Original in English: Was the Bolshevik Revolution a Failure?
As Perguntas:
- Será que a Revolução Bolchevique atingiu os seus objetivos proletários?
- É a ditadura do proletariado consoante com a Ditadura do Partido?
- Pode um Estado proletário surgir tendo por base o sistema assalariado, gerido por um Partido-Estado? O que constitui a abolição do capitalismo?
- A tese de Lênin de que na época imperialista o proletariado sozinho pode liderar uma revolução para completar a “tarefa burguesa” tem validade tendo em vista o caminho seguido por Cárdenas no México, Kemal Pacha na Turquia, etc.?
- Vendo em retrospecto, a tomada do poder pelos bolcheviques retardou a Revolução Proletária Mundial?
I.
Eu nego a hipótese da primeira pergunta de que a Revolução Bolchevique teve objetivos proletários. O caráter proletário da Revolução Russa é apenas aparente. É verdade que os trabalhadores revolucionários estavam lutando por um tipo vagamente concebido de socialismo, mas em toda revolução burguesa em que os trabalhadores participaram, os objetivos proletários eram evidentes.
As idéias e palavras de ordem relacionadas com os objetivos do proletariado, e mesmo as lutas reais e formas de organização peculiares ao movimento independente da classe proletária, não são suficientes para dar a Revolução Russa um caráter proletário. Certamente muitos trabalhadores acreditaram que a Revolução Bolchevique terminaria no socialismo. No entanto, as ilusões dos trabalhadores não podem substituir as medidas necessárias para atingir os objetivos do proletariado. O socialismo como uma palavra de ordem, como um ideal, ainda se encaixa perfeitamente numa revolução burguesa e em uma sociedade burguesa. Os objetivos proletários, em primeiro lugar, devem incorporar a abolição da classe proletária através da abolição de todas as relações de classe.
A Revolução Bolchevique, no entanto, aspirou ao desenvolvimento da indústria moderna e de um proletariado moderno, um fato que fica claro quando se observa o conceito bolchevique de “socialismo”, que ainda contém o trabalho assalariado e a produção de capital, e assegura estas relações através da divisão da sociedade em governantes e governados. Não pode ser negado que a Revolução Russa, antes de tudo, foi uma revolução camponesa. Assim como é óbvio que estes camponeses, lutando pela terra e pela propriedade, não tinham objetivos proletários. A Revolução Bolchevique encontrou apoio por parte dos camponeses, que por sua vez, apoiou os bolcheviques, sem objetivos proletários estarem envolvidos. Por esse motivo os bolcheviques consideravam a sua política camponesa de início como uma concessão ao inevitável atraso das condições da Rússia. A posterior coletivização do campo ilustra como os bolcheviques sinceramente concordavam com o Socialismo Ocidental de que a distribuição da terra para os camponeses não é um objetivo socialista. No entanto, a coletivização da agricultura e a transformação dos camponeses em trabalhadores assalariados não é ainda um objetivo proletário, mas sim um desejo burguês de longa data, e que tem pouca chance de ser realizado sem grandes mudanças e riscos no contexto sócio-econômico vigente.
Até o momento a transformação dos trabalhadores em trabalhadores assalariados sempre foi considerada uma tarefa do capitalismo, e fazendo desta a sua tarefa, os bolcheviques cumpriram os objetivos capitalistas. É verdade que dentro de toda a situação revolucionária na Rússia, havia também as forças que lutaram pelos francos objetivos proletários. Estes objetivos foram atingidos, aqui e ali, através da expropriação de fábricas e outras formas de propriedade pelos Soviets. Eles se perderam novamente logo que surgiu o Estado bolchevique que suplantou o poder dos sovietes com o do Partido Bolchevique.
É freqüentemente perguntado como é possível que o poder conquistado pelos trabalhadores por meio de uma revolução possa ter sido perdido de novo sem uma contra-revolução. Esta última é concebida como um retorno das antigas autoridades, mas as ações contra-revolucionárias não estão confinadas às antigas autoridades; novos funcionários podem praticá-las tão bem, ou até melhor, que os antigos. A contra-revolução contrária à intenção do estado-capitalista na Revolução Russa foi derrotada pelas massas russas seguindo as diretrizes dos bolcheviques. A contra-revolução contrária aos objetivos proletários, expressa no âmbito desta revolução, foi vitoriosa com o sucesso do bolchevismo, que transformou a propriedade privada em propriedade estatal, e continuou a exploração sobre os trabalhadores sob forma de capitalismo de estado.
Os Soviets não foram reduzidos a um mero instrumento dos bolcheviques sem oposições e lutas. Grupos de trabalhadores na Europa Ocidental, bem como na Rússia, reconheceram muito cedo o verdadeiro caráter da Revolução Bolchevique. Outros, surgindo em oposição à máquina de Stalin, acreditam até hoje que este é uma perversão do bolchevismo, e que o leninismo original destinava-se a outra coisa do que aquilo que existe na Rússia. Isso, no entanto, não é verdade. A Rússia de hoje representa as aspirações essenciais dos bolcheviques, antes e depois da Revolução de Outubro. Foi afirmado por diversas vezes pelo próprio Lênin que os bolcheviques realizaram uma revolução burguesa de que a burguesia já não era capaz. O fato de que esta revolução, essencialmente burguesa nas suas tarefas, fez uso de uma terminologia marxista, deu origem à ilusão de que suas tendências socialistas eram fortes o suficiente para alterar fundamentalmente o seu caráter original. No entanto, tudo o que aconteceu foi que os bolcheviques não só foram forçados ou dispostos a cumprir as funções da burguesia, mas por esse processo eles se tornaram a classe dominante e exploradora.
II.
A ditadura do partido não pode ser consoante com a ditadura do proletariado. Ou o proletariado governa ou ele é governado. O partido é apenas um pequeno grupo na sociedade, não é todo o proletariado, mas governa como uma minoria e é uma expressão das condições de exploração. Pelas próprias condições que fizeram ele necessário, é impelido a governar em seus próprios interesses — isto é, a reproduzir continuamente as condições da ditadura sobre o proletariado — até que o proletariado finalmente termine com o governo de todas as minorias, destruindo as bases da exploração: o trabalho assalariado e o estado.
III.
O estado sempre e invariavelmente representa a dominação sobre o proletariado. Ele é o símbolo inconfundível da sociedade exploradora. O “socialismo” que é realizado pelo Estado sempre inclui a continuação das relações de classe, as desigualdades de renda, o dinheiro e as leis de mercado, e outras formas de exploração moderna. Como qualquer outra contradição em termos, um “Estado proletário” é completamente inconcebível. É possível conceber, no entanto, a execução provisória e direta das funções do Estado pelo proletariado armado, a fim de assegurar o desenvolvimento do socialismo, ou seja, a livre e igual associação de produtores e consumidores.
IV.
A revolução bolchevique não foi conduzida pelo proletariado, mas pela classe média. A burguesia do país era extremamente fraca, e a intelligentsia e todas as forças “progressistas” lutando contra a reação não poderiam obter o apoio dela, nem da burguesia já reacionária da Europa ocidental. Somente no movimento dos trabalhadores poderia se encontrar uma ideologia revolucionária utilizável, e somente com a ajuda dos trabalhadores, juntamente com as necessidades agrícolas revolucionárias, a intelligentsia poderia esperar transformar a Rússia em um estado moderno.
Na Turquia e no México também não é o proletariado que lidera, mas a classe média, que faz uso do proletariado para seus próprios fins. Importantes camadas da classe média, não mais capazes de assegurar ou elevar suas posições econômicas no seio do capitalismo à moda antiga, tentam garantir a sua existência futura como não-trabalhadores por meios políticos, elevando-se em posições de governo, para continuar a participar da exploração do trabalho — naturalmente no “interesse do trabalho”.
O Estado sempre desempenhou um papel importante no desenvolvimento do capitalismo. Seu papel aumentou de importância com a relativa estagnação na expansão do capital. Toda uma revolução era necessária na Rússia para proteger, por meios políticos, o que não mais poderia se alcançar pela guerra econômica (economic warfare): a centralização completa de todo o poder possível nas mãos do estado ditatorial, como o pré-requisito necessário para um rápido desenvolvimento da indústria moderna na Rússia, para salvar o país de se tornar uma colônia de uma ou de mais de uma das nações imperialistas, e para acabar com a miséria decorrente do atraso do país. A política bolchevique, aspirando a um sistema de capitalismo de estado, foi a mais adequada para salvar a Rússia de sua condição semi-colonial, e elevá-la como uma potência entre as potências mundiais. O imperialismo é como um obstáculo para o desenvolvimento de países atrasados, e “deu à luz” a movimentos nacionalistas modernos para acabar com a opressão imperialista.
Para construir hoje com sucesso um Estado moderno capaz de manter sua independência, é inútil o lento processo em que se expande a propriedade privada; Ao contrário, a maior concentração de todos os recursos de capital é necessária, o que exige uma investida radical na defesa dos interesses do estado.A luta pela libertação nacional, a fim de trazer resultados, teve de assumir formas revolucionárias. Esta necessidade determina as tendências de desenvolvimento, em outros países como Turquia e México, e também nos países que tentam um retorno à condição de força imperialista, como a Alemanha.
Outros países não irão tão longe como a Rússia neste processo de concentração com meios políticos, por razões de diferentes condições internas e externas. Por isso foi, por exemplo, relativamente mais fácil para a Rússia desafiar as nações imperialistas, do que para a Turquia e o México. No entanto, o capitalismo de estado expressa uma fraqueza econômica nos países em que foi implementado, assim como uma debilidade do capitalismo mundial, que perde o controle sobre os países atrasados, quando esse controle não pode ser garantido economicamente. A guerra econômica (economic warfare) já não é o suficiente; guerra política (political warfare), o abate brutal aberto, torna-se a única possibilidade para lidar com a estagnação econômica que sufoca o mundo capitalista. Sob tais condições, o poder do Estado aumenta continuamente. Os reais governantes da sociedade já não são reconhecíveis pelos seus sacos de dinheiro, mas pela sua posição no aparelho de Estado.
O capitalismo de estado na Rússia tornou-se um exemplo para outras nações, como é indicado pela ascensão do fascismo e pelo crescimento do controle governamental em todos os países. No entanto, esta tendência não é um sinal de “progresso”, como muitos acreditam. Não corresponde a uma “etapa superior” do capitalismo, mas indica o declínio do mundo capitalista. A tendência para a bolchevização e fascistização é apenas a expressão política da estagnação e declínio do sistema capitalista, é a barbárie.
V.
A propaganda revolucionária dos bolcheviques a nível mundial no primeiro ano de revolução é frequentemente vista como uma garantia do caráter proletário do bolchevismo. No entanto, esse “internacionalismo” em nenhum momento aspirou mais do que assegurar a Revolução Bolchevique, para ajudar o Partido Bolchevique a permanecer no poder.
Tão logo os bolcheviques reconheceram que o proletariado era fraco demais para estabelecer sistemas de capitalismo de estado favoráveis para a Rússia em outros países, e também que a burguesia não estava mais disposta a arriscar tudo em uma luta contra o capitalismo de estado russo, e isso aconteceu por volta do ano de 1920, os bolcheviques deixaram de apoiar os movimentos revolucionários em outros países, e em seu lugar desenvolveram uma coexistência pacífica, lado a lado com os outros sistemas capitalistas. Lênin e Trotsky foram tão interessados em ajudar a revolução mundial proletária a alcançar os seus objetivos como Stálin o é hoje. O declínio do movimento revolucionário no mundo e a consolidação do poder do capital também serviram as necessidades da Rússia bolchevique.
Ainda assim, não se pode dizer que a Revolução Bolchevique retardou a revolução mundial. Se atentarmos para a última falha, essa falha foi completamente independente das políticas Bolcheviques, ou as políticas de qualquer outro grupo minoritário, e foi apenas devido ao enorme poder e ainda vitalidade do capitalismo mundial. Os bolcheviques só podem ser responsabilizados, apenas, por dificultar o proletariado de tirar as lições necessárias sobre sua primeira grande derrota, após a última guerra, e por destruir as primeiras tentativas de criar um movimento operário revolucionário real, em conformidade com as necessidades de hoje.
Primeira edição: The Modern Quarterly, Fall 1938, pp. 16-20.
Fonte: http://www.marxists.org/archive/mattick-paul/1938/revolution-failure.htm
Traduzido do Inglês: Rodolfo Martins
Revisão: Rubens Vinicius da SilvaTambém disponível em: https://www.marxists.org/portugues/mattick/1938/mes/fracasso.htm
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