Os Intelectuais – Anton Pannekoek (como J. Harper)

Original in English: The Intellectuals

Introdução

Nas primeiras décadas do século XX o avanço teórico do marxismo refletiu a intensidade dos movimentos revolucionários do proletariado naquele período. Com as vitórias proletárias no final do século XIX e começo do século XX (redução da jornada de trabalho, elevação do salário e leis sobre o salário mínimo, proibição do trabalho infantil, etc.) e as tentativas de revolução social (Rússia, Alemanha, Holanda, China, Índia), a burguesia empreendeu ofensivas para relativizar essas experiências de luta e contornar os efeitos da diminuição taxa de lucro por meio da adoção de mudanças organizacionais e tecnológicas na organização do trabalho, possibilitando a intensificação da exploração, ou seja, aumentar a exploração sem estender o tempo de trabalho.

No embate da luta de classes, o produto da atividade teórica vinculada ao movimento revolucionário foi capaz de perceber as mudanças da dinâmica de exploração e repressão nas relações entre a burguesia e o proletariado, e indicando o surgimento e consolidação de novas classes sociais, de novos processos sociais e de tendências na organização da sociedade capitalista. Este é o exemplo de Anton Pannekoek, tanto no conjunto de sua obra teórica, e notadamente no texto que segue abaixo.

Ainda que um equívoco na linguagem pode ser apontado, no que diz respeito ao uso do termo “classe média”, o conteúdo da reflexão de Pannekoek pode ser assimilado para fundamentar a crítica das classes auxiliares da burguesia, que formam um conjunto heterogêneo de classes responsáveis pelo poder e pelo controle da sociedade. Pannekoek não utilizou o termo “classes auxiliares da burguesia”, mas de sua análise depreende-se vários elementos que sustentam a tese de que os intelectuais (com os subgrupos dos cientistas, artistas, jornalistas, etc.) e os burocratas (do aparelho de estado, incluindo civis e militares, ou da administração do capital) formam um conjunto mais amplo de indivíduos que estão posicionados dentro da divisão social do trabalho com o objetivo de servir à burguesia, reproduzindo as condições de vida no capitalismo avançado, mas sem para tanto produzirem mais-valor (VIANA 2006, BRAGA, 2014).

O conceito adotado por Pannekoek é o de “classe média”, e em trechos do texto ele diz “classe média intelectual”, e em outros diz “classe intelectual”. No texto há um uso indiscriminado destas palavras, afirmando a existência de várias classes médias, de classe média intelectual, classe intelectual. Como o leitor compreenderá, Pannekoek confunde as atividades de direção com as atividades ideológicas, pois o que podemos afirmar é que os intelectuais não estão nas fábricas, bem como cientistas e artistas; ali encontramos os gestores da organização e funcionários com funções técnicas com maior formação escolar, além do proletariado. Sob o conceito de classe média Pannekoek reúne tanto os que exercem função de controle e direção, quanto atividades de “liderança espiritual”, de imposição de ideias, o que foi um fenômeno mais aparente na realidade nos inícios da “organização científica do trabalho”, mas desde a segunda metade do século XX evidencia um quadro social mais complexo, com classes sociais que exercem funções diferentes na divisão social do trabalho.

Como Pannekoek já afirmava, duas forças geram a passagem do capitalismo para o comunismo: uma força material, que atua nas relações de produção, e outra força espiritual, que surge e se desenvolve a partir da luta de classes. E foi da força material das relações de produção capitalistas que ao longo do século XX desenvolveu-se e consolidou-se novas classes sociais que atuam para reproduzir as condições de produção capitalistas, força que surge como contra-força das tentativas de revolução proletária, e por isso são forças contrarrevolucionárias. Hoje, sob a definição de “classes auxiliares da burguesia”, podemos distinguir e conceituar a classe social dos intelectuais (que compreende cientistas, artistas, jornalistas, etc.), a classe da burocracia (que compreende funcionários públicos e militares, e a burocracia do setor privado). Este processo não estava amadurecido na época de Pannekoek, mas o necessário esclarecimento conceitual em nossa época, pode se apoiar na essência da análise de Pannekoek, pois tendo sido feita sob a perspectiva do proletariado revolucionário, conseguiu captar os elementos essenciais dessas classes sociais, e ainda indicou tendências futuras.

Quando Pannekoek publica seu artigo “Os Intelectuais”, em 1935, ele já tinha passado por várias fases na evolução do seu pensamento, saindo do liberalismo da juventude, e transitando da social-democracia para a relação íntima com o nascente movimento dos comunistas conselhistas (BRAGA & VIANA, 2011). Em seu famoso texto “Revolução Mundial e Tática Operária”, do ano de 1920, ele já tinha expressado o significado da existência e função da intelectualidade, chamada nos países do norte-leste europeu de “intelligentsia”. Esta é formada por “padres, professores, literatos, jornalistas, artistas, políticos – forma uma classe abundante que tem por função alimentar, formar e propagar a cultura burguesa (…) O domínio do capital está ligado à sua preponderância sobre as massas” (PANNEKOEK, 1976, p. 105), sendo responsável pela “servidão espiritual” (p. 109) do proletariado na sociedade capitalista.

Em 1920, Pannekoek enfatiza os intelectuais como agentes da servidão espiritual do proletariado, já em 1935 sua ênfase é na “classe média”, ao ponto de que ele nem registra o termo “intelligentsia”, e ainda se serve do termo intelectuais, fazendo a fusão com o termo classe média. Nesses 15 anos de diferença a evolução da organização do trabalho na sociedade capitalista consolidou novas funções e atividades na divisão do trabalho, o que Pannekoek percebeu, criticou e indicou o que aconteceria no futuro. Sua perspectiva fundada na luta do proletariado revolucionário foi o motor da interpretação deste processo, daí que se errou na palavra, acertou no conteúdo.

A classe média intelectual tem, segundo Pannekoek, o mesmo nível de renda, um modo de vida similar, frequenta o processo escolar até o nível mais alto, e o custo de sua força de trabalho é mais elevado, quando comparado ao do proletariado, sendo que no fundo, ambos sobrevivem da venda da força de trabalho, razão pela qual Pannekoek critica a social-democracia por confundir intelectual com proletário. Desses pontos em comum, a classe média intelectual tem por interesse a “organização da produção” e o “controle sobre a sociedade”, pois no primeiro lugar, onde controlam a organização, eles elevam a produtividade, mas onde reina a classe capitalista e os políticos governam, o que lhes incomoda é a desordem social e o desperdício de trabalho. Assim, a classe média intelectual quer governar, mas segundo Pannekoek é frágil e incapaz de impor seu projeto de sociedade.

É da sua fraqueza enquanto classe que a classe média intelectual é constrangida a se relacionar com o proletariado e utilizá-lo em nome dos seus interesses de classe específicos, que apontam para a organização burocrática e para a produção capitalista. O socialismo dos intelectuais, usando expressão de Makhaiski, é um socialismo para os trabalhadores, e não feito pelos trabalhadores, conforme a conclusão de Pannekoek. Para a classe média intelectual, a hierarquia e o conhecimento são fontes de poder e de controle, o que torna essa classe incapaz de realizar interesses universais de toda a humanidade. É por isso que Pannekoek afirma que a intelectualidade está atrás da burguesia e do proletariado, por ser incapaz de avançar tanto quanto os trabalhadores, ao mesmo tempo em que não pode mais que introduzir políticas que constroem e satisfazem as experiências capitalistas.

Para assentar a rejeição da aliança com a intelectualidade para a luta revolucionária, Pannekoek se faz a seguinte pergunta: “Não é necessário que nestes momentos mais difíceis de luta e reconstrução social, as massas ignorantes sejam direcionadas por aqueles que têm os melhores cérebros?” Para Pannekoek, a ciência não é a salvação. Ele, um renomado cientista da matemática e da astronomia, relativiza o papel da ciência na organização social, posto que o mais importante são as forças sociais e os conhecimentos sobre essas forças sociais, enfatizando o conhecimento como sendo fundamental para os trabalhadores, mas um conhecimento que socialmente direcionado e fundamentado nas experiências da vida social e da associação dos trabalhadores. O proletariado cresce com o conhecimento da vida social, ao passo que para a classe média intelectual o que interessa são as “imagens espirituais, concepções, teorias e abstrações” de suas máquinas físicas. As mentes da classe média se apegam às ideias de um período passageiro, pois ela reproduz a sociedade existente, ao passo que as mentes do proletariado voltam-se para o futuro, para os objetivos de sua luta e organização. Para Pannekoek, ainda que o proletariado não domine as técnicas e conhecimentos da classe média, seu conhecimento é muito mais relevante, pois fundamenta-se na própria vida social.

Esta tradução de Pannekoek, compreendida dentro dos limites e avanços da época, e buscando conhecer os avanços do movimento atual, vem para contribuir com os interessados na luta pela transformação radical da sociedade, apontando assim, para uma sociedade sem intelectuais no futuro da humanidade, tendo em vista os prejuízos que estes significam para o nosso momento presente.

Referências
BRAGA, Lisandro. Intelectualidade e Perspectiva de Classe. Revista Despierta, v. 01, p. 03-28, 2014.
BRAGA, Lisandro; VIANA, Nildo. A Questão da organização em Anton Pannekoek. Rio de Janeiro: Achiamé, 2011.
VIANA, Nildo. A intelectualidade como classe social. Revista espaço acadêmico, número 63, agosto de 2006.
PANNEKOEK, Anton. Desenvolvimento da revolução mundial e táctica do comunismo. In: Os Comunistas dos Conselhos e a III Internacional (vários). Lisboa: Cadernos Peninsulares, 1976.

Diego Marques, outubro de 2020


Os Intelectuais – Anton Pannekoek

Publicado em International Council Correspondence, vol. 1, no. 12. Outubro 1935.

A classe média intelectual, os engenheiros, cientistas, funcionários técnicos etc. são partes necessárias da produção industrial, tão indispensáveis quanto os próprios trabalhadores. O progresso técnico, com trabalhadores sendo substituídos por máquinas, tende a aumentar seu número. Portanto, seus interesses de classe e seu caráter de classe devem ser de importância crescente na luta de classes.

Seu crescimento numérico reflete a importância crescente da ciência e teoria na produção das necessidades vitais. Em uma sociedade comunista, todos participarão do conhecimento científico. Na sociedade capitalista, ele é um privilégio e especialidade de uma classe separada, a classe média intelectual.

Os membros dessa classe, ao contrário da velha classe média independente de pequenos empresários, vivem da venda de sua força de trabalho aos capitalistas. Seus salários indicam um custo de vida mais alto e uma educação mais cara do que a dos trabalhadores comuns. Na imprensa socialista, eles são chamados de proletários; (na verdade, eles não são os detentores dos instrumentos de produção) que precisam unir-se aos trabalhadores. Porém, eles são somente as categorias inferiores que se fundem gradualmente em mão de obra qualificada. Os escalões mais altos, por origem e padrão de vida, por relacionamento, posição social e cultural, sentem-se homens de classe média que podem ascender até mesmo à posição de diretor, e assim serem classificados como grandes capitalistas. Algum deles simpatizavam com a social-democracia, mas a maior parte foi preenchida com o espírito capitalista de esforçar-se para atingir uma melhor posição apenas para si próprios. Na Itália e Alemanha, eles formam a espinha dorsal intelectual do fascismo.

Quais são os ideais sociais desta classe?

Eles percebem que o capitalismo não é eterno; já percebem os sinais de seu declínio: nas crises econômicas, nas revoltas e revoluções políticas, nas lutas sociais, na guerra mundial. Não é a exploração do trabalho que os incomoda no capitalismo; é a desordem no capitalismo, a anarquia na produção que provoca suas críticas.

Onde a fábrica é dirigida por eles, a eficiência do trabalho por meio de ordem estrita e regulamentação consciente é elevada ao mais alto grau. Mas fora da fábrica, na sociedade, onde capitalistas, acionistas e políticos governam, eles veem a pior desordem e ineficiência, um escandaloso desperdício de trabalho humano e a consequência inevitável: pobreza e ruína para toda sociedade.

O que eles querem, portanto, é organização da produção, regulação consciente do trabalho sobre toda sociedade. Eles sentem-se os líderes espirituais, a classe do intelecto e do conhecimento destinada a assumir a liderança das mãos incapazes dos atuais governantes. Nos Estados Unidos, as ideias de “tecnocracia” são os primeiros indícios deste modo de pensamento. Por meio de uma gestão científica de toda produção sob uma direção central que elimina a competição e despoja os capitalistas individuais de seu poder arbitrário, a quantidade da produção pode ser elevada a tal altura que haverá abundância para todos.

Este ideal social da classe média intelectual é um tipo de socialismo, mas não é necessariamente dirigido contra a classe capitalista. Ele não significa expropriá-los ou tirar-lhes o lucro. Ao contrário, ao privá-los de seu poder arbitrário de prejudicar uns aos outros, ao abolir o enorme desperdício, ele aumentará a produtividade do trabalho a tal patamar que os lucros aumentarão consideravelmente. E, ao mesmo tempo, torna possível um aumento e amparo de uma parcela de trabalhadores, de modo que todo motivo de revolta ou revolução seja retirado.

Não é um socialismo dos trabalhadores, mas um socialismo para os trabalhadores; um socialismo feito por outros, mas também em benefício dos trabalhadores. A exploração dos trabalhadores não cessará; ela será feita de maneira mais racional. Com justiça igualitária este sistema social pode ser chamado de “capitalismo organizado”.

Sem dúvidas, não há lugar para a democracia neste sistema. Democracia significa, ao menos formalmente, governo da massa, de todo o povo. Mas esse socialismo se baseia no comando e na liderança de poucos indivíduos pertencentes a uma minoria intelectual. No capitalismo atual, a classe média técnica são os líderes e dirigentes do processo de trabalho; eles comandam os trabalhadores.

Eles podem imaginar uma sociedade ideal somente com essas funções de liderança e comando preservadas e estendidas. A classe intelectual não admite diferenças baseadas em nobreza por nascimento ou riqueza; mas admite diferenças de cérebros e capacidades mentais, considerando a si mesma como a classe de homens com os melhores cérebros, escolhidos para liderar as grandes massas de pessoas comuns sem talentos, destinadas a serem trabalhadores comuns.

Consequentemente, o sistema político pertencente a esse socialismo de classe média nunca pode ser democracia; ele deve ser a ditadura de uma burocracia dirigente. O socialismo era internacional, uma vez tendo proclamado como seu objetivo social o da vanguarda da classe operária. Porque eles viam a produção como um processo unitário mundial e a luta de classes dos trabalhadores como uma causa comum da classe operária de todo mundo. A classe intelectual, entretanto, devido à sua origem de classe média com relações próximas à classe capitalista, possui um forte sentimento nacional. Além disso, o instrumento necessário para a regulação da produção existe como órgão de poder do Estado. O seu objetivo socialista significa, portanto, um socialismo de estado nacional. O seu governo é o governo de uma burocracia estatal, seu sistema de produção é o capitalismo de estado. Unidade internacional mundial é um sonho distante para eles, não uma questão de ideais práticos.

Algumas características dos ideais sociais da classe intelectual são encontradas na social-democracia, especialmente em seu programa “socialista” de estado, embora sua relação dos líderes com as massas possua um cunho mais democrático. Na nacional-socialismo alemão, algumas dessas outras características são perceptíveis. As tendências de uma classe nunca são reproduzidas puramente em partidos políticos ou movimentos políticos. Elas são as bases subjacentes, o fluxo subterrâneo, seguindo seu curso e crescendo após leis fixas, determinadas pelos interesses de classe, pelas necessidades do desenvolvimento social e pelos sentimentos subconscientes mais profundos que as condições sociais produzem em uma classe.

Eles não estão adequadamente representados nos fenômenos aparentes, nos acontecimentos políticos, nas plataformas partidárias, nas mudanças de governo, nas medidas tomadas, nas revoluções e programas – porque dentro de todas essas tradições, os fatores de poder existente, a relação de forças de contestação ou cooperação de classes, grupos, partidos, desempenham um papel. Mas, como sempre, as realidades escondidas sob a superfície irrompem, perturbam as velhas e determinam novas ideias e eventos políticos. Portanto, temos que olhar nesses eventos as forças de classe que trabalham neles, assim como para as forças da natureza, olhamos para os fenômenos naturais.

No fascismo e no nacional-socialismo, o espírito de classe das classes médias intelectuais aparece em suas primeiras origens. Vemos, por enquanto, apenas uma revolta comum contra a democracia, com somente um desejo vago e tênue de uma política economicamente construtiva. No entanto, a força espiritual dos slogans nacional-socialistas da classe intelectual foi suficiente para afastar inúmeros trabalhadores que viam nela um poder organizador contra a desordem capitalista.

É possível que esses partidos realizem, ou tentem realizar os ideais de classe da classe intelectual? Esta classe é quase impotente contra a classe capitalista. O poder social dos intelectuais, medido por seu número, sua consciência de classe, seu sentimento social, está ainda muito abaixo do poder que a classe operária há muito tempo já alcançou. A classe capitalista na Europa e Estados Unidos é tão poderosa que não precisa tolerar nenhuma organização ou regulação da produção além de seus próprios interesses. É somente quando o capitalismo se sente extremamente enfraquecido e ameaçado por crises longas e difíceis, por revoltas operárias, por guerras mundiais, que as condições são diferentes. Então, os intelectuais, ao lado de uma parte dos trabalhadores, podem ser chamados a introduzir políticas construtivas, tendendo a experimentos capitalistas de estados.

Quando, no entanto, a classe operária levantando-se contra a insuportável opressão do capitalismo monopolista, por meio de movimentos revolucionários, conseguir derrubar o poder capitalista, o que fará a classe intelectual? Assim, a posição será invertida; a classe operária com seu poderoso poder de luta, carrega consigo as outras classes descontentes em um ataque comum contra o capitalismo. Então, grande parte da classe intelectual se juntará a elas, conquistada pelos grandes ideais socialistas e comunistas, e os considerarão como sua causa comum. Em todo movimento revolucionário na história, vemos um grande número juntando-se a ela em um entusiasmo comum por objetivos mais radicais do que seus próprios ideais, portanto, tornando assim a vitória mais fácil. Mas depois pareceu que cada um dos aliados interpretou os slogans e objetivos à sua maneira, assim causando dissensões e novas lutas entre os ex-companheiros. O mesmo será, sem dúvida, o caso em futuros movimentos revolucionários.

Os slogans: contra o capitalismo, pelo socialismo ou comunismo, serão comuns às classes revolucionárias. Mas para cada classe, eles significam uma forma diferente de organização social. A classe operária deve construir a produção a partir de baixo, por meio de seu controle direto sobre as fábricas, e organizá-las por meio de seus conselhos operários em uma comunidade democrática. A classe intelectual tentará instalar um socialismo de estado organizado centralmente, dirigido por uma liderança burocrática.

A classe intelectual não está certa nisso? Não é necessário que nestes momentos mais difíceis de luta e reconstrução social, as massas ignorantes sejam direcionadas por aqueles que têm os melhores cérebros? Não é verdade que para este período essa classe minoritária selecionada, formada em ciência, em um conhecimento geral e especial, sejam os líderes naturais, até o momento em que as novas gerações tenham nascido?

Não, isso não é verdade. A organização da sociedade não é uma questão de técnica, de conhecimento científico. As técnicas de produção já são excelentes. O capitalismo desenvolveu a ciência das forças da natureza e sua aplicação em alto nível. Este é o domínio do conhecimento superior dos intelectuais. Como especialistas técnicos no processo de produção, eles podem aplicar seus cérebros para o benefício da comunidade.

Mas a organização social tem que lidar com outras coisas: com as forças sociais e com o conhecimento das forças sociais. É uma organização de seres humanos. E neste local os intelectuais não têm capacidades especiais. O que eles trazem consigo são somente os preconceitos arrogantes da classe capitalista. Na percepção social, no conhecimento das relações de classe reais da sociedade, os intelectuais estão abaixo da classe operária. Porque suas mentes se apegam a ideias pertencentes a um período passageiro. Porque fora de suas máquinas físicas, no que compete a relações humanas, eles não querem lidar com as realidades da própria vida social, mas com suas imagens espirituais, concepções, teorias e abstrações.

A organização social não depende das qualidades do intelecto de uma minoria. Depende das qualidades de caráter de todo o povo trabalhador. É a consolidação dos trabalhadores em uma unidade, por meio de fortes forças morais e econômicas, que não podem ser elogiadas pelos líderes, mas devem crescer nas massas em sua luta pela liberdade.

Assim, os ideais e objetivos sociais dos intelectuais e da classe operária se opõem. A classe intelectual, quando deve tentar estabelecer alguma ordem social, deve recorrer a velhos instintos de obediência, aos sentimentos de escravidão de uma humanidade passada. Para seus objetivos socialistas de estado, ela encontrará aliados nas plataformas sociais-democratas e partidos comunistas, em dirigentes sindicais, nas ideias capitalistas de trabalhadores tímidos e atrasados, que acreditam que a liberdade comunista é demais para eles, e nos restos derrotados da força capitalista. Então, a classe operária, encontrando a si própria em oposição a esse bloco, tentando sob a bandeira do “socialismo contra a anarquia” preservar o domínio de uma classe dominante sobre a classe operária, precisará de toda a sua sabedoria e de toda a sua unidade para encontrar e lutar em seu caminho para a liberdade.

Traduzido por Guilherme Corrêa, a partir da versão disponível em: https://www.marxists.org/archive/pannekoe/1935/10/intellectuals.htm. Revisado por Felipe Andrade.

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