Original in English: Marxisme and Psychology
Introdução: Marxismo e Psicanálise segundo Anton Pannekoek
Anton Pannekoek foi um dos mais importantes pensadores marxistas do século 20. A sua contribuição para a teoria dos conselhos operários é inquestionável (PANNEKOEK, 1977; PANNEKOEK, 2012). A retomada do caráter revolucionário do pensamento marxista foi um de seus méritos e dos demais integrantes da corrente denominada comunismo de conselhos. Podemos dizer que o pensamento de Pannekoek se organiza a partir de dois aspectos fundamentais: um é a preocupação com a organização e a outra é a preocupação com a consciência no movimento revolucionário do proletariado. Pannekoek enfatizou a necessidade de consciência e organização por parte do proletariado e dedicou muitas páginas para trabalhar com esses elementos. No entanto, a interpretação autonomista do seu pensamento acabou evitando uma parte fundamental de sua concepção, a respeito da importância da consciência, e focalizou apenas a sua discussão sobre a organização, os conselhos operários (e a crítica das organizações burocráticas, tal como a sua crítica aos partidos e sindicatos).
O texto “Marxismo e Psicologia”, um título problemático, já que o tema abordado por ele remete para uma discussão sobre a psicanálise e não psicologia, publicado em 1938, aponta para uma das reflexões de Pannekoek sobre a questão da consciência, embora não seja o seu foco e sim as posições de alguns “freudo-marxistas”. Esse texto é interessante por tocar numa questão fundamental, a relação entre marxismo e psicanálise. Por isso é importante a leitura e análise desse breve texto.
Não efetivaremos uma síntese do texto de Pannekoek, mas apenas apontaremos alguns pontos básicos para reflexões. O primeiro ponto é a motivação de Pannekoek para entrar na questão da relação entre marxismo e psicanálise. O segundo ponto é a interpretação que ele efetiva da psicanálise, o que está relacionado com o terceiro, que é sua posição diante do freudo-marxismo. O quarto e último ponto é a sua posição diante da relação entre marxismo e psicanálise.
A principal motivação de Pannekoek em escrever tal texto remete, provavelmente, à repercussão das tentativas de aproximação entre marxismo e psicanálise no contexto dos anos 1930. Pannekoek cita, fundamentalmente, Reich e Osborn. Sem dúvida, a importância dessa aproximação ocorria não só por sua repercussão ideológica, mas também pelas iniciativas práticas, tal como o movimento Sexpol (movimento de política sexual), do qual Wilhelm Reich participou e foi um dos principais animadores, que existiu, inicialmente vinculado ao Partido Comunista Alemão, nos anos 1930. As publicações de Reich tinham um certo impacto em alguns setores da sociedade, bem como a ideia de um freudo-marxismo se expandiu nesse período, especialmente em alguns países, tal como na Alemanha. Sem dúvida, o lançamento do livro de Osborn (1966), Marx e Freud (também publicado com o título “Marxismo e Psicanálise”) foi uma das razões do breve texto de Pannekoek.
A posição de Pannekoek diante da psicanálise se manifesta em sua reflexão sobre o freudo-marxismo. Como texto político, não há citações das obras, o que dificulta uma análise mais profunda sobre as fontes de Pannekoek. Não sabemos, por exemplo, se Pannekoek leu Freud ou se realizou sua interpretação a partir de obras de comentaristas. Ao que tudo indica, Pannekoek não leu Freud e sim se apoiou na apresentação do seu pensamento por Osborn (1966), tal como se vê na discussão sobre o superego. Se Pannekoek leu Freud, deve ter sido uma leitura circunstancial e sem maior aprofundamento, pois ele comete equívocos interpretativos (geralmente os mesmos de Osborn, o que reforça a hipótese de que ele se fundamenta nesse autor ao invés de uma leitura do fundador da psicanálise).
Não cabe aqui comentar detalhadamente os equívocos interpretativos de Pannekoek a respeito de Freud (e nem dos seus acertos). É mais interessante discutir as suas reflexões sobre as questões psicanalíticas. Pannekoek afirma que o instinto de sobrevivência[1] precisam de meios materiais de satisfação e que o instinto sexual, que ele denomina “necessidades que Freud chamou de libido”, pode ter suas exigências satisfeitas “através do mecanismo da sublimação, por meio da fantasia”. Ele não afirma que isso é uma concepção de Freud e tudo indica, apesar dele não deixar claro, é uma posição assumida por ele diante desse processo, que, como veremos a seguir, é um dos fundamentos de sua posição diante do freudo-marxismo. Porém, o equívoco está em pensar que as “necessidades sexuais” não satisfeitas possam ser, paradoxalmente, satisfeitas pela fantasia. A fantasia pode ser uma “satisfação substituta” e não uma satisfação do que fica insatisfeito, o que significa que o deslocamento não resolve o problema e por isso há o inconsciente e o “retorno do reprimido”. O que ocorre é a substituição da satisfação da necessidade sexual por uma outra satisfação, não-sexual, e por isso a insatisfação continua. Ela a substitui, mas não a satisfaz. Se houvesse a satisfação, os problemas enfrentados por Freud, tal como a neurose, não existiriam. Pannekoek não desenvolve e nem aprofunda essas reflexões, e se o fizesse teria que questionar a concepção freudiana (bem como as concepções psicanalíticas alternativas de Adler, Jung, Fromm e outros).
Não poderemos aqui questionar suas afirmações sobre “superego”, “fase de homossexualidade”, “tipos de personalidade”, a sua confusão em torno dos desejos e superego e “irracionalidade”, entre outras. Vamos apenas colocar mais uma questão, sua acusação de simplificação por parte da psicanálise. É provável que Pannekoek retira tal ideia da “síntese” (problemática) de Osborn a respeito da psicanálise. Sem dúvida, em certas questões e passagens, Freud efetiva algumas simplificações, bem como não ultrapassa a episteme burguesa e efetiva um reducionismo. Porém, é preciso entender que o foco de Freud é o indivíduo e que ele elabora toda uma concepção complexa a respeito do universo psíquico (que ele denomina “aparelho psíquico”) e ultrapassa o nível individual em algumas obras. Porém, há ziguezagues na obra de Freud (é possível identificar três momentos, com alterações importantes no seu pensamento), bem como correções e aprofundamentos. Por outro lado, Pannekoek desconsidera os psicanalistas dissidentes (como Adler, Jung e outros), que apontam outros caminhos e explicações.
Pannekoek também aborda o freudo-marxismo. No texto, ele cita três autores considerados freudo-marxistas: Fromm, Reich e Osborn. Porém, o seu foco é claramente Osborn. Pannekoek efetiva uma crítica especialmente aos dois últimos. Fromm só aparece para apontar um aspecto do pensamento de Freud. Reich aparece um pouco mais e Osborn é o grande nome. Sem dúvida, seria fundamental ter abordado, para discutir a questão mais ampla do que a relação entre marxismo e psicanálise, que é a relação entre universo psíquico e sociedade, mais amplamente a contribuição de Fromm e talvez outros freudo-marxistas e psicanalistas. Porém, a crítica de Pannekoek a Osborn é acertada. O acerto de Pannekoek reside tanto na crítica do vínculo de Osborn com a concepção leninista-stalinista quanto sua reflexão sobre a psicanálise e sua suposta utilidade para o marxismo.
Porém, Pannekoek não avançou mais nessa crítica, talvez por não ter maior aprofundamento nas concepções psicanalíticas. Se houvesse, talvez poderia ter criticado vários pontos da interpretação de Osborn do pensamento de Freud e sua simplificação do mesmo. Por outro lado, no entanto, Pannekoek acerta ao criticar a relação estabelecida entre marxismo e psicanálise tendo por pressuposto a “dialética da natureza”, o que recorda a obra positivista de Engels (1986) e sua adoção e simplificação pelo stalinismo, gerando o fantasmagórico diamat (“materialismo dialético”). Essa dialética positivista não contribui para a compreensão da sociedade, do universo psíquico dos indivíduos, para suas relações, e, portanto, é apenas mais um obstáculo para o desenvolvimento da consciência humana que deve ser removido. As demais críticas de Pannekoek a Osborn são corretas, desde que não se confunda o que diz esse autor com a psicanálise e o freudo-marxismo em geral.
Sem dúvida, Pannekoek poderia ter avançado para uma crítica do freudo-marxismo de Wilhelm Reich. Este autor era mais freudiano do que marxista, não apenas através da primazia da psicanálise freudiana sobre o marxismo, mas também por reproduzir o materialismo mecanicista, bem como suas confusões na análise da família, do fascismo, entre outras[2]. Essa outra manifestação do freudo-marxismo, no entanto, é mais profunda e útil do que a de Osborn. Por outro lado, Fromm e outros freudo-marxistas, que estabeleceram outras interpretações, bem como relações, entre marxismo e psicanálise, seriam importantes e permitiriam um maior avanço nessa discussão.
O último aspecto do texto de Pannekoek que queremos destacar é sua posição diante da relação entre marxismo e psicanálise, o que remete para a questão da relação entre o indivíduo e seu universo psíquico e a sociedade. A crítica de Pannekoek a Osborn tem muitos acertos, mas termina por ser problemático a sua limitação a esse que é, provavelmente, o pior dos freudo-marxistas. Pannekoek observa, acertadamente, que é necessário ao invés de usar a psicanálise para reproduzir a propaganda burguesa e usar suas estratégias, apontar para a autonomização do proletariado. A ideia de “politizar a vida privada” e as pseudossoluções das satisfações substitutas não possuem nada de revolucionário e o exemplo com o qual ele termina, Kraft durch Freude (Força pela Alegria, organização nazista voltada para o lazer) é revelador do caráter burguês e reacionário dos adeptos da “revoluções individuais” e “liberação de subjetividades” no interior do capitalismo.
Ao mesmo tempo Pannekoek coloca a questão da criança e do adulto, retirando a ênfase psicanalítica na infância. E sua ironia é digna de gargalhada: “a conclusão lógica seria que primeiro devemos reformar a família ou, em outras palavras, que devemos revolucionar o jardim de infância para realizar uma revolução social”. De certo modo, Pannekoek tem razão, mas a desconsideração pelos processos de socialização, a formação psíquica das crianças, é problemática[3]. Otto Rühle (2021) foi mais profundo nessa questão. A sua crítica na ênfase excessiva na sexualidade também é correta (e isso se aplica a Reich também). Porém, a sua fundamentação da crítica deixa a desejar. A sua contraposição entre instinto de sobrevivência e instinto sexual, sem usar essa terminologia, aponta para a percepção correta de que a sexualidade e as reivindicações em sua relação podem ser atendidas ou substituídas na sociedade capitalista. Ela não é geradora de revolução, como supôs Reich. Porém, ao colocar que o “impulso da fome” remete a uma maior influência no sentido de reforçar o processo revolucionário, acaba simplificando a questão. Assim se perde de vista a complexidade dos seres humanos, bem como deixar a revolução na dependência de uma tal carência, a fome, sob forma coletiva, significa colocar a probabilidade de sua ocorrência diminuir drasticamente. Além disso, a fome não é suficiente para desencadear uma revolução, apesar de que a posição de Pannekoek não se reduz a isso, mas a formulação acabou empobrecendo a discussão, mesmo nos limites que ele coloca – e certamente hipotético – que é tomando por base a concepção simplificadora dos impulsos e numa divisão formal da vida emocional do ser humano.
O que podemos perceber no texto do Pannekoek é uma limitação discursiva por se orientar pelo discurso psicanalítico (e, pior ainda, empobrecido por Osborn) e pelo seu objetivo de refutação das teses e conclusões de determinados autores. Ao enfatizar a refutação de Osborn e sua psicanálise simplificadora – o que torna os problemas realmente existentes na psicanálise freudiana ainda mais graves – acabou exagerando suas posições, que também acabaram se tornando simplificadoras. Obviamente que é equivocado pensar que “a verdadeira revolução das massas deve se preocupar principalmente com a superestrutura ideológica da sociedade”[4] e podemos concordar com a afirmação de que a concepção segundo a qual “o principal esforço deve ser colocado na agitação na esfera da superestrutura” significa “convidar a uma disputa com moinhos de vento”. Porém, ao contestar o “superestruturalismo”, corre-se o risco de cair no economicismo. Assim, é preciso recordar que a luta de classes está em todos os lugares (KORSCH, 1973), inclusive nas formas sociais (“superestrutura”), e que esta tem uma função fundamental na reprodução da sociedade capitalista e, por conseguinte, é um lugar de luta e atuação. A relação entre modo de produção e formas sociais também precisaria ser efetivada e como esses processos estão entrelaçados num processo revolucionário. Assim, Pannekoek, ao combater corretamente a ênfase unilateral na “superestrutura”, acabou caindo, pelo menos pela forma que aparece no texto, no erro oposto, que foi a ênfase unilateral na “relação econômica”.
Em síntese, a abordagem da psicanálise por Pannekoek padece de uma compreensão mais profunda da mesma e isso gera sua crítica mais geral e que se desdobra na crítica do freudo-marxismo, em sua versão mais problemática e simplificada, pois aliada ao leninismo. Da sua recusa da psicanálise e freudo-marxismo, também decorre uma concepção limitada da relação entre universo psíquico e sociedade. Nesse sentido, o texto de Pannekoek é uma boa contribuição para a crítica de um freudo-marxismo limitado e ideológico, bem como de sua versão empobrecida da psicanálise, mas é preciso que se veja também que ela tem limites, que se manifestam na confusão entre a versão e a verdade[5].
Ou, em outras palavras, a crítica de Pannekoek é interessante e em muitos aspectos acertadas, mas no que se refere a uma versão simplificada da psicanálise e freudo-marxismo e não no que se refere a estas concepções em sua complexidade. Isso gera um problema derivado que é a posição diante da realidade, mas que é compreensível no contexto da discussão, embora não seja aceitável e que é necessário senso crítico para perceber isso e avançar na reflexão sobre o processo da luta de classes e da luta pela transformação radical e total das relações sociais.
Referências
ENGELS, Friedrich. A Dialética da Natureza. 4a edição, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.
KORSCH, Karl. El Joven Marx como Filósofo Activista. In: SUBIRATS, E. (org.). Karl Korsch o el Nacimiento de uma Nueva Época. Barcelona: Anagrama, 1973.
OSBORN, Reuben. Psicanálise e Marxismo. Rio de Janeiro: Zahar, 1966.
PANNEKOEK, Anton. Los Consejos Obreros. Madrid: Zero, 1977.
PANNEKOEK, Anton. Partidos, Sindicatos e Conselhos Operários. Rio de Janeiro: Rizoma, 2012.
REICH, Wilhelm. A Revolução Sexual. 8ª edição, Rio de Janeiro: Guanabara, 1988.
REICH, Wilhelm. O Que é a Consciência de Classe? Lisboa: Textos Exemplares, 1976.
REICH, Wilhelm. Psicanálise de Massas do Fascismo. 2ª edição, São Paulo: Martins Fontes, 1988.
RÜHLE, Otto. A Mente da Criança Proletária. Goiânia: Edições Redelp, 2021.
SARTRE, Jean-Paul. Questão de Método. São Paulo: Difel, 1968.
VIANA, Nildo. Hegemonia Burguesa e Renovações Hegemônicas. Curitiba: CRV, 2019.
VIANA, Nildo. O Modo de Pensar Burguês. Episteme Burguesa e Episteme Marxista. Curitiba: CRV, 2018.
VIANA, Nildo. Universo Psíquico e Reprodução do Capital. Ensaios Freudo-Marxistas. São Paulo: Escuta, 2008.
[1] Pannekoek coloca “impulso de autopreservação” e não entraremos aqui na polêmica da tradução mais fidedigna dos termos usados por Freud, entre os quais o debate se são “instintos” ou “pulsões” – ou, ainda, impulsos –, pois consideramos que instintos é mais adequado e nos posicionamos a favor dos que defendem tal concepção.
[2] As análises mecanicistas de Reich podem ser vistas em obras como Psicologia de Massas do Fascismo e O que é Consciência de Classe? (REICH, 1976; REICH, 1988). Isso não retira alguns méritos de algumas de suas reflexões, tal como a crítica da contrarrevolução na Rússia em sua obra A Revolução Sexual (REICH, 1988).
[3] E, nos casos individuais, não é possível desconsiderar a importância da infância, embora ela seja relativa dependendo dos indivíduos concretos. Não foi sem motivo que Sartre (1968) ironiza os marxistas que consideram que o indivíduo só passaria a existir quando recebia o seu primeiro salário. E tal importância pode ser coletiva, quando atinge determinada geração, possuindo efeitos posteriores, entre outros processos. Claro que isso é diferente da posição de Osborn e não é disso que Pannekoek está tratando mais exatamente, embora a sua posição necessitaria ampliar a reflexão, o que poderia mudar a consideração efetivada por ele.
[4] Pannekoek reproduz nesse texto algo bastante comum em suas obras, que é a imprecisão terminológica. E no próprio texto a palavra ideologia aparece com mais de um sentido, tendo inclusive uma breve referência à ideia de “falsa consciência”, ao mesmo tempo que usa o termo no sentido amplo (e próximo de cultura) ao falar de “superestrutura ideológica”.
[5] A questão do inconsciente coletivo, dos sentimentos, entre outros processos psíquicos, são fundamentais para entender a dinâmica da luta de classes na sociedade capitalista, inclusive como a classe dominante manipula e consegue canalizar a insatisfação para processos que permitem a sua reprodução, bem como é fundamental entender a força da mentalidade burguesa (VIANA, 2008) e da episteme burguesa (VIANA, 2018; 2019). A revolução proletária, ao contrário de todas as revoluções anteriores, pressupõe um processo de autoconsciência, cujo auge será no processo revolucionário, mas que precisa de elementos antecedentes para atingi-lo.
Nildo Viana, outubro de 2020.
Marxismo e Psicologia – Anton Pannekoek
Publicado em International Council Correspondence, Vol. 4, 1938, n. 1, Fevereiro
Diante da presente derrota do movimento operário ao redor do mundo, os trabalhadores militantes sentem uma necessidade crescente de reorientação. Os princípios da luta de classes estão sujeitos a uma crítica radical. Pretendemos formular e discutir tendências típicas de tal crítica. O que se segue é uma reflexão própria.
A teoria do velho movimento operário era racional e objetivista, porém as massas não agem de acordo com suas necessidades econômicas claramente inteligíveis. As ideologias, e não os interesses econômicos, parecem ser o fator determinante nas mentes das massas. Só é realista reconhecer este fato e criar a propaganda e formas organizacionais que correspondem a tal conhecimento. Um questionamento sobre os reais motivos da conduta em massa, com objetivo de encontrar instrumentos para controlar e guiar essa conduta, deve, portanto, tornar-se uma parte principal de toda teoria da luta de classes. A psicologia parece ter sido selecionada para completar e substituir parcialmente o conhecimento “objetivo” que o marxismo nos deu.
Apesar de sua crescente influência, uma formulação teórica consistente dessas visões ainda não existe na literatura radical americana. Na Europa, devido à atual experiência do fascismo, encontramos muitas tentativas de “completar” a teoria marxista da luta de classes via “psicologia social”. Tomamos a teoria de alguns dos expoentes da Escola Freudiana como representativa dessa corrente teórica, porque os argumentos que eles deram, até o momento, são as formulações mais claras e rigorosas. Embora nossa crítica seja limitada a uma teoria específica, a sua conclusão se estende ao problema geral indicado.
Pois as teorias que iremos discutir originam-se dessas reflexões gerais. Elas criticam o marxismo oficial por considerar o desenvolvimento da luta de classes como mecanicamente dependente de “necessidades econômicas”, e por não considerar suficientemente a importância do fator subjetivo na história. É necessário, escreve Wilhelm Reich, um dos fundadores do movimento chamado Sex-Pol, reconhecer as “ideologias como poder material”. Em 1932, pelo menos 30 milhões de alemães queriam socialismo, quase todo o país era anticapitalista, mas ainda assim o vencedor foi o fascismo – o salvador do capitalismo. “Isto não é um problema socioeconômico, mas um problema da psicologia de massas”. A “falta de compreensão dos fatores psicológicos envolvidos” foi uma das razões principais pelas quais as organizações do movimento operário alemão foram incapazes de resistir ao fascismo (Reuben Osborn). A psicologia social analítica é, portanto, considerada “essencial para os marxistas”. Ela irá “elevar a qualidade da propaganda revolucionária e a colocará em nível científico”.
I.
A Psicologia social analítica deriva suas concepções e métodos fundamentais da teoria da consciência humana que Freud desenvolveu como base de trabalho da sua terapia das neuroses.
A descoberta genuína de Freud diz respeito ao “inconsciente”. Ele descobriu que por baixo de toda consciência há uma grande parte de nossa mente da qual não estamos cientes em circunstâncias normais. O inconsciente contém todo tipo de imagens e desejos proibidos[1]. A parte biológica da personalidade que se expressa nos desejos, Freud e a maior parte dos seus discípulos identificaram com duas pulsões principais[2]: uma de autopreservação, e a outra, uma pulsão sexual amplamente concebida, a “libido”. Todo ser vivo é dominado pelo “princípio do prazer”. Ele tende a atingir o máximo de satisfações de seus impulsos. Os desejos são irracionais e amorais. Eles não são guiados pelas possibilidades objetivas de realização e não têm noção do que é considerado certo ou errado na sociedade. O “princípio do prazer” confronta, assim, com o “princípio da realidade” num conflito que torna necessário abrir mão da gratificação imediata dos impulsos para evitar a dor.
Em contraste com os impulsos de autopreservação, que, em geral, podem ser adiados por um período relativamente curto, os impulsos sexuais podem ser consideravelmente adiados. Eles também podem ser forçados para o inconsciente (repressão), ou seus objetivos podem ser substituídos por objetivos em diferentes esferas da realidade (sublimação)[3]. Enquanto os impulsos de autopreservação precisam de meios materiais de satisfação, as necessidades que Freud chamou de libido podem ser satisfeitas através do mecanismo da sublimação, por meio da fantasia. A classe dominante usa esse mecanismo para dar às massas o tipo de satisfação emocional que está socialmente disponível. A capacidade dos impulsos de se adaptar de forma ativa e passiva às condições sociais é a principal preocupação dessa teoria sociopsicológica. A adaptação é alcançada por meio das partes racionais e principalmente conscientes da mente, que atuam como uma espécie de organizadora da personalidade.
Freud distingue um outro aspecto da mente humana que ele chama de “superego”. Esta concepção é uma das partes mais ambíguas de sua teoria, mas por ser considerada especialmente importante para nosso problema, não temos como evitar lidar com ela aqui. Freud designa a sua função principal como “consciência moral e criadora de ideais”. O superego é considerado como a projeção social da autoridade na personalidade, como a força externa introvertida[4].
A criança que cresce na família encontra a força social na pessoa do pai. Sua razão não é desenvolvida o suficiente para adaptação; ainda não é capaz de compreender racionalmente as possibilidades de dominar os obstáculos com os quais seus desejos conflitam. A criança constrói em si mesma, por identificação com seus pais, uma autoridade arbitrária que ela adorna com os atributos do poder moral, não submetido a julgamentos racionais.
Uma vez que o superego é formado na personalidade da criança, ele sempre será projetado sobre as autoridades dominantes na sociedade. O ser humano atribuirá às autoridades a qualidade do seu próprio superego e desta maneira o tornará inacessível à crítica racional. Assim, ele acreditará em sua sabedoria e poder em uma medida totalmente independente de suas qualidades reais. Os atributos reais ou propagandeados pelas autoridades, por sua vez, determinarão pelo mesmo mecanismo o conteúdo do superego e se identificarão com ele. Por meio desse processo de identificação, os psicanalistas explicam como a religião, o Estado, os líderes e os outros fetiches sociais podem ter uma influência tão grande. Eles têm a mesma função na mente adulta que o pai e a mãe tinham na infância.
E, como o medo de punição da criança foi o fator decisivo na formação do superego nesse período, então a existência de uma coerção social direta é o fator decisivo no crescimento do superego e sua identificação com a autoridade social. Os comandos irracionais do superego perderiam seu poder, a parte racional da mente humana triunfaria facilmente se a coerção física deixasse de funcionar[5].
Como a função do superego só pode ser compreendida analisando a história de vida da personalidade, a estrutura geral da personalidade é, de acordo com Freud, apenas compreensível por uma análise do desenvolvimento da vida instintiva por meio da qual normalmente procede em seu ajuste com a família e a sociedade. Esta é outra fase da teoria de Freud que parece bastante estranha, especialmente na forma condensada aqui apresentada. No entanto, apenas uma reprodução do material clínico sobre como as forças psicológicas são atribuídas à infância do indivíduo é suficientemente clara. A criança ama primeiro a si mesma, depois a seus pais. Freud caracteriza sua estrutura sexual neste segundo período com referência ao rei Édipo, que amou e se casou com sua mãe. Após uma fase de homossexualidade, o desenvolvimento passa para a heterossexualidade genital do adulto normal. Mas a criança pode não estar suficientemente livre dos laços com um dos objetos infantis de sua sexualidade. Suas emoções podem ser fixadas lá ou, devido às experiências desagradáveis na vida adulta, podem regredir a um dos primeiros estados emocionais. A maioria das psicoses e traços de caráter anormais estão enraizados no reconhecimento de necessidades emocionais que não têm permissão para entrar na consciência. Todos eles representam um afastamento da realidade. O método da psicanálise, com seu aprofundamento na história de vida do paciente, torna-o consciente das causas inconscientes de sua neurose e assim o ajuda a superá-la.
Como o principal desenvolvimento da vida instintiva ocorre na infância, a pesquisa sobre a estrutura psicológica da família é um dos principais objetivos das teorias aqui discutidas. As raízes da moral e da religião no ser humano são reduzidas às influências da educação. O caráter metafísico da moral é assim dissolvido. Toda a ideologia da sociedade é reproduzida na criança durante seus primeiros quatro ou cinco anos. A família é entendida como o agente psicológico da sociedade. Ela é a fábrica de ideologias.
As várias formas de suprimir as pulsões emocionais na família burguesa tornam a criança tímida, suscetível à autoridade e obediente – em uma palavra, ela pode ser educada.
Por meio da família, a sociedade autoritária produz um tipo autoritário de mente. Ela é o resultado de um desenvolvimento incompleto da vida emocional e de uma fraqueza do poder racional, ambos devido a supressões na infância típicas dessa forma de sociedade. A atitude autoritária é caracterizada por suas diferentes reações, dependendo se são dirigidas contra um indivíduo forte ou fraco. Se as personalidades podem ser divididas em dois tipos, os quais um é principalmente agressivo em relação aos que estão no poder e simpático aos desamparados, e o outro tem simpatia com os governantes e agressividade em relação aos oprimidos, então o tipo autoritário é um representante óbvio deste último. Uma de suas características é sofrer sem reclamar. Mas o ser humano autoritário é ambivalente; ele ama e odeia seus deuses simultaneamente e, portanto, muitas vezes se rebela cegamente contra o poder existente. Sua revolta irracional, no entanto, não muda sua estrutura emocional ou a estrutura da sociedade. Ele apenas substitui uma nova autoridade pela antiga. A verdadeira personalidade revolucionária, em contraste com o tipo autoritário, é racional e aberta à realidade; em outras palavras, representa o adulto completo que não é governado por uma combinação de medo de punição e desejo de aprovação pela autoridade paterna. Seu heroísmo reside na mudança do mundo material – o heroísmo do tipo autoritário é a submissão ao destino.
Quanto mais as contradições na sociedade crescem, quanto mais cegas e incontroláveis as forças sociais se tornam, quanto mais catástrofes, como a guerra e o desemprego, obscurecem a vida do indivíduo, mais forte e difundida torna-se a estrutura emocional da personalidade autoritária. Sua abolição final somente é concebida na erradicação da vida social não planejada e na criação de uma sociedade na qual os homens governam sua vida racional e ativamente.
Assim, as descobertas dos psicanalistas mostram que a falta de planejamento na produção econômica é reproduzida por homens cujas estruturas psíquicas também são sem sentido. Eles estão vinculados e submetidos à classe dominante através do inconsciente e, portanto, por forças emocionais incontroláveis e por meio do poder irracional das crenças convencionais que ergueram em si mesmos. Somente a diminuição desses laços irracionais, o aumento da racionalidade, pode fortalecer a capacidade do ser humano de mudar suas condições sociais. Somente um tipo de propaganda e organização que leve isso em conta será capaz de criar um verdadeiro efeito revolucionário. Enquanto as massas tolerarem a propaganda feita de slogans e organizações revolucionárias baseadas na lealdade cega aos líderes, o nível de consciência de classe necessário para uma mudança radical da ordem dominante não será alcançado.
II.
Ao considerar a descrição que os psicanalistas fazem da mente do indivíduo no capitalismo, vemos que suas descobertas não se opõem à crítica da sociedade feita pela teoria marxista. Como uma crítica à psicanálise em si não é nosso interesse aqui, restringimo-nos a algumas observações sobre esse aspecto. Não há dúvida de que a hipótese do superego encontra muitas objeções. Às vezes, ela é imprecisa e inconsistente na própria apresentação de Freud, mas contribui para a investigação do problema psicológico da autoridade.
A concepção psicogenética da personalidade do ser humano com sua dissolução em um feixe de pulsões e a simplificação óbvia dessas pulsões estão abertas a críticas. Essas fraquezas teóricas se devem ao fato de que a base clínica de observações sobre as quais a psicanálise foi construída é muito estreita para interpretar as complexas atividades sociais e humanas que busca explicar. A prática psiquiátrica, ao extrair suas generalizações ousadas de um campo restrito de observações, muitas vezes simplesmente estende a atitude intelectual que tinha em relação ao paciente. Isto é possível devido às condições da nossa sociedade, que apresentam um quadro semelhante ao caso anormal na psiquiatria. Essa anormalidade da sociedade que os freudianos com seu método de investigação encontram refletida no indivíduo é objeto da análise marxista.
No entanto, as conclusões da teoria psicanalítica como as desenvolvemos aqui não são aceitas pela esmagadora maioria de seus adeptos. Nem Freud nem a maioria de seus discípulos mantêm esses pontos de vista. Por aceitarem a sociedade burguesa como permanente, não acreditam na possibilidade de mudar as relações objetivas de força que, como explicamos, são fatores decisivos para a existência da estrutura emocional. Eles oscilam entre uma atitude burguesa progressista do século XIX e o pessimismo misantrópico da sociedade autoritária moderna. O próprio Freud, como muitos de seus discípulos mais renomados, tende cada vez mais a uma atitude niilista. Isso se deve, em parte, à tendência construtiva da teoria psicanalítica que permite inúmeras brechas intelectuais.
Porém, uma interpretação consistente da estrutura emocional do ser humano, com base na psicanálise, só pode levar a uma explicação materialista do indivíduo na sociedade. Erich Fromm critica justamente o paralelo formalista que Freud traça entre o desamparo da criança na família e o adulto diante das forças sociais. Isso não é apenas um paralelo, mas uma complicada interconexão. Não é o desamparo biológico da criança pequena que é o fator decisivo em sua necessidade específica de uma forma definitiva de autoridade, mas é o desamparo social do adulto, determinado por sua situação econômica, que molda o desamparo biológico da criança e que influencia assim a forma concreta do desenvolvimento da autoridade na criança. Somente se as influências das condições econômicas sobre os impulsos libidinosos forem suficientemente consideradas, o comportamento mental do indivíduo pode ser adequadamente interpretado.
A psicologia social que, em sua base científica, procura explicar as estruturas psíquicas comuns, socialmente relevantes, dos indivíduos em um grupo, deve estar de acordo com a interpretação marxista da sociedade. A conformidade de seus resultados com a crítica revolucionária da sociedade não se deve apenas à analogia geral entre a pessoa neurótica e nossa sociedade desorganizada. Pois, quanto maior o grupo considerado, mais são as experiências de vida comuns de seus membros, a partir das quais se explica o comportamento social, idêntico à situação socioeconômica que é objeto da teoria crítica da sociedade.
Nessa identidade reside a força da psicologia social analítica e sua fraqueza crucial. É extremamente questionável se os “resultados” alcançados até agora por essa teoria na explicação do comportamento social são realmente o resultado de sua pesquisa genuína. Parece antes que a carroça foi colocada na frente dos cavalos, que não é a psicologia social que serve à análise marxista, mas esta última que ajuda nossa psicologia a encontrar suas concepções concretas. E, de fato, a interpretação crítica marxista da existência desumanizada do ser humano sob o capitalismo leva a uma compreensão muito mais abrangente das características e relações humanas que são decisivas para a transformação da sociedade.
Mas quão distante o marxismo oficial se tornou dessa tarefa prática! Os marxistas e os psicanalistas marxistas competem entre si em tentativas formalistas de provar que os “métodos” de suas respectivas “ciências” são identicamente “dialéticos”. Eles perdem seu tempo determinando os “paralelos filosóficos entre a concepção materialista da história e o caráter dinâmico e genético da compreensão de Freud do indivíduo”. A formação de sintomas nas neuroses é descoberta como “dialética na natureza”. “O ego atua como um agente sintetizador”. O desenvolvimento da libido é considerado como um “processo no qual o acréscimo da mudança quantitativa às vezes cede subitamente à transformação qualitativa”. Como tais discussões são fúteis, mesmo do ponto de vista científico limitado, exemplificaremos com um caso que Osborn discorreu sobre.
Ele se pergunta como o caráter não dialético das representações conscientes são compatíveis com o “caráter basicamente dialético do pensamento humano”. Como solução do enigma, ele propõe que os sonhos, a expressão imperturbável do inconsciente, formem o oposto dialético do processo de pensamento em estado de vigília. A agência racional no ser humano fortalece a repressão das emoções ao exagerar a incompatibilidade de suas tendências dialéticas com padrões conscientes. Como a realidade geralmente é incapaz de oferecer gratificação incondicional aos impulsos, a razão do ser humano exagera a dureza da realidade e a representa como rígida e imutável, a fim de fortalecer a repressão dos impulsos.
Determinar a estrutura lógica do nosso pensamento cotidiano e distingui-lo entre qualidades primárias e secundárias nas ciências naturais, não é nosso mecanismo emocional, mas a necessidade de ordenar o fluxo de aparências do mundo exterior com o propósito de dominá-lo. Além disso, esta dominação só é possível com base na adequação de nossas concepções e dos objetos que apreendemos através delas. Explicar a estrutura dessas concepções em termos de uma formação de reação contra os impulsos do homem é simplesmente absurdo. A função da estrutura das concepções nas ciências naturais, bem como em nossa vida cotidiana, deve ser explicada principalmente em termos do objetivo social que ambas têm que cumprir.
Entendemos que a garantia de seu caráter “dialético” é o bilhete oficial do Estado para que qualquer “ciência” seja admitida na Rússia. Mas também, fora daquele país e de seus súditos aqui e em outros lugares, tais discussões revelam a degeneração do marxismo em preocupações acadêmicas. Portanto, não nos admiramos que John Strachey elogie esta parte da exposição de Osborn como “sua descoberta teórica mais emocionante”.
III.
Os psicanalistas sociais entendem a função prática de sua teoria como um meio de “ativar as massas”. Eles querem ajudar no desenvolvimento da consciência de classe, formulando e articulando as necessidades emocionais das massas. Como estão especialmente preocupados com as necessidades sexuais, afirmam que é particularmente importante expor a função social reacionária da moral sexual e da religião. Através dessa propaganda, eles pensam que serão capazes de dissolver as ideologias burguesas e, assim, minar “um dos principais pilares do capitalismo – a predisposição das massas de suportar a opressão social e exploração”. O destino da revolução é sempre decidido pela ampla massa “antipolítica”. A energia revolucionária emerge da vida cotidiana. “Portanto”, proclamam, “politize a vida privada, o mercado, os cinemas, salões de dança, Luna Parks[6], quartos, pistas de boliche, salões de sinuca!”
Embora admitam que as relações socioeconômicas determinam a estrutura dos impulsos da massa em última instância, os psicanalistas acreditam que a verdadeira revolução das massas deve se preocupar principalmente com a superestrutura ideológica da sociedade. Eles justificam essa opinião com seu conhecimento psicológico do efeito estabilizador de classe dos laços emocionais que unem as massas aos líderes e ideologias dominantes. Eles estão convencidos de que a tendência atual ao fascismo sustenta empiricamente sua teoria e propostas reais.
Na sociedade liberal, a autoridade era velada ao indivíduo. Sua falta de liberdade foi escondida dele por sua aceitação dos fetiches de preços, propriedades e relações jurídicas como forças naturais. Essa era a falsa consciência que Marx tinha em mente quando analisou o papel do fetichismo na economia burguesa. Este disfarce desaparece cada vez mais. A autoridade direta e brutal das economias dos Estados totalitários é a direção em que a sociedade atual está se movendo. Foi preciso todos os esforços dos marxistas para, usando expressão de Lênin, “desmascarar” a falsa consciência, e mostrar o caráter fetichista da igualdade jurídica, da democracia burguesa, da religião e principalmente da mercadoria. Agora, todos esses fetiches estão caindo – as massas não se apressam em defender “sua” democracia, “sua” igualdade perante a lei, “sua” liberdade de troca no mercado ou diante de Deus ou mesmo “seus” líderes políticos! Isso, nossos psicanalistas não entendem! Eles pensam que deve haver algo errado com a teoria marxista, e isso eles acreditam ter descoberto na tendência “economicista” do marxismo oficial.
Não há dúvida de que várias escolas do marxismo contemporâneo se juntaram à classe dominante na fabricação de ideologias. A tendência objetivista em uma certa direção desse marxismo não passa de uma expressão de sua virada ideológica. Mas os psicanalistas que discutimos aqui não são de forma alguma, justificados em sua objeção, porque é apenas o seu fracasso em reconhecer a dependência econômica básica dos trabalhadores sobre os proprietários dos meios de produção que caracterizam seus pontos de vista.
A aceitação dessa autoridade econômica pelos trabalhadores era a relação básica do sistema liberal, bem como é a base da sociedade totalitária. Enquanto as massas considerarem essa autoridade na produção como necessária, enquanto não se rebelarem contra ela, a liderança da classe dominante permanecerá inabalável por tempo indeterminado. Não negamos que a existência de laços autoritários irracionais também é um fator que fortalece a relação econômica mais profunda. Mas acreditar que agora, quando a fabricação de ideologias é cada vez mais o produto de agências centralizadas com os meios técnicos mais eficientes, acreditar que só agora o principal esforço deve ser colocado na agitação na esfera da superestrutura é convidar a uma disputa com moinhos de vento.
A atual mudança na estrutura socioeconômica traz uma condição na qual a autoexplicação e justificativa dessa sociedade se torna uma produção consciente, mesmo no capitalismo; e porque as contradições da produção capitalista se intensificam diariamente, as racionalizações ideológicas que as disfarçam tornam-se cada vez mais afastadas da realidade. Agora mesmo, quando a aparência parece mais do que nunca provar a decisiva “influência material das ideologias”, a decisão está totalmente dependente de uma mudança nas relações econômicas. Não só é impossível, mas também desnecessário lutar contra as agências de propaganda dos governantes totalitários com as suas próprias armas. Essas ideologias se desintegrarão tão rapidamente quanto agora são aceitas pelas massas. Sua inconsistência com a realidade se tornará abertamente aparente no momento em que as massas forem forçadas a enfrentar a derrubada material da sociedade.
Mais do que nunca, a teoria crítica deve preocupar-se com essa transformação material fundamental. Mais do que nunca, essa teoria está ligada ao desenvolvimento da consciência daquela classe que detém as posições-chave no mecanismo de produção. E a direção desse desenvolvimento é prescrita pela necessidade de esclarecer as questões muito simples relativas a essas relações sociais básicas. No momento em que os trabalhadores assumirem os meios de produção, eles controlarão também a produção de propaganda. A produção de ideologias será substituída pela racionalidade sistemática e abrangente da autointerpretação pública. As massas trabalharão em comum esforço para desenvolver e esclarecer os princípios que determinarão a produção e organização da sociedade.
A ênfase excessiva do fator sexual torna-se especialmente evidente no tipo de propaganda que o movimento Sex-Pol propõe. Mas, além disso, a ineficiência de sua tentativa de vincular uma propaganda radical às necessidades emocionais das massas é facilmente demonstrada por sua própria teoria. Esta teoria indica que a estrutura especial dos impulsos libidinosos que determinam a atitude das massas em relação às autoridades depende totalmente da força social que essas autoridades representam. Assim, eles sempre serão capazes de usar o mecanismo de repressão e sublimação para seus fins. Esta própria faculdade dos impulsos sexuais para se adaptar às condições sociais torna-os muito menos aptos a serem usados como alavanca para a propaganda revolucionária do que os impulsos de autopreservação. Certamente não acreditamos que o problema muito complexo da consciência de classe possa ser adequadamente interpretado por uma teoria simplificadora da pulsão. Mas com base em uma divisão tão formal da vida emocional do homem, o impulso da fome será de maior influência para qualquer insurreição do que o impulso sexual facilmente adaptável.
Além disso, a teoria sociopsicológica enfatiza a importação da infância, especialmente dos primeiros quatro ou cinco anos de vida, para o desenvolvimento do poder das ideologias no ser humano. Se, portanto, a dissipação das ideologias nas massas deve ser uma condição para a derrubada da sociedade, a conclusão lógica seria que primeiro devemos reformar a família ou, em outras palavras, que devemos revolucionar o jardim de infância para realizar uma revolução social. Isso seria ainda pior do que a velha e conhecida ilusão socialdemocrata de que a revolução social pressupõe o “homem revolucionário” que só pode ser o resultado de um longo processo de educação em massa.
A proposta dos psicanalistas praticamente leva a uma propaganda de satisfações substitutas para certos impulsos que podem ser fornecidos no âmbito da sociedade capitalista. Esta propaganda política não é nova. Sempre foi usada no velho movimento operário. Suas ideias fundamentais foram a base das enormes organizações para cantar, caminhar, dançar, fazer ginástica e todos os outros propósitos – exceto a preparação séria para lutar contra o capitalismo – que quase todas as organizações operárias na Alemanha se envolveram antes de 1933. No entanto, a real função social dessa “educação revolucionária” e suas realizações práticas tornaram-se evidentes na “Kraft durch Freude” (força através da alegria) de Hitler.
[1] [N.T.] No original: “The unconscious contains all kinds of forbidden images and desires”. Na psicanálise freudiana, o termo utilizado para explicar os desejos reprimidos no inconsciente é repressão. Porém, não há correspondência em português para o termo “forbidden” no sentido de repressão e, portanto, mantivemos o original como interpretado por Pannekoek, isto é, “desejos proibidos”.
[2] [N.T.] No original: “The biological part of personality which expresses itself in the desires, Freud and the greater number of his disciples identify mainly with two drives, one of self-preservation, and the other, a broadly conceived sexual drive, the so-called “libido”.” Há toda uma discussão a respeito do termo “drive” no léxico freudiano, que pode ser traduzido como sendo “pulsão”, “impulso” ou “instinto”. Na presente tradução, preferimos traduzir drive como pulsão, e quando aparece o termo “impulse”, traduzimos este por impulsos.
[3] [N.T.] No original: “They can be forced also into the unconscious (repression), or their objectives can be substituted by other objectives on different spheres of reality (sublimation).” Na psicanálise, utiliza-se o léxico objetos para explicar o trajeto da pulsão. No entanto, mantivemos a tradução que corresponde ao que foi escrito pelo autor, ou seja, objetivos como explicação do caminho da pulsão.
[4] [N.T.] No original: “The super-ego is regarded as the projection of social authority in the personality, as the introverted external force.” O termo “introverted” pode ser pensado no léxico freudiano como introjeção, mas no presente texto, não há correspondência em português de introjeção para “introverted”. Dessa maneira, mantivemos o uso do termo “introvertida” para a tradução de como o autor se expressou.
[5] [N.T.] No original: “And, as the helplees child’s fear of punishment was the decisive factor in the formation of the super-ego in that period, so the existence of direct social force is the decisive factor in the growth of the super-ego and its identification with social authority. The irrational commands of the super-ego would lose its power, the rational part of the human mind would easily triumph if the physical social force would cease to function.”
[6] [N.T.] Os “Luna Parks” podem ser traduzidos como Parques Lunas. Tais parques são considerados como parques de atração de pequena escala, de fácil acesso, e potencialmente dirigidos ao mercado residencial ou temporário. O primeiro Parque Luna foi aberto em 1903 nos Estados Unidos, na região de Coney Island. Cf.: https://en.wikipedia.org/wiki/Luna_Park.
Traduzido por Guilherme Corrêa, a partir da versão disponível em: https://www.aaap.be/Pages/Pannekoek-en-1938-Marxism-And-Psychology.html. Revisado por Felipe Andrade.
Em russo: Марксизм и психология (Антон Паннекук, 1938 год)
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