A Comuna de Paris, 1871 – Maurice Brinton & Philippe Guillaume

Original in English: The Commune, Paris 1871

[Nota do Crítica Desapiedada]: disponibilizamos um dossiê sobre a Comuna de Paris. Confiram!!

À guisa de introdução ao texto

A Comuna de Paris foi a primeira grande experiência revolucionária no interior da sociedade capitalista. Ela emerge no contexto da formação do proletariado francês à luz do acelerado processo industrial e da intensa exploração das classes inferiores, que estava sob jugo do Estado bonapartista da segunda metade do século XIX. A detonação da revolução proletária comunarda se dá com a guerra franco-prussiana, em 1871, quando exército alemão cerca a cidade de Paris e a população (especialmente as classes inferiores) opta pela resistência, expulsando a classe dominante local e a destruição do estado capitalista.

É no texto A Guerra Civil na França que Marx analisa a Comuna de Paris. Trata-se de um texto fundamental para o aprofundamento do pensamento de Marx e da consolidação da teoria da revolução proletária no marxismo. A experiência francesa de 1871, como aponta Marx, significou a destruição do Estado e o esboço da abolição das relações de produção do modo de produção capitalista. Se antes desta experiência Marx só tinha utilizado o vislumbre racional para tratar do processo revolucionário, agora sua teoria ganha concreticidade com uma experiência histórica que ele chamará de “autogoverno dos produtores”.

Um dos principais elementos em que Marx extrai da Comuna de Paris é a impossibilidade do proletariado autodeterminado se apoderar da máquina estatal, já que esta é um órgão fundamental para a reprodução do capitalismo. Assim, explicita a necessidade de abolição do Estado no processo revolucionário: “[…] a classe operária não pode limitar-se a apossar da máquina do Estado como se apresenta e servir-se dela para seus próprios fins” (MARX, 2011, p. 69). Além disso, ele evidencia como a experiência comunarda atinge a totalidade das relações sociais presentes em Paris, abolindo não apenas as instituições (especialmente o Estado), mas também transformando as relações sociais cotidianas, a educação, cultura, etc. Isto significa que não foi uma mera “Revolução Política”, tal como as revoluções burguesas passadas. A revolução proletária, devido às suas próprias condições e especificidades, deve ser uma revolução que atinge a totalidade das relações sociais. A Comuna de Paris representou um dos momentos mais importantes e significativos para o movimento operário. Para o marxismo, sua expressão teórica, significou e atestou a concreticidade de sua teoria e contribuiu para o avanço de questões que ainda só estavam esboçadas na obra de Marx.

O texto aqui agora traduzido trata de um retorno ao caráter autogestionário da Comuna de Paris à partir de uma crítica as interpretações burocráticas sobre esse acontecimento. Maurice Brinton (Solidarity) e Philippe Guillaume (Socialismo ou Barbárie) tecem críticas à interpretação de Trotsky sobre a revolução comunarda. O trotskismo, um dos herdeiros do moribundo bolchevismo, colocava que um dos grandes problemas da Comuna de Paris fora a ausência de uma direção revolucionária. O presente texto dos autores evidenciam que é exatamente o contrário: o grande mérito e o caráter revolucionário desta experiência versa sobre a possibilidade dos trabalhadores autogerirem suas lutas.

O texto, apesar de contribuir com a crítica à interpretação trotskista, no entanto, não percebe o caráter de classe do trotskismo, o que só será evidenciado, posteriormente, com o desenvolvimento do marxismo autogestionário, ao captar e localizar o leninismo como uma fração radicalizada da burocracia. Mesmo assim, apesar desse limite, é um texto importante para o resgate do caráter revolucionário da Comuna de Paris, a crítica as interpretações que deformam ou ofuscam o seu real valor à luta autogestionária e a clarificação do distanciamento da interpretação de Marx com a de Trotsky sobre a Comuna de Paris.

Gabriel Teles, maio de 2020.


A Comuna de Paris, 1871 – Maurice Brinton & Philippe Guillaume

A Comuna… de Marx a Trotsky

“A cada vez que estudamos a história da Comuna nós vemos algo novo nela, graças às experiências ganhas em lutas revolucionárias posteriores …” Assim escreveu Trotsky em 1921, em seu prefácio para um livro de Talès[2] que viria a se tornar leitura básica para uma geração inteira de revolucionários franceses.

As “artimanhas da História”, como Marx se deleitava em chamá-las, confirmaram amplamentea precisão da afirmação de Trotsky. Nós podemos agora examinar a Comuna de Paris sob uma nova luz – à luz precisamente da rica experiência do Bolchevismo e do Trotskismo. Nós queremos dizer, mais especificamente, à luz de sua falência. Exposto mais concretamente, a revolução proletária de 1871 deve agora ser reavaliada à luz da degeneração da Revolução Russa e das lições positivas da luta revolucionária dos Conselhos Operários húngaros em 1956 contra a sociedade burocrática na qual os meios de produção eram completamente “nacionalizados”.

Trotsky dificilmente poderia ter previsto esses desenvolvimentos quando ele escreveu suas palavras proféticas nos dias heróicos de 1921. Isto, entretanto, não prejudica de maneira alguma sua precisão absoluta.

Para Trotsky e Talès, o grande defeito da Comuna era a ausência de uma direção revolucionária. “A Comuna”, Trotsky enfatizava, nos mostra “a incapacidade das massas de escolher seu próprio caminho, sua indecisão na direção do movimento, sua fatal tendência a parar após os primeiros sucessos…” Como isso pode ser superado? Trotsky é bem explícito: “É apenas através do auxílio do Partido, baseando-se em toda a história do passado, prevendo teoricamente os caminhos do desenvolvimento e todos os seus estágios, e extraindo deles as fórmulas necessárias para a ação, que o proletariado se livra da necessidade constante de recomeçar sua própria história …” Ele resume suas visões com sua lógica habitual: “Nós podemos olhar, página por página, através da história da Comuna. Nós encontraremos nela apenas uma única lição: deve haver a direção forte de um Partido” (ênfase nossa).

A presente geração de revolucionários viveu ou estudou a história dos últimos quarenta anos e experienciou todos os males que fluíram da hipertrofia e subsequente degeneração de tal “direção” – mesmo quando ela se provou vitoriosa em sua luta contra a burguesia. Eles testemunharam sua separação gradual das massas e sua firme conversão em um grupo dirigente, tão fundamentalmente oposto aos desejos básicos das próprias massas de administrar a sociedade quanto qualquer outro grupo dirigente anterior na história. Para os revolucionários em 1961, a Comuna de Paris de 1871 deveria ser vista como um precursor histórico do movimento de massas essencialmente antiburocrático que varreu a Hungria em 1956. As medidas tomadas pelos Communards para prevenir a emergência de uma burocracia de dentro de suas próprias fileiras seriam retomadas novamente pelos trabalhadores de Budapeste em 1956. Ambas as revoluções colocaram a questão de quem na realidade deveria administrar tanto a produção quanto a sociedade em termos inequívocos.

É interessante contrastar a apreciação bolchevique da Comuna com aquela dos grandes contemporâneos da Comuna, Marx e Engels. Em sua Guerra Civil na França, escrito enquanto os últimos Communards eram massacrados pelas forças da Versaillese vitoriosa, Marx em momento algum atribui a derrota à ausência de uma “direção forte de um Partido”. Ele fica imensamente impressionado por suas grandes e positivas realizações. Ele descreve a Comuna como “essencialmente um governo da classe operária, fruto da luta da classe produtora contra a classe apropriadora, a forma política finalmente descoberta que permitia realizar a emancipação econômica do trabalho”. Ele não diz que foi o Partido que descobriu esta forma particular, uma forma que nem ele nem qualquer outro membro da Primeira Internacional haviam previsto ou preparado. As massas em luta criaram elas próprias essa forma de organização, assim como em 1905 elas próprias iriam criar os Sovietes, em princípio denunciados pelos Bolcheviques como “organizações sectárias”. Não existe uma questão do Partido, ou de qualquer outra pessoa nesse sentido, “teoricamente prevendo os caminhos de desenvolvimento e todos os seus estágios…” Vinte anos depois, em 1891, Engels viria a escrever, “o que é ainda mais maravilhoso é o acerto de muito o que foi feito pela Comuna, composta que estava por Blanquistas e Proudhonianos”[3]. Em outras palavras, a experiência diária das massas as impelia a tomar medidas com um caráter de classe. Elas geraram sua própria consciência socialista, assistidas, mas não ditadas por revolucionários conscientes de diversos tipos.

A Comuna foi esmagada militarmente, tendo se mantido no poder por pouco mais de dois meses. Sua derrota foi uma derrota extremamente sangrenta. É pouco surpreendente que Trotsky, presidente do Comitê Militar Revolucionário de Petrogrado em outubro de 1917, brilhante estrategista militar e criador do Exército Vermelho, tenha ficado exasperado pela falta de sucesso militar da Comuna, por seus vacilos, pela “ineficiência” de vários de seus líderes e por sua total falta de uma política militar bem planejada quando confrontada com uma burguesia cínica impiedosamente preparada para destruí-la e “para restaurar a ordem por uma geração”.

O que é menos admissível, entretanto, é que o mesmo Trotsky viria a dar autoridade militar ao esforço de Talès sistematicamente para rebaixar os aspectos mais criativos e positivos da Comuna de Paris. Mas o verdadeiro culpado aqui não é nem mesmo Talès. São o próprio Bolchevismo e o Trotskismo. Se, como eles nos dizem, “a crise da sociedade é a crise da direção revolucionária”, é fácil equiparar a história da Comuna com a história de sua direção. Desse postulado, tudo flui bem logicamente … e especialmente a derrota da Comuna! Ou assim eles desejam que nós acreditemos!

A história, nessa base, torna-se uma disciplina fácil. A composição social e as ideologias predominantes do Comitê Central da Guarda Nacional[4] e da própria Comuna eram extremamente diversificadas. A influência predominante era da pequena-burguesia radical, patriótica e anticlerical. Faltava aos membros da Primeira Internacional clareza ideológica. Faltava aos Blanquistas, os revolucionários mais decididos e os mais preparados para lutar, quaisquer concepções sociais positivas. A esses fatos deveria ser acrescentada a estrutura retrógrada do proletariado parisiense naquele tempo. A concentração industrial, que havia sido alcançada muitos anos antes nos moinhos têxteis de Manchester e a qual seria realizada algumas décadas mais tarde pelo proletariado russo nas grandes obras de Putilov em Petrogrado, estava apenas começando em Paris[5].

Mas uma tal ênfase na liderança da Comuna leva imediatamente a uma contradição insolúvel. Se a história é um relato das conquistas ou defeitos das lideranças revolucionárias, como podemos explicar que a Comuna, com sua liderança pequeno-burguesa, fora capaz de introduzir ao mundo moderno as concepções mais avançadas de democracia proletária? Por que Marx refere-se a ela como “a gloriosa precursora de uma nova sociedade”? Por que Engels declarou que as medidas tomadas pelos Communards teriam, em último recurso, levado “à abolição de antagonismos de classe entre capitalistas e trabalhadores”? Porque ele provocou os filisteus da Social-Democracia com o seu famoso “Olhai a Comuna de Paris: eis aí a ditadura do proletariado!”

A Comuna introduziu a elegibilidade e a revogabilidade de todos os seus oficiais e seu pagamento com salários de trabalhadores. Estas são medidas profundamente revolucionárias. Sua aplicação irá inevitavelmente minar e destruir qualquer máquina estatal burguesa (ou burocrática). Essas demandas introduzem completa dominação popular da administração civil, do exército e do judiciário. Elas levam à criação, desde abaixo, de uma forma de organização social completamente nova. A Revolução de Outubro, em seus primeiros dias, buscou implementar essas demandas. A burocracia stalinista em desenvolvimento buscou destruí-las impiedosamente. Quase um século depois de elas terem sido primeiro promovidas pelos Communards, elas ainda formam a base de todas as lutas genuinamente revolucionárias.

Marx afirmou que os Communards haviam “assaltado o céu”. Talès explica que a história da Comuna é a história da falência de uma direção pequeno-burguesa-radical-anarquista! Sua “explicação” é vendida hoje também pelos mais grosseiros dentre os stalinistas. Isso não é um acidente. Em Março de 1961, durante as celebrações do nonagésimo aniversário em Paris, Garaudy, senador stalinista pelo departamento do Sena e burocrata da universidade pela causa do Stalinismo (completamente desconhecido na Inglaterra… e com razão), declarou: ‘A grande lição da Comuna é que a classe trabalhadora apenas pode superar seus inimigos sob a direção de um partido revolucionário. É essencial compreender essa precondição fundamental das vitórias revolucionárias em um tempo em que algumas pessoas, sob o pretexto de um desenvolvimento criativo do Marxismo-Leninismo, estão nos levando de volta às piores ilusões do socialismo pré-Marxista, ao anarquismo pequeno-burguês, ao Proudhonianismo, ou ao aventureirismo Blanquista…” Diversos Trotskistas e Leninistas não-Trotskistas concordariam com cada palavra disto[6]. Assim o fazendo, eles se revelam sucessores dignos daqueles que Marx castigou como “meros tagarelas, que por força de repetirem ano após ano o mesmo conjunto de declarações estereotipadas… infiltraram-se na reputação de revolucionários de primeira viagem”.

Como veio acontecer, nós perguntaríamos a estes cavalheiros (ou pelo menos àqueles dentre eles que se recusam a aceitar que a Rússia não é em qualquer sentido uma sociedade socialista) que no século XX, todos os movimentos revolucionários, a despeito de suas repetidas vitórias e expropriações da burguesia, e a despeito das drásticas mudanças que eles introduziram nas relações de propriedade, falharam em resultar no socialismo, que é uma mudança fundamental nas relações de produção, na relação do homem com o homem em seu trabalho e em sua vida social?

Para responder a essa pergunta é preciso uma concepção da história muito diferente daquela de Talès ou dos Bolcheviques. Um estudo sério da Comuna, que nós não podemos aqui empreender em sua totalidade, sugerirá algumas das respostas. A verdadeira história da Comuna é a história das próprias massas, lutando por condições de existência fundamentalmente diferentes, e não em primeiro lugar a história da direção. Vista sob essa luz, a história da Comuna ainda está por ser escrita.

A Comuna: Uma criação do povo

Os trabalhadores, artesãos e pessoas comuns do período não concebiam a vida social, muito menos a deles próprios, em termos de conceitos universais, mas em termos de ação. Nove em cada dez trabalhadores ainda o fazem hoje em dia. Ação é a sua linguagem. É de fato a única linguagem sobre a qual eles adquiriram completo domínio. Para os intelectuais, as palavras são frequentemente um substituto para a ação. Para os trabalhadores, as ações são uma forma de discurso. Adicionar à teoria revolucionária no curso da ação revolucionária é a tarefa essencial do proletariado revolucionário[7]. Essa foi a contribuição imortal à teoria revolucionária dos trabalhadores parisienses em 1871 e dos seus sucessores, os trabalhadores húngaros de 1956. Tal era a linguagem da Comuna, que os socialistas devem agora tentar decifrar.

A data decisiva na história da Comuna é o 18 de Março de 1871. Thiers vê os trabalhadores armados de Paris como seu principal obstáculo à conclusão de um tratado de paz com Bismarck, como um perigo em potencial para toda a França burguesa. Ele decide enviar batalhões “leais” para remover os canhões mantidos pela Guarda Nacional em Montmartre, Buttes Chaumont e Belleville, canhões comprados com subscrição pública durante o cerco. A operação começa com sucesso nas primeiras horas do dia. Após poucos disparos, as armas são capturadas em Montmartre. Mas o tempo passa. A operação foi burocrática e ineficientemente planejada. Os carros de armas necessários não chegam para remover as armas capturadas. A multidão começa a crescer. Mulheres, crianças e idosos se misturam com as tropas. A Guarda Nacional, apressadamente convocada, chega. Reina uma confusão extraordinária. Alguns soldados do 88o Regimento começam a conversar com a Guarda. Quando o General Lecomte, perdendo sua cabeça, ordena suas tropas a abrir fogo, já é tarde demais. Os soldados se recusam a atirar, viram as coronhas de seus rifles para cima, se juntam ao povo. A linguagem dos atos foi ouvida. Soldados e civis fraternizaram.

Mas os atos têm uma lógica própria. Os soldados se comprometeram. Eles levam o General Lecomte como refém. Um pouco mais tarde, o General Thomas, “o carniceiro de 1848”, é visto na multidão. Os humores se amontoam. Ambos os generais são fuzilados pelos seus próprios soldados[8].

Thiers ordena a retirada do Exército regular da cidade. Há uma retirada precipitada, em completa confusão, para Versalhes. A parte majoritária da administração civil, oficiais de governo, altos funcionários encarregados de suprimentos de comida, do correio, da luz, do sistema de esgoto, da assistência pública, da saúde pública e dos mil e um outros aspectos da vida numa grande cidade, deixam Paris repentinamente no decurso dos próximos dias. Um enorme vácuo social é criado. Tudo precisa ser criado outra vez, quase do nada, desde abaixo. E uma guerra tem que ser travada ao mesmo tempo.

Nós precisamos nos livrar do mito, que ganhou muito crédito em círculos Bolcheviques, que um Partido revolucionário sozinho teria tido as “respostas corretas” em tal momento. “Se tivesse havido em Paris uma direção Partidária”, Trotsky escreveu, “ela teria incorporado dos exércitos em retirada… uma centena ou algumas dezenas de trabalhadores devotos dando-os as seguintes diretrizes: trabalhem o descontentamento dos soldados contra seus oficiais e tirem vantagem do primeiro momento psicologicamente favorável para quebrar a relação deles com seus oficiais e trazê-los de volta à Paris para se unir ao povo”.

Trotsky fala aqui com a sabedoria da retrospectiva e de alguma forma distorce os fatos reais. O próprio Talès nos conta que “18 de Março… começou pela ação coletiva e anônima das massas e terminou em atos de iniciativa individual, militantes isolados mobilizando o apoio de comitês (locais) da Guarda Nacional”. Em 19 de Março, líderes Blanquistas como Eudes e Duval “propuseram uma marcha imediata sobre Versalhes”, mas suas propostas “não encontraram eco no Comitê Central”. Uma minoria perspicaz tinha uma ideia razoavelmente clara do que era necessário. Que a maioria não estivesse naquela altura preparada para seguir seu conselho foi um fato lamentável, mas era também um elemento objetivo da situação real. Argumentar que “se tivesse havido um Partido revolucionário, isto ou aquilo teria acontecido” é como argumentar que “se minha tia tivesse… ela seria meu tio”.

E quanto à atividade criativa da Comuna? Quais eram seus humores predominantes e o nível de consciência de seus participantes? Estes são claramente enumerados na introdução de 1891 de Engels à Guerra Civil na França de Marx. Nós não nos desculpamos por reproduzir a passagem relevante na íntegra:

“Em 30 de Março, a Comuna aboliu o recrutamento e o exército regular, e declarou que as únicas forças armadas seriam a Guarda Nacional, na qual todos os cidadãos capazes de portar armas deveriam ser inscritos. Ela aboliu todos os pagamentos por aluguel para casas habitadas de Outubro de 1870 até Abril, e valores já pagos deveriam ser reservados como pagamentos de aluguel futuros, e parou todas as vendas de artigos penhorados no escritório municipal de empréstimos. No mesmo dia, os estrangeiros eleitos para a Comuna foram confirmados no escritório, pois ‘a bandeira da Comuna é a bandeira da República Mundial’. No 1º de Abril foi decidido que o salário mais alto a ser recebido por qualquer empregado da Comuna, e portanto também pelos próprios membros, não deveria exceder 6.000 francos… No dia seguinte, a Comuna decretou a separação da igreja do estado e a abolição de todos os pagamentos estatais para propósitos religiosos assim como a transformação de toda propriedade da igreja em propriedade nacional; como resultado disso, em 8 de Abril, a exclusão das escolas de todos os símbolos religiosos, quadros, dogmas, preces – em uma palavra, ‘de tudo o que pertence à esfera da consciência do indivíduo’ – foi ordenada e gradualmente colocada em prática. No dia 5, em resposta ao fuzilamento, dia após dia, de combatentes, da Comuna capturados pelas tropas de Versalhes, um decreto foi emitido para o aprisionamento de reféns, mas nunca foi executado. No dia 6, a guilhotina foi trazida pelo 137o batalhão da Guarda Nacional, e publicamente queimada, em meio a grande regozijo popular. No dia 12, a Comuna decidiu que a Coluna do Vice-rei no Place Vendôme, que havia sido fundida a partir de canhões capturados por Napoleão depois da guerra de 1809, deveria ser demolida como um símbolo do chauvinismo e do incitamento de ódio nacional. Isso foi efetuado em 16 de Maio. Em 16 de Abril ela [a Comuna] ordenou a tabulação estatística de fábricas que haviam sido fechadas pelos fabricantes, e a elaboração de planos para a operação dessas fábricas pelos trabalhadores anteriormente empregados nelas, que deveriam ser organizados em sociedades cooperativas, e também planos para a organização dessas cooperativas em um grande sindicato. No dia 20 foi abolido o trabalho noturno para os padeiros, e também os escritórios de empregos, que desde o Segundo Império haviam sido administrados como um monopólio por criaturas nomeadas pela polícia – exploradores do trabalho de primeira categoria; esses escritórios foram transferidos para as municipalidades dos vinte distritos de Paris. Em 30 de Abril, ela ordenou o fechamento das casas de penhores baseada em que eram uma exploração privada dos trabalhadores, e estavam em contradição com o direito dos trabalhadores de terem seus instrumentos de trabalho e de terem crédito. Em 5 de Maio, ela ordenou a demolição da Capela da Expiação, que havia sido construída em expiação da execução de Louis XVI.

Assim, de 18 de Março em diante, o caráter de classe do movimento de Paris, que havia anteriormente sido empurrado para o fundo pela luta contra invasores estrangeiros, emergiu nítida e claramente. Já que apenas trabalhadores, ou representantes reconhecidos dos trabalhadores, sentavam na Comuna, suas decisões possuíam um caráter decididamente proletário.”

A Comuna nasceu da exasperação provocada pelo cerco prolongado de Paris e pelo desgosto engendrado por sua capitulação sem luta. O sentimento nacionalista ou mesmo chauvinista devia ser forte na Paris de 1871. Entretanto, a Comuna “admitia todos os estrangeiros à honra de morrer por uma causa imortal” e tornou um trabalhador alemão, Leo Frankel, seu Ministro do Trabalho. Ela “honrou os heróicos filhos da Polônia[9] colocando-os na vanguarda dos defensores de Paris” (Marx).

Muito tem sido feito pelos defensores da “hegemonia do Partido” do fato de que poucas, se quaisquer, das medidas sociais tomadas pela Comuna eram conscientemente socialistas. Aceitar que elas eram socialistas iria, é claro, negar a função exclusiva do Partido, aquela de levar “consciência socialista” à classe trabalhadora. O que os Comunardos pensavam de suas próprias atividades? A primeira proclamação do Comitê Central da Guarda Nacional, em 18 de Março, dizia: ‘Os proletários de Paris, em meio aos fracassos e traições da classe dirigente, entenderam que a hora soou para eles salvarem a situação, tomando em suas próprias mãos a direção dos assuntos públicos… eles entenderam que é seu dever imperioso e seu direito absoluto tornarem-se mestres de seus próprios destinos, apoderando-se do poder governamental”. Nós sugeriríamos que isso revela um grau extremamente elevado de consciência política, um grau que seria alcançado novamente pelos trabalhadores húngaros de 1956. Uma das razões essenciais para a degeneração da revolução russa foi que as massas russas foram incapazes de sustentar esse grau de consciência revolucionária por mais do que alguns meses. Sob a ideia errônea de que elas podiam “deixá-la para o Partido”, o que elas próprias haviam criado da sua própria carne e sangue, elas se retiraram da arena histórica. A degeneração burocrática instalou-se com o Partido como seu núcleo.

O próprio Marx estava consciente da importância da atividade autoconsciente. Ele se refere à “nova era da história” que a Comuna “estava consciente de estar iniciando”. As grandes realizações positivas da Comuna não foram gestos isolados ou artificiais, mas foram medidas que refletiam a vontade popular e determinada por ela. Talès, nosso historiador “bolchevique”, debocha do amor das massas, naquele tempo, pelo que ele chama “atos simbólicos”. Para ilustrar o seu ponto, ele cita a destruição dos monumentos. Isso porque ele nunca entendeu essa linguagem dos atos, através das quais as pessoas comuns se expressam. Quando ela derrubou a coluna Vendome, à qual Marx se referiu como um “símbolo colossal de glória marcial”, a multidão estava expressando em ações a própria noção que completa o internacionalismo, a saber, o antimilitarismo.

O Significado da Comuna

Quase todas as medidas tomadas pela Comuna podem ser explicadas através de uma compreensão das experiências diárias mais profundas das massas. Tal foi o decreto limitando a 6.000 francos por ano o maior salário pago a qualquer membro do governo revolucionário (aliás, um tal salário na prática nunca foi recebido por qualquer pessoa). Tal foi também o decreto estipulando que oficinas abandonadas pelos empregadores deveriam ser tomadas pelas organizações da classe trabalhadora e controladas por elas, pelos próprios trabalhadores.

Ambas essas medidas estavam dentre as mais características tomadas pela Comuna. Bolcheviques discutiram interminavelmente sobre a cláusula de compensação. Hoje nós nos damos conta do quão acadêmica tal discussão realmente é. O que os trabalhadores sentiram naquele tempo era a importância de eles mesmos gerirem a produção e distribuição. Contanto que eles gerissem, que importava a indenização aos donos anteriores, uma indenização cujos efeitos estariam restritos no tempo de qualquer maneira? Noventa anos depois, a burocracia chinesa iria descobrir isso novamente… e em favor de seus próprios interesses. Tendo garantido burocraticamente a si mesma a gestão efetiva da indústria, ela se permitiu o luxo de compensar – até mesmo algumas vezes de empregar – os donos anteriores como executivos assalariados!

Marx era bem consciente desses aspectos profundos da Comuna. “Quando a Comuna de Paris tomou a direção da revolução em suas próprias mãos”, ele escreveu, “quando simples trabalhadores pela primeira vez ousaram violar o privilégio governamental de seus ‘superiores naturais’ e sob circunstâncias de uma dificuldade sem igual executaram seu trabalho modesta, consciente e eficientemente… o velho mundo se contorceu em convulsões de fúria com a visão da Bandeira Vermelha, o símbolo da República do Trabalho, flutuando sobre o Hôtel de Ville”. A distância separando esta avaliação do papel da Comuna e aquela de Trotsky, que viu ser “a única lição” da Comuna a necessidade da “direção forte de um Partido” não poderia ser maior!

Quanto aos esforços da Comuna em direção a uma equalização de salários e suas demandas pela elegibilidade e revogabilidade de todos os representantes, eles refletem uma preocupação fundamental com a questão de destruir em suas próprias raízes a organização hierárquica da sociedade.

Desde então muito foi escrito e dito sobre os “Sovietes” e sobre os “conselhos operários”. Mas parece que a verdadeira natureza dessas novas formas de vida social foi esquecida por aqueles que permanecem em admiração diante de suas caricaturas burocráticas. Discutindo a Comuna, Marx escreveu:

“Em vez de decidir uma vez a cada três ou seis anos que membros da classe dominante haveriam de “representar” e esmagar o povo no parlamento, o sufrágio universal havia de servir o povo organizado em Comunas, da mesma forma que a escolha individual serve aos patrões que buscam operários e administradores para seus negócios. E é conhecido por todos que tanto as empresas como os indivíduos, quando se trata de negócios, sabem geralmente como colocar o homem certo no lugar correspondente e, se por acaso erram, sabem corrigi-lo com rapidez. Nada poderia ser mais estranho ao espírito da Comuna do que substituir o sufrágio universal por investidura hierárquica.”

“Investidura hierárquica”! Aqui está o âmago de todo o problema. Como deve a estrutura hierárquica da sociedade ser destruída e substituída? A Comuna mostrou em seus atos como isso deveria ser feito. Em todos os níveis, todos os oficiais e funcionários deveriam ser eleitos. E todos deveriam ser removíveis por aqueles que os elegeram!

Eleição direta e revogabilidade permanente claramente não são panacéias para a solução de todos os problemas. Mas em si mesmas carregam a semente da mais profunda transformação da sociedade. Um oficial ou um magistrado que se elege e que se controla o tempo inteiro já não é mais completamente um oficial ou um magistrado. Este é o parâmetro pelo qual se pode começar a medir o “atrofiamento do estado”. O conteúdo real desse atrofiamento é precisamente a eliminação progressiva da investidura hierárquica e das instituições hierárquicas.

Engels foi bem enfático nessa questão. Novamente referindo-se à Comuna, ele afirmou que “a classe trabalhadora deve… se salvaguardar contra seus próprios representantes e oficiais, declarando todos, sem exceção, sujeitos à revogação a qualquer momento” (ênfase nossa).

Tem havido muitos mal-entendidos sobre o significado do regime “comunal”, alguns deles obviamente desonestos. Assim, Trotsky, criticando corretamente alguns dos líderes da Comuna, poderia dar vazão ao seu sarcasmo: “Paris, veja você, é apenas uma comuna dentre muitas outras. Paris não deseja impor coisa alguma a ninguém. Paris não luta por uma ditadura além da ‘ditadura do exemplo’”. Mas ele continua bastante equivocado: “A Comuna foi apenas uma tentativa de substituir a revolução proletária em desenvolvimento por uma reforma pequeno-burguesa: autonomia comunal. Essa tagarelice idealista, do tipo que sacia os anarquistas de plantão, foi na realidade um disfarce para a covardia quando confrontada com a ação revolucionária, que precisava ser executada incessantemente e até o fim…”[10] Marx havia indo mais a fundo que isso. Ele ressaltou que a Comuna havia (já em Maio de 1871!) sido sujeitada a uma “multiplicidade de interpretações”, mas que nos seus aspectos essenciais eram ter sido “um governo da classe trabalhadora” e “uma forma política exaustivamente expansiva, enquanto que todas as formas de governo prévias haviam sido enfaticamente repressivas”.

O aspecto mais significativo, entretanto, da Comuna de Paris é que ela criou formas sociais que em certo sentido definem o próprio socialismo, formas sociais que servem como parâmetros para revoluções proletárias do passado, do presente e do porvir. Essas formas fornecem critérios para analisar a natureza social de qualquer regime particular. Quase um século mais tarde, sociedades podem ainda ser vistas de acordo com categorias estabelecidas pela Comuna de Paris. E é muito revelador o quão claramente as coisas se encaixam numa perspectiva adequada quando se confronta as realidades russa ou chinesa de hoje com a primeira, curta e hesitante experiência de 1871 de uma revolução genuinamente proletária e de um genuíno poder da classe trabalhadora.

Paris de 1871 – Hungria de 1956

A Revolução Húngara de 1956 é vista sob uma luz completamente nova quando olhada com a experiência proletária de 1871 em mente.

Há analogias tanto superficiais quanto profundas. Os fatos centrais da Revolução Húngara foram primeiro a ativa participação das massas e em segundo lugar o caráter antiburocrático e anti-hierárquico das demandas mais espontâneas e profundas da classe trabalhadora, demandas que emergiram cada vez mais claramente à medida que os Conselhos Operários se tornaram a única força revolucionária, nos estágios mais tardios da luta.

Nos primeiros estágios de ambas as revoluções se vê multidões de civis, mulheres, crianças e idosos a irromperem de forma maciça em cena. Sua participação total paralisa por um tempo a intervenção do inimigo. Em ambas as revoluções, existem condições temporárias para uma fraternização genuína.

Os trabalhadores húngaros de 1956 apresentam imediatamente demandas por administração da fábrica pelos trabalhadores, por uma drástica redução no diferencial de salário e pela abolição dos preços do mercado. Tal qual os parisienses, eles vão direto ao essencial. Os administradores são eleitos e submetidos ao controle contínuo e direto. Importa menos, neste aspecto, que uma parcela dos administradores anteriores tenham sido reeleitos. O que é essencial é a transformação radical de todas as relações existentes entre os homens.

Num plano mais trágico, em seus destinos cada revolução lembra uma à outra. Em ambos os casos é uma luta desesperada, amarga, combatida rua por rua, até a última gota de sangue, sem conciliação, sem submissão, como apenas homens que sabem pelo que estão lutando podem lutar e que determinaram eles mesmos os objetivos de sua luta. A despeito da derrota militar, que os revolucionários em ambas as circunstâncias vieram a enxergar como mais ou menos inevitável, foi um ideal atemporal aquele pelo que eles lutaram, um ideal a ser defendido incondicionalmente, numa luta na qual a morte inevitável era quase acolhida como uma libertação.

Em ambas as revoluções, as classes ameaçadas recorreram a uma repressão sangrenta. Isso foi feito com a ferocidade calculada a que as classes dominantes apenas recorrem quando sua prerrogativa mais fundamental é ameaçada, a saber, o seu direito de dominar. O punho de ferro então emerge da luva de veludo. A sociedade de classes se revela em suas verdadeiras cores – como a organização da violência perpétua, sistematizada, da minoria contra a imensa maioria. Que Thiers era “mais liberal” que Napoleão III é quase tão relevante nessa circunstância quanto o fato de que Khrushchev era “mais liberal” que Stálin.

Durante ambas as guerras civis, além disso, espectadores ficaram parados cinicamente nas linhas laterais (Bismarck e Eisenhower) protestando contra o uso de tanta violência, e esquecendo que essa violência de classe era apenas uma imagem da sua própria.

A trágica derrota da Revolução Húngara, tal como a trágica derrota da Comuna, ambas apelam à reflexão. Suas lições são inumeráveis. A necessidade de uma coordenação eficiente e de uma organização capaz de garantir isso deveria ser óbvia para todos. Mas que tipo de organização? Como ela deve ser desenvolvida? Quais são suas relações com as massas? Essa é a questão. Quando falamos de organização, nós estamos falando de uma organização desenvolvida através da luta das comunas, dos Sovietes, dos próprios conselhos operários.

Em seu prefácio ao livro de Talès, mencionado no começo, Trotsky escreveu:

“Antes que as amplas massas dos soldados possam adquirir a experiência de escolher e selecionar bem seus comandantes, a revolução será derrotada pelo inimigo, que é guiado pela escolha de seus comandantes pela experiência de séculos. Os métodos da democracia amorfa (simples elegibilidade) deve ser suplementada e em um certo grau substituída por medidas de seleção vindas de cima. A revolução deve criar um órgão composto por organizadores experientes, confiáveis, em que se possa[11] ter confiança absoluta, e dar a ele poderes completos para escolher, designar e educar o comando.”

Nesta última citação de Trotsky, duas pequenas palavras resumem, de certa maneira, a degeneração subsequente da grande revolução proletária de 1917: as palavras “de cima”. Ninguém nega a necessidade de seleção, particularmente num campo tão crucial como o campo da luta armada, ao qual todo o destino da revolução está atado. Obviamente que o comando deve ser selecionado. Treinamento, aptidões, experiências variam enormemente. A herança proletária é heterogênea ao extremo. Mas é uma questão de selecionar a partir de baixo.

A seleção de cima tem a tendência notável de se transformar da exceção à regra. Ela é arrastada, pelo seu próprio impulso, dos tempos de guerra para os tempos de paz. Ela se espalha do regimento para a fábrica. Dos quartéis, ela invade as fábricas envolvidas nos trabalhos de guerra e os próprios conselhos operários. Do “Alto Comando” militar, ela toma um passo vigoroso em direção ao “Alto Comando” do Partido. Ela se torna sistematizada. Ela se torna a “investidura hierárquica” de que Marx falou e que é um dos aspectos essenciais de todas as sociedades de classe. E, à medida que o princípio segue em seu caminho, as massas logo se retiram da arena histórica, deixando-a a outros que “são mais eficientes”, que “sabem melhor” como agir “em seu nome”. A degeneração começou. As sementes do regime Stalinista são plantadas: a cooptação da burocracia pela própria burocracia. Engels foi quase profético em sua previsão quando ele insistiu que “todos os oficiais, sem exceção, devem ser sujeitos à revogação a qualquer momento”.

Uma nova geração de jovens revolucionários deve agora voltar-se para as lições da Comuna de Paris e as lições de sua grande análoga contemporânea, a Revolução Húngara de 1956. Dispersa, mal interpretada, deliberadamente mal usada para fins que não são os fins da Revolução, os documentos básicos de ambas devem ser encontrados[12] por aqueles que desejam encontrá-los. Eles devem ser estudados. Ambas as revoluções são de fundamental importância para o movimento socialista e para entender a luta de classes em nossa época.


[1] Nota do tradutor: Aqui o que provavelmente se quer dizer é que o texto foi posto à prova quanto à veracidade da sua escrita por Brinton e Guillaume, eventualmente verificando-se que ele é de fato um texto autêntico, não tendo sido escrito por outras pessoas.

[2] Talès. La Commune de 1871 (Paris: Libraire du Travail, 1924).

[3] Introdução de A Guerra Civil na França de K. Marx (Trabalhos Selecionados de Marx & Engels, vol. I, (Moscou, 1958), p. 481).

[4] Um conselho de soldados composto por representantes eleitos e revogáveis que assumiram a defesa de Paris, primeiro contra os exércitos de Bismarck, e depois contra aqueles de Thiers, o líder com maior consciência de classe que a burguesia francesa produziu por gerações.

[5] “Em 1886, no apogeu da expansão parisiense desse período, a população total era de 1.825.274. Havia 570.280 manufaturas (em contraste com 64.816 em 1847 e 101.171 em 1860), propriedade de  65.987 mestres, empregando apenas 442.310 trabalhadores (além de 34.846 funcionários e 23.251 servos). Isso significava que o número médio de trabalhadores por loja era de apenas 7,7, tendo diminuído de 13 nos comércios de construção e de metal para 1,3 na indústria alimentícia. De longe o maior número era o de empregados na indústria do vestuário: 306.567 (208.675 mulheres); a da construção, devendo à reconstrução da capital ao Barão Haussmann, empregava a maior parte dos homens, 125.371 (63.675 mulheres); e as várias indústrias de artigos de luxo, sobre as quais a reputação e a prosperidade de Paris dependiam principalmente, empregava 63.617 trabalhadores. Ao todo, os trabalhadores (468.337) e seus dependentes (286.670) compunham 40 por cento da população de Paris” (F. Jellinek, The Paris Commune of 1871 (London: Gollancz, 1937).

[6] Veja, por exemplo, qualquer artigo, em qualquer edição do Workers’ News Bulletin, em qualquer semana, nos últimos dez anos.

[7] A ideia de que a teoria revolucionária é algo estático, consagrada de uma vez por toda nos escritos dos quatro grandes professores, algo a ser derivado dos estudos de livros, e a ideia de que a consciência socialista tem que ser trazida ao proletariado “de fora” (Lênin) pela intelligentsia burguesa, que é “o veículo da ciência” (Kautsky), são ambas profundamente reacionárias e profundamente anti-dialéticas, no sentido mais profundo do termo.

[8] Como Marx tão claramente coloca: “os hábitos inveterados adquiridos pelos soldados sob o treinamento dos inimigos da classe trabalhadora, não são, é claro, prováveis de sofrerem mudança no exato momento em que esses soldados mudam de lado”.

[9] Dombrowski e Wroblewski.

[10] Introdução a La Commune de 1871 de Talès.

[11] Quem é esse anônimo e misterioso sujeito a quem o trecho se refere no “em que se possa”? À quem se deve outorgar “confiança absoluta” no órgão revolucionário e nos organizadores revolucionários? São as massas? É o Partido “agindo nos interesses das massas”? São os líderes do Partido “agindo nos interesses dos Partido” como um todo? A ambiguidade de Trotsky neste ponto é inteiramente acidental? [Nota do tradutor: devido às diferenças entre as línguas inglesa (a língua em que o texto a que tivemos acesso foi escrita) e portuguesa, foi necessário fazer uma adaptação. A citação a que Brinton se refere diz: “The revolution must create an organ composed of experienced, reliable organizers in which one can have absolute confidence […]” (destaque nosso). A nota de rodapé original, por sua vez, diz: “Who is this anonymous and mysterious ‘one’?” (destaque nosso). É a palavra one a que nos referimos quando decidimos adaptar este trecho.]

[12] Veja R. W. Postgate, Revolution from 1789-1906 (London: Grant Richards, 1920) e Socialisme ou Barbarie Vol. IV, Nos. 20 and 21.

Publicado: em Solidarity, I, 6 (Maio de 1961).
A tradução foi realizada por Antonio de Odilon Brito, segundo a versão disponível no Marxists.org.
A revisão foi realizada por Alexandre Guerra e Gabriel Teles.

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