A guerra já dura quase dois meses. Este é um tempo muito longo para as guerras de estado modernas. A guerra entre a Armênia e o Azerbaijão, em 2020, durou 44 dias e foi em uma escala muito menor. A fase ativa da conquista estadunidense do Iraque, em 2003, durou cerca de um mês. A rapidez das guerras modernas deve-se, em particular, ao seu alto custo. De acordo com algumas estimativas, para a Rússia, essa guerra custa US$ 1 bilhão por dia, o que é um fardo muito sério para a economia (junto com as sanções). A guerra também é cara para a Ucrânia. No entanto, os países da OTAN estão até agora cobrindo seus custos militares.
Enquanto isso, as mudanças estão ocorrendo gradualmente. Teoricamente, a balança está lentamente se inclinando em favor da Ucrânia e da coalizão dos países da OTAN que a respalda. O resultado da guerra ainda não está predeterminado, é apenas uma tendência.
Vamos às considerações.
I. Reservas e mobilização.
A Ucrânia está conduzindo com confiança a mobilização em massa, implantando reservas e criando novas unidades. Seu exército já é bem mais de 300.000, sem mencionar as 100.000 milícias de Defesa Territorial e milhares de combatentes da Guarda Nacional. A Ucrânia tem uma população de 40 milhões. Curiosamente, o exército russo é menor, embora a população da Rússia seja de 140 milhões. O grupo russo dificilmente supera os 200.000 efetivos. Todas as unidades russas prontas para o combate são lançadas na Ucrânia. A razão é que a Rússia não realiza uma mobilização extensa, ao contrário da Ucrânia. A liderança russa teme uma reação pública negativa. O resultado é a fadiga dos militares russos e um número pequeno e insuficiente de reservas. A Ucrânia não enfrenta esse problema, ou, o enfrenta em menor grau.
II. A qualidade e motivação dos militares.
A Ucrânia luta no Donbass há oito anos. Tem uma reserva de 400.000 veteranos experientes e a maioria deles ainda nem foi aceita no exército. Após os eventos em Bucha, a motivação pró-militar de milhões de ucranianos tornou-se excepcionalmente alta. Do ponto de vista deles, os soldados russos não são seres humanos. Os ucranianos os chamam de “orcs”. Os soldados russos não têm essa experiência militar e isso afeta o curso das operações militares. Ao mesmo tempo, sua motivação é menor. Muitos soldados não entendem o propósito e o motivo da guerra. Outros querem vingança por seus camaradas caídos e queimam de ódio pelos ucranianos, outros ficam atordoados com suas perdas e se recusam a lutar, somando-se a isso o cansaço e o problema das reservas (ver ponto I).
III. Táticas
A Rússia está atualmente usando táticas tradicionais da Segunda Guerra Mundial após a ofensiva fracassada contra Kiev. A Rússia está tentando criar um agrupamento maciço no Donbass e se baseia na tática de golpear com large tank fists[1]. Seu objetivo é cercar o grupo de 44.000 ucranianos efetivos no Donbass, derrotá-lo e alcançar as fronteiras das regiões de Luhansk e Donetsk. Depois disso, o Kremlin dirá aos russos que a guerra está vencida, que as regiões russas estão protegidas dos ucranianos. A Ucrânia usa táticas mais modernas centradas em rede. A Ucrânia está lutando com grupos blindados manobráveis. Além disso, a Ucrânia faz uso extensivo de táticas de emboscada, elementos da guerra de guerrilha. Estas emboscadas atacaram as colunas logísticas russas extensivas, interrompendo o fornecimento de tropas russas. Alguns especialistas já chamaram o que está acontecendo de “Guerra de Emboscada”, mas isso é apenas parte das operações militares. Talvez as táticas dos ucranianos e seus comandantes sejam mais competentes.
IV. Inteligência
A consciência do exército ucraniano sobre o que está acontecendo é muito maior. Os EUA fornecem informações de inteligência em tempo real para a Ucrânia.
V. Material militar
A Rússia tem total superioridade no número de equipamentos militares, aeronaves, tanques, artilharia. Nesses indicadores, a Rússia supera o exército ucraniano muitas vezes. A Rússia está tentando usar essa vantagem para organizar uma ofensiva maciça em Donbass.
VI. Uma mudança na proporção de equipamentos e na qualidade dos mesmos.
Os países da OTAN estão constantemente aumentando o fornecimento de equipamentos militares para a Ucrânia. Eles estão aumentando não apenas a quantidade, mas também a qualidade dos suprimentos. Se antes eles abasteciam a Ucrânia principalmente com armas leves de alta precisão (Javelin), agora estão aumentando os suprimentos de armas pesadas e suas últimas atualizações. A Polônia enviou 100 tanques russos atualizados para a Ucrânia, a Eslováquia enviou artilharia autopropulsada e sistemas de defesa aérea. A Turquia está transferindo seus famosos drones de combate Bayraktar para a Ucrânia. A Alemanha está falando sobre a possibilidade de transferir 100 canhões de artilharia autopropulsados alemães de 155 mm para a Ucrânia (estas são a espinha dorsal da artilharia da Bundeswehr. As empresas alemãs estão comprometidas em produzir novas armas para a Bundeswehr). Os EUA prometeram fornecer mísseis de longo alcance capazes de destruir aeródromos russos em território russo, os britânicos forneceram um sistema de defesa aérea único, mísseis antinavio e podem fornecer obuses de alta precisão. Há uma transição do antigo calibre russo de 152 mm (projéteis desse calibre estão acabando) para o padrão da OTAN de 155 mm e para as novas armas de alta precisão. Além disso, os norte-americanos querem fornecer drones militares reutilizáveis para a Ucrânia. Finalmente, os EUA estão dando à Ucrânia centenas e, teoricamente, podem lhe dar milhares de drones descartáveis Switchblade-300 e Switchblade-600 Kamikaze. Menção especial deve ser feita a esta arma. Este Switchblade-600, se recebido em vários milhares, é capaz de destruir todo o grupo de tanques russo. De fato, os países da OTAN estão dotando a Ucrânia com armas qualitativamente superiores ao exército russo atrasado e capazes de mudar gradualmente o curso das operações militares. A destruição do cruzador russo Moskva (o carro-chefe da Frota do Mar Negro) foi uma manifestação dessa tendência (embora, em teoria, os ucranianos pudessem ter usado mísseis Netuno de sua própria fabricação).
VII. Clima
Devido o dasafortunado momento do início da guerra, as tropas russas seguem não conseguindo lançar um ataque maciço no Donbass. As chuvas lavaram os campos e os tanques estão presos no solo lamacento ucraniano. As tropas russas só puderam avançar pelas estradas nesse momento. Mas lá sofrem pesadas perdas e não conseguem atingir os objetivos estratégicos. Além disso, as florestas estão gradualmente ficando verdes. Isso cria vantagens adicionais para a Guerra de Emboscada na Ucrânia. Embora o Donbass seja estepe, a região de Kharkov, onde está localizado um grande agrupamento russo, é amplamente coberta por florestas.
No geral, pode-se dizer que o resultado da guerra não é uma conclusão inevitável. A Rússia ainda tem chance de grandes vitórias no Donbass e na região de Kharkov. No entanto, o tempo joga a favor do exército ucraniano. Todas as tendências acima sugerem que em poucos meses pode haver um ponto de virada na guerra em favor da Ucrânia e seus aliados.
17 de Abril, 2022. Friends of Council Communism.
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O antifascismo é a ideologia dominante na Rússia contemporânea
Notas sobre a Guerra na Ucrânia
[1] “Large tank fists” são semelhantes às bazucas utilizadas pelos soldados no campo de batalha. Elas consistem de um pequeno tubo de lançamento descartável pré-carregado que dispara uma ogiva anti-tanque altamente explosiva e são operadas por um único soldado. Cf.: https://en.wikipedia.org/wiki/Panzerfaust#:~:text=Impact,weapon%20of%20World%20War%20II.
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