta, o mais fogoso, e de modo algum o mais passivo. Se se produzirem greves de massa na Alemanha, não serão certamente os trabalhadores mais bem organizados (…), mas os que o são menos ou mesmo absolutamente nada (…) que virão a oferecer a maior capacidade de ação”[79].

E, noutro lado, afirmava expressivamente: “As revoluções não se fazem por encomenda. Tão pouco são tarefa do Partido O nosso único dever é, em qualquer momento, falar claramente, sem receio ou indecisão; isto é, elucidar perfeitamente as massas das responsabilidades que têm para com a situação, além de enunciarmos o programa de ação e as palavras de ordem que a circunstância exigir. Quanto ao saber se o movimento revolucionário as adotará e em que altura, é preciso deixar à história o cuidado de responder a essa questão. Mesmo que numa primeira fase o socialismo apareça como uma voz clamando no deserto há de ganhar uma posição moral e política que, mais tarde, na hora da realização histórica, colherá cem vezes mais frutos”[80].

Ritualmente classificada como a “política da catástrofe”, a ideia da espontaneidade tal como Luxemburgo a defendia tem sido condenada com o pretexto de ser dirigida contra a própria organização do movimento operário. Aliás, mais do que uma vez, Rosa Luxemburgo sentiu necessidade de precisar que não era “pela desorganização”[81]. E neste sentido dizia: “A social-democracia é a vanguarda mais esclarecida e consciente do proletariado. Ela não deve esperar, de braços cruzados que se produza uma “situação revolucionária”, ou que o movimento espontâneo popular caia do céu. Pelo contrário, tem sempre o dever de acelerar o curso das coisas e de procurar precipitá-lo”[82].

Para Rosa Luxemburgo, esta atividade funcionava como elemento de um todo; para Lênin, tudo assentava numa atividade que possuía um só objetivo: o reforço da organização em si. Esta divergência quanto à importância da organização encobre assim duas concepções opostas sobre o papel e conteúdo do Partido. Segundo Lênin, “o único princípio válido em matéria de organização para os militantes do nosso movimento deve ser: segredo total, rigorosa escolha dos seus membros”[83], a formação dos revolucionários profissionais. Então, acrescentava Lênin, “teremos algo mais que “democratismo”: uma confiança total e fraterna entre revolucionários. E isto é-nos absolutamente necessário visto que não poderá ser substituído, na Rússia, pelo controle democrático geral. Mas será um grande erro afirmar que a impossibilidade de uma verdadeira vigilância “democrática” tornará os membros da organização incontroláveis; na verdade, estes não têm tempo para se preocuparem com formas infantis de democratismo (…). No entanto, sentem vivamente as suas responsabilidades e, além disso, sabem pela experiência que a organização revolucionária não recuará perante obstáculo algum para se desembaraçar de um membro indigno”[84].

É partindo destes princípios de organização (cujo escasso conteúdo democrático não passa de cláusula formal) que Lênin pretendia “forjar uma arma mais ou menos afiada contra o oportunismo. Quanto mais profundas forem as causas deste mais afiada deve ser essa arma”[85].

Esta arma não era senão o “centralismo”, a disciplina imposta aos militantes, a submissão absoluta de todos às ordens do “comitê central”. Ninguém melhor do que Rosa Luxemburgo soube relacionar este “espírito de guarda noturno”, inerente às concepções de Lênin, com a situação particular dos intelectuais russos. Mas, acrescentava ela, “parece-me que seria um grande erro pensar-se que “provisoriamente” se poderia utilizar o poder absoluto de um Comitê Central, agindo de certa forma através de uma “delegação” tática, em substituição de um domínio, ainda irrealizável, exercido pela grande maioria dos operários sobre os órgãos do Partido, e trocar assim o controle público, feito pelas massas operárias sobre aquele, pelo controle inverso do Comitê Central sobre a atividade do proletariado revolucionário”[86]. E, sem esconder que os operários, ao assumirem eles mesmos a direção do seu próprio movimento, não deixariam de hesitar e cometer erros, proclamava: “Digamos sem rodeios: os erros cometidos por um movimento operário verdadeiramente revolucionário são historicamente mil vezes mais fecundos e preciosos que a infalibilidade do melhor “Comitê Central”[87]”.

Tais como acabam de ser expostas, as divergências de princípio entre Rosa Luxemburgo e Lênin forma já pouco mais ou menos ultrapassadas pela História: muito dos fatos ou ideias que anteriormente alimentavam a polêmica perderam, desde então, toda a atualidade. Mas não se passa o mesmo com a questão que constituía a base da controvérsia: entre o movimento operário organizado e o movimento operário espontâneo, qual detém o fator revolucionário fundamental? Ora, neste aspecto igualmente a História veio a atribuir razão a Rosa Luxemburgo. O leninismo ficou enterrado sob os escombros da III Internacional. Um novo movimento operário, completamente liberto de traços sociais-democratas (de que nem Rosa nem Lênin foram isentos), mas não menos resolvido a aproveitar as lições do passado, veio a romper com as tradições do antigo movimento operário e com a sua destruidora influência. Quanto a este aspecto, o pensamento de Rosa Luxemburgo conserva-se tão fortificante quanto o leninismo foi nefasto. Na verdade, este movimento operário, e o núcleo de revolucionários conscientes que virá a albergar, poderá extrair mais da teoria revolucionária de Luxemburgo do que de todos os “altos feitos” da Internacional leninista. Tal como Rosa Luxemburgo em plena guerra mundial e face à ruína da II Internacional, os revolucionários de hoje, perante a derrocada da III Internacional, igualmente poderão afirmar: “Não estamos perdidos. Pelo contrário, venceremos se não tivermos desaprendido de aprender”.


[1] Sabe-se que era normal durante os anos 30, na Rússia stalinista, assimilar ao “luxemburguismo” o “trotskismo”, o “menchevismo” e outras correntes da oposição, e que o primeiro era passível da pena de morte; Stálin, numa carta enviada à revista Proletarskaïa Revolioutsia, em 1931, enumera os erros de Rosa Luxemburgo (N. d. T. F.).

[2] Cf. a carta enviada a 6 de Janeiro de 1916 a Rosa Luxemburgo pela redação da Neue Zeit.

[3] Cf. C. Zetkin, Um Rosa Luxemburgs Stellung zur russischen Revolution (publicado em 1921 pela editora da Internacional Comunista, C. Hoym, em Hamburgo). [O Comitê Central do S.E.D., o partido dirigente na Alemanha Leste, começou finalmente a publicação das obras completas de R. Luxemburgo. Os dois tomos do primeiro volume apareceram em 1970, N. do A., 1971].

[4] Como imensos artigos comemorativos aparecidos na imprensa social-democrata o demonstram.

[5] M. Shachtman, “Lenin and Rosa Luxemburg”, in The New Internacional, Março 1935 [Revista teórica do partido trotskista americano, da qual Shachtman foi um dos “pais fundadores”. (N. T. F.)]

[6] Reforma social ou revolução? (1898) [as referências que se segue respeitam à edição francesa in Oeuvres I, Petite Colection Maspero, 1969]

[7] Reforma social ou revolução?, p. 75.

[8] Id., p. 38.

[9] Id., p. 61.

[10] “Do Direito das Nações a disporem de si mesmas” (1914) in Lenine, Questões da Política Nacional e do Internacionalismo Proletário, Moscou, 1968, p. 67.

[11] “Do Direito das Nações a disporem de si mesmas”, p. 85.

[12] Cf. por exemplo: “Uma Caricatura do Marxismo e a Propósito do Economismo Imperialista” (1916).

[13] Cf. Lenine, Questões…, op. cit., p. 156.

[14] Lenine, “Uma Caricatura do Marxismo…”, Oeuvres, Moscou-Paris, tomo 23, p. 30.

[15] Lenine, “Do Direito das Nações a disporem de si mesmas”, op. cit., p. 84.

[16] R. Luxemburgo, A Crise da Democracia Socialista (1916).

[17] “A Revolução Russa” (Berlim, 1922), in: R. Luxemburgo, Oeuvres II, Petit Colection Maspero, Paris, 1969, pp. 69-70.

[18] “A Revolução Russa”, pg. 70-71.

[19] Id., pp. 72 e 74-75.

[20] K. Marx e F. Engels, Prefácio da segunda edição russa (1882) do “Manifesto Comunista”.

[21] Cf. R. Luxemburgo, “Cartas a K. e L. Kautsky”.

[22] Idem.

[23] La Révolution Russe, Petite Collection Maspero, Oeuvres II, p. 89.

[24] K. Liebknecht, Militarisme, guerre, révolution, éd. Claude Weill, Paris, 1970, p. 191.

[25] E. Varga, Die Wirtschaftspolitischen Probleme der Proletarischen Diktatur, Hamburgo, 1921.

[26] “A Tragédia Russa”, Spartakusbriefe, 11, Setembro 1918, tradução francesa in Oeuvres II, pp. 50-52.

[27] Estas linhas, não esqueçamos, foram escritas pouco tempo após a entrada da Rússia para a Sociedade das Nações e a assinatura do pacto Stálin-Laval (N.T.F.).

[28] N. Bukhárin, discurso ao IV Congresso da Internacional Comunista (Novembro, 1922).

[29] M. Schachtman, “Lenine e Rosa Luxemburgo”, op. cit.

[30] Do derrotismo na guerra imperialista (1915).

[31] Lenine, Sobre o papel da organização, Oeuvres, 33, p. 107.

[32] La Révolution Russe, p. 67.

[33] A Revolução Russa, p. 89.

[34] Crítica das críticas ou: O que os epígonos fizeram da teoria marxista (texto redigido na prisão em 1916 e publicado em Leipzig em 1923). In: A Acumulação do Capital, Petite Collection Maspero, 1968, II, p. 165.

[35] Cf. A Acumulação do Capital, op. cit., I e II, em particular caps. 6 a 9, 25 e 26.

[36] Idem, II, p. 41.

[37] Idem, II, p. 89.

[38] Idem, II, pp. 9-10, 13.

[39] Id., II, p. 149.

[40] Id., II, p. 14.

[41] Id., II, p. 89.

[42] Como é sabido, Marx distingue três componentes no valor de uma mercadoria: 1) o capital constante, que corresponde ao que é investido nos meios de produção. 2) o capital variável, ou seja, o capital investido nos salários. 3) a mais-valia, representando a parte do trabalho não paga. A soma do capital constante e do capital variável corresponde ao capital total consumido na produção; a relação entre a mais-valia e o capital total expressa-se na taxa de lucro, e o capital constante em relação ao capital variável na composição orgânica do capital. É a elevação da produtividade do trabalho que permite aumentar esta última; por outras palavras, o capital constante aumenta mais depressa que o capital variável. É claro que os três componentes atrás citados se encontram nos dois setores da produção.

[43] R. Luxemburgo expõe esta teoria mais particularmente nos caps. 25 e 26 de A Acumulação do Capital.

[44] Narodniks: nome dado aos socialistas populistas e aos “socialistas revolucionários”, opostos aos socialistas-marxistas. Originários, a maior parte deles, dos meios intelectuais, queriam “ir ao encontro do povo” contando para isso com as reformas sociais a fim de o fazerem evoluir. Não admitiam a ideia de um desenvolvimento capitalista na Rússia. Na verdade, o desenvolvimento, segundo eles, tinha como condição fundamental a possibilidade de realizar a mais-valia em mercados exteriores, possibilidades que afirmavam inexistentes no que dizia respeito à Rússia, demasiado tarde aparecida no circuito capitalista.

[45] V. Lenine, O Desenvolvimento do capitalismo na Rússia (1899).

[46] O Desenvolvimento do capitalismo na Rússia (1899).

[47] Id.

[48] V. Lenine, Para caracterizar o romantismo econômico (1897).

[49] O Desenvolvimento do capitalismo na Rússia.

[50] Idem.

[51] Cf. V. Lenine, O imperialismo, estágio supremo do capitalismo (1915).

[52] V. Lenine, Bibliografia do marxismo. A crítica da obra de Rosa Luxemburgo por Bauer aparece na Neue Zeit, XXXI, I, pp. 831-838 e 862-874.

[53] Citado por R. Luxemburgo em A Acumulação do Capital, II, p. 225.

[54] Id., II, p. 230.

[55] Cf. H. Grossmann, Das Akkumulations – und Zusammenbruschgesetz Systems, Leipzig, 1929.

[56] H. Grossmann, “Die Aenderung des ursprunglichen Aufbauplans des Manxscheu “Kapitals” und ihne Ursachen” Archiv für die Geschichte des Sozialismus und der Arbeiter-bewegung, XIV, 1929.

[57] H. Grossmann, “Die Wert-Preis-Transformation bel Marx und das Krisenproblem”, Zeitschrift für Sozialforschung, 1932, p. 59.

[58] Idem, p. 60.

[59] H. Grossmann, “Die Weat-Preiz-Transformation,…”, p. 75.

[60] Id. Loc. Cit.

[61] Cf. R. Luxemburgo, A Acumulação do Capital, op. cit., I.

[62] A Acumulação do Capital, II, p. 165, n. 4.

[63] Lenine, Karl Marx, Oeuvres, 21, p. 62.

[64] Cf. “Discurso ao 1º Congresso Pan-Russo dos Sovietes” (1917), in: V. Lenine, Oeuvres Completes, trad. Victor Serge, Paris (s.d.), XX, pp. 549-574.

[65] V. Lenine, L’impérialisme, stade supréme do capitalisme (1916), Paris, 1945, p. 25.

[66] “Discours au XI Congrès du P.C. de Russie” (1922), Oeuvres, 33, p. 283. A gradação não deixa de ser curiosa: “o Estado são os operários” (primeira restrição); “a parte avançada dos operários” (segunda restrição); “a vanguarda” (última restrição); “somos nós”, são os bolcheviques, por seu lado tão hierarquizados que Lenine tem podido fazer sua a célebre fórmula e gritar: “o Estado sou eu”!

[67] V. Lenine, Que Faire? (1902), ed. du Seuil, Paris, 1966, p. 85.

[68] Cf. J. Middleton Murry, Marxism, a symposium, Londres, 1935.

[69] “Le Roi de Prusse et la Réforme Social” (1844), in: Oeuvres philosophiques, Paris, 1948, v. pp. 239-240.

[70] Id., p. 243.

[71] Id., p. 243.

[72] Id., p. 244.

[73] V. Lenine, in: Sobre os Sindicatos.

[74] Que Faire?, op. cit., p. 166.

[75] Id., p. 104.

[76] Grèves de masse, parti et syndicats (1906), in: R. Luxemburg, Oeuvres I, p. 135. Tradução portuguesa de Centelha, promoção do livro, sarl.

[77] Id., p. 146.

[78] Id., p. 112.

[79] Id., p. 150.

[80] R. Luxemburgo, Spartakusbrief, 1917.

[81] Lettres à K. et L. Kautsky, op. cit. p. 190.

[82] Grèves de masse, parti et syndicats, op. cit., p. 150.

[83] Lenine nunca hesitou em fazer tábula rasa deste princípio de cada vez que tal lhe pareceu oportuno. Viria assim a sacrificar, em 1920, os cinquenta mil proletários revolucionários do Partido Operário comunista da Alemanha (K.A.P.D.) a fim de poder ganhar os votos de cinco milhões de eleitores do reformista Partido socialista independente da Alemanha (U.S.P.D.).

[84] V. Lenine, Que Faire?, op. cit., p. 200. Esta passagem realça perfeitamente o idealismo de Lenine. Em vez de instaurar no seio da organização um verdadeiro controle da base sobre os dirigentes, Lenine contenta-se em invocar “qualquer coisa mais” e recorrer a fórmulas vazias de conteúdo, do gênero “confiança fraterna” e “sentido das responsabilidades”. Na prática isto significa: obediência mecânica, o poder dos de cima, o conformismo da base.

[85] V. Lenine, Un pas em avant, deux pas em arrière (1904), Moscou, p. 99 em nota.

[86] “Questions d’organisation de la social-democratie russe” (1904), in: R. Luxemburg, Marxisme contre dictature, Paris, 1946, p. 23.

[87] Id., p. 33.

O ensaio foi transcrito da versão que se encontra disponível no seguinte livro: Integração capitalista e ruptura operária. Porto: As Regras do Jogo, 1977. A versão original em alemão foi publicada em: Internationale Rätekorrespondenz, 1935, nr. 12, Setembro (Die Gegensätze zwischen Luxemburg und Lenin).

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