A Teoria do Comunismo de Conselhos – Peter Rachleff

Original in English: Marxism & council communism: The foundation for revolutionary theory for modern society

[Nota do Crítica Desapiedada]: O presente texto é uma tradução do capítulo VIII, Council Communist Theory, do livro Marxism and Council Communism: The Foundation for Revolutionary Theory for Modern Society, de Peter J. Rachleff, New York, Revisionist Press, 1976.


A Teoria do Comunismo de Conselhos[1]

O comunismo de conselhos surgiu teórica e politicamente na Alemanha e na Holanda nos anos 1920 como uma alternativa distinta à teoria leninista da revolução e sua prática política, tanto na Rússia como internacionalmente, através da 3ª Internacional. Suas teorias foram derivadas inicialmente a partir de suas experiências no movimento pelos conselhos operários na frustrada Revolução Alemã de 1918 e nos primeiros anos da República de Weimar bem como de seu estudo do movimento de conselhos (ou “sovietes”) na Rússia durante os períodos revolucionários de 1905 e 1917[2]. A teoria conselhista não surgiu completa, mas se desenvolveu durante as várias décadas seguintes, com base em uma crítica cada vez mais refinada da experiência leninista na Rússia e internacionalmente, bem como uma compreensão mais completa do processo da revolução proletária e uma concepção mais clara da natureza de uma sociedade comunista. Um fio claro em todas estas noções é uma adesão aos métodos e ao espírito da análise de Marx do capitalismo e da natureza da revolução proletária, defendendo, acima de todo o resto, que “a emancipação da classe trabalhadora é tarefa dos próprios trabalhadores[3]”. Uma noção fundamental do comunismo de conselhos é que os meios e os fins do processo revolucionário estão entrelaçados inextricavelmente, que o curso da revolução determina inevitavelmente a natureza da nova sociedade em si. Assim, também se considera que as formas organizacionais que eles discutem como apropriadas para o processo da revolução proporcionam as bases organizacionais da nova sociedade.

Deve se enfatizar que os conselhistas não buscavam impor – na teoria ou na prática – uma forma organizacional aos movimentos operários. Eles ressaltaram inicialmente a forma “conselho” porque eles a viam como a criação espontânea da classe trabalhadora em sua luta contra o capitalismo[4]. Sua principal lealdade permaneceu com a autoemancipação da classe trabalhadora independentemente da forma que ela possa assumir. Pannekoek deixou isto bastante claro em um artigo que escreveu perto do fim de sua vida.

“Conselhos operários” não designa uma forma fixa de organização, elaborada de uma vez por todas e para a qual tudo que resta é aperfeiçoar seus detalhes; ela diz respeito a um princípio, àquele da autogestão operária da empresa e da produção. A realização deste princípio nunca pode ocorrer por meio de uma discussão teórica a respeito dos melhores meios de execução. É uma questão da luta prática contra o aparato da dominação capitalista. Da nossa época, por “conselhos operários” não se compreende de modo algum uma associação fraterna que tem um fim em si mesmo; “conselhos operários”, isto quer dizer a luta de classes (na qual a fraternidade tem um papel), ação revolucionária contra o poder do Estado. Revoluções não são feitas por decreto, isto é evidente; elas surgem espontaneamente, quando a situação se torna intolerável, em momentos de crise. Elas nascem somente se o sentimento de intolerabilidade se afirma constantemente no coração das massas, ao mesmo tempo em que certa consciência homogênea do que é necessário fazer aparece […].
Assim, a ideia dos “conselhos operários” não tem nada em comum com um programa de realizações práticas – para pôr em prática amanhã ou no próximo ano –, ela só diz respeito a um fio conector para a longa e árdua luta de emancipação que a classe trabalhadora ainda tem diante de si[5].

Criar uma nova ideologia que dissesse respeito às formas organizacionais da luta de classes nunca foi a intenção do movimento comunista de conselhos. Em vez disso, à melhor tradição marxista, eles buscavam compreender o movimento autoemancipatório da classe trabalhadora, para elucidá-lo teoricamente e fomentá-lo praticamente. É por meio de sua adesão à noção de autoemancipação que eles buscaram criticar todas as formas organizacionais que inibiam este processo e demonstrar teoricamente a potencialidade da autoemancipação e da criação de uma nova sociedade baseada na “associação livre e igual dos produtores”.

A princípio, a teoria conselhista cresceu da oposição ao bolchevismo por parte de alguns comunistas alemães e holandeses no começo dos anos 1920. A crítica da Revolução Russa foi levada a cabo para demonstrar a inaplicabilidade do modelo bolchevique de revolução a países capitalistas avançados. Em 1920, Herman Gorter, o poeta e comunista holandês, respondeu na forma de uma carta aberta ao panfleto de Lenin, Esquerdismo: Doença Infantil do Comunismo, o qual foi, com efeito, uma tentativa por parte do líder russo de impor os modelos bolcheviques de organização e de atividade revolucionária aos partidos comunistas da Europa Ocidental para endurecer seu controle tanto sobre seu próprio partido na Rússia (diante da crescente dissensão interna) como sobre o movimento revolucionário internacional. Gorter argumentou que as diferenças concretas entre a Rússia e a Europa Ocidental – a situação social e os potenciais revolucionários de diversas classes, particularmente o proletariado e o campesinato –, em virtude das diferenças no desenvolvimento histórico e no nível de desenvolvimento do modo de produção, eram tais que deveriam militar contra a generalização de táticas de uma sociedade para a outra[6]. Em particular, Gorter contestou as noções promovidas por Lenin que diziam respeito à: 1) relação dos líderes com as massas; 2) atividade sindical; 3) atividade parlamentar. Gorter não rejeitava a liderança em si, mas sim discordava da posição de Lenin sobre a relação que ele propunha que deveria existir entre os líderes e as massas[7]. Gorter argumentava que o desenvolvimento da Europa Ocidental necessitava de maior ênfase no papel das próprias massas.

A importância dos líderes diminui proporcionalmente em relação ao grau que a importância da classe aumenta. Isto não quer dizer que nós não devemos ter os melhores líderes possíveis: os melhores entre os melhores ainda não são bons o bastante e nós estamos tentando encontrá-los. Isso só quer dizer que em comparação com a importância das massas, a dos líderes diminui […].
Você não comentou, camarada Lenin, que não há “grandes” líderes na Alemanha? Todos são homens comuns. Isto já demonstra que esta revolução deve ser em primeiro lugar a obra das massas e não dos líderes […].[8]

Gorter via o papel da vanguarda como sendo primeiramente um de “propaganda pelo ato” em oposição ao controle e liderança rigorosos das massas pelo partido. Ele se refere à “formação […] de um grupo que mostra em suas lutas o que as massas devem fazer[9]”. Ele resume sua rejeição da noção de Lenin “em uma palavra – porque você apresenta uma política de liderança[10]”.

Gorter também contesta a demanda de Lenin de que a esquerda da Europa Ocidental deveria se engajar na atividade parlamentar e sindical. A crença de Lenin no valor de tal atividade foi atacada por Gorter, que respondeu que:

[…] você quer sufocar as organizações nas quais os trabalhadores, cada trabalhador e, por consequência, as massas, podem obter força e poder e você quer preservar aquelas nas quais a massa é um instrumento morto nas mãos dos líderes[11].

Tanto o sindicalismo como a atividade parlamentar encorajam a passividade por parte da classe trabalhadora, inibindo, assim, o desenvolvimento da iniciativa de massa e a consciência de classe revolucionária. Sobre esta questão, Gorter cita Pannekoek:

O problema tático consiste em encontrar os meios de extirpar a mentalidade burguesa tradicional que domina as massas e enfraquece suas forças. Tudo que reforça mais a concepção tradicional é negativo. O aspecto mais sólido, a parte mais tenaz desta mentalidade é, precisamente, sua dependência vis-à-vis dos líderes, a quem eles abandonam a solução de todas as questões gerais, a direção de seus interesses de classe[12].

Gorter resume sua posição da seguinte maneira:

  1. A tática da revolução ocidental deve ser completamente diferente daquela da Revolução Russa;
  2. Porque aqui o proletariado está completamente sozinho;
  3. O proletariado deve, portanto, realizar a revolução aqui sozinho contra todas as classes;
  4. A importância das massas proletárias é, logo, relativamente maior; a dos líderes, menor do que na Rússia;
  5. E o proletariado deve ter armas melhores para a revolução;
  6. Como os sindicatos são armas defeituosas, é necessário suprimi-los ou mudá-los radicalmente e colocar em seu lugar organizações de fábrica[13], unidas em uma organização geral;
  7. Como o proletariado deve realizar a revolução sozinho, e não depender de nenhuma ajuda, ele deve elevar sua consciência e coragem a grandes alturas. E é preferível ignorar o parlamentarismo na revolução[14];

Apesar de sua rejeição das noções – ou, na verdade, ordens – de Lenin, Gorter evita atacar Lenin diretamente ou questionar a natureza de classe da Revolução Russa e os desenvolvimentos na Rússia desde 1917. Ele apela a Lenin para que ele reconsidere sua posição. Gorter se diferencia daqueles que já haviam se tornado adversários ferozes de Lenin e da 3ª Internacional, tendo visto esta última organização como uma ferramenta para fortalecer o aparato estatal bolchevique. Em vez disso, Gorter acredita que Lenin está meramente equivocado em sua avaliação da situação e pode ser convencido a enxergar seus erros de percurso, escrevendo: “Quanto a mim, eu acho, como disse o tempo inteiro, que você entendeu mal a situação europeia[15]”. Esta posição um tanto ingênua foi logo abandonada pelo grupo conselhista como um todo. O massacre em Kronstadt, a supressão da Oposição Operária e outros eventos logo tornaram aparente a natureza repressiva do Estado russo[16]. Os conselhistas voltaram sua atenção para uma compreensão da natureza de classe da Revolução Russa, a natureza da política leninista e os fundamentos filosóficos do leninismo em um esforço para criticar e lutar contra tudo que se encontrava no caminho da autoemancipação da classe trabalhadora.

A Crítica do Bolchevismo na Rússia

Em dezembro de 1934, a Correspondência Conselhista Internacional [International Council Correspondence] (ICC) traduziu e imprimiu as conselhistas Theses on Bolchevism [Teses sobre o Bolchevismo], uma análise aprofundada da Revolução Russa, escrita pelo grupo holandês. Este não era primeiramente um ensaio de vingança contra Lenin e o Partido Bolchevique. Pelo contrário, se argumentava que o partido havia meramente levado a cabo as tarefas necessárias em virtude do desenvolvimento histórico da Rússia[17].

A tarefa econômica da Revolução Russa era, primeiro, afastar os disfarçados feudalismo agrário e sua exploração contínua dos camponeses como servos junto da industrialização da agricultura, colocando-a no plano da moderna produção de mercadorias; segundo, possibilitar a criação irrestrita de uma classe de “trabalhadores livres” de fato, libertando o desenvolvimento industrial de todas as suas amarras feudais. Essencialmente, as tarefas da revolução burguesa[18].

Estas condições socioeconômicas específicas necessitavam de certo comportamento político, isto é, um ataque a instituições sociopolíticas específicas. Aqui, também, no entanto, a natureza burguesa da revolução se impôs.

Politicamente, as tarefas que confrontavam a Revolução Russa eram: a destruição do absolutismo, a abolição da nobreza feudal como o primeiro estamento e a criação de uma constituição política e um aparato administrativo que assegurariam politicamente o cumprimento das tarefas econômicas da Revolução. As tarefas políticas da Revolução Russa estavam, portanto, bastante em consonância com suas pressuposições econômicas, as tarefas da revolução burguesa[19].

No entanto, o desenvolvimento histórico peculiar da Rússia – quer dizer, “peculiar” em relação à Europa Ocidental – precisava que alguém que não a burguesia realizasse a revolução.

A primeira característica de classe da Revolução Russa é, portanto, o fato de que como uma revolução burguesa ela tinha de ser realizada não apenas sem, mas diretamente contra a burguesia. Logo, veio à tona uma alteração fundamental de todo seu caráter político[20].

Então, a despeito de sua caracterização da Revolução Russa como uma revolução “burguesa”, os comunistas de conselho de modo algum pretendiam insinuar que ela era da mesma natureza que as revoluções burguesas que haviam ocorrido na Europa Ocidental uns 100 ou 300 anos antes, ainda que ela tenha servido à mesma função. Para eles, a característica crucial da estrutura pré-revolucionária russa era o vasto tamanho do campesinato[21]. Por causa apenas de seu grande número, os camponeses exerceram uma enorme influência no curso da revolução. “Em conformidade com a esmagadora maioria, os camponeses se tornaram o grupo social que determinou ao menos passivamente a Revolução Russa[22]”. A natureza semifeudal de sua exploração forçou a revolução numa direção antifeudal, em vez de anticapitalista.

Isto não equivale, contudo, a negar ou minimizar o papel desempenhado pelo proletariado russo.

A despeito de seu grande atraso, o proletariado russo possuía grande força de luta, em virtude da educação implacável da combinação da opressão capitalista e czarista. Ele se jogou com enorme tenacidade às ações da revolução burguesa russa e se tornou seu instrumento mais incisivo e mais confiável[23].

De fato, a atividade do proletariado russo era a característica mais marcante da Revolução de Fevereiro e do período entre fevereiro e outubro[24].

As circunstâncias sociais que determinaram a consciência do proletariado e do campesinato eram tão diferentes que é difícil imaginá-los desenvolvendo sozinhos uma base comum para a luta e reorganização social. Pelo contrário, se esperaria ver um conflito feroz entre estas classes. No entanto, surgiu um grupo que foi capaz de unir estas classes sob uma bandeira comum, uma revolução baseada em “paz, pão e terra”. Este grupo, que veio a exercer liderança e poder não se desenvolveu a partir de nenhuma das duas classes, mas foi o produto do desenvolvimento histórico único da sociedade russa.

As melhores forças da intelligentsia russa se encontravam na vanguarda do movimento revolucionário e, em virtude de sua liderança, a carimbaram com um selo jacobino pequeno burguês[25].

No entanto, embora este grupo – os bolcheviques – tenha unido as forças revolucionárias e as liderado, ele próprio foi liderado pela necessidade das tarefas históricas que o confrontavam. Isto é, a fim de ser bem-sucedido, de ter suporte amplo o bastante para tomar o poder e exercê-lo, eles tinham de articular as necessidades e desejos da maior parte da população – isto é, sobretudo os camponeses[26]. Independentemente de quaisquer vontades subjetivas do contrário, os bolcheviques se tornaram o instrumento da revolução burguesa na Rússia.

Mas a tomada do poder estatal pelos bolcheviques não deu à Revolução o espírito de Lenin; pelo contrário, Lenin havia se adaptado tão completamente às necessidades da revolução que ele cumpriu, praticamente, as tarefas daquela classe que ele combatera ostensivamente[27].

Logo, a Revolução Russa foi analisada pelos conselhistas como uma revolução burguesa, circunscrita pelo campesinato, provocada pelo proletariado e liderada pelos bolcheviques. Foi antes de tudo de caráter feudal e deu início imediatamente ao processo de industrialização e desenvolvimento do capitalismo na Rússia, ainda que de uma espécie única, isto é, a do “capitalismo de Estado[28]”. Os conselhistas observaram este desenvolvimento com grande interesse e buscaram analisá-lo a fundo a fim de aprender com ele[29]. O Estado russo nunca “feneceu”, tornando-se, na verdade, mais poderoso tanto doméstica como internacionalmente. Do ponto de vista do proletariado, esta não era senão outra forma de capitalismo. Os trabalhadores russos ainda sobreviviam vendendo sua força de trabalho e ainda não tinham controle sobre os meios de produção. Além disso, o aparato de Estado bolchevique adquiriu características totalitárias, suprimindo todas as formas de oposição e todas as ameaças potenciais a seu poder. Tal comportamento começou sob Lenin[30] e foi levado à sua conclusão lógica por Stalin. Os conselhistas analisaram estes desenvolvimentos, os criticaram e argumentaram em favor da luta contra eles como parte da luta internacional pelo socialismo. Em setembro de 1939, em The Struggle Against Fascism Begins with the Struggle Against Bolshevism [A Luta Contra o Fascismo Começa com a Luta Contra o Bolchevismo], defendeu-se que:

A Rússia deve ser colocada em primeiro lugar entre os Estados totalitários. Ela foi o primeiro a adotar o novo princípio de Estado. Ela foi mais longe em sua aplicação. Ela foi o primeiro a estabelecer uma ditadura constitucional junto do sistema de terror administrativo e político que o acompanha. Adotando todas as características do Estado total, ela se torna, assim, o modelo para aqueles outros países que foram forçados a eliminar o sistema de Estado democrático e a mudar para o regime ditatorial. A Rússia foi o exemplo para o fascismo[31].

Em suma,

[…] o nacionalismo, o autoritarismo, o centralismo, a ditadura do líder, a política do poder, o regime do terror, a dinâmica mecanicista, a incapacidade de socializar – todas estas características essenciais do fascismo existiam e existem no bolchevismo. O fascismo é meramente uma cópia do bolchevismo. Por este motivo, a luta contra um deve começar com a luta contra o outro[32].

Não só a política doméstica do Estado bolchevique não tinha nada a ver com o socialismo[33], mas estava claro que a 3ª Internacional não era nada senão uma ferramenta nas mãos do Partido Comunista Russo em seus esforços de consolidar e manter seu poder, em vez de ser um meio para facilitar a revolução mundial através da autoemancipação da classe trabalhadora.

À luz das necessidades imediatas do regime bolchevique e das ideias políticas de seus líderes, a Internacional Comunista não foi o início de um novo movimento operário, mas simplesmente um esforço para ganhar controle sobre o antigo movimento e usá-lo para defender o regime bolchevique na Rússia[34].

Logo,

o bolchevismo não só é inutilizável como uma diretriz para a política revolucionária do proletariado internacional, mas é um de seus impedimentos mais pesados e mais perigosos[35].

No entanto, a análise e a crítica conselhistas do bolchevismo não pararam aqui. Pannekoek realizou um estudo detalhado da filosofia de Lenin em um esforço para compreender as bases da ideologia bolchevique e para demonstrar, além disso, sua inaplicabilidade aos países capitalistas desenvolvidos da Europa Ocidental[36]. Esta crítica tomou a forma de uma análise do Materialismo e Empiriocriticismo de Lenin, o qual havia sido escrito em oposição a um grupo de “marxistas” russos que haviam se interessado pelas teorias filosóficas de Mach e Avenarius. Pannekoek enfatiza que o ponto do livro de Lenin não era apresentar e analisar as ideias de Mach e Avenarius, mas atacá-las de tal modo a remover a ameaça a sua hegemonia ideológica no interior do partido.

Mach e Avenarius constituíam um perigo para o Partido; logo, o que importava não era descobrir o que era verdadeiro e valioso em suas lições a fim de ampliar nossas próprias visões. O que importava era desacreditá-los, destruir sua reputação […][37].

Pannekoek primeiro analisa ele mesmo as ideias destes outros filósofos e então demonstra como Lenin os deturpou e os interpretou mal. Esta deturpação sistemática é atacada por Pannekoek, que acredita firmemente que deve se permitir ao proletariado considerar todas as questões – práticas e teóricas – por si mesmo. Portanto, ele é a favor da disponibilização de todos os pontos de vista, de modo a possibilitar aos trabalhadores que eles decidam por si mesmos que ideias e teorias têm valor e quais não têm. Aqui, nós vemos claramente a contraposição do libertarismo conselhista ao autoritarismo leninista[38].

Pannekoek passa a considerar a própria natureza da filosofia de Lenin em si. Ele descobre – e demonstra – que as noções filosóficas de Lenin são semelhantes àquelas do materialismo burguês.

Para Lenin, a natureza e a matéria física são idênticas; o nome matéria tem o mesmo significado que mundo objetivo. Desta maneira, ele concorda com o materialismo de classe média que considera da mesma maneira a matéria como a substância real do mundo. […] Para Lenin, a “natureza” consiste não só de matéria, mas também de leis naturais que dirigem seu comportamento, flutuando de algum modo no mundo como comandantes aos quais as coisas devem obedecer. Logo, negar a existência objetiva destas leis quer dizer, para ele, a negação da própria natureza; tornar o homem o criador das leis naturais significa, para ele, tornar a mente humana a criadora do mundo[39].

A distância entre Marx e Engels está clara, portanto. Pannekoek salienta que o significado de matéria para o materialismo revolucionário era que:

[…] as ideias do homem pertencem tão certamente à realidade objetiva quanto os objetos tangíveis; coisas espirituais constituem o mundo real assim como as coisas chamadas materiais na física. Se em nossa ciência, necessária para dirigir nossa atividade, nós queremos apresentar todo o mundo da experiência, o conceito de matéria física não é o suficiente; nós precisamos de mais e de outros conceitos: energia, mente, consciência[40].

Lenin não conseguiu compreender nem Marx nem a realidade do mundo, ficando “inteiramente cativado pelo fetichismo das forças como causas, como um tipo de diabinho trabalhador[41]”.

Pannekoek não encontra apenas a similaridade com o materialismo burguês na concepção de Lenin da matéria e da natureza[42], mas também nos objetivos da polêmica de Lenin. Em vez de atacar o idealismo como o materialismo de Marx fizera (por exemplo, em A Ideologia Alemã), Lenin atacou a religião e o fideísmo.

Esta oposição da religião à razão é uma reminiscência dos tempos pré-marxianos, da emancipação da classe média apelando à ‘razão’ para atacar a fé religiosa como o inimigo principal na luta social[43].

Logo, fica claro que a filosofia de Lenin, em vez de ser a representação da classe trabalhadora em sua luta anticapitalista, está intimamente ligada à situação histórica na Rússia, a da batalha contra o feudalismo e pela revolução burguesa[44].

Logo, a luta de classes proletária na Rússia era ao mesmo tempo uma luta contra o absolutismo czarista sob a bandeira do socialismo. Então o marxismo na Rússia, se desenvolvendo como a teoria daqueles engajados no conflito social assumiu necessariamente outro caráter em relação à Europa Ocidental. Era a teoria de uma classe trabalhadora em luta; porém, esta classe tinha, primeiro, de lutar e, antes de tudo, pelo que, na Europa Ocidental, havia sido função e obra da burguesia, com os intelectuais como seus associados[45].

No entanto, Pannekoek mais uma vez à melhor moda marxista enfatiza que Lenin e o bolchevismo não devem ser atacados num nível pessoal (por elitismo, traição da classe trabalhadora, etc.), mas têm de ser entendidos com base na situação social na qual lutaram.

Lenin nunca conheceu o marxismo real. De onde ele devia tê-lo extraído? Ele conhecia o capitalismo apenas como o capitalismo colonial; ele conhecia a revolução social apenas como a aniquilação da grande propriedade de terra e o despotismo czarista. O bolchevismo russo não pode ser repreendido por ter abandonado o caminho do marxismo, pois nunca esteve neste caminho. Toda página da obra filosófica de Lenin está lá para provar; e o próprio marxismo, por sua tese de que opiniões teóricas são determinadas por necessidades e relações sociais, deixa claro que não poderia ser diferente. O marxismo, no entanto, demonstra ao mesmo tempo a necessidade da lenda; toda revolução da classe média, que exige o apoio camponês e da classe trabalhadora, precisa da ilusão de que é algo diferente, maior e mais universal[46].

Por meio desta análise multifacetada, os conselhistas demonstraram que a Revolução Russa foi uma forma de revolução burguesa em vez de uma revolução socialista[47]. Eles reconheceram e argumentaram que o bolchevismo não podia desempenhar um papel progressivo nas lutas proletárias nos países desenvolvidos. As políticas da 3ª Internacional só podiam, portanto, ser um obstáculo à luta socialista em desenvolvimento nos países capitalistas avançados.

A 3ª Internacional visa a uma revolução mundial segundo o modelo da Revolução Russa e com o mesmo objetivo. O sistema econômico russo é o capitalismo de Estado, lá chamado de socialismo de Estado ou até mesmo de comunismo, com a produção dirigida por uma burocracia estatal sob a liderança do Partido Comunista. Os funcionários do Estado, que formam a nova classe dominante, dispõem dos produtos, logo, do mais-valor, ao passo que os trabalhadores recebem salários apenas, formando, portanto, uma classe explorada […]. De acordo com as ideias do PC, uma revolução similar é necessária nos países capitalistas, com a classe trabalhadora novamente como o poder ativo, levando à deposição da burguesia e à organização da produção por uma burocracia estatal. A Revolução Russa pôde sair vitoriosa apenas porque um partido bolchevique unido e bem-disciplinado liderou as massas e porque, no partido, a clara percepção e a certeza inabalável de Lenin e seus amigos mostravam o caminho correto. Logo, da mesma maneira, na revolução mundial, os trabalhadores têm de seguir o PC, deixar para ele a liderança e depois o governo; e os membros do partido têm de obedecer a seus líderes em rígida disciplina. Essenciais são os qualificados e capazes líderes do partido, os proficientes e experientes revolucionários; o que é necessário para as massas é a crença de que o partido e seus líderes estão corretos[48].

A objeção conselhista a esta política não se baseia em critérios morais ou éticos (isto é, o antielitismo), mas está fundamentada firmemente na realidade histórica da Europa Ocidental e dos Estados Unidos[49]. Lá, a tarefa da classe trabalhadora é bastante diferente da tarefa na Rússia.

Na realidade, para a classe trabalhadora do capitalismo desenvolvido na Europa Ocidental e nos Estados Unidos as questões são completamente diferentes. Sua tarefa não é a derrubada de uma monarquia absolutista retrógada. Sua tarefa é vencer uma classe dominante que comanda as forças materiais e espirituais mais poderosas que o mundo já conheceu. Seu objetivo não pode ser substituir a dominação de acionistas e monopolistas por sobre uma produção desordenada pela dominação de funcionários do Estado por sobre uma produção regulada de cima. Seu objetivo é ser ele mesmo o senhor da produção e de si mesmo para regular o trabalho, a base da vida. Só então o capitalismo é realmente destruído. Tal objetivo, não pode ser alcançado por uma massa ignorante, por seguidores confiantes de um partido que se apresenta como a liderança especializada. Ele pode ser alcançado apenas se os próprios trabalhadores, a classe inteira, compreender as condições, modos e meios de sua luta; quando todo homem souber a partir de seu próprio julgamento o que fazer. Eles devem, todos esses homens, agir eles mesmos, decidir eles mesmos, logo, pensar e saber por si mesmos[50].

Para os comunistas de conselho, portanto, o leninismo é contraditório à emancipação da classe trabalhadora e, portanto, deve ser combatido – teórica e praticamente – por todos os radicais verdadeiros nos países desenvolvidos. A crítica total do leninismo está bem fundamentada em Marx, em termos da teoria e da prática. Em 1879, Marx e Engels escreveram para Bebel, Liebknecht e outros:

Quando a Internacional foi formada, nós formulamos expressamente o grito de batalha: a emancipação da classe trabalhadora deve ser obra da própria classe trabalhadora. Nós não podemos, portanto, cooperar com pessoas que declaram abertamente que os trabalhadores são pouco instruídos demais para se emanciparem[51].

É este princípio que era o mais importante nas mentes dos conselhistas em todos os momentos e que guiava sua teoria e prática. Logo, eles se opuseram a todas as formas de atividade política e a todas as organizações que inibiam o desenvolvimento da autossuficiência e da autoconfiança de massa. Eles desenvolveram extensas críticas dos modos de atividade política nas quais a maioria dos “esquerdistas” se engajava[52].

O Sindicalismo e a Atividade Parlamentar

Embora a maioria dos “radicais” reconhecesse que os sindicatos por si mesmos não eram revolucionários, eles sentiam que eles podiam ser usados para aprofundar o desenvolvimento da “consciência revolucionária”, particularmente através da difusão de propaganda radical por seus líderes. Se não fosse este o caso – e frequentemente não o era – colocava-se a culpa nos líderes do sindicato, que estavam “traindo” sua classe e só precisavam ser substituídos por líderes mais radicais. Os conselhistas, contudo, desenvolveram uma crítica muito mais fundamental dos sindicatos, demonstrando que a questão importante não era aquela do comportamento dos líderes sindicais, mas da estrutura mesma dos sindicatos e da relação entre os sindicatos e o desenvolvimento do capitalismo.

Os conselhistas enfatizaram que a atividade sindical em si, ainda que ela realmente representasse uma forma de luta de classes, não tinha intenções ou possibilidades de se tornar revolucionária, isto é, de ajudar na autoemancipação da classe trabalhadora.

O sindicalismo é um ato dos trabalhadores que não vai além dos limites do capitalismo. Seu objetivo não é substituir o capitalismo por outra forma de produção, mas garantir boas condições de vida no interior do capitalismo.
Certamente, a atividade sindical é luta de classes. Há um antagonismo de classe no capitalismo – capitalistas e trabalhadores têm interesses opostos. Não só na questão da conservação do capitalismo, mas também no interior do próprio capitalismo com relação à divisão do produto total. Os capitalistas tentam aumentar seus lucros, o mais-valor, o tanto quanto possível, cortando salários e aumentando as horas ou a intensidade do trabalho. Por outro lado, os trabalhadores tentam aumentar seus salários e reduzir suas horas de trabalho […]. Assim, o antagonismo se torna objeto de uma disputa, a luta de classes real. É a tarefa, a função dos sindicatos, levar adiante esta luta[53].

No entanto, a capacidade dos sindicatos de funcionar para o benefício dos trabalhadores no longo prazo, em termos da revolução proletária, é desprezível. De fato, eles se tornam um obstáculo para a luta da classe trabalhadora (mesmo numa base cotidiana) e perdem toda a eficácia para o desenvolvimento da consciência revolucionária. Como os sindicatos se desenvolvem junto do capitalismo, eles perdem qualquer valor que poderiam ter tido em períodos anteriores e se tornam apenas outro obstáculo no caminho para a autoemancipação.

Com o crescimento do capitalismo e da grande indústria, os sindicatos também devem crescer. Eles se tornam grandes corporações com milhares de membros, se estendendo por todo o país […]. Funcionários públicos devem ser indicados: presidentes, secretários e tesoureiros para conduzir as questões, administrar as finanças, local e centralmente. Eles são os líderes, quem negocia com os capitalistas e que, por esta prática, adquiriram uma habilidade especial. O presidente de um sindicato é um figurão tão grande quanto o próprio empregador capitalista e ele discute os interesses dos membros com ele em termos iguais. Os funcionários são especialistas no trabalho sindical, o qual os próprios membros, totalmente ocupados por seu trabalho fabril, não podem julgar ou dirigir eles mesmos[54].

Assim, se desenvolve uma divisão do trabalho dentro da própria estrutura sindical, recriando e reforçando as divisões capitalistas entre trabalho intelectual e manual. Os trabalhadores perdem controle de sua organização, delegando seus próprios poderes aos funcionários do sindicato. Muitos “radicais” argumentaram que esta situação em si não precisa ser ruim, especialmente se os líderes do sindicato forem “radicais”. Os conselhistas, no entanto, reconheceram que esta recapitulação da divisão entre trabalho intelectual e manual já era um grande passo na direção errada. Além disso, a ideologia dos líderes sindicais não faz diferença. Pannekoek, se baseando na noção de Marx de que a consciência é determinada pela existência social, demonstra que o comportamento dos líderes sindicais não deve ser condenado bruscamente como “traição”, mas deve ser compreendido como um concomitante das funções sociais que desempenham.

Os funcionários sindicais e os líderes operários são os detentores dos interesses especiais do sindicato. Originalmente trabalhadores da oficina, eles adquirem por meio da longa prática na direção da organização um novo caráter social. Em cada grupo social, assim que ele for grande o bastante para formar um grupo especial, a natureza de seu trabalho molda seu caráter social, seu modo de pensar e agir. Sua função é inteiramente diferente daquela dos trabalhadores. Eles não trabalham na oficina, eles não são explorados por capitalistas, sua existência não é ameaçada continuamente pelo desemprego. Eles sentam em escritórios, em posições razoavelmente seguras. Eles têm de administrar as questões corporativas e falar nas reuniões dos trabalhadores e discutir com os empregadores[55].

Os funcionários sindicais se identificam com os interesses e funções dos sindicatos. Em vez de se tornarem os líderes da luta de classes proletária revolucionária, portanto, eles se tornam agentes do controle social capitalista, o qual se tornou a função primária dos sindicatos no capitalismo desenvolvido.

Os líderes operários no capitalismo avançado são numerosos o bastante para formar um grupo ou classe especial com um caráter e interesses de classes especiais. Como representantes e líderes dos sindicatos, eles incorporam o caráter e os interesses dos sindicatos. Os sindicatos são elementos necessários do capitalismo, então os líderes se sentem como itens necessários, como os cidadãos mais úteis na sociedade capitalista. Esta função capitalista dos sindicatos é regular os conflitos de classe e assegurar a paz industrial. Então, os líderes operários veem como seu dever como cidadãos trabalhar pela paz industrial e mediar conflitos. O teste do sindicato se encontra inteiramente no interior do capitalismo; então, os líderes operários não olham para além dele[56].

Pannekoek enfatiza, como os conselhistas fizeram em toda questão que analisaram, que “os conflitos que surgem aqui não são culpa de ninguém; eles são consequências inevitáveis do desenvolvimento capitalista[57]”. Logo, a questão não é polemizar contra a “traição” da classe trabalhadora por burocratas do sindicato ou buscar sua substituição por “radicais”[58], mas lutar contra os próprios sindicatos e buscar a criação de novas estruturas e organizações que permitirão, se não encorajarem, a autoatividade de massa.

No entanto, os conselhistas não tinham ilusões aqui. Eles não esperavam que os trabalhadores derrubassem os sindicatos porque eles não conseguiram funcionar como organizações revolucionárias. Em vez disso, eles reconheceram que enquanto o capitalismo estivesse se expandindo com sucesso, os trabalhadores permaneceriam dentro das estruturas sindicais[59]. É apenas quando os trabalhadores considerarem os sindicatos incapazes de proteger seus interesses materiais imediatos que eles se rebelarão contra eles. É através de novas formas de luta aflorando espontaneamente da própria luta que os trabalhadores buscarão agir fora da estrutura sindical e desenvolverão, por necessidade, novas formas de organização e atividade. As greves de ocupação dos anos 1930 eram essa nova forma. “Ela não foi inventada pela teoria; ela nasceu espontaneamente das necessidades práticas; a teoria não pode fazer mais do que explicar depois suas causas e consequências[60]”. Greves selvagens, também, dirigidas tanto contra o capital como contra os sindicatos, são formas espontâneas de atividade que se originam das necessidades práticas da luta. Ainda que tais greves sejam de escopo normalmente limitado e geralmente sejam derrotadas,

[…] sua importância é que elas demonstram um revigorado espírito de luta que não pode ser suprimido […]. Elas são os prenúncios de futuras lutas maiores, quando grandes emergências sociais, com maior pressão e com inquietações mais profundas, incitarão as massas a ações mais fortes[61].

A experiência da solidariedade e da autogestão conquistadas em tais lutas é um passo crucial na direção da consciência revolucionária, a compreensão de que a classe trabalhadora pode, sozinha, dirigir a produção e a administrar a sociedade coletivamente. Além disso, é a experiência de que em tempos de luta não se pode confiar em ninguém além dos companheiros trabalhadores, de que toda atividade deve ser autônoma e controlada de baixo pelos trabalhadores como uma unidade coletiva. Logo, o sindicalismo será derrotado não na teoria por intelectuais, mas na prática, pelos trabalhadores no curso de lutar para alcançar seus objetivos da única maneira possível. Esta é uma necessidade da luta proletária pela autoemancipação.

Vinculado a um capitalismo em expansão totalmente integrado ao todo do tecido social, o antigo movimento operário só pode estagnar com o capitalismo em estagnação e decair com o capitalismo em queda. Ele não pode se divorciar da sociedade capitalista, salvo se romper completamente com seu próprio passado, o que é possível apenas decompondo as velhas organizações na medida em que elas ainda existirem […]. Um renascimento do movimento operário é concebível apenas como uma rebelião das massas contra “sua” organização[62].

Outra forma de atividade política que muitos “radicais” consideraram frutífera é a política parlamentar. Alguns argumentaram em favor do “caminho parlamentar ao socialismo”, isto é, eleger socialistas ao governo que começarão, então, a instituir o socialismo; outros argumentaram que campanhas de eleição parlamentares oferecem um bom fórum para a propaganda socialista[63]. Alguns, também, sugeriram buscar a eleição para os gabinetes do parlamento e então, uma vez lá, tentar expor a farsa da democracia burguesa.

Os comunistas de conselho, por outro lado, sempre sustentaram uma posição antiparlamentar. Novamente, esta posição cresce de sua compreensão dos obstáculos e possibilidades da autoemancipação proletária em circunstâncias históricas específicas (capitalismo avançado) em vez de qualquer imperativo moral abstrato. Um obstáculo importante para o desenvolvimento da consciência revolucionária necessária para a autoemancipação da classe trabalhadora é a força da ideologia burguesa, a qual é reforçada pelas eleições parlamentares.

O capitalismo é fortalecido quando suas raízes, por meio do sufrágio universal, assegurando ao menos a igualdade política, são cravadas mais profundamente na classe trabalhadora. O sufrágio dos trabalhadores pertence ao capitalismo desenvolvido, porque os trabalhadores precisam da urna, bem como dos sindicatos, para se manterem em sua função no capitalismo[64].

A noção de que o “socialismo” pode ser introduzido por meio do processo parlamentar é obviamente contrário ao conceito de socialismo ser o processo e resultado da auto-emancipação proletária. Está claro que “o parlamentarismo não pode trazer liberdade e predomínio à classe trabalhadora, mas apenas novos senhores em vez dos antigos[65]”. Além disso, a natureza da atividade envolvida na política parlamentar não pode de modo algum ajudar a desenvolver a força necessária para derrubar o sistema capitalista.

A conquista do predomínio e da liberdade pela classe trabalhadora será uma luta dura e difícil. É por meio das exigências desta luta, através de seus sacrifícios, seus sofrimentos, seus perigos, na derrota e na vitória, que a classe trabalhadora deve adquirir essas qualidades que a tornam forte e capaz do autogoverno, de reger a sociedade. Será que dá pra chamar simplesmente colocar secretamente um nome numa urna eleitoral de luta[66]?

Na atividade parlamentar, a única força que a classe trabalhadora é invocada a usar é sua força numérica: “apenas os fatores do poder menos essenciais da classe trabalhadora[67]”. De modo algum o sentimento de solidariedade e capacidade de dirigir a sociedade e a produção é desenvolvido através de tal atividade. De fato, a passividade – na medida em que isso diz respeito à atividade coletiva – é encorajada através da participação em tal atividade[68]. Quanto ao processo parlamentar – ou ao próprio parlamento – proporcionar um fórum para propaganda socialista de candidatos ou legisladores, Pannekoek escreve:

O insight necessário [para a revolução] não pode ser alcançado como instrução de uma massa ignorante por professores eruditos, possuidores da ciência, como o derramamento de conhecimento em alunos passivos. Ele só pode ser adquirido pela autoeducação, pela extenuante autoatividade que cansa o cérebro no desejo sentido de compreender o mundo. Seria muito fácil para a classe trabalhadora se ela tivesse apenas de aceitar a verdade estabelecida daqueles que a conhecem. Mas a verdade de que precisam não existe em lugar nenhum do mundo fora deles; eles devem construí-la dentro de si mesmos[69].

Em suma, então, qualquer noção e qualquer lógica para se engajar na atividade parlamentar só pode inibir o desenvolvimento das forças necessárias para a destruição da hegemonia ideológica da burguesia. Como Gorter escreveu para Lenin, que havia aconselhado participar de tal atividade:

o trabalhador deve lutar sozinho com sua classe contra o inimigo formidável, deve provocar a mais terrível luta que o mundo já viu. Nenhuma liderança tática pode evitar isto[70].

O Papel do Partido

Quanto a seus próprios princípios de organização e atividade, os comunistas de conselho apresentaram uma alternativa teórica e prática ao leninismo. Eles rejeitaram totalmente a forma-partido de organização leninista com seu centralismo rígido, hierarquia, obediência estrita à liderança e separação do corpo da classe trabalhadora.

A crença em partidos é a principal razão da impotência da classe trabalhadora; portanto, nós evitamos formar um novo partido – não porque somos poucos demais, mas sim porque um partido é uma organização que busca liderar e controlar a classe trabalhadora. Contrariamente a isto, nós defendemos que a classe trabalhadora pode ascender à vitória apenas quando ela atacar independentemente seus problemas e decidir seu próprio destino. Os trabalhadores não devem aceitar cegamente os slogans de outros nem de nossos próprios grupos, mas devem pensar, agir e decidir por si mesmos. Esta concepção contradiz expressamente a tradição do partido como o meio mais importante de educar o proletariado[71].

Os conselhistas rejeitaram, além disso, a estrutura do partido, pois ela recapitulava a divisão capitalista entre trabalho manual e intelectual, entre aqueles que dão ordens e aqueles que recebem ordens[72]. Com sua ênfase na importância da conexão entre os meios e os fins da luta de classes, eles reconheceram que o socialismo – a autogestão da produção e da sociedade pelos trabalhadores – não pode ser alcançado por meio de uma forma de organização que inibisse a autoemancipação. Em vez de estimular as capacidades dos trabalhadores, os partidos funcionam para sufocá-las.

Tais partidos […] devem ser estruturas rígidas com linhas de demarcação claras por meio de cartões de sócio, estatutos, disciplina partidária e procedimentos de filiação e expulsão. Pois eles são instrumentos de poder – eles lutam pelo poder, refreiam seus membros pela força e buscam constantemente estender o escopo de seu poder. Não é sua tarefa desenvolver a iniciativa dos trabalhadores; em vez disso, eles visam a treinar membros leais e incondicionais de sua fé. Ao passo que a classe trabalhadora, em sua luta pelo poder e pela vitória, precisa de liberdade intelectual ilimitada, o regime do partido deve suprimir todas as opiniões exceto sua própria[73].

Os comunistas de conselho reconheciam que construir sua própria organização tinha pouca relevância para o objetivo da autoemancipação proletária[74]. Em vez disso, eles funcionavam como um grupo que compartilhava uma perspectiva geral comum e buscava esclarecer e divulgar as questões da luta de classes[75]. No entanto, eles não estavam seguros da eficácia de sua propaganda em virtude de sua concepção da natureza da consciência, isto é, determinada pela existência social no sentido de que ela vinha à tona espontaneamente das necessidades da experiência prática. O próprio Pannekoek frequentemente vacilava neste mesmo ponto, abraçando opiniões diferentes em momentos diferentes[76]. Na discussão sobre o papel do “partido”, ele afirmava que:

A luta é tão grande, o inimigo tão poderoso, que apenas as massas como um todo podem conquistar uma vitória – o resultado do poder material e moral da ação, unidade e entusiasmo, mas também o resultado da força mental do pensamento, da clareza. Nisto reside a grande importância de tais partidos ou grupos baseados em opiniões: o fato de eles trazerem clareza em seus conflitos, discussões e propaganda. Eles são os órgãos do autoesclarecimento da classe trabalhadora através dos quais os trabalhadores encontram seu caminho para a liberdade[77].

Ao passo que em Os Conselhos Operários ele defende uma concepção um tanto diferente:

O grande passo decisivo no progresso da humanidade, a agora iminente transformação da sociedade, é essencialmente uma transformação das massas trabalhadoras. Isso pode ser realizado somente pela ação, pela revolta, pelo esforço das próprias massas; sua natureza essencial é a autolibertação da humanidade. Deste ponto de vista, está claro que aqui nenhuma liderança capaz de uma elite intelectual pode ser útil[78].

Não obstante, Pannekoek nunca descarta a propaganda como inútil, acreditando que ao menos manter certas ideias no ar vale a pena. Mattick sustenta mais de perto as implicações práticas da concepção de consciência – e o que parece ser a concepção de Marx – do comunismo de conselhos, reconhecendo as limitações do efeito de qualquer atividade de propaganda.

A “consciência” de se rebelar contra e mudar a sociedade não é desenvolvida pela “propaganda” de minorias conscientes, mas pela propaganda real e direta dos eventos […]. Contanto que minorias operem dentro da massa, a massa não é revolucionária, mas nem a minoria o é. Suas “concepções revolucionárias” ainda podem servir apenas a funções capitalistas. Se as massas se tornarem revolucionárias, a distinção entre minoria consciente e maioria inconsciente desaparece e também a função capitalista da minoria aparentemente “revolucionária”[79].

Todos os grupos que compartilharam a perspectiva conselhista foram apanhados nesta encruzilhada. Embora a maioria provavelmente tenha compartilhado da análise teórica de Mattick, eles se recusaram a se contentar ou com a inatividade ou com a discussão interna. De fato, o próprio Mattick não levou a cabo as implicações de sua posição, mas se envolveu em atividades políticas consideráveis e escreveu volumosamente. Diferentes grupos conselhistas buscaram resolver este dilema de maneiras diferentes. Poucos se satisfizeram com suas soluções preliminares[80]. Não obstante, todos estão unidos em sua luta pela autoemancipação da classe trabalhadora e em sua relutância em agir como qualquer tipo de liderança no sentido leninista, isto é, formulando diretrizes e se organizando para tomar o poder.

A Alternativa Conselhista

A discussão até agora neste capítulo deveria ter dado alguma indicação de como os conselhistas veem de fato a revolução ocorrendo, mesmo que somente através do processo de eliminar teorias insatisfatórias. Eu gostaria agora de me voltar a uma descrição explícita da concepção conselhista da revolução socialista e da futura sociedade livre.

Uma das noções chave da teoria comunista de conselhos é a necessidade de uma crise grave para que haja a possibilidade de uma situação revolucionária. Inferindo isso tanto de O capital de Marx como de seus estudos das instâncias históricas das agitações de massa, eles concluíram que somente uma crise poderia forçar a classe trabalhadora à atividade revolucionária.

O radicalismo de esquerda se baseara no que era designado por seus adversários reformistas como as “políticas de catástrofe”. Os revolucionários esperavam não só a deterioração dos padrões de vida para a população trabalhadora, mas também crises econômicas tão devastadoras que suscitassem condições sociais que, por fim, levariam à revolução. Eles não conseguiam conceber a revolução na falta de sua necessidade objetiva. E, de fato, nenhuma revolução social ocorreu exceto em tempos de catástrofe social e econômica. As revoluções lançadas pela 1ª Guerra Mundial foram o resultado de condições catastróficas nos poderes imperialistas mais fracos e levantaram, pela primeira vez, a questão do controle operário e a realização do socialismo como uma possibilidade real[81].

Os conselhistas reconheceram que – como Marx salientou – em tempos de crescimento e estabilidade, o controle, tanto material como ideológico, da burguesia sobre os trabalhadores é tão grande a ponto de tornar uma revolução baseada nas massas impossível. Contanto que não haja necessidade extrema de derrubar o sistema, contanto que a consciência e a realidade estejam em acordo, nenhuma revolução vai ocorrer. Esta noção faz sentido teórica – com base em uma compreensão da natureza essencialmente prática da consciência – e historicamente – as revoluções só se desenvolveram a partir de períodos de grave crise. Mattick resume esta concepção da importância da crise em um ensaio escrito recentemente:

[…] a história do movimento operário demonstra que a consciência de classe revolucionária só se manifesta em épocas de crise especialmente profundas. Lutas de classe, que não tendem ainda a se fixar em objetivos de classe e não deixam o reino do trabalho assalariado, se constituem como reações espontâneas a uma deterioração lenta ou brutal da condição proletária […].
É apenas em tempos de crise que a consciência de classe revolucionária pode se desenvolver. Sozinha, a consciência de pertencimento à classe trabalhadora dificilmente teve alguma importância; em todo caso, ela existe em todos os lugares […]. Os trabalhadores sabem bem que eles pertencem a uma classe antagonista àquela dos capitalistas […].
Quando se considera por um momento que a enorme força que confronta o proletariado e suas aspirações de classe, se compreenderá por que os trabalhadores preferem se adaptar às condições presentes em vez de atacá-las […].
Enquanto a classe dominante for incapaz de fazer valer seu poder político sobre a economia – graças a uma prosperidade ou verdadeira ou falsa –, é inútil esperar que a consciência dos trabalhadores vá assumir um caráter revolucionário. Porém, é justamente um traço distintivo do capitalismo que se veja incapaz de controlar o curso de seu desenvolvimento econômico[82].

Os conselhistas se apoiam teoricamente na principal obra de Marx, O capital, na qual ele demonstrou cientificamente a necessidade de crises capitalistas[83]. Nem eles nem Marx argumentaram que o capitalismo colapsaria sozinho. Em vez disso, a própria natureza da produção capitalista em si, baseada na contradição entre valor de uso e valor de troca, gera crises de gravidade diversas. É apenas em tal período de crise grave que os trabalhadores agirão para torná-la a crise final do capitalismo. Até então, o capitalismo continuará, da crise à expansão à crise novamente. O verdadeiro colapso ocorrerá somente quando a classe trabalhadora se impuser com a totalidade de suas forças.

Os conselhistas viam a consciência revolucionária como o resultado em vez de como a precondição para a atividade em períodos de crise[84]. A classe trabalhadora em virtude de sua posição na sociedade e particularmente de sua atividade no processo de trabalho reconhece que é uma classe oposta à classe capitalista. Eles percebem que são explorados e lutam diariamente através da atividade sindical, isto é, das lutas salariais, por sua parcela de seu produto que devem receber, por meio da sabotagem, em que entram em greve contra sua dominação pelo capital, pelo absenteísmo, ficando à toa, etc. No entanto, estas lutas, ainda que uma parte necessária da luta de classes, geralmente não resultam em um ataque ao sistema capitalista em si. Elas representam respostas à dominação e à exploração capitalistas cotidianas, mas elas não transcendem o capitalismo como um todo. Em vez disso, elas são esforços ou para conquistar uma parcela maior do produto para os trabalhadores, isto é, aumentar o preço de sua força de trabalho, criar menos valor pelos salários com que são pagos, ou são meramente uma resposta à natureza desagradável do trabalho. A consciência revolucionária subsome tudo isto e dá um passo além. É o reconhecimento de que a classe trabalhadora como um todo forma a sociedade comunista futura em si no interior do capitalismo, isto é, de que ela pode gerir a sociedade sozinha e reestruturá-la para atender a seus desejos. Tal consciência não pode surgir da experiência cotidiana apenas do processo de trabalho, no qual os trabalhadores estão sob o controle constante de outros e só podem trocar seus produtos e cooperar na produção através da mediação dos capitalistas, dos chefes de equipe e do mercado[85]. Em uma crise, as fundações deste sistema, as regularidades da vida cotidiana, começam a desmoronar, sua base irracional se torna aparente para todos verem[86] e os trabalhadores devem começar a agir por conta própria para não se submeterem a uma exploração muito mais severa do que as que já conheceram. De fato, a existência de uma consciência socialista explícita não precisa e mais provavelmente não pode preceder a luta de classes revolucionária em si.

Ainda que os trabalhadores em grandes massas possam nunca alcançar uma consciência revolucionária, para viver eles são forçados a abraçar a luta contra o capital. E quando eles lutam por sua existência sob as condições da crise permanente, esta luta, independentemente de sua qualidade ideológica, é uma luta que só pode virar na direção da superação do sistema capitalista[87].

A revolução é mais uma questão de necessidade do que de escolha. Em resposta à crescente estagnação e crise, os capitalistas devem buscar aumentar seu mais-valor a todo custo, isto é, aumentar a taxa de exploração em grande dose em pouco tempo. Isto já começa a desencadear respostas dos trabalhadores. Além disso, conforme eles consideram “suas” organizações – os sindicatos – obstáculos no caminho de protegerem seus próprios interesses imediatos, eles devem começar a agir autonomamente.

As tendências depressivas se fortalecem sob o grande capitalismo e, então, a resistência dos trabalhadores deve se fortalecer também. Crises econômicas se tornam cada vez mais destrutivas e enfraquecem o progresso aparentemente garantido. A exploração é intensificada para retardar a diminuição da taxa de lucro para o capital que cresce rapidamente. Então de novo e de novo os trabalhadores são incitados à resistência. Porém, contra este poder fortemente aumentado do capital os velhos métodos de luta não podem servir mais. Novos métodos são necessários e em pouco tempo seus começos se apresentam. Eles surgem espontaneamente nas greves selvagens, na ação direta[88].

É apenas através de formas de ação direta de massa que as qualidades espirituais – a autossuficiência, a solidariedade, a confiança, a criatividade – podem se desenvolver, as quais são necessárias para a derrubada do capitalismo e para a construção de uma nova sociedade.

No curso das ações de greve, a vida convencional dos trabalhadores, na qual eles agem sob a direção constante de seu chefe, cessa e eles têm de pensar, agir e coordenar suas ações por conta própria[89].

É por meio desta ação por contra própria – e desta coordenação de suas ações com trabalhadores em outras oficinas e regiões (todas elas necessidades da luta) – que a consciência dos trabalhadores pode passar por uma mudança crucial, alcançando o cerne mesmo da consciência revolucionária, sua “compreensão de que eles têm a capacidade de iniciar e controlar a ação, de tomarem eles mesmos as decisões básicas sobre suas vidas[90]”.

Assim, ao forçar os trabalhadores a agirem por conta própria – em virtude do fracasso de “suas” organizações que haviam atuado por eles no passado – para combater a crescente exploração e para responder à ameaça da fome real, junto da existência de grandes quantidades de meios de produção não utilizados, massas de trabalhadores desempregados, uma grave crise pode pressagiar o fim do capitalismo[91]. A crise em si não implica o fim do capitalismo; nem causa necessariamente a aparição da consciência revolucionária. Ela força os trabalhadores a ações por meio das quais a consciência revolucionária pode se desenvolver. Os conselhistas veem isto como o resultado de um longo processo de luta que está sempre se realçando.

No curso de um longo período de conflito, os trabalhadores formam o objetivo de assumirem eles mesmos a produção. Este objetivo se desenvolve como uma resposta a duas condições que um movimento operário em intensificação eventualmente produz. Primeiro, os trabalhadores atingem o limite do que podem adquirir sem tomar o poder. Este limite é geralmente vivido na intransigência ou no contra-ataque das antigas forças, expresso através de locautes, golpes de Estado, e coisas do tipo. A solução óbvia que se apresenta, portanto, é remover as antigas forças do poder. Segundo, os trabalhadores descobrem através de suas próprias ações seu poder e capacidade reais e, portanto, percebem que é possível para eles assumirem a gestão[92].

No entanto, os comunistas de conselho nunca argumentaram que uma crise tinha de resultar em uma revolução. Para eles, era uma condição necessária, porém insuficiente. Eles reconheciam que atividade considerável – enfraquecer a hegemonia ideológica burguesa e estabelecer as bases para novas relações sociais – tinha de atingir um nível alto não só durante a crise, mas antes dela, crescendo da luta cotidiana entre capitalistas e trabalhadores, para que uma revolução bem-sucedida tornasse qualquer crise a crise final do capitalismo. Gorter percebeu isto, ainda que em um nível muito abstrato, em 1920:

A miséria na Alemanha foi terrível nos últimos anos da guerra. A revolução não veio. Foi pior ainda em 1918 e 1919. A revolução não teve êxito […]. Crise e miséria não são suficientes. A mais grave crise econômica está aqui – e não obstante, a revolução não vem. Deve haver outro fator que provoca a revolução e que, se ela for derrotada, possibilita que ela fracasse. Este fator é o espírito das massas[93].

Quase todos os conselhistas permaneceram, contudo, abstratos demais quando foram confrontados com este problema[94]. Alguns meramente declararam o que é necessário de uma maneira muito geral e então buscaram estudar a sociedade concretamente para ver se alguma da atividade necessária está ocorrendo. Por exemplo, a Lutte de Classe declara que “para que uma revolução seja possível, novas relações sociais devem ser pré-existentes, ao menos em um estado embrionário, para derrubar as relações existentes[95]”. Eles devotaram então muitos de seus esforços a descrever e analisar a atividade internacional em curso da classe trabalhadora. Pannekoek parece vacilar entre enunciar o problema em termos gerais e implicar que a atividade da classe trabalhadora na luta em si pode superar todos os problemas pré-existentes. Logo, em Os Conselhos Operários, ele declara em um lugar que:

[…] assim que, contudo, eles abraçam a luta, eles são alterados para novas personalidades; o medo egoísta regride ao plano de fundo e à frente saltam as forças da comunidade, solidariedade e da devoção, despertando a coragem e a perseverança. Estas são contagiosas; o exemplo da atividade de lutar desperta em outros, que sentem em si mesmos as mesmas forças acordando, o espírito de apoio mútuo e de autoconfiança[96].

Porém, em outro ponto no livro ele parece reconhecer as dificuldades envolvidas:

[…] chegará a hora em que o mau da depressão, as calamidades do desemprego e os terrores da guerra se tornarão mais fortes que nunca. Então a classe trabalhadora, se ainda não estiver em revolta, deve se levantar e lutar. Então os trabalhadores deverão escolher entre sucumbir inertemente e lutar ativamente para conquistar a liberdade. Então eles terão de abraçar sua tarefa de criar um mundo melhor a partir do caos do capitalismo em declínio.
Eles lutarão? A história humana é uma série sem fim de lutas, e Clausewitz, o conhecido teórico alemão da guerra, concluiu a partir da história que o homem é em sua natureza interna um ser guerreiro. Mas outros, céticos bem como revolucionários inflamados, vendo a timidez, a submissão e a indiferença das massas, frequentemente se desesperam quanto ao futuro. Então nós teremos que examinar com um tanto mais de cuidado as forças e os efeitos psicológicos[97].

Mas a investigação de Pannekoek nesta área não é muito minuciosa. Basicamente, novamente evoluindo de sua compreensão da natureza essencialmente prática da consciência[98], ele argumenta que:

o impulso dominante e mais profundo no homem, como em todo ser vivo, é seu instinto de autopreservação […]. Medo e submissão também são o efeito deste instinto quando fornecem as melhores chances de preservação contra mestres poderosos[99].

De fato, na vida cotidiana capitalista, este “medo e submissão” são bem mais práticos do que se o trabalhador fosse

[…] nutrir seus sentimentos de independência e orgulho; tanto mais ele os suprime e obedece tacitamente, tanto menos dificuldade ele encontrará em encontrar e manter seu emprego[100].

Aqui, então, está a solução provisória de Pannekoek:

Quando, contudo, em tempos de perigo e crise social toda esta submissão e este virtuosismo de nada servirem para assegurar a vida, quando somente lutar pode ajudar, então eles darão lugar a seu oposto, à rebelião e à coragem. Então, os corajosos dão o exemplo e os tímidos descobrem com surpresa do que os atos de heroísmo são capazes. Então a autossuficiência e a alta sagacidade despertam neles e se desenvolvem, porque suas chances de vida e felicidade dependem de seu crescimento. E de uma vez, por instinto e experiência, eles sabem que apenas a colaboração e a união podem dar força a suas massas. Quando, então, eles percebem quais forças estão presentes neles mesmos e em seus camaradas, quando eles sentem a felicidade deste despertar do autorrespeito orgulhoso e da irmandade devotada, quando eles antecipam um futuro de vitória, quando eles veem erguendo-se diante deles a imagem da nova sociedade que eles ajudam a construir, então o entusiasmo e o ardor evoluem a um poder irresistível. Então a classe trabalhadora começa a estar madura para a revolução. Então o capitalismo começa a estar maduro para o colapso[101].

Pannekoek parece estar argumentando que tudo pode ser solucionado na própria luta revolucionária. No entanto, como vimos, os conselhistas, a despeito de sua crença de que tal luta teria de acontecer independentemente dos desejos de qualquer grupo ou grupos, frequentemente atacaram essas organizações e instituições que reforçavam a passividade nas massas. Eles reconheceram que quanto mais fortes essas instituições fossem, mais fracas deveriam ser as massas. O que temos aqui é um imenso problema, para mim a inadequação potencial mais séria na teoria conselhista, a qual merece bem mais atenção do que eu posso dedicar a ela aqui. Espero lidar com isso mais profundamente em outro lugar nesta tese. Aqui, eu devo me limitar a ter apontado a natureza do problema, isto é, a medida em que o condicionamento à passividade pode ser superado na luta revolucionária. Sigamos adiante, talvez um pouco desconfortavelmente, mas com determinação.

O Funcionamento dos Conselhos na Luta Revolucionária

Muito dos escritos dos comunistas de conselho dizia respeito à forma que eles pensavam que a luta da classe trabalhadora assumiria no processo de sua autoemancipação. Aqui, mais uma vez, eles se basearam na análise de instâncias históricas de convulsões espontâneas (particularmente a Rússia em 1905 e 1917 e a Alemanha em 1918-1923), a partir das quais eles generalizaram sua teoria de formas organizacionais em uma situação revolucionária e a importância dessas formas na construção e no controle de uma nova sociedade. Como diz um grupo francês contemporâneo:

os conselhos não são um esquema esgotado, o produto de uma “mente brilhante” que eles tentaram aplicar em todos os lugares à força, mas a resposta espontânea aos problemas que se apresentam ao proletariado em sua luta contra o capitalismo[102].

Na discussão conselhista das formas organizacionais, nós encontramos novamente a forte ênfase na relação entre os meios e os fins na luta revolucionária. Todos os aspectos da luta revolucionária estão inextricavelmente ligados à natureza da nova sociedade que será construída a partir desta luta. Formas de organização devem, portanto, servir ao propósito duplo de serem órgãos de luta e meios de reconstrução. Pannekoek salienta isto em sua discussão sobre formas de organização:

Conforme o proletariado ascende à dominância, ele desenvolve simultaneamente sua própria organização e as formas da nova ordem econômica. Estes dois desenvolvimentos são inseparáveis e formam o processo da revolução social […]. Já que a luta da classe revolucionária contra a burguesia e seus órgãos é inseparável da tomada do aparato produtivo pelos trabalhadores e sua aplicação à produção, a mesma organização que une a classe para sua luta também atua como a organização do novo processo produtivo[103].

Mais uma vez, se frisa que estas formas organizacionais devem ser aplicáveis à tarefa da autoemancipação da classe trabalhadora. Logo, qualquer forma de organização, para que ela seja útil na luta pelo socialismo, deve se basear no:

[…] princípio das massas (não do partido ou da vanguarda) retendo o poder […]. O comunismo não pode ser introduzido ou realizado por um partido. Apenas o proletariado como um todo pode fazer isso […]. Todos os problemas dos trabalhadores devem, portanto, ser vistos em relação à autoatividade em desenvolvimento das massas[104].

Logo, as duas exigências primárias de uma forma organizacional são: 1) que ela seja igualmente aplicável à luta revolucionária e à construção de uma nova sociedade; e 2) que ela seja um meio de expressão direta da consciência revolucionária em desenvolvimento da classe trabalhadora em vez de um instrumento para controlá-la e, portanto, sufocar sua inciativa[105]. Tal forma organizacional apareceu todas as vezes que a classe trabalhadora abraçou a luta direta contra o capital.

Não é necessário tentar construir ou imaginar estas novas formas; eles podem se originar somente na luta prática dos próprios trabalhadores. Elas já se originaram lá; nós só temos de examinar a prática para encontrar seus inícios em todos os lugares que os trabalhadores estão se rebelando contra a velha ordem[106].

Comitês de fábrica e conselhos operários são exatamente estas formas. Estas organizações surgem espontaneamente no decorrer da luta. Elas são não-hierárquicas, concentram todo o poder nas mãos dos próprios trabalhadores.

Direção em suas próprias mãos, também chamada de sua própria liderança, quer dizer que toda iniciativa e todas as decisões partem dos próprios trabalhadores […]. Decisão e ação, ambas coletivas, são uma só[107].

Tais órgãos não são formados por decreto, mas são os modos de expressão espontâneos da autossuficiência, autodeterminação e solidariedade dos trabalhadores na batalha contra o capital. Tais qualidades espirituais não surgem da exortação moral ou da leitura. Na verdade, elas são os resultados da luta de desenvolvimento mesma, já que elas são suscitadas em cada trabalhador e entre os trabalhadores para que a luta tenha sucesso. Os conselhos são uma forma extremamente flexível de organização, capaz de atender as necessidades urgentes da luta revolucionária.

Os conselhos, deste modo, apareceram como os órgãos básicos do movimento revolucionário e eles permitiram que os trabalhadores se apoderassem e controlassem as forças de produção. É com base nisto que eles organizaram sua autodefesa. Esta base poderia ir além dos limites estreitos da empresa e se estender a um setor industrial ou à totalidade dos trabalhadores de uma cidade ou região[108].

Já no interior de tais conselhos, novas relações sociais são incorporadas – cooperação, igualdade fundamental, solidariedade, criatividade, autossuficiência e autoconfiança. De fato, elas são em parte também o meio de autotransformação individual, do trabalhador passivo e dependente do capitalismo ao membro ativo e independente de uma futura sociedade socialista. O local de novas relações sociais, eles também são o local da autocriação de novos homens e mulheres. Esta é a própria natureza de organizações como os conselhos operários[109].

A expressão do poder operário, a localização de todo seu poder na luta, os conselhos representam o poder de uma natureza inteiramente diferente da que existe agora na sociedade capitalista ou burocrática. Eles expressam o exercício de poder no ponto de produção, a fábrica, na comunidade, no coração mesmo da sociedade. Esta base do poder econômico na fábrica torna-se ela mesma o meio e a expressão do poder político na sociedade como um todo. Logo, tomar o “poder estatal” não se torna o objetivo da luta; em vez disso, a destruição do Estado, de todas as formas de poder que não emanam desde baixo, isto é, que estão separadas das vidas cotidianas das massas da população[110]. De fato, os conselhos representam os meios de mudar de uma sociedade com um Estado poderoso no sentido tradicional para uma sociedade baseada na autogestão proletária da produção e da sociedade, sem nenhuma necessidade de tal aparato estatal[111].

O Funcionamento dos Conselhos na Nova Sociedade

Como uma sociedade assim funcionaria? Todas as formas de atividade social – a produção de bens, a execução de serviços – serão controladas por aqueles que se dedicam a elas. Desta maneira, há propriedade comum dos meios de produção em vez de propriedade privada ou “propriedade pública”, como na Rússia ou em outros países capitalistas de Estado. Esta diferença é corretamente ressaltada pelos conselhistas.

Não se deve confundir propriedade comum com propriedade pública. Na propriedade pública, frequentemente defendida por notáveis reformadores sociais, o Estado ou outro órgão político é o senhor da produção. Os trabalhadores não são senhores de seu trabalho, eles são comandados pelos funcionários do Estado, que estão comandando e dirigindo a produção. Independentemente de qual seja a condição de trabalho, de quão humano e gentil o tratamento for, o fato fundamental é que não são os trabalhadores mesmos, mas sim os funcionários, que dispõem do produto, que gerem todo o processo […]. Em suma, os trabalhadores ainda recebem salários, uma parcela do produto determinada pelos senhores. Sob a propriedade pública dos meios de produção, os trabalhadores ainda estão sujeitos a e são explorados por uma classe dominante […]. A propriedade comum dos produtores pode ser o único objetivo da classe trabalhadora[112].

Produção em cada local de trabalho (seja a produção de bens ou serviços) deve ser controlada por aqueles que lá trabalham.

O órgão legislativo em cada organização de oficina[113] é o conjunto dos trabalhadores em cooperação. Eles se reúnem para discutir as questões e tomam suas decisões em assembleia. Então, todo mundo que participa do trabalho toma parte na regulação do trabalho comum[114].

Em instalações muito grandes para reunir todos os trabalhadores, será necessário eleger delegados, porém, estes delegados não terão qualquer poder de governo. Eles serão eleitos dentre os grupos de trabalho, continuarão a trabalhar lá – isto é, não haverá delegados a tempo integral – e serão instantaneamente revogáveis. Eles não serão especialistas nem serão responsáveis pela direção da fábrica. Em vez disso, sua tarefa será facilitar a discussão e cumprir as decisões – não a “vontade” abstrata – de seus companheiros de trabalho e servir também como elos entre grupos de trabalho dentro das fábricas e entre fábricas[115]. Delegados mudarão frequentemente, dependendo das questões envolvidas. Deste modo, dentro da fábrica, a divisão entre aqueles que dão ordens e aqueles que recebem ordens desaparecerá.

É claro:

[…] a organização do trabalho no interior da oficina é apenas uma metade da tarefa dos trabalhadores. Acima dela está uma tarefa ainda mais importante, a junção das empresas separadas, sua combinação em uma organização social[116].

Serão formados no interior das fábricas órgãos centrais na mesma base que conselhos – delegados instantaneamente revogáveis que continuarão a trabalhar nas oficinas, sem poderes de tomada de decisão, isto é, eles serão os executores das decisões dos trabalhadores em vez de tomarem as decisões pelos trabalhadores. Tais órgãos realizarão as funções de coordenação, coleta de informações e dados vitais e garantirão sua disseminação de uma forma simples e compreensível. Eles não serão órgãos de planejamento. Esta função crucial de planejamento será realizada pelos trabalhadores como um todo, os quais, por causa da disseminação das informações necessárias de forma compreensível[117], tomarão todas as decisões vitais que seus delegados então tornarão públicas para os comitês centrais, os quais, então, as anunciarão.

Os conselhos não são políticos, não são governo. Eles são os mensageiros que transportam e trocam as opiniões, as vontades dos grupos de trabalhadores […]. Logo, eles são os órgãos da relação e discussão social[118].

Tais conselhos servirão para facilitar a cooperação horizontal entre fábricas no mesmo ramo da indústria e a cooperação vertical entre fábricas engajadas em diferentes estágios do processo produtivo de determinado bem. Além disso, eles facilitarão a coordenação entre os grupos de consumidores e da comunidade e os conselhos e comitês de fábrica.

Uma reorganização tão fundamental da produção e da sociedade implica em mudanças de amplo alcance na natureza do trabalho e da vida social em geral. As prioridades da produção em tal base são o oposto daquelas no capitalismo, nas quais o valor de uso dos bens está subordinado a seu valor de troca e a produção para o lucro, em vez de para o uso e o benefício social.

Do ponto de vista dos conselhos operários, a declaração do problema em termos da organização econômica não diz respeito a como a produção deve ser governada e neste sentido mais bem organizada, mas sim a como as relações mútuas de seres humanos um para com o outro e entre si devem ser reguladas em relação à produção. Pois, para os conselhos, a produção não é mais um processo objetivo no qual o trabalho do homem e o produto deste é separado dele, um processo que se dirige e calcula como um material sem vida, mas para eles, a produção é a função vital dos próprios trabalhadores[119].

A divisão entre trabalho manual e intelectual através da “reunião das funções de decisão e execução[120]”, a divisão entre os trabalhadores e os meios de produção e entre os produtores e seus produtos desparecerão todas. Por meio do desenvolvimento da luta e da expansão de novas relações sociais,

[…] a própria classe trabalhadora é transformada em seu caráter mais profundo. De sujeitos obedientes, eles são transformados em senhores livres e autossuficientes de seus destinos, capazes de construir e gerir seu novo mundo[121].

Para eles, concomitantemente em virtude de sua própria autotransformação e da alteração na estrutura e natureza do processo de trabalho, o próprio trabalho passa a ser visto cada vez menos como o meio para um fim do que era no capitalismo. Ele se torna uma forma de atividade social prazerosa, um meio de se engajar em trabalho social útil e uma parte de um todo interdependente que está consciente de e aprecia sua interdependência. De fato, o “trabalho” se tornará um meio fundamental – ainda que não o único – de autoexpressão.

Dois desenvolvimentos se tornam, portanto, possíveis em uma sociedade autogerida. É necessário trabalhar menos e o próprio trabalho se torna mais prazeroso. Mudanças significativas na estrutura do trabalho, a abolição das contradições inerentes à produção capitalista, o desenvolvimento de tecnologia (o qual foi contido até o momento pelas relações de produção e motivações capitalistas) a novos níveis, aumentam a produtividade do trabalho e mudam a natureza do trabalho. Além disso, tais aumentos na produtividade podem agora ser traduzidos em tempo de lazer aumentado, uma vez que o objetivo da produção é medido em valores de uso em vez de na quantidade de mais-valor produzido[122]. Assim que a produção necessária for alcançada, por que produzir mais?

Pelo aumento rápido da produtividade do trabalho, esta parte, o tempo necessário para reproduzir todas as necessidade vitais, diminuirá continuamente e uma parte crescente da vida estará disponível para outros propósitos e atividades[123].

Pannekoek salienta que nós devemos ter em mente a importância das mudanças na natureza do trabalho em si que vão de mãos dadas com a autogestão.

Ao passo que a abundância das necessidades vitais e a prosperidade universal representem o lado passivo da vida nova, a inovação do trabalho em si, como seu lado ativo, torna a vida um deleite de experiência criativa gloriosa[124].

A sociedade foi mudada de baixo para cima, a produção e as relações sociais foram revolucionadas, bem como a natureza do trabalho. As causas sociais da alienação foram removidas.

Mais uma área de atividade social precisa ser levada em consideração – aquela da distribuição dos bens produzidos. A discussão original dos conselhistas do problema da distribuição parece curiosamente distante da famosa máxima de Marx: “De cada um segundo suas capacidades, a cada um segundo suas necessidades”. Em vez de basear sua apresentação nesta fórmula, estes conselhistas buscaram elaborar um sistema teórico no qual tanto a produção como a distribuição se baseassem na mesma medida – o tempo de trabalho social médio[125]. A elaboração deste sistema hipotético estava contida em sua publicação dos Grundprinzipien Kommunistischer Produktion und Vesteilung [Princípios Fundamentais da Produção e Distribuição Comunistas; doravante, Princípios Fundamentais] (Holanda, 1930)[126]. Como Paul Mattick corretamente aponta em prefácio que escreveu para a reimpressão em francês de 1970 deste documento:

Não se pode, portanto, prever o estado real da economia após a revolução e, consequentemente, é impossível construir de antemão programas e tarefas para cumprir na realidade. As necessidades de amanhã certamente serão o fator determinante. O que nós discutimos antecipadamente são as medidas a serem tomadas, os instrumentos a serem utilizados para construir as relações sociais desejadas, ou seja, neste caso aquilo que nos interessa, as relações comunistas entre as pessoas[127].

De fato, esta publicação é provavelmente a mais especulativa de todos os escritos conselhistas, a que se baseia menos em tendências e instâncias históricas. Não obstante, como escreve Mattick:

[…] a despeito da fraqueza dos Princípios Fundamentais, eles permanecem, tanto ontem como hoje, o ponto de partida para toda discussão séria e toda pesquisa sobre a realização da sociedade comunista[128].

Eu sou bastante crítico de sua noção de que em uma sociedade comunista a distribuição de bens se baseará primariamente na quantidade de tempo que uma pessoa trabalha. Embora eles também tenham admitido a criação de um fundo especial de bens para aqueles que não podem trabalhar, isto é, porque são velhos demais, jovens demais ou são incapazes fisicamente, parece haver um descuido de sua parte sobre a possibilidade de distribuir segundo a necessidade. Este documento parece contradizer a afirmação citada acima de que em uma sociedade comunista, a abordagem da economia e dos problemas relacionados seria vista primariamente em termos de necessidades humanas e desejos[129], pois há uma ênfase exagerada no cálculo sem uma preocupação quanto à distribuição segundo a necessidade.

Se os métodos capitalistas de cálculo se assentam na dominação universal do dinheiro, o desaparecimento do dinheiro e do mercado na sociedade comunista não suprime, contudo, a necessidade do cálculo. Para regular socialmente a produção e a distribuição é indispensável ter um padrão universal, uma unidade de cálculo[130].

A maior parte de sua apresentação é, portanto, um esquema elaborado de produção e distribuição baseado em cálculos segundo o tempo de trabalho social médio, desenvolvendo relações entre os setores de produção de bens e de produção de serviços, acumulação e reprodução, e assim por diante. Sua noção fundamental de autogestão permanece e é basilar para sua concepção da produção no socialismo, mas a maior parte do resto de sua discussão nesta publicação é inaceitável para mim. Outros conselhistas reconheceram as fraquezas e inadequações destas ideias no que concerne a distribuição e não hesitaram em criticá-las.

Os autores dos Princípios Fundamentais estão corretos em insistir no fato de que os produtores têm o direito de dispor por sobre sua produção, mas afirmar que este direito de disposição deve ser exercido pelo intermediário de uma distribuição baseada na igualdade do tempo de trabalho é outra coisa[131].

A despeito das fraquezas neste documento em particular, nós devemos compreender o valor da teoria comunista de conselhos. Suas noções fundamentais têm grande relevância para os “radicais” hoje, tal como a relação dos meios e dos fins na atividade política, a importância da noção da luta de classes como a autoemancipação da classe trabalhadora, a necessidade da crise para que haja atividade revolucionária, sua teoria da consciência revolucionária e, finalmente, suas noções da nova sociedade, baseada não numa visão utópica, mas sim em generalizações da experiência histórica das lutas da classe trabalhadora no século XX. Por meio de tudo isso, à exceção de sua discussão sobre as bases para a distribuição, eles representam uma continuação da essência do pensamento de Marx: análises de tendências existentes no interior da sociedade contemporânea, a autoemancipação da classe trabalhadora como um princípio norteador fundamental, a nova sociedade como a “associação de produtores livres e iguais”, a teoria da crise, a teoria da consciência, etc. Não obstante, nós devemos ter em mente que sua preocupação principal era analisar a sociedade para ajudar a mudá-la, em vez de ser fiel a Marx. Talvez a semelhança de suas conclusões teóricas com Marx seja resultado do insight notável com o qual ele havia analisado a sociedade uns 50 anos antes.

Duas áreas fundamentais merecem análise mais aprofundada, a qual será dada mais tarde nesta tese. Primeiro, a noção da inevitabilidade da crise capitalista e sua aplicabilidade à sociedade contemporânea e, segundo, a noção da natureza da consciência e sua capacidade de mudar drasticamente através da luta. A investigação destas ideias específicas nós ajudará a avaliar a adequação da teoria conselhista ao moderno Estados Unidos (ou a qualquer país capitalista desenvolvido).

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[1] Tradução do capítulo VIII, Council Communist Theory, do livro Marxism and Council Communism: The Foundation for Revolutionary Theory for Modern Society, de Peter J. Rachleff, New York, Revisionist Press, 1976. Indico entre colchetes a tradução de nomes de grupos, revistas e artigos somente na primeira vez em que aparecem. Há pequenas inconsistências nas traduções de alguns termos do alemão para o inglês, como é o caso de Geist/geistig e Betriebsorganisationen, inconsistência que é mantida em nossa tradução a fim de não afetar a interpretação do presente ensaio; indico em notas, porém, a tradução correta. [N. T.]

[2] Uma discussão da formação e do funcionamento dos conselhos operários e nos comitês de fábrica na Rússia e na Alemanha é apresentada nos Capítulos VI e VII desta tese. Pannekoek escreve sobre a formação de suas ideias: “Esta nova organização do trabalho, nós temos de investigar e esclarecer para nós mesmos e um para o outro, devotando a ela as melhores forças de nossas mentes. Nós não podemos concebê-las como uma fantasia; nós a derivamos a partir das necessidades e condições reais do trabalho atual e dos trabalhadores atuais” (Pannekoek, 1950, p. 18). Um grupo conselhista contemporâneo francês ressalta que a experiência da Rússia e da Alemanha foi repetida em outro lugar desde então. “Desde aquela época, cada vez que o proletariado atacou ele próprio o capitalismo, ele se organizou em conselhos operários; eles reapareceram em 1920 na Itália, em 1927 na China, em 1936 na Espanha, em 1953 na Alemanha Oriental, em 1956 na Polônia e na Hungria…”. (Le Pouvoir des Conseils Ouvrières [O Poder dos Conselhos Operários], 1968, p. 15).

[3] Sua adesão a Marx, certamente de uma maneira não dogmática, os distingue da maioria dos grupos que, ao apresentar alternativas ao marxismo-leninismo e ao capitalismo de Estado, rejeitaram uma grande parte do pensamento de Marx. Ver, por exemplo, Paul Cardan, History and Revolution: A Revolutionary Critique of Historical Materialism [História e Revolução: Uma Crítica Revolucionária do Materialismo Histórico] ou Murray Bookchin, Post-Scarcity Anarchism [Anarquismo Pós-Escassez]. Stanley Aronowitz escreve a respeito dos conselhistas que “seguindo a sugestão das obras do próprio Marx, eles defenderam que a característica distintiva do proletariado é sua capacidade para a auto-organização e a autogestão” (1972, p. 178).

[4] Nesta concepção, eles estão bem mais próximos de Marx do que os marxistas-leninistas dogmáticos que lutaram para aplicar categorias econômicas e sociais fixas e um modelo pré-determinado de organização revolucionária em todas as sociedades. O próprio Lenin se impôs tal precedente para seus seguidores em suas tentativas de impor atividades políticas particulares na esquerda internacional. Ver a discussão abaixo a respeito do Esquerdismo: Doença Infantil do Comunismo de Lenin e a Resposta a Lenin de Gorter.

[5] Pannekoek (1952), p. 14-15 [disponível em português aqui] citado em A Propos des Conseils Ouvriers et du Conseillisme [A Propósito dos Conselhos Operários e do Conselhismo] (1970), p. 2.

[6] “Em minha opinião, a base material das diferenças de opinião que separam você do que se denomina a Esquerda na Europa Ocidental, no que diz respeito às táticas sindicais e parlamentares, é precisamente a diferença entre a Rússia e a Europa Ocidental nestas áreas” (Gorter, 1930, p. 11).

[7] “O KAPD, para quem Gorter teorizou a atividade em sua Resposta a Lenin, ainda concebia seu papel como aquele de uma vanguarda organizada fora das massas (para iluminá-las e não liderá-las no sentido leninista). Porém, esta concepção foi ela mesma ultrapassada por alguns ultra-esquerdistas que se opunham à dualidade de organizações partidárias/de fábrica; revolucionários não deveriam buscar se reunir em organizações especiais distintas das massas” (Sur l’ideologie ultra-gauche [Sobre a ideologia ultra-esquerdista], p. 29).

[8] Gorter (1930), p. 15. “[…] nós ainda estamos buscando os verdadeiros líderes que não buscam dominar as massas e que não as traiam e, enquanto não os tivermos, tudo deve ser feito de baixo para cima de acordo com os ditames das massas” (Ibid.,p. 9).

[9] Gorter (1930), p. 37.

[10] Gorter (1930), p. 47.

[11] Gorter (1930), p. 47. Em vez de apresentar em detalhes agora a crítica dos sindicatos e do parlamentarismo, eu esperarei para lidar com elas mais detalhadamente mais tarde neste capítulo.

[12] Gorter (1930), p. 54.

[13] O termo alemão Betriebsorganisationen foi traduzido como organizações de fábrica, embora o sentido correto aqui seja o de organizações do local de trabalho ou da empresa. [N. T.]

[14] Gorter (1930), p. 112.

[15] Gorter (1930), p. 103.

[16] Cf. Ida Mett (1938), The Kronstadt Commune [A Comuna de Kronstadt], e Alexandra Kollontai, A Oposição Operária.

[17] É através de noções como esta que fica aparente o quanto os comunistas de conselho eram similares a Marx na maneira com que analisaram as situações sociais. Marx, no Prefácio à primeira edição alemã de O Capital, escreveu: “Meu ponto de vista, a partir do qual a evolução da formação econômica da sociedade é vista como um processo de história natural, não pode menos do que qualquer outro tornar o indivíduo responsável por relações das quais ele permanece sendo socialmente uma criatura […]” (1967, p. 10). Análises conselhistas do comportamento político sempre refletiram esta concepção.

[18] Theses on Bolchevism (1934), § 7, p. 3. Provavelmente a análise mais sucinta e valiosa da condição socioeconômica da Rússia antes de 1917 pode ser encontrada em Trotsky (1977), capítulo 1, “Peculiaridades do Desenvolvimento Social da Rússia.

[19] Theses on Bolshevism, § 9, p. 3.

[20] Theses on Bolshevism, § 13, p. 4.

[21] Gorter enfatizou este ponto em 1920. “A revolução na Rússia venceu por meio da ajuda dos camponeses pobres. Deve se ter isso em mente na Europa Ocidental e em todo o mundo” (1930, p. 17). Gorter salientou que não havia mais do que 7 ou 8 milhões de proletários em uma população de 160 milhões (p. 20). Em comparação a outras análises das condições sociais e econômicas russas, a estimativa numérica de Gorter parece um tanto generosa. Cf. Trotsky (1977), capítulo 3, “O Proletariado e os Camponeses”.

[22] Theses on Bolshevism, § 14, p. 4.

[23] Theses on Bolshevism, § 15, p. 4. De fato, grandes segmentos do proletariado insurgiram espontaneamente tanto em 1905 e 1917. No entanto, os conselhistas nunca argumentaram – como, por exemplo, Maurice Brinton faz em The Bolsheviks and Workers’ Control [Os Bolcheviques e o Controle Operário] – que as massas russas poderiam ter de fato construído um sistema socialista a partir da situação econômica existente.

[24] Em 1954, Pannekoek (1954, p. 41) escreveu em uma carta a Cardan: “A Revolução Russa […] parecia ser uma revolução proletária, os trabalhadores sendo os autores por meio de suas greves e suas ações de massa. Depois, no entanto, o partido bolchevique foi bem-sucedido em apropriar pouco a pouco o poder (a classe operária era uma pequena minoria da população); assim, o caráter burguês da Revolução Russa se tornou dominante e assumiu a forma do capitalismo de Estado”.

[25] Theses on Bolshevism, § 16, p. 4.

[26] “[…] a revolução russa não dependia de Lenin ou dos bolcheviques, mas […] o elemento decisivo nela era a revolta dos camponeses. Não foi Lenin que conduziu a revolução, mas a revolução que o conduziu” (The Lenin Legend [A Lenda de Lenin], dezembro de 1934, p. 14).

[27] Ibid., p. 10.

[28] “Ela [a Revolução Russa] foi, em poucas palavras, a última revolução burguesa, mas que foi obra da classe trabalhadora. Revolução burguesa quer dizer uma revolução que destrói o feudalismo e abre o caminho à industrialização com todas as consequências sociais que isto implica. A Revolução Russa está, portanto, na linha da Revolução Inglesa de 1647 e da Revolução Francesa de 1789, com aquelas que seguiram em 1830, 1848 e 1871” (Pannekoek, 1954, p. 40).

[29] “A experiência do bolchevismo pode servir para nós como uma lição para sabermos como o socialismo não pode ser realizado. O controle dos meios de produção, a propriedade privada transferida para o Estado, a direção central e antagonista da produção e da distribuição deixam intacta a relação capital/trabalho bem como a relação entre exploradores e explorados, entre senhores e súditos. Este desenvolvimento leva apenas a uma forma mais moderna de capitalismo, na qual o capital não é indireta, mas sim diretamente a propriedade coletiva de uma classe dominante com uma base política” (Mattick, 1962, p. 119).

[30] Ver, por exemplo, Brinton, The Bolsheviks and Workers’ Control; Serge, Kronstadt 1921; Daniels, The Conscience of the Revolution [A Consciência da Revolução]; Schapiro, The Communist Autocracy [A Autocracia Comunista]; e Berkman, The Bolshevik Myth [O Mito Bolchevique].

[31] The Struggle Against Fascism Begins with the Struggle Against Bolshevism (1939, p. 245). Ver também State Capitalism and Dictatorship (1937).

[32] Ibid., p. 255. Pannekoek faz basicamente o mesmo argumento em Os Conselhos Operários, ao mesmo tempo em que também ressalta a diferença fundamental entre o bolchevismo e o fascismo. “A similaridade das formas e métodos políticos na Rússia e na Alemanha salta aos olhos à primeira vista. Em ambas, a mesma ditadura de um pequeno grupo de líderes, assistidos por um partido poderoso, bem-organizado e disciplinado, a mesma onipotência da burocracia dominante, a mesma ausência de direitos pessoais e da livre expressão, o mesmo nivelamento da vida espiritual em uma doutrina, mantida pelo terrorismo, a mesma crueldade para com a oposição ou até mesmo para com a crítica. A base econômica, contudo, é diferente. Na Rússia, é o capitalismo de Estado, na Alemanha, o capitalismo privado dirigido pelo Estado” (1950, p. 201).

[33] “O que é denominado como socialismo de Estado se revela como capitalismo de Estado, o regime de uma nova classe exploradora, burocracia, senhora do aparato de produção, como em outros países da burguesia. Ela, também, vive à base do mais-valor” (Ibid., p. 202).

[34] Mattick (1962), p. 118. Ver também The Development of Soviet Russia’s Foreign Policy [O Desenvolvimento da Política Externa da Rússia Soviética] (1936).

[35] Theses on Bolshevism (1934), p. 17.

[36] “A doutrina do Comunismo de Partido da 3ª Internacional não pode ser julgada adequadamente salvo se sua base filosófica for completamente examinada” (Pannekoek, 1948, p. 4).

[37] Pannekoek (1948), p. 52.

[38] “Autolibertação das massas trabalhadores implica em autopensar, autoconhecimento, reconhecer verdade e erro por seus próprios esforços mentais” (Pannekoek, 1950, p. 99). Korsch defende que a falácia básica da posição de Lenin é sua noção de “que o caráter militante de uma teoria materialista revolucionária pode e deve ser sustentado contra as influências enfraquecedoras de outras tendências aparentemente hostis por quaisquer meios à exclusão das modificações tornadas imperativas pelas futuras crítica e pesquisa científicas. Esta concepção falaciosa fez com que Lenin fugisse da discussão segundo seus méritos desses novos conceitos e teorias científicos que em seu julgamento punham em risco o provado valor de luta daquela filosofia materialista revolucionária (ainda que não necessariamente revolucionária proletária) que seu partido marxista havia adotado menos de Marx e Engels do que de seus professores filosóficos, os materialistas burgueses de Holbach a Feuerbach e seu antagonista idealista, o filósofo dialético Hegel. Em vez disso, ele se manteve firme em suas convicções, preferindo a utilidade imediata de dada ideologia a sua verdade teórica em um mundo em mudança” (Korsch, 1938, p. 142-143).

[39] Pannekoek (1948), p. 54-55.

[40] Pannekoek (1948), p. 61.

[41] Pannekoek (1948), p. 56 [No original alemão não há qualquer menção a “diabinho trabalhador”; lá, se lê: “[…] o velho fetichismo das forças como ‘causas’ do movimento deve ser eliminado e estas devem ser usadas meramente como as descrições oportunas mais simples dos movimentos” (Pannekoek, 1969p. 94)].

[42] “O materialismo da classe média, identificando a realidade objetiva com a matéria física, tinha de tornar toda outra realidade, tal como todas as coisas espirituais, um atributo ou propriedade desta matéria. Nós não podemos nos surpreender, portanto, que encontramos ideias similares em Lenin” (Pannekoek, 1948, p. 62.).

[43] Pannekoek (1948), p. 63.

[44] “O marxismo de Lenin não expressava as necessidades práticas da moderna luta de classes anticapitalista internacional, mas estava determinado pelas condições específicas à Rússia. A Rússia não exigia tanto a emancipação, mas a criação de um proletariado industrial, e não tanto o fim da acumulação de capital, mas sua aceleração […]. A ‘ortodoxia’ marxiana de Lenin existia apenas de maneira ideológica, como a falsa consciência de uma prática não-socialista” (Mattick, 1969a, p. 307).

[45] Pannekoek (1948), p. 68.

[46] Pannekoek (1948), p. 71. “Diferentemente da Europa Ocidental – na qual a teoria marxista surgiu em um período no qual a revolução burguesa já estava se aproximando de seu desfecho e o marxismo expressava uma tendência real e tornada real de passar além dos objetivos do movimento revolucionário burguês, a tendência da classe proletária – o marxismo na Rússia era desde o início nada mais que uma forma ideológica assumida pela luta material para transmitir o desenvolvimento capitalista em um país pré-capitalista […]. Contudo, neste novo solo, o princípio burguês não podia se utilizar, mais uma vez, daquelas ilusões e daqueles autoenganos historicamente ultrapassados com os quais ele havia escondido de si mesmo o conteúdo burguês restrito de suas lutas de desenvolvimento em sua primeira fase heroica no Ocidente […]. Para penetrar no Leste, ele precisava de uma nova fantasia ideológica. E foi justamente a doutrina marxista tomada do Ocidente que pareceu ser mais capaz de prestar esse importante serviço histórico ao crescente desenvolvimento burguês na Rússia” (The Marxist Ideology in Russia, 1938, p. 45).

[47] “O desenvolvimento subsequente do bolchevismo demonstrou que os elementos burgueses presentes no leninismo não se deviam a uma ‘teoria falsa’ (Gorter), mas tinham sua fonte no caráter da própria Revolução Russa” (Mattick, 1962, p. 119).

[48] Pannekoek (1948), p. 75.

[49] Aqui nós vemos uma diferença fundamental entre o comunismo de conselhos e o anarquismo. Um futuro ensaio de Paul Mattick sobre o comunismo de conselhos, o anarquismo e o anarcossindicalismo discutirá em detalhes as diferenças entre estes sistemas teóricos. Ele será incluído em um livro sobre Karl Korsch que será publicado na Alemanha neste verão.

[50] Pannekoek (1948), p. 75-76.

[51] Marx & Engels (1936), Carta circular de 17 de setembro de 1879, p. 377.

[52] “Se o conteúdo essencial da revolução consiste em que as próprias massas tomem controle de seus próprios assuntos, a direção da sociedade e da produção – segue, então, que qualquer forma de organização que não permita que as massas controlem e liderem a si mesmas é contrarrevolucionária e danosa; por este motivo, ela deve ser substituída por outra forma organizacional que seja revolucionária, que permita, de fato, que os trabalhadores mesmos decidam tudo ativamente” (Pannekoek apud Gorter, 1930, p. 29).

[53] Pannekoek (1936), p. 11.

[54] Pannekoek (1936), p. 11.

[55] Pannekoek (1936), p. 12.

[56] Pannekoek (1936), p. 13. Paul Mattick descreve como os sindicatos, as organizações dos trabalhadores na estrutura do capitalismo, uma vez vistos como um meio para a libertação da classe trabalhadora, se tornaram em seu oposto, um meio para a acumulação acelerada de capital e, portanto, para um maior controle sobre os trabalhadores. “A possibilidade sob condições de uma formação progressiva de capital de melhorar as condições de trabalho e de elevar o preço do trabalho transformou a luta dos trabalhadores em uma força para a expansão capitalista. Como a competição capitalista, a luta dos trabalhadores serviu como um incentivo para maior acumulação de capital; ela acentuou o ‘progresso’ capitalista. Todos os ganhos dos trabalhadores foram compensados por uma exploração crescente, a qual, por sua vez, permitiu uma expansão de capital ainda mais rápida” (Mattick, 1937, p. 195).

[57] Pannekoek (1936), p. 15.

[58] “Sua força contrarrevolucionária não pode nem ser destruída nem atenuada por uma mudança em seus quadros, pela substituição de líderes reacionários por esquerdistas ou revolucionários” (Pannekoek apud Gorter, 1930, p. 28).

[59] “Enquanto o capitalismo for capaz de se expandir mais pelo mundo e aumentar seu volume, ele pode fornecer emprego à massa da população. Logo, enquanto atender à primeira demanda de um sistema de produção, para obter subsistência para seus membros, ele será capaz de se manter, pois nenhuma necessidade séria força os trabalhadores a construir um fim para ele” (Pannekoek, 1950, p. 92).

[60] Pannekoek (1950), p. 72. “A autodeterminação pelos trabalhadores sobre sua ação de luta não é uma demanda avançada pela teoria, por argumentos de viabilidade, mas a declaração de um fato que evolui a partir da prática” (Ibid., p. 69). Para uma excelente discussão das ocupações, ver Sur les Occupations d’Usines [Sobre as Ocupações de Fábricas] (1972).

[61] Pannekoek (1950), p. 69. “Mas estas greves provam que a luta de classes entre o capital e o trabalho não pode cessar e que quando as velhas formas não são mais viáveis, os trabalhadores espontaneamente testam e desenvolvem novas formas de ação. Nestas ações, a revolta contra o capital também é revolta contra as velhas formas de organização” (Pannekoek, General Remarks on the Question of Organization [Observações Gerais sobre a Questão da Organização], 1938, p. 147). Pannekoek escreveu depois: “Greves selvagens são explosões espontâneas, a genuína expressão prática da luta de classes contra o capitalismo, embora ainda sem objetivos mais amplos; porém, elas incorporam um novo caráter já nas massas rebeldes: autodeterminação em vez de determinação por líderes, autossuficiência em vez de obediência, espírito de luta em vez de aceitar os ditames de cima, unidade e solidariedade inquebráveis com os camaradas em vez de dever imposto pela filiação” (The Failure of the Working Class [O Fracasso da Classe Trabalhadora], 1946, p. 271).

[62] Mattick (Groups of Council Communists [Grupos de Comunistas de Conselho], 1939), p. 249. “Os trabalhadores não são antissindicalistas, mas eles consideram que hoje, em suas lutas importantes, a fim de triunfar, eles devem ignorar o órgão dos sindicatos, porque o primeiro aparato repressivo é aquele que está mais próximo dos trabalhadores, o aparato sindical” (Les Grèves Sauvages, une Réalité vers la Construction d’un Monde Nouveau [As Greves Selvagens, uma Realidade para a Construção de um Mundo Novo], 1970, p. 4).

[63] Tais crenças ainda são mantidas por amplas seções da “esquerda” americana, tanto “velhas” como “novas”. Cf., por exemplo, a posição do Novo Movimento Americano sobre a participação na campanha McGovern ou as atitudes expressas no Socialist Revolution, nº 11, sobre o mesmo assunto.

[64] Pannekoek (1950), p. 77.

[65] Pannekoek (Some Remarks on Parliamentarism [Algumas Observações sobre o Parlamentarismo], 1949, p. 52).

[66] Pannekoek (1949), p. 50. Observe a semelhança entre estas visões e aquelas de Marx, como expressa em A Ideologia Alemã: “[…] a alteração dos homens em uma escala maciça é necessária, uma alteração que só pode ocorrer em um movimento prático, uma revolução; esta revolução é necessária, portanto, não só porque a classe dominante não pode ser derrubada de qualquer outra maneira, mas também porque a classe a derrubando só poder ser bem-sucedida ao se livrar de todo estrume de eras e se tornar apta a fundar novamente a sociedade” (1947, p. 69 [1978, p. 70; 2007, p. 42].

[67] Pannekoek (1949), p. 51.

[68] Considere as atitudes do movimento antiguerra a respeito do perigo de que manifestações podem prejudicar a campanha de McGovern e que, portanto, manifestações deveriam ser adiadas para até depois da eleição.

[69] Pannekoek (1950), p. 99.

[70] Gorter (1930), p. 53.

[71] Pannekeok (The Party and the Class [O Partido e a Classe], sem data), p. 7. Na mesma discussão, Mattick argumenta que “o partido é um elemento externo na produção social assim como a classe capitalista era um terceiro fator desnecessário aos dois necessários para se levar em frente a vida social: meios de produção e trabalho. O fato de os partidos participarem nas lutas de classe indica que estas lutas de classe não tendem rumo a um objetivo socialista. O socialismo, finalmente, não significa nada mais do que a eliminação desse terceiro fator que se encontra entre os meios de produção e o trabalho” (The Role of the Party: A Discussion, sem data, p. 16).

[72] “A coordenação geral das organizações dos trabalhadores ao capitalismo viu a adoção da mesma especialização nas atividades dos sindicatos e dos partidos que caracterizava a hierarquia das indústrias” (The Masses and the Vanguard [As Massas e a Vanguarda], agosto de 1938, p. 106).

[73] Pannekoek (sem data), p. 9.

[74] “Não é possível reunir lentamente forças revolucionárias em organizações poderosas prontas para atuar em momentos favoráveis”. Tentativas de construir tais organizações sempre fracassaram com as organizações ou se tornando reformista ou desaparecendo. “Aparentemente não há maneira alguma de substituir estas organizações com novas de caráter – uma situação desesperançada para aqueles que querem organizar a nova sociedade no interior da concha da antiga” (Mattick, Spontaneity and Organization, agosto de 1949, 123-126).

[75] “Se, nesta situação, pessoas com as mesmas concepções fundamentais se unem para a discussão de passos práticos e buscam esclarecimento através de discussões e fazem propaganda de suas conclusões, tais grupos podem ser chamados de partidos, mas eles seriam partidos em um sentido completamente diferente daqueles de hoje” (Pannekoek, sem data, p. 8).

[76] Ver, por exemplo, a boa discussão de Richard Gombin deste problema em Les Origines de Gauchisme (1971), p. 103-120.

[77] Pannekoek (sem data), p. 8. Em Five Theses on the Class Struggle [Cinco Teses sobre a Luta de Classes] (reimpresso como apêndice a um panfleto da Root & Branch, Mass Strike in France [Greve de Massas na França]), ele reitera esta posição: “A liberdade pode ser conquistada pela classe trabalhadora apenas através de sua própria ação organizada, ao tomar seu destino em suas próprias mãos, no exercício devotado de todas suas faculdades, ao dirigir e organizar sua luta e seu trabalho eles mesmos por meio de seus conselhos. Para os partidos resta a segunda função, espalhar discernimento e conhecimento, estudar, discutir e formular ideias sociais e através de sua propaganda iluminar as mentes das massas. Os conselhos operários são os órgãos de ação prática e da luta da classe trabalhadora; aos partidos recai a tarefa da construção de seu poder espiritual. Seu trabalho forma uma parte indispensável na autolibertação da classe trabalhadora” (maio de 1947, p. 2-3[Rachleff não indica a referência exata; utilizo aqui, para fins de referência, a versão disponível no marxists.org].

[78] Pannekoek (1950), p. 40.

[79] Mattick (From the Bottom Up [De Baixo para Cima], na discussão na Modern Socialism [The Role of the Party], sem data, p. 17.

[80] A discussão de Gombin (1971) sobre como os diferentes grupos franceses – Informations et Correspondance Ouvrière, Socialisme ou Barbarie e a Internacional Situacionista – tentaram lidar com isso, tanto teórica como praticamente. Também se poderia olhar os documentos de tais grupos expressando seus esforços para chegar a algum tipo de compreensão, se não uma conclusão de fato (por exemplo, Organisations et Mouvement Ouvrier [Organizações e Movimento Operário], abril de 1969; Pour um Régroupement Révolutionnaire [Por um Reagrupamento Revolucionário], publicado como uma coletânea de materiais da Lutte de Classe, 1971; As We Don’t See It [Como Não Enxergamos; disponível aqui], panfleto da London Solidarity, 1972.

[81] Mattick (Workers’ Control [Controle Operário],1969b), p. 385.

[82] Mattick (Division du Travail et Conscience de Classe [Divisão do Trabalho e Consciência de Classe], 1972), p. 256.

[83] Henryk Grossmann e Paul Mattick foram os maiores contribuintes com a “teoria da crise” de Marx. Nada da obra de Grossmann está disponível em inglês. As principais ideias de Mattick podem ser encontradas em seu Marx e Keynes: Os Limites da Economia Mista.

[84] “De fato, movimentos revolucionários raramente começam com uma intenção revolucionária; isto só se desenvolve no curso da própria luta” (Brecher, Strike! The True History of Mass Insurrection in America [Greve! A Verdadeira História da Insurreição de Massa nos Estados Unidos], 1972), p. 240.

[85] “Quais são as fundações da nova sociedade? Elas são as forças sociais da comunhão e da solidariedade, da disciplina e do entusiasmo, as forças morais do autossacrifício e da devoção à comunidade, as forças espirituais do conhecimento, da coragem e da perseverança, a organização firme que vincula todas estas forças em uma unidade de propósito, todas elas são o resultado da luta de classes. Elas não podem ser preparadas antecipadamente de propósito. Seus primeiros traços vêm à tona espontaneamente nos trabalhadores a partir de sua exploração comum; e, então, eles crescem incessantemente através das necessidades da luta, sob a influência da experiência e do incentivo e instrução mútuos” (Pannekoek, 1950, p. 18-19).

[86] Pannekoek escreve da Depressão: “Nesta crise, o verdadeiro caráter do capitalismo e a impossibilidade de mantê-lo foi mostrada para a humanidade como que num holofote. Havia milhões de pessoas sem meios de prover suas necessidades vitais. Havia os milhões de trabalhadores com braços fortes, ansiosos para trabalhar; havia as máquinas nas milhares de oficinas prontas para girarem e produzirem uma abundância de bens. Mas isso não era permitido” (Pannekoek, 1950, p. 10).

[87] Revolutionary Marxism [Marxismo Revolucionário] (maio de 1935), p. 5. Como diz Pannekoek, “a classe trabalhadora é confrontada hoje com a necessidade de ela mesma tomar em mãos a produção” (1950, p. 11).

[88] Pannekoek (1950), p. 66. Ver também a discussão das greves de ocupação mencionadas acima.

[89] Brecher (1972), p. 237. Este livro é o melhor estudo que eu já vi de como pessoas se mudaram através do curso da luta.

[90] Paul Mattick Jr. (1950), p. ii na Introdução à edição da Root & Branch de Os Conselhos Operários, de Pannekoek.

[91] É claro, nós só podemos saber depois se qualquer crise dada era a crise “final”, isto é, vendo se ela de fato resultou na revolução.

[92] Brecher (1972), p. 305. Este mesmo processo é descrito nas Informations et Correspondance Ouvrière com base na experiência francesa. “A unificação da luta e sua extensão não vêm tanto do desejo por unidade e na vontade de estendê-la, mas sim:
– do fato de que seguindo a concentração das empresas, muitos trabalhadores têm interesses comuns e eles descobrem isto quando um setor limitado está em luta;
– do fato de que setores são tão interdependentes que parar uns poucos bloqueia a todos eles;
– do fato de que a resistência dos líderes a qualquer coisa que toque seu poder de tomada de decisões empurra a luta a um impasse e força os trabalhadores em greve a buscar outro apoio. A autonomia da luta não vem tanto da recusa inicial dos líderes ou delegados sindicais de apoiar uma greve, mas sim do fato de que sua posição na empresa moderna os torna absolutamente incapazes de regular os problemas da base e de que eles intervêm na luta para exercer uma função, a função sindical, totalmente oposta aos interesses dos trabalhadores […]” (La Lutte de Classe en France [Luta de Classe na França], setembro de 1969, p. 3).

[93] Gorter (1930), p. 106.

[94] É claro, há uma conexão bastante clara entre a incerteza sobre este problema e a incerteza quanto à atividade do grupo, a qual foi discutida antes neste capítulo.

[95] Pour un Régroupement Révolutionnaire (1971), p. 25.

[96] Pannekoek (1950), p. 67.

[97] Pannekoek (1950), p. 93.

[98] “Dentre as várias disposições no homem, prevalecerão aquelas que são as mais adaptadas à vida segura nas circunstâncias existentes” (Pannekoek, 1950, p. 93).

[99] Pannekoek (1950), p. 93.

[100] Pannekoek (1950), p. 94.

[101] Pannekoek (1950), p. 94. Um grupo francês contemporâneo, compartilhando da mesma perspectiva geral, analisa a situação francesa nos mesmos termos básicos: “Este sentimento de impotência é normal. Ele desaparecerá no grau que a incapacidade da classe capitalista perante a crise econômica na qual todos os países industrializados estão entrando se revelará” (L’Autogestion, L’État, et la Révolution [A Autogestão, o Estado e a Revolução], complemento especial à Noir et Rouge [Negro e Vermelho], nº 41, maio de 1968, p. 3). Talvez o fracasso desta profecia em se concretizar seja uma indicação da natureza complexa deste problema.

[102] Le Pouvoir des Conseils Ouvrières (dezembro de 1968), p. 15.

[103] Pannekoek (novembro de 1938), p. 148. Isto, é claro, contradiz tais noções como aquelas expressas por Sweezy e Bettelheim, ou seja, de que há dois períodos separados exigindo organização e comportamento bastante diferentes. (Cf. Bettelheim & Sweezy, On the Transition to Socialism [Sobre a Transição ao Socialismo], 1971).

[104] The Masses and the Vanguard (agosto de 1938), p. 108.

[105] “Os trabalhadores em luta não são um exército conduzido de acordo com um plano de ação habilmente concebido por uma equipe de líderes capazes. Eles são um povo emergindo lentamente da submissão e da ignorância, gradualmente chegando à consciência de sua exploração, de novo e de novo incitados à luta por melhores condições de vida, desenvolvendo gradualmente seus poderes. Novos sentimentos surgem em seus corações, novos pensamentos vêm à tona em suas cabeças. Novos desejos, novos ideais, novos objetivos enchem suas mentes e dirigem sua vontade e sua ação. Seus objetivos gradualmente começam a assumir uma forma mais concisa. Do simples conflito por melhores condições de trabalho, no começo, eles se desenvolvem até a ideia de uma reorganização fundamental da sociedade” (Pannekoek, 1950, p. 17-18).

[106] Pannekoek (novembro de 1938), p. 148.

[107] Pannekoek (1950), p. 67.

[108] A Propos des Conseils Ouvriers, de la Fin du Travail et du Mouvement Révolutionnaire, setembro-outubro  de 1970, p. 1.

[109] “Uma das condições essenciais da revolução é, assim, a organização das massas na forma que pode traduzir imediata e diretamente sua consciência em ações […]. Somente os conselhos, porque eles reúnem todos os trabalhadores e porque eles exercem seu poder sobre toda a vida da sociedade em cada fábrica, quarteirão e região podem responder a esta necessidade fundamental. Só eles podem assegurar a participação efetiva e imediata de todos os trabalhadores; só eles podem garantir a rapidez da realização das iniciativas da classe revolucionária” (Le Pouvoir des Conseils Ouvrier, dezembro de 1968, p. 20).

[110] “A expropriação dos capitalistas implica na destruição do aparato do Estado, o qual tem como sua função principal a proteção da propriedade individual ou coletiva. Este aparato, por sua natureza, não é capaz de nada senão o uso repressor e não pode nem ser conquistado nem transformado em um instrumento de um mítico ‘poder popular’” (Pour un Régroupement Révolutionnaire, 1970, p. 25).

[111] “Com um sistema de comitês de fábrica e conselhos operários se estendendo ao longo de amplas áreas, o proletariado cria os órgãos que regulam a produção, distribuição e todas as outras funções da vida social. Em outras palavras, o aparato administrativo civil é privado de todo poder e a ditadura proletária se estabelece. Logo, a organização de classe na própria luta pelo poder é ao mesmo tempo a organização, o controle e a gestão das forças produtivas e de toda a sociedade. É a base da associação de produtores e consumidores livres e iguais” (The Masses and the Vanguard, agosto de 1938, p. 109).

[112] Pannekoek (1950), p. 15-16.

[113] “Organização de oficina” é o termo que utilizo aqui para traduzir shop organization, o qual é, por sua vez, a tradução adotada em inglês neste texto para o termo em alemão Betriebsorganisationen. [N. T.]

[114] Pannekoek (1950), p. 19.

[115] “Os conselhos serem assembleias de trabalhadores eleitos e instantaneamente revogáveis, terem simplesmente um poder de execução da diretiva tomada em assembleias informadas, são deste modo a forma mesma que permite que todos os homens administrem sua atividade, sua produção. Eles constituem não um órgão destinado a impor a uma maioria as diretivas de uma minoria, mas a organização da grande maioria para coordenar e gerir efetivamente suas ações e seus desejos” (Le Pouvoir des Conseils Ouvriers, dezembro de 1968, p. 20).

[116] Pannekoek (1950), p. 23. Cardan escreve: “Democracia direta nos dá uma ideia da descentralização que a sociedade socialista será capaz de alcançar. Porém, uma sociedade livre industrialmente avançada também terá de encontrar um meio de integrar democraticamente estas unidades básicas no tecido social como um todo. Ela terá de solucionar o difícil problema da centralização necessária, sem a qual a vida de uma comunidade moderna colapsaria” (Workers’ Councils and the Economics de a Self-Managed Society, março de 1972, p. 14).

[117] “Pela primeira vez na história, a vida econômica, em geral e em detalhes, se encontra como um livro aberto diante dos olhos da humanidade” (Pannekoek, 1950, p. 28).

[118] “Os conselhos não são governo; nem mesmo os conselhos mais centrais possuem um caráter de governo. Pois eles têm os de impor sua vontade às massas; eles não têm órgãos de poder. Todo poder social está conferido às mãos dos próprios trabalhadores” (Pannekoek, 1950, p. 52).

[119] Workers’ Councils and Communist Organization of Society (abril de 1935). Escreve Cardan: “No entanto, a gestão operária não é apenas uma nova técnica administrativa. Ela não pode permanecer externa à estrutura do trabalho em si. Ela não quer dizer manter o trabalho como é e só substituir o aparato burocrático que atualmente gere a produção por um conselho operário – independentemente do quão democrático ou revogável esse conselho possa ser. Isso quer dizer que, para a massa de pessoas, novas relações terão que se desenvolver com seu trabalho e sobre seu trabalho. O próprio conteúdo do trabalho terá de mudar imediatamente” (março de 1972, p. 17).

[120] Cardan (março de 1972), p. 18.

[121] Pannekoek (1950), p. 34.

[122] “No comunismo, a produção não é mais um processo de expansão do capital, mas sim apenas um processo de trabalho no qual a sociedade retira da natureza os meios de consumo dos quais precisa. O único critério econômico é o tempo de trabalho empregado na produção de trabalho útil” (Communist Production and Distribution [Produção e Distribuição Comunista], agosto de 1983, p. 110).

[123] Pannekoek (1950), p. 26.

[124] Pannekoek (1950), p. 56.

[125] Eles não sentiam que estavam indo contra o cerne do pensamento de Marx quando lidavam com a distribuição. De fato, eles consideravam que suas ideais se baseavam em O Capital e na Crítica do Programa de Gotha. Pannekoek escreveu mais tarde que “o GIK [Groepen van Internationale Communisten; Grupo de Comunistas Internacionalistas], ao estudar o problema, o problema principal do socialismo, de como combinar liberdade com organização, perceberam que ele tinham apenas de continuar a linha de pensamento estabelecida por Marx em pequenas observações ocasionais em O Capital e em seus comentários sobre o Programa de Gotha dos Social-Democratas Alemães” (The Crisis in Socialist Theory [A Crise na Teoria Socialista], outubro de 1947, p. 226).

[126] Este livro foi recentemente traduzido para o francês (Temps de Travail Social Moyen: Base d’une Production et d’une Repartition Communiste [Tempo de Trabalho Social Médio: Base de uma Produção e uma Distribuição Comunistas], suplemento a Informations et Correspondance Ouvrières, nº 101, fevereiro de 1971) e inglês (The Movement for Workers’ Councils in Germany [O Movimento por Conselhos Operários na Alemanha], London, Coptic Press, 1970). Esta última é extremamente difícil de se obter.

[127] Mattick, no Prefácio à edição francesa deste documento (1971), p. 42. É claro, seu ponto se aplica a muito de nossa discussão nesta última seção a respeito da natureza do trabalho, da organização da produção e da distribuição, etc. em uma futura sociedade comunista.

[128] Mattick (1971), p. 47.

[129] Ver páginas 228-229.

[130] GIK (fevereiro de 1971), p. 32.

[131] Mattick (1971), p. 43.

Traduzido por Thiago Papageorgiou.

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