Original in German: Die ,,Kinderkrankheit” und die dritte Internationale (p. 420)
Publicado no Die Aktion em 7 de agosto de 1920.
Introdução[1]
Em abril de 1920, quando Lênin estava dando os toques finais ao seu livro Esquerdismo: A Doença Infantil do Comunismo, ele ainda não sabia da fundação do KAPD[2], o que reforçaria seu empenho em liquidar uma tendência política que parecia para ele ser uma negação da realidade. Para não perder o contato com as massas, se deve ir aonde elas se encontram. Este é o eixo em torno do qual todos os argumentos no livro de Lênin giram, tornando o livro uma teoria de manipulação: devemos tirar proveito da discórdia nas fileiras dos inimigos, devemos desmascarar os líderes do Labour Party diante dos olhos de seus membros fazendo propostas que eles não podem cumprir, devemos usar o espaço fornecido a nós pela democracia burguesa contra essa democracia…
O KAPD, por meio de Gorter, que publicou sua Carta Aberta ao Camarada Lênin em julho, ainda tentou abrir um diálogo. Gorter destacou que, diferentemente da situação da Rússia, nos países da antiga burguesia com tradições democráticas enraizadas profundamente, nenhum método poderia transformar os parlamentos em armas e que não era necessário desmascarar uma social democracia e um punhado de sindicatos que, ao invés de realizar “traições”, cumpriam uma função específica.
A Carta Aberta foi uma tentativa de provar aos Bolcheviques que eles estavam equivocados em seus esforços para que os comunistas em todos os lugares o imitassem. Gorter argumentou como se o KAPD tivesse uma consciência maior dos interesses reais da Internacional e do Estado Russo que Lenin, Trotsky, ou Zinoviev. Até o meio e inclusive até o fim de 1920, os comunistas de esquerda alemães não se consideravam realmente uma oposição aos bolcheviques; pelo contrário, era a liderança Espartaquista que parecia a eles ser infiel aos princípios que eles pensavam ter em comum com os bolcheviques. Pfemfert argumenta de um ponto de vista evidentemente diferente já que, como Rühle, rejeita qualquer papel positivo para um partido. Ele argumenta, no entanto, como Gorter e ainda mais explicitamente, como se uma situação revolucionária estivesse em processo de amadurecimento e como se tudo que fosse necessário fosse um slogan adequado a ser lançado por uma minoria determinada no lugar correto: a fábrica, “a célula reprodutora da nova sociedade”.
A estabilização política, que estava cada vez mais distintamente estabelecida após 1920, privou a “auto-iniciativa” defendida por Gorter e Pfemfert de seu escopo prático. Para citar um exemplo, ao contrário das esperanças dos apoiadores de um boicote eleitoral, a abstenção foi de pouca importância. Neste período confuso e turbulento, as massas estavam longe de demonstrar seu ódio pela urna eleitoral, especialmente no momento das eleições para a Assembleia Constituinte que decidiria o regime político que sucederia ao Império (26 de janeiro de 1919). Votou-se em massa: duas vezes e meia mais eleitores do que em 1912, dois terços deles votando pela primeira vez.
A Carta Aberta ao Camarada Lênin de Gorter foi deixada sem qualquer refutação pública. Dez anos se passaram antes que sua primeira edição francesa visse a luz do dia, publicada pelo Groupes ouvriers communistes[3], e mais trinta e nove anos antes que a segunda edição francesa fosse publicada.
Gilles Dauvé
Denis Authier
I
A Terceira Internacional deveria ser a associação do proletariado revolucionário de todos os países na luta contra a ditadura do capitalismo, contra o Estado burguês, pelo poder da humanidade trabalhadora, pelo comunismo. Ter se originado em um país em que os trabalhadores já conquistaram esse poder por meio de grandes esforços ajudou a Terceira Internacional a conquistar as simpatias do proletariado mundial. O entusiasmo por esta nova associação mundial dos explorados é acompanhado pelo entusiasmo pela Rússia soviética e pelo incomparável e heroico combate do proletariado russo. Mas a nova estrutura da III Internacional ainda não teve o tempo nem a oportunidade de obter resultados morais como uma organização.
A III Internacional pode e vai ser uma força moral se ela representar a expressão do desejo do proletariado revolucionário do mundo, e então será indestrutível e insubstituível como a Internacional da classe proletária em luta. Mas a III Internacional seria uma impossibilidade e uma expressão vazia caso ela queira ser o instrumento de propaganda de um ou mais partidos.
Se a III Internacional realmente fosse a associação do proletariado revolucionário do mundo, estes teriam, então, a sensação de pertencerem a ela, independentemente de filiação normal. Mas se a III Internacional se apresentar como o instrumento do poder central de um determinado país, então ela trará dentro de si mesma a semente da morte e será um obstáculo à revolução mundial.
A revolução é uma questão do proletariado como classe; a revolução não é uma questão de partido. Devemos ser ainda mais precisos:
A Rússia soviética perecerá sem a ajuda de todos os combatentes revolucionários. Todos os trabalhadores que têm consciência de classe (e os sindicalistas[4], por exemplo, também são parte incondicional desta categoria!) estão prontos para vir em sua ajuda. A III Internacional agiria de modo criminoso e contrarrevolucionário se, nos interesses do partido, fizer algo que possa apagar a chama sagrada de solidariedade fraterna pela Rússia soviética (e ainda não pela III Internacional como organização separada!) que arde nos corações de todos os proletários.
Isso é tão difícil de compreender? É tolice, camarada Lênin, nós gritarmos com você: não somos nós que precisamos da III Internacional neste momento, mas a III Internacional que precisa de nós?
II
Lênin pensa que isso é, de fato, tolice. Em sua obra Esquerdismo: Doença Infantil do Comunismo, que ele acabou de lançar contra o proletariado revolucionário, Lênin pensa que a III Internacional deve obedecer aos estatutos do Partido Comunista Russo (Bolchevique) e que o proletariado revolucionário de todos os países deve se submeter à autoridade da “III Internacional” e, portanto, às táticas dos bolcheviques. Os bolcheviques devem determinar quais armas o proletariado do resto do mundo deve usar. E apenas os proletários que obedecerem incondicionalmente serão escolhidos para pertencer a esta associação mundial. Nos Princípios do Segundo Congresso da III Internacional, Lênin formulou este postulado de uma maneira ainda mais clara: ele não apenas deu instruções gerais, mas todos os detalhes das táticas, da organização, e inclusive determinou o nome que deveria ser adotado pelos partidos em todos os países. E o toque final:
“Todas as diretrizes e as decisões dos órgãos dirigentes do Partido são obrigatórias para as organizações subordinadas e para os diferentes membros”.
Mesmo que isso seja metódico, ainda assim é loucura!
Em um país tão pequeno como a Alemanha, temos experiência repetida, mais recentemente em março de 1920[5], do fato de que uma tática que leva à vitória, por exemplo, no Ruhr, é impossível em outro lugar; que a greve geral dos trabalhadores industriais na Alemanha central foi uma piada para o Vogtland, onde o proletariado foi condenado ao desemprego desde novembro de 1918. E Moscou deveria ser o Estado-maior supremo nosso e de todos os outros países?
O que nos atrai em direção a III Internacional é o objetivo compartilhado da revolução mundial: a ditadura do proletariado, o comunismo. A III Internacional deve estar lado a lado dos proletários em luta de todos os países, instruindo-os em relação às várias situações e tipos de guerra civil revolucionária. Os combatentes seriam bens ao invés de combatentes, caso eles não quisessem ter nada a ver com a tarefa de examinar as armas usadas pelos camaradas lutando aqui e em outros lugares. Mas eles seriam ovelhas caso eles falhassem em parar de se arrastar por caminhos que eles há muito haviam reconhecido como inviáveis para eles e que consequentemente abandonaram.
O ataque de Lenin contra nós é, em sua tendência e detalhes, simplesmente monstruoso. Seu texto é superficial. Ele não é compatível com os fatos. É injusto. Apenas em sua fraseologia ele demonstra qualquer rigidez. Não se encontra um traço do rigor do pensador Lenin, que comumente se manifestava principalmente em suas polêmicas.
O que Lênin quer? Ele quer dizer ao KAPD[6] e ao proletariado revolucionário de todos os outros países que este é imbecil, idiota e, pior ainda, que não está se ajoelhando docilmente perante a sabedoria dos bonzos, uma vez que não estão se deixando ser conduzidos de um modo extremamente centralizado por Moscou (por meio de seus intermediários, Radek e Levi). Quando a vanguarda revolucionária da Alemanha rejeitou participar em parlamentos burgueses, quando esta vanguarda começou a demolir as instituições sindicais reacionárias, quando deu as costas aos partidos políticos de líderes, de acordo com a palavra de ordem, a emancipação dos trabalhadores deve ser obra dos próprios trabalhadores, então esta vanguarda era composta de imbecis, então ela cometeu “esquerdismos”, então a ela tinha de ser necessariamente negado o direito de se associar à III Internacional (esse foi o resultado do panfleto de Lênin)! Os trabalhadores do KAPD só poderão se associar à III Internacional quando retornarem, como pecadores arrependidos, à Liga Espartaquista[7], a única mensageira da salvação. Então é assim que fica: De volta ao parlamentarismo! Entrem nos sindicatos de Legien[8]! Afiliem-se ao KPD[9], aquele partido de líderes em agonia. Isso é o que Lênin está gritando para o proletariado alemão consciente!
Como eu disse acima: um livro monstruoso! Também devo chamar atenção para a futilidade dos argumentos dos anos 1880 que Lenin rejeita para convencer os esquerdistas alemães que sabe como usar aspas contra eles[10]. Todas suas explicações a respeito do centralismo e o parlamentarismo estão no nível do USPD[11]. E o que Lênin escreve a favor de trabalhar nos sindicatos é tão incrivelmente oportunista que os bonzos dos sindicatos não se impuseram tarefa mais urgente do que reproduzir e distribuir esta seção do panfleto de Lênin como um panfleto!
A polêmica que Lênin dirige ao KAPD é escandalosamente superficial e imperdoavelmente inadequada. Em uma passagem, por exemplo, ele diz:
“Em primeiro lugar, os ‘esquerdistas’ alemães, como se sabe, já consideravam em janeiro de 1919 que o parlamentarismo havia ‘caducado politicamente’, malgrado a opinião de destacados dirigentes políticos como Rosa de Luxemburgo e Karl Liebknecht. Está claro que os ‘esquerdistas’ se equivocaram. Tal fato é suficiente para destruir de golpe e radicalmente a tese de que o parlamentarismo ‘caducou politicamente’”.
É isso o que o lógico Lênin escreve! De que modo, diga-me, está “claro” que estávamos equivocados? Talvez no fato de que, na Assembleia Constituinte nacional, Levi e Zetkin não se sentaram próximos ao pessoal de Crispien[12]. Talvez no fato de que esta dupla comunista agora está sentada no Reichstag? Como Lênin pode, tão irrefletidamente e sem oferecer a menor sombra de provas, escrever que nosso “equívoco” está claro e então adicionar a afirmação de que “tal fato é suficiente para destruir [ess]a tese, etc.? Monstruoso! Também monstruosa é a maneira com que Lênin responde afirmativamente à questão, “Devemos participar nos parlamentos burgueses?”:
“A crítica — a mais implacável, violenta e intransigente — deve dirigir-se não contra o parlamentarismo ou a ação parlamentar, mas sim contra os chefes que não sabem — e mais ainda contra os que não querem — utilizar as eleições e a tribuna parlamentares de modo revolucionário, comunista”.
É Lênin que escreve isso! Lênin, de repente, quer “utilizar a democracia”, um método com o qual ele havia acertado as contas ao se referir a ele como “a demanda dos renegados” (em O Estado e a Revolução, em O Renegado Kautsky, e em A democracia burguesa e a ditadura do proletariado)!
O proletariado revolucionário da Alemanha se distanciou do “parlamentarismo venal e corrupto da sociedade burguesa”, aquele “sistema de ilusão e enganação”. Esse proletariado reconheceu completamente o grito de guerra: “Todo poder aos conselhos!” Compreendeu que não pode “utilizar” o parlamento burguês. Reconheceu os sindicatos como instituições que necessariamente levam a uma comunidade de trabalho entre exploradores e explorados, e por essa razão sabotam a luta de classes, e é de pouca importância se seus membros criticam isso ou aquilo. O proletariado revolucionário da Alemanha teve que redimir-se por sua submissão aos líderes com hecatombes de cadáveres de trabalhadores. O infame Comitê Central da Liga Espartaquista destruiu essa ilusão. O proletariado está certamente farto de tudo isso!
E agora Lênin vem e tenta nos fazer esquecer as lições amargas que da revolução alemã bem como as lições que ele mesmo ensinou? Ele está tentando nos fazer esquecer que Marx ensinou que não são os indivíduos que são responsáveis? E que é contra o parlamentarismo que se deve lutar e não os parlamentares!
Vários meses se passaram desde que os “comunistas” assumiram seus primeiros assentos no Reichstag. Leia as minutas das sessões parlamentares, agora que Levi-Zetkin “utilizaram” esta tribuna “de um modo revolucionário, comunista” (na verdade, nada mais que palavreado jornalístico insignificante)! Você leu as minutas, camarada Lênin. Onde está “sua crítica implacável, violenta e intransigente”? Você está satisfeito com eles?…
É fácil provar: o KAPD tem utilizado mais efetivamente a “luta eleitoral” no sentido de realizar a agitação revolucionária, e tem sido capaz de utilizá-la mais efetivamente que os parlamentares comunistas precisamente porque não tem nenhum “candidato” buscando vitória eleitoral. O KAPD desmascarou a fraude parlamentar e trouxe as ideias dos conselhos locais mais remotos. Mas os caça-votos confirmaram, nos últimos meses de atividade no parlamento, que estávamos certos em sermos contra o parlamentarismo. Camarada Lênin, nunca lhe ocorreu, essa ideia leninista, de que em um país com 40 anos da baboseira parlamentar da socialdemocracia (aquele partido também queria, no começo, “utilizar” aquela tribuna apenas para propaganda!), entrar no parlamento é uma atitude completamente reacionária? Você compreende que em um país caracterizado por cretinismo parlamentar, o parlamentarismo apenas pode ser estigmatizado por meio de boicote? Não há nenhuma estigmatização mais violenta, que penetre mais fundo na consciência dos trabalhadores! Um parlamento desmascarado por um boicote realizado por proletários nunca seria capaz de enganar e iludir os proletários. Mas um discurso “programático” correto, que a Clara Zetkin entrega com a aprovação dos jornais burgueses e socialdemocratas, e do qual a impressa pega o que parece adequado, tal discurso engendra respeito no parlamento burguês! Se os chefes do USPD não tivessem ido à Assembleia Constituinte, a consciência dos proletários alemães estaria muito mais desenvolvida hoje.
III
Lênin prefere “a centralização mais rígida” e “disciplina de ferro”. Ele quer que a III Internacional endosse suas opiniões e expulse todos aqueles que, como o KAPD, se opõem criticamente à liderança onipotente.
Lênin quer que a autoridade de estilo militar vigore nos partidos de todos os países.
As instruções do Primeiro Congresso da III Internacional eram um pouco diferentes! Naquelas instruções, dirigidas contra os Independentes[13] cujo espírito de luta era incerto, recomendava-se:
“(…) separam os elementos revolucionários do ‘Centro’, algo que apenas pode ser realizado por meio da crítica rigorosa e impiedosa aos líderes do ‘Centro’”.
Também disseram:
“Além disso, é necessário formar uma aliança com aqueles elementos do movimento revolucionário dos trabalhadores que, embora anteriormente não fossem membros do partido socialista, agora estão completamente no terreno da ditadura do proletariado em sua forma de sovietes, isto é, primeiro de tudo com os elementos sindicalistas do movimento dos trabalhadores”.
Mas, agora, uma tática diferente prevalece. Ao contrário, o slogan é: Abaixo os sindicalistas! Abaixo com os “idiotas” que não se submetem aos bonzos! O comitê executivo está no comando, e suas ordens são a lei.
Lênin pensava que podia citar Karl Liebknecht contra os “esquerdistas”. Citarei Karl Liebknecht contra Lênin:
“O círculo vicioso no qual as grandes organizações centralizadas operam, repletas de funcionários que recebem seus salários e, considerando sua origem social, são muito bem pagos, consiste não apenas do fato de que estas organizações estão criando, nesta burocracia profissional, uma camada social diretamente hostil aos interesses revolucionários do proletariado, mas também do fato de que eles conferem poder a um líder, que facilmente se torna tirano e é escolhido dentre aqueles que têm um grande interesse em se opor à política revolucionária do proletariado, enquanto a independência, o desejo, a iniciativa e ação autônoma moral e intelectual das massas são reprimidas ou completamente eliminadas. Os parlamentares pagos também pertencem a esta burocracia”.
“Não há outro remédio, no nível organizacional, para este mal que não a supressão da burocracia paga ou sua exclusão de todos os processos de decisão, e a limitação de sua atividade ao trabalho técnico administrativo. Proibição da eleição de todos os funcionários após dado fim do mandato, que deve ser estabelecido de acordo com a disponibilidade de proletários que, no meio tempo, se tornaram especialistas na administração técnica; a possibilidade de revogar seus mandatos a qualquer momento; limitação da competência dos vários escritórios; descentralização; consulta de todos os membros em relação a questões importantes (veto ou referendo). Na eleição de funcionários a maior importância deve ser dada às provas que eles oferecem a respeito de sua determinação e disponibilidade na ação revolucionária, de seu espírito de luta revolucionário, de seu espírito de sacrifício ilimitado no compromisso ativo de sua existência. A educação das massas e de cada indivíduo na autonomia intelectual e moral, em sua capacidade de questionar autoridade, em sua rigorosa auto-iniciativa, em sua prontidão irrestrita e capacidade de ação, em geral constituem a base única para garantir o desenvolvimento de um movimento de trabalhadores igual a suas tarefas históricas e também incluem as condições essenciais para extirpar os perigos da burocracia”.
“Toda forma de organização que obstrui a educação em espírito revolucionário internacional, a capacidade autônoma para a ação e a iniciativa das massas revolucionárias deve ser rejeitada (…). Nenhum obstáculo à livre iniciativa. A tarefa educacional mais urgentemente necessária na Alemanha, um país de obediência cega e passiva em massa, é favorecer esta iniciativa entre as massas; e este problema deve ser resolvido inclusive com o risco de ser exposto ao perigo de que, momentaneamente, toda ‘disciplina’ e todas as ‘sólidas organizações’ podem ir pelo ralo (!). Deve ser dada ao indivíduo uma margem de liberdade muito maior do que a que lhe foi atribuída até o momento pela tradição na Alemanha. Não deve ser dada importância à profissão de fé em palavras. Todos os elementos radicais dispersos resultarão em um determinado todo de acordo com as leis imanentes do internacionalismo se intransigência for praticada com todo oportunista e tolerância com todos os esforços feitos em nome de um espírito de luta revolucionário no processo de fermentação”.
IV
Sei que Lênin não se tornou um “renegado” ou um socialdemocrata, embora o Esquerdismo: doença infantil do comunismo tenha um efeito puramente socialdemocrata (os líderes alemães estavam dizendo quase as mesmas coisas em 1878). Como, então, a publicação deste texto contra a revolução mundial pode ser explicada?
Os monarquistas tem o costume de, para justificar as parvoíces (ou os crimes de seus monarcas), sempre alegar que suas majestades estavam “desinformadas”. Os revolucionários não podem (eles não têm o direito de) usar tal desculpa. Estamos bem conscientes, é claro, de que Karl Radek e a Liga Espartaquista, para desviar a atenção de Lênin das causas de seu fracasso político, lhe contaram, propositalmente, mentiras acerca da situação e do proletariado revolucionário na Alemanha. A carta insolente de Radek dirigida aos membros do KAPD mostra como as coisas foram apresentadas ao camarada Lênin. Mas isso de modo algum serve de justificativa para Lênin! Em todo caso, tal desculpa é inútil: permanece o fato de que, Lênin, com seu estúpido panfleto, complicou a luta do proletariado revolucionário na Alemanha, embora não tenha abolido tal luta.
É verdade que mentiram descaradamente a Lênin a respeito da questão da Liga Espartaquista e do KAPD, mas ele deveria, não obstante, ter dito que é um grave erro identificar a situação alemã com a situação russa. Lênin era perfeitamente capaz, apesar de Radek, de enxergar a diferença entre os sindicatos alemães, que sempre tiveram uma existência contrarrevolucionária, e os sindicatos russos. Lênin sabia perfeitamente bem que os revolucionários russos não tinham que lutar contra o cretinismo parlamentar porque o parlamento não tinha nem uma tradição nem qualquer crédito com o proletariado russo. Lênin sabia (ou deveria saber) que na Alemanha os líderes do partido e dos sindicatos necessariamente provocaram o 4 de agosto de 1914[14] ao “utilizar” o parlamento! Que o caráter autoritário e militarista do partido, acompanhado por obediência cega, tem abafado as forças revolucionárias no movimento dos trabalhadores alemães por décadas. Lênin deveria ter considerado todas estas coisas antes de empreender sua batalha contra os “esquerdistas”. Caso ele o tivesse feito, um senso de responsabilidade teria evitado que escrevesse este panfleto imperdoável.
V
Para convencer o proletariado mundial que o Esquerdismo: doença infantil do comunismo indica o caminho correto para a revolução em todos os países, Lênin apresenta o caminho que os bolcheviques seguiram e que levou à sua vitória, porque ele foi (e é) o caminho correto.
Aqui também, Lênin se encontra em uma posição completamente insustentável. Quando cita a vitória dos bolcheviques como prova de que seu partido trabalhara “corretamente” durante os quinze anos de sua existência, ele está alucinando! A vitória dos bolcheviques em novembro de 1917 não se deveu apenas à força revolucionária do partido! Os bolcheviques assumiram o poder e conquistaram a vitória graças ao slogan pacifista-burguês de “Paz”! Apenas este slogan derrotou os mencheviques, e permitiu que os bolcheviques conquistassem o exército para seu lado!
Assim, não é sua vitória exclusivamente que pode nos convencer de que os bolcheviques trabalharam “corretamente” no sentido de manter a firmeza de seus princípios. É, ao contrário, o fato de que eles sabem como defender esta vitória agora, depois de quase três anos!
Mas — e esta é uma questão posta pelos “esquerdistas” — os bolcheviques sempre conduziram sua ditadura do partido do modo que Lênin exige, no Esquerdismo: doença infantil do comunismo, que o proletariado revolucionário da Alemanha o faça em seu partido? Ou a situação dos bolcheviques foi tal que eles não precisaram acatar a “condição” de Lênin, que exige que o partido revolucionário “seja capaz de se misturar com, e fraternizar com e, se assim o desejar, em certa medida, se unir com as massas mais amplas dos trabalhadores, principalmente com as massas proletárias, mas também com as massas não-proletárias” (Esquerdismo: doença infantil do comunismo).
Até agora, os bolcheviques foram capazes de pôr em prática, e apenas tiveram sucesso em pôr em prática, uma coisa: a disciplina estritamente militar do partido, a ditadura de “ferro” do centralismo do partido. Foram capazes de “se misturar com, fraternizar com e, se [eles] assim o [desejarem], em certa medida, se unir com” as “massas mais amplas” das quais Lênin fala?
VI
As táticas empregadas pelos camaradas russos são da conta deles. Nós protestamos, e tivemos que tratar o Sr. Kaustky como contrarrevolucionário, quando ele se permitiu difamar as táticas dos bolcheviques. Nós devemos defender os camaradas russos na questão de sua escolha das armas. Mas sabemos uma coisa: na Alemanha, uma ditadura do partido é impossível; na Alemanha, apenas uma ditadura da classe, a ditadura dos conselhos dos trabalhadores revolucionários, é capaz de vitória (e será vitoriosa!), e (é o mais importante) será capaz de defender sua vitória.
Eu podia escrever agora, seguindo a receita de Lênin no Esquerdismo, que isso “está claro”, e então mudar de assunto. Mas não precisamos fugir da questão.
O proletariado alemão está organizado em diferentes partidos políticos que são partidos de líderes com características distintamente autoritárias. Os sindicatos reacionários, controlados pela burocracia sindical devido à natureza estritamente centralizada de suas estruturas, são a favor da “democracia” e a recuperação do mundo capitalista, sem a qual eles não poderiam existir. Uma ditadura do partido nessa Alemanha significa: trabalhadores contra trabalhadores (a era Noske[15] começou com a ditadura do partido do SPD!). Uma ditadura do partido (e Lênin não propõe nenhum outro tipo) da Liga Espartaquista-KPD teria de ser imposta contra os trabalhadores do USPD, os trabalhadores do SPD, os sindicatos, os sindicalistas, e as Organizações de Fábricas, bem como contra a burguesia. Karl Liebknecht nunca aspirou tal ditadura de partido com a Liga Espartaquista, bem como o corpus de sua obra revolucionária demonstra (e como é demonstrado nas passagens que citei acima).
É incontestável que todos os trabalhadores (incluindo os trabalhadores a pronto serviço de Legien e Scheidemann![16]) devem ser apoiadores da nova ordem comunista garantindo que sua divisão interna não torne a repressão da burguesia impossível. Devemos esperar o julgamento final, quando todos os proletários, ou mesmo apenas uns poucos milhões deles, são membros do KPD (que hoje é composto de nada mais que um punhado de funcionários e um pequeno número de pessoas de boa fé)? Talvez a III Internacional venha a ser o incentivo que compelirá os trabalhadores revolucionários a se filiarem ao KPD (como Radek e o Sr. Levi imaginaram)? O egoísmo de seus líderes pode permanecer ignorante do fato que, neste exato momento, a maioria dos trabalhadores industriais do mundo e do proletariado rural está madura e pronta para ser convencido para uma ditadura de classe?
Precisamos de um slogan para convocar a união do proletariado alemão. Nós o temos: “Todo poder aos conselhos operários!”. Precisamos de um lugar para recrutamento em que todos os trabalhadores com consciência de classe possam se encontrar sem a interferência dos bonzos do partido. Nós temos tal lugar: é o local de trabalho. O local de trabalho, a célula reprodutora da nova comunidade, também é a base do recrutamento. Para a realização vitoriosa da revolução proletária na Alemanha, não precisamos de bonzos, mas proletários conscientes. Aqueles que no momento se chamam de sindicalistas ou independentes compartilham conosco o objetivo de destruir o Estado capitalista e realizar a comunidade humana comunista e, portanto, são parte de nós, e nós devemos “nos misturar, fraternizar e nos unir com” eles nas organizações das Organizações de Fábrica revolucionárias!
O Partido Comunista Operário da Alemanha não é, portanto, um partido no mau sentido da palavra, porque não é um fim em si mesmo! Ele faz propaganda pela ditadura no seu sentido da palavra, pois essa ditadura não é um fim em si mesmo! Faz propaganda pela ditadura do proletariado, pelo comunismo. Treina seus combatentes nas Organizações de Fábrica, onde todas as forças que vão abolir o capitalismo, estabelecer o poder dos conselhos e permitir a construção da nova economia comunista estão concentradas. As Organizações de Fábrica são reunidas na União. As Organizações de Fábrica saberão como garantir o regime do proletariado como classe contra as manipulações dos chefes do partido, contra todos os traidores. Apenas o poder da classe oferece uma fundação firme e ampla (como o capitalismo prova!).
O Partido Comunista Operário da Alemanha teve que enfrentar o Esquerdismo de Lênin, as maldições de Radek, e as calúnias da Liga Espartaquista e de todos os partidos de líderes, pois está lutando pelo regime de classe do proletariado, porque compartilha as visões de Karl Liebknecht a respeito do centralismo. O KAPD sobreviverá bem ao Esquerdismo e tudo mais. E, Radek compreenda ou não, Lênin escreva ou não um panfleto contra nós (e contra ele mesmo): a revolução proletária na Alemanha tomará caminhos diferentes dos da Rússia. Quando Lênin nos trata como “imbecis” não somos nós o alvo, mas ele, uma vez que nesta questão somos nós os leninistas. Sabemos perfeitamente: mesmo que congressos nacionais ou internacionais prescrevam os itinerários mais detalhados para a revolução mundial, ela, não obstante, seguirá o caminho imposto pela história! Mesmo que o Segundo Congresso da III Internacional pronuncie um julgamento condenando o KAPD em favor de um partido de líderes, os comunistas revolucionários da Alemanha saberão como lidar facilmente com isso e não vão choramingar como os bonzos do USPD. Somos parte da III Internacional, pois a III Internacional não é Moscou, não é Lênin, não é Radek, é o proletariado mundial lutando por sua libertação!
[1] [N.T.] Franz Pfemfert (1879-1945) foi um “escritor e crítico. Uma das figuras de proa do expressionismo. Em 1911, funda Die Aktion (A Ação), revista onde se misturam vanguarda artística, ensaísmo político e de atualidade, marcados pela anarquia. Antes de 1914 apoia a fração de esquerda do SPD, mas defendendo a criação de um “novo partido operário”. Em 1915, lança um “partido socialista antinacional”. Adere ao KPS(S) quando da sua fundação, depois ao KAPD, mas tal como Rühle é hostil à ideia de partido. Em 1921 censura o KAPD pelo seu comportamento durante a Ação de Março e é excluído do partido por este motivo. Um dos dirigentes da AAUE, anima em seguida um grupo com posições próximas da AAU-E, publicando um jornal Spartakus, e chamado por esta razão “Spartakus 2″. Durante todos estes anos, sem nunca ser o órgão de um grupo, Die Aktion faz-se o porta-voz das correntes mais radicais do movimento operário. A partir de 1926, Pfemfert, amigo pessoal de Trotsky, aproxima-se cada vez mais da Oposição de Esquerda (trotskista). Emigra em 1933. (Nota Biográfica traduzida de Troploin).” Informações retiradas da tradução disponível no site Política Proletária.
[2] Kommunistische Arbeiter-Partei Deutschlands (Partido Comunista Operário da Alemanha). (Nota do tradutor)
[3] Grupo dos Trabalhadores Comunistas. (Nota do tradutor)
[4] [N.T.] “Por sindicalista não se deve entender neste texto o membro de um sindicato mas o partidário do Sindicalismo, corrente política que advoga a tomada do poder e a gestão da sociedade pelos trabalhadores organizados em sindicatos.” Informações retiradas da tradução disponível no site Resistindo.org.
[5] [N.T.] “Refere-se à reação operária, que se traduziu em greve geral, combate de rua e criação de comitês operários, contra o golpe de extrema-direita encabeçado pelo general prussiano Kapp, o qual destituiu momentaneamente o governo social-democrata.” Informações retiradas da tradução disponível no site Resistindo.org.
[6] [N.T.] “A seguir aos assassinatos de Luxemburgo e Liebknecht, a maior parte do Partido Comunista Alemão (KPD), que tinha chegado a posições antiparlamentares e antissindicais, foi expulsa por meio duma manobra em 1920 e formou o KAPD.” Informações retiradas da tradução disponível no site Resistindo.org.
[7] [N.T.] “A Liga Espártaco foi um agrupamento de socialistas revolucionários composto por Karl Liebknecht, Rosa Luxemburgo, Franz Mehring e outros social-democratas que se separaram do partido a seguir à votação dos créditos de guerra. A Liga surge no ano novo de 1916 como Gruppe Internationale. A sua primeira declaração política foi o Folheto Junius de Rosa Luxemburgo. A Liga Espártaco constituiu o núcleo dirigente inicial do Partido Comunista Alemão (KPD), formado na sua maioria por jovens operários revolucionários e outros dissidentes da social-democracia.” Informações retiradas da tradução disponível no site Resistindo.org.
[8] Carl Legien, sindicalista e social democrata moderado alemão, primeiro presidente da Fédération Syndicale Internationale. (Nota do tradutor)
[9] Kommunitische Partei Deutschlands (Partido Comunista Alemão), também chamado de Espartaquistas. (Nota do tradutor)
[10] Ele está claramente falando da oposição antiparlamentar no SPD, especialmente em Berlim que, entretanto, não se tornou organizada até 1889–1892 em torno do grupo “A Juventude”. Tendências análogas surgiram durante o mesmo período na Dinamarca, Inglaterra (William Morris) e Holanda (D. Nieuwenhuis). Foi também neste momento que a divisão “Marxismo”/”Anarquismo” foi consumada.
[11] Unabhängige Sozialdemokratische Partei Deutschlands (Partido Social-Democrata Independente da Alemanha).
[12] Clara Zetkin (1857–1933), membro da esquerda do SPD, depois Espartaquista, apoiou Levi. Arthur Crispien (1875–1946), deixou o SPD para se filiar a ala direita do USPD. Compareceu ao Segundo Congresso da Internacional Comunista, mas se opôs a associar-se a ela e depois retornou ao SPD.
[13] [N.T.] “Refere-se ao USPD.” Informações retiradas da tradução disponível no site Resistindo.org.
[14] [N.T.] “A Alemanha declara guerra à França.” Informações retiradas da tradução disponível no site Resistindo.org.
[15] Noske (1868–1946), Ministro de Guerra do SPD em dezembro de 1918, colaboração organizada entre os socialistas e os Freikorps. Arquiteto e símbolo da subsequente repressão sangrenta.
[16] Legien (1865–1939), socialista do governo, Ministro em novembro de 1918, Chanceler da República em 1919, um dos arquitetos, com Noske e Ebert, da repressão anti-Espartaquista.
Tradução feita pelo Coletivo Proelium Finale.
https://medium.com/@Proelium/a-doen%C3%A7a-infantil-de-lenin-e-a-terceira-internacional-9a0553ab5107Revisão Realizada pelo Portal Crítica Desapiedada a partir da tradução disponível no site Política Proletária.
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