Original in English: Revolutionary Organization
1. “O que não deve ser feito”
O termo “repensar” é geralmente usado como uma desculpa para não pensar de nenhuma maneira. Hesita-se usá-lo. De qualquer maneira, muito repensar deve ser realizado pelos socialistas revolucionários. Um rápido olhar sobre o Movimento Trabalhista na Europa Ocidental atual deve convencer qualquer um dessa urgente necessidade. Cada vez mais pessoas comuns mostram uma indiferença beirando a desconsideração pelos velhos Partidos Comunistas e Trabalhistas de massa. Os velhos homens de “esquerda” tentam resolver essa crise repetindo em um tom ainda mais estridente os dogmas e conceitos que eram bons o bastante para seus avós.
Nós, aqui, desejamos examinar um dos dogmas mais fervorosos da “Esquerda”: a necessidade de um partido socialista firmemente centralizado, controlado por uma liderança cuidadosamente selecionada. O Partido Trabalhista descreve esse tipo de organização como uma característica necessária da democracia Britânica em voga. Os bolcheviques descrevem-na como “centralismo democrático”. Nos esqueçamos dos nomes e olhemos além da superfície. Em ambos os casos nós encontramos a completa dominação do partido em todos os assuntos de organização e policiamento por um grupo muito pequeno de “líderes” profissionais.
Como nenhum desses partidos teve sucesso em alcançar uma sociedade onde as pessoas controlam e gerem seus próprios destinos, tanto suas políticas e seus métodos organizacionais devem ser considerados suspeitos. É de nossa opinião que o tipo de organização requerido para auxiliar a classe trabalhadora em sua luta pelo socialismo é certamente um assunto sério.
O capitalismo pós-guerra certamente proveu mais empregos e pessoas mais bem pagas do que muitos pensavam ser possível. Mas seu impulso de subordinar pessoas ao processo de produção se intensificou em uma enorme taxa. No trabalho, as pessoas são reduzidas mais e mais ao papel de máquinas de apertar botões (button-pushing) e ativar alavancas (lever-pressing). Na fábrica capitalista “ideal” os seres humanos iriam realizar somente as mais simples e rotineiras tarefas. A divisão do trabalho iria ser levada ao seu extremo. Gerentes iriam decidir. Capatazes iriam supervisionar. Os trabalhadores somente obedeceriam.
No corpo político, instituições sociais onipotentes similarmente decidem todos as questões: o quanto a produção será “permitida” aumentar ou diminuir, quanto consumo, que tipo de consumo, quantas bombas de hidrogênio produzir, ter ou não ter bases Polaris[1], etc., etc. Entre aqueles que mandam e aqueles que trabalham existe um grande abismo, impossível de se construir pontes.
A sociedade exploradora conscientemente encoraja o desenvolvimento de uma psicologia de massa que faz com que as ideias e desejos de pessoas comuns não sejam importantes e que todas as decisões importantes devem ser tomadas por pessoas especiais treinadas e equipadas especialmente para isso. Elas são estimuladas a acreditar que sucesso, segurança, chame do que quiser, somente pode ser alcançado dentro da estrutura das instituições aceitas. O rebelde, o militante, o iconoclasta deve ser admirado, até mesmo invejado, mas o exemplo deles deve ser evitado. Até porque ninguém pode realmente desafiar os poderes existentes. Somente olhe o que acontece com os que tentam!
Ironicamente as próprias organizações que se colocaram como libertadoras da classe trabalhadora e as campeãs de sua causa se tornaram cópias idênticas da mesma sociedade que elas estão supostamente desafiando. O Partido Trabalhista, o Partido Comunista e os diversos setores Trotskistas e Leninistas exaltam as virtudes de políticos ou revolucionários profissionais. Todos praticam uma divisão rígida dentro de suas próprias organizações entre líderes e liderados. Todos fundamentalmente acreditam que o socialismo será instituído de cima e através de seus meios particulares.
Cada um deles vê o socialismo como nada mais do que a conquista do poder político, e a transformação, por decreto, das instituições econômicas. Os instrumentos do socialismo, em seus olhos, são a nacionalização, controle estatal e o “plano”. O objetivo do socialismo é aumentar tanto a produtividade como o consumo. A eliminação da anarquia econômica e o total desenvolvimento das forças produtivas são de alguma forma considerados iguais a utopia.
Indústrias nacionalizadas dos Trabalhistas são provas da atitude dos sociais-democratas. Os Bolcheviques substituiriam os Robertsons e Robens com pessoas leais ao Partido. A experiência Soviética torna isso muito claro. Já em 1918 Lenin tinha declarado “a Revolução exige, nos interesses do socialismo, a obediência sem reservas das massas à vontade única dos dirigentes do processo de trabalho.[2]” Em 1921 ele dizia: “É absolutamente essencial que toda autoridade nas fábricas esteja concentrada nas mãos dos dirigentes … sob essas circunstâncias, toda interferência direta pelos sindicatos na gestão das fábricas deve ser tomado como positivamente danoso e inadmissível.[3]”
Trotsky queria militarizar os sindicatos. Não está longe disso a declaração, emitida pelo Comitê Central de Stalin em Setembro de 1929, que “Comunistas da União Soviética devem ajudar a estabelecer ordem e disciplina na fábrica. Membros do Partido Comunista, representantes de sindicatos e [shop committees] são instruídos a não interferir em questões de gerência.[4]”
Nenhum deles demonstra que os próprios trabalhadores devem gerir e organizar a indústria e os assuntos da sociedade, agora. Essa era uma suposta cenoura para ser oferecida em um futuro distante.
Essa concepção de socialismo origina os partidos burocráticos que hoje constituem as organizações políticas tradicionais da “esquerda”. Para todos eles, a criação e aplicação de regras são um assunto para especialistas. Gaitskell despreza as decisões de Scarborough porque elas foram feitas por pessoas que ele considera ser intelectualmente incapazes de compreender questões de importância internacional. O Partido Comunista e a Liga Socialista Trabalhista se opõem às bombas de hidrogênio britânicas, mas apoiam as Russas. Seus líderes consideram que as milhões de pessoas que querem acabar com todas as bombas de hidrogênio estão sendo sentimentais e desinformadas. Eles obviamente não leram a quantidade apropriada de livros que iria “clarificar” e fazê-los ver quão essencial as bombas russas realmente são.
Os empresários insistem na importância de seus direitos de gerenciar. Da mesma forma insistem os líderes das organizações políticas da “esquerda”. Esse controle rígido de cima não cria eficiência, mas exatamente o contrário. Quando decisões são tomadas em níveis mais altos e simplesmente transmitidas para os mais baixos executarem, surge uma conspiração tanto contra os líderes e tanto contra as ordens. Na fábrica, os trabalhadores inventam seus próprios métodos de solucionar os problemas do trabalho. Se o bônus pode ser feito em cinco horas, tudo ótimo. O trabalho é habilidosamente espalhado por oito horas e meia. Os supervisores mentem para os dirigentes departamentais. Estes, por sua vez, mentem para os dirigentes dos trabalhadores, que mentem para os diretores e acionistas. Cada um busca preservar seu próprio nicho. Cada um busca esconder desperdício, erro e ineficiência. Na organização hierárquica da fábrica moderna onde o trabalho não é um assunto para decisão comum e responsabilidade, e onde as relações são baseadas em desconfiança e suspeita, o melhor “plano” nunca pode ser cumprido.
Isso se repete nos partidos políticos. Oficiais têm de justificar sua existência. Membros que não são nada mais do que contribuidores de fundos partidários, e vendedores de literatura do partido, são regularmente chamados para explicar quantos papéis eles venderam e quantos contatos eles visitaram com o último escrito de seus líderes. Aqueles que tentam discutir a realidade ou pensar por si próprios são denunciados ou como “sectários” ou “oportunistas” ou somente “politicamente imaturos”. Os dirigentes das fábricas nunca sabem realmente o que está acontecendo em suas fábricas. Os “líderes” políticos também não sabem o que está acontecendo em suas próprias organizações. Somente os líderes, por exemplo, acreditam no número de candidaturas distribuídas.
Os Bolcheviques argumentam que para lutar as forças altamente centralizadas do capitalismo moderno é requerido um partido igualmente centralizado. Isso ignora o fato de que a centralização capitalista é baseada em coerção e força e a exclusão da esmagadora maioria da população de participar de qualquer uma das suas decisões. Os órgãos mais especializados e centralizados sob o capitalismo são seus meios de impor suas regras – os militares e a polícia. Por causa de seu centralismo burocrático essas organizações produzem uma raça de animais diferenciados por sua insensibilidade, brutalidade e outras qualidades imbecis.
A própria estrutura dessas organizações assegura que seus membros não pensem por eles mesmos, mas que realizem as instruções dos seus superiores sem questionamento. Trotsky, já em 1903, acreditava que o movimento Marxista deveria ter uma estrutura similar. Ele disse à Conferência de Brussels que os estatutos da organização revolucionária deveriam expressar “a organização da desconfiança do líder sobre os membros, uma desconfiança se manifestando em vigilância de cima sobre o Partido”[5].
Apoiadores do “centralismo democrático” insistem que ela é o único tipo de organização que pode funcionar efetivamente sob condições de ilegalidade. Isso não tem sentido. A organização “centralista democrática” é particularmente vulnerável à perseguição policial. Quando todo poder está concentrado nas mãos dos líderes, sua prisão imediatamente paralisa toda a organização. Membros treinados para aceitar as instruções, sem questionar, de um Comitê Central todo-sábio, vão achar muito difícil ou impossível pensar e agir por eles mesmos. As experiências do Partido Comunista Alemão confirmam isso. Com sua costumeira inconsistência, os Trotskistas até explicam a derrota de suas seções da Europa Ocidental durante a Segunda Guerra Mundial falando para as pessoas como seus líderes haviam sido mortos pelo Gestapo!
A derrubada da sociedade exploradora não é uma operação militar que será planejada por um secretariado de generais amadores, armados com uma livraria de textos Marxistas e um manual militar ultrapassado. Uma revolução social só pode acontecer quando a própria classe trabalhadora estiver consciente da necessidade de mudar a sociedade e estiver preparada para lutar. Seu sucesso é mais dependente da desintegração das instituições capitalistas do que em sua derrubada militar. A menos que seções inteiras das forças armadas possam ser conquistadas ou neutralizadas, então a tomada de poder é impossível.
Por causa das suas ideias reacionárias e métodos de organização nem a social-democracia nem o Bolchevismo são capazes de entender ou expressar as verdadeiras necessidades das pessoas. A dinâmica de qualquer movimento socialista é o desejo das pessoas de mudar as condições de suas vidas. A Revolução Húngara era mais do que a luta por um pouco mais de ganho semanal[6]. Não era uma briga por uma extensão da nacionalização ou por mais “eficiência” nos departamentos do Governo. Milhões de húngaros se levantaram contra seus opressores porque eles queriam determinar as condições das suas próprias vidas e gerir seus próprios assuntos. Por um curto e heroico período eles substituíram a sociedade de governantes e governados com democracia direta, onde cada representante não era apenas eleito por voto direto, mas podia ser revogado a qualquer momento. A ideia dos comitês apontados de cima e de “comissões de painéis” teriam sido estranhas para eles. Com certeza tendências políticas da qual os próprios métodos organizacionais são antíteses do que a classe trabalhadora tem demonstrado, na prática, deveriam re-examinar todas as suas ideias e teorias previamente aceitas.
2. Por quê?
Todos os grupos dirigentes na sociedade moderna encorajam a crença de que a tomada de decisão e gerência são funções além da compreensão das pessoas comuns. Todos os meios são usados para propagar essa ideia. Não apenas a educação formal, a imprensa, o rádio, televisão e igreja perpetuam esse mito, mas até os partidos da tão chamada oposição a aceitam e, fazendo isso, dão-lhe força. Todos os partidos políticos da “esquerda” – seja social-democrata ou Bolchevique – opõe a ordem atual somente oferecendo “melhores” líderes, mais “experientes” e mais capazes de resolver os problemas da sociedade do que aqueles que gerenciam mal o mundo hoje em dia.
Todos eles, burgueses e “radicais” igualmente, distorcem a história da classe trabalhadora e tentam colocar um discreto véu sobre a imensa iniciativa criativa das massas em luta. Para o burguês, a Revolução Russa foi a conspiração do fanatismo organizado. Para Stalinistas e Trotskistas, é a justificação de seu direito para liderar. Para o burguês, a Revolução Húngara de 1956 mostrou como dirigentes capitalistas eram melhores do que os Stalinistas. Para os Stalinistas, ela foi uma conspiração fascista. Os Trotskistas escreveram panfletos mostrando o quanto os húngaros precisavam de seus serviços. Sobre toda revolução e luta os partidos competem no miserável negócio de tentar justificar tanto eles mesmos quanto seus dogmas. Todos eles ignoram os esforços, as lutas, os sacrifícios e as conquistas positivas dos próprios participantes. Toda tentativa das pessoas de tomarem o controle de seus próprios destinos proclamando sua própria regra foi enterrada abaixo de um milhão de folhetos oficiais e uma confusão de interpretações dos “especialistas”.
Agora é praticamente impossível entender o que realmente aconteceu na Itália durante o começo dos anos 20 quando os trabalhadores ocuparam e geriram as fábricas. A Comuna de Astúrias em 1934, As Jornadas de Maio em Barcelona de 1937, as greves de sentar na França e nos E.U.A. durante o final dos anos trinta e os eventos de Budapeste em 1956 se tornaram livros fechados.
Se o mito de que as pessoas são incapazes elas mesmas de gerir, organizar e governar a sociedade deve ser desacreditado, os trabalhadores devem saber que em diversas ocasiões outros trabalhadores de fato geriram a sociedade. Eles fizeram isso tanto mais humanamente e mais efetivamente do que como é hoje. Para nós que publicamos o Agitator não é possível existir socialismo a não ser que a classe trabalhadora estabeleça seu próprio governo. Socialismo para nós implica na completa gestão tanto da produção quanto do governo. A precondição essencial para isso é uma elevação na consciência de massa e o desenvolvimento de uma confiança dentro nas pessoas de que elas são capazes não apenas de desafiar a velha sociedade, mas de construir a nova.
Fazer essas experiências passadas se tornarem acessíveis às pessoas é uma das principais tarefas dos socialistas revolucionários. Todos os meios de informação estão nas mãos dos capitalistas, burocratas ou auto-proclamados salvadores com interesses próprios[7]. Nós discordamos daqueles que dizem que não há necessidade de uma organização revolucionária. A produção de uma verdadeira e séria história requer a associação consciente e organizada de socialistas revolucionários.
A organização revolucionária deve também trazer à percepção dos trabalhadores os interesses comuns que eles compartilham com outros trabalhadores.
De um lado, a concentração do capital levou a uma crescente concentração de trabalhadores em fábricas gigantes geralmente ligadas umas às outras em diversos tipos de monopólio. Por outro lado, as novas técnicas produtivas levaram a uma maior divisão entre os produtores. O processo de trabalho foi tão dividido que os trabalhadores não estão apenas separados por fronteiras nacionais, regionais e seccionais, mas também por divisões artificiais dentro das fábricas e departamentos. O aumento do ritmo de produção e a introdução de trabalho por peças promoveu a ideia de que os interesses dos trabalhadores em uma seção são diferentes dos homens em outras seções.
Os oficiais de sindicatos ajudam os patrões a manter essas divisões. Separações e geralmente grandes diferenças de salário e quantidade ganhada por peças são negociadas. Os trabalhadores em uma oficina ou fábrica são colocados para competir contra trabalhadores em outras oficinas e fábricas. Os patrões e os oficiais sindicais usam inescrupulosamente os interesses a curto-prazo dos trabalhadores – ou aparentes interesses de curto-prazo – para sabotar suas reais necessidades. A própria presença de diferentes sindicatos competindo uns contra os outros por membros ilustra como os interesses seccionais são promovidos acima dos interesses gerais. Trabalhadores de escritórios são hoje em dia reduzidos a meras engrenagens na impessoal máquina de produção. O aumento nas afiliações à sindicatos entre esses trabalhadores mostra como eles estão se tornando conscientes deste fato. As burocracias sindicais os organizam em sindicatos separados para trabalhadores de colarinho-branco, ou em seções especiais dos sindicatos industriais.
A organização revolucionária deve ajudar a quebrar as falsas divisões entre os trabalhadores. Com seus artigos e publicações e através de seus militantes, a organização revolucionária deve trazer à atenção das pessoas as lutas que estão acontecendo na sociedade. Ela deve verdadeiramente informar sobre o que essas lutas são e mostrar como elas afetam as vidas e interesses dos trabalhadores.
A maioria das pessoas no momento não veem a necessidade do socialismo. Se por socialismo se quer dizer o que atualmente se passa como socialismo – tanto no Oriente como no Ocidente da Cortina de Ferro – nós dificilmente podemos culpá-los. Não há dúvidas, no entanto, de que um grande número de pessoas está preparado para lutar em questões reais, em questões que realmente preocupam-nas, e contra as inumeráveis e monstruosas injustiças sociais e frustrações sociais da sociedade contemporânea. Em um nível elementar, elas estão preparadas para lutar contra aumentos no aluguel, contra mudanças no pagamento por peças produzidas e contra mudanças na organização dos trabalhos sobre as quais elas nem foram consultadas. Em um nível mais alto, elas estão preparadas para protestar contra a produção de armas nucleares. Elas estão constantemente desafiando as diversas “soluções” para esses problemas, impostas a elas de cima. Como pode essa contestação ser generalizada? Como ela pode ser transformada em uma contestação direcionada contra a própria sociedade que perpetua a divisão dos homens entre dirigentes e dirigidos?
A organização revolucionária deve ajudar as pessoas engajadas na luta contra a sociedade exploradora a entender a necessidade de agir como classe organizada e não como grupos isolados com objetivos limitados e seccionais.
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A sociedade socialista é um sonho Utópico? A resposta depende de como se vê o desenvolvimento da consciência socialista. Os Bolcheviques – Stalinistas e Trotskistas – ambos endossam a declaração de Lenin: “A história de todos os países mostra que a classe trabalhadora, exclusivamente por seus próprios esforços, só é capaz de desenvolver uma consciência sindical.[8]”
Os adeptos desta “teoria”, logicamente, consideram como tarefa dos revolucionários profissionais planejar a estratégia, organizar a tomada de poder e tomar todas as decisões para a instituição da sociedade “socialista”. Lenin, o mais firme defensor dessa ideia reformista e reacionária que pegou emprestado de Kautsky[9] até mesmo aplaudiu os comentários desdenhosos e irônicos de Webb sobre as tentativas dos trabalhadores britânicos de gerir seus próprios sindicatos[10].
Nós rejeitamos completamente essa ideia. Primeiro, porque ela tenta impor sobre os trabalhadores um relacionamento com “seus” líderes o que é uma réplica da relação já existente sob o capitalismo. O efeito seria simplesmente a criação de apatia e alienação das massas – condições que poderosamente ajudam o crescimento de grupos dirigentes, que rapidamente assume cada vez mais funções gerenciais e que por mais “bem intencionado” originalmente, rapidamente começa a resolver as questões em seus próprios interesses e se tornam grupos exploradores e burocráticos.
Nós acreditamos que as pessoas em luta realmente tiram conclusões que são fundamentalmente socialistas em seu conteúdo. Disputas industriais, particularmente no Reino Unido, frequentemente o caráter de uma disputa por direitos de gerência. Trabalhadores constantemente disputam o direito do chefe de contratar e despedir. Greves regularmente ocorrem nas tentativas dos empregadores de reorganizar e “racionalizar” a produção. Nessas os trabalhadores geralmente contrapõem seus próprios conceitos e ideias de como a produção deveria ser organizada às dos patrões. Tais disputas não apenas minam a estrutura autoritária e hierárquica das relações capitalistas, elas também mostram claramente que as pessoas estão repetidamente vendo a necessidade de organizar a produção – que é a base de toda a vida social – como elas pensam ser melhor.
Durante a Revolução Húngara de 1956, os Conselhos Operários exigiram drásticas reduções nas diferenças salariais, pediram a abolição do pagamento por peça e introduziram a gestão da indústria pelos trabalhadores. Essas organizações de regulação política e industrial – muito mais importantes do que o governo de Nagy – eram baseadas em delegados eleitos e imediatamente revogáveis.
A Revolução Húngara seguiu a tradição primeiramente estabelecida pela Comuna de 1871. Mas os objetivos dos trabalhadores húngaros foram além de qualquer revolução anterior. Na natureza anti-burocrática de suas exigências, os trabalhadores húngaros mostraram que eles estavam lutando por algo que irá se tornar o aspecto fundamental de todas as lutas dos trabalhadores nesta época. Tal programa é muito mais revolucionário e mais profundamente socialista do que qualquer coisa defendida por qualquer um dos chamados partidos socialistas de hoje.
Os Social-Democratas e os Bolcheviques olham para a guerra ou para a miséria econômica como meios de chegar ao socialismo. É primitivo e insultante acreditar que as pessoas são incapazes de se opor à sociedade exploradora a menos que suas barrigas estejam vazias ou suas cabeças prestes a serem explodidas.
Essa falsidade é revelada pelas inúmeras disputas que acontecem na indústria automobilística. Os trabalhadores de automóveis – apesar de seus relativamente altos salários – lutam contra as tentativas dos seus patrões de estabelecer um controle ainda mais rígido sobre as condições das oficinas. Geralmente os patrões estão preparados para pagar mais dinheiro se os trabalhadores desistirem dos seus direitos arduamente conquistados nas fábricas. Trabalhadores geralmente rejeitam esse suborno.
Tanto os capitalistas, como os burocratas, visam subordinar a grande maioria às necessidades de seus grupos dirigentes. Os governantes tentam estampar a marca de obediência e conformidade em cada aspecto da vida social. Iniciativa, independência intelectual, criatividade são esmagadas e desprezadas. A menos que o ser humano[11] possa desenvolver completamente essas – suas mais preciosas qualidades – ele vive uma vida incompleta. Os seres humanos querem ser mais do que servos bem alimentados. O desejo de ser livre não é uma frase liberal digna de pena, mas o mais nobre dos desejos do ser humano. A pré-condição para essa liberdade é, claramente, liberdade no campo da produção – autogestão dos trabalhadores. Não pode existir real liberdade e futuro para a humanidade em uma sociedade exploradora. O caminho para a liberdade se encontra através da revolução socialista.
A indignação das pessoas hoje contra as sufocantes e degradantes relações impostas a eles pela sociedade de classes fornece a mais forte força em direção ao futuro socialista.
3. Como?
Que tipo de organização é necessária na luta pelo socialismo? Como podem as lutas fragmentadas de grupos isolados de trabalhadores, de inquilinos, de pessoas que se opõem à guerra nuclear serem coordenadas? Como pode uma consciência socialista de massa ser desenvolvida?
Nas partes 1 e 2 nós fomos bem enfáticos sobre o que nós não queríamos. Nós olhamos para todas as organizações tradicionais e achamos tanto nas suas doutrinas e nas suas estruturas espelhos da mesma sociedade que eles alegavam estar lutando para derrubar. Nós gostaríamos agora de desenvolver algumas de nossas concepções do que é necessário.
Nossas sugestões não são planos. Nem tem a intenção de ser a última palavra no assunto. Os métodos de luta decididos pela classe trabalhadora vão em uma grande extensão moldar a organização revolucionária – isto é, desde que a organização veja ela mesma como um instrumento dessas lutas e não como uma auto-proclamada “liderança”. Concepções “elitistas” levam a um isolamento auto-imposto. Eventos futuros devem nos mostrar a necessidade de modificar ou mesmo radicalmente alterar muitas das nossas presentes concepções. Isso não nos preocupa nenhum pouco. Não há nada mais revolucionário do que a realidade, nada mais reacionário do que uma antiga ideia “revolucionária” promovida à categoria de verdade absoluta e permanente.
A sociedade baseada na exploração busca constantemente coagir as pessoas a obedecerem a sua vontade. Ela nega a essas pessoas o direito de gerirem suas próprias vidas, de decidirem seu próprio destino. Ela busca criar conformistas obedientes. O real desafio do socialismo é que ele irá dar aos seres humanos o direito de serem mestres de seu próprio destino.
Parece bem óbvio para nós que a organização socialista deve ser gerida por seus membros. A menos que ela possa garantir que eles trabalhem juntos em um espírito de livre associação e que sua atividade é genuinamente coletiva será inútil. Não irá parecer para as pessoas como diferente de qualquer outra organização ou instituição do capitalismo, com sua rígida divisão entre mandantes e mandados.
Sem democracia a organização revolucionária será incapaz de desenvolver a originalidade requerida de pensamento e a vital iniciativa e determinação para lutar sobre as quais sua própria existência depende. O método dos Bolcheviques de líderes auto-nomeados e permanentes, selecionados por causa de suas habilidades de “interpretar” os escritos dos professores e “relacionar eles aos eventos de hoje”, garante que ninguém nunca introduza uma ideia original. A história se torna uma série de interessantes analogias. O pensamento se torna supérfluo. Tudo que os revolucionários precisam é uma boa memória e uma grande biblioteca. Não espanta a esquerda “revolucionária” ser hoje tão estéril.
A luta exige mais do que um conhecimento da história. Ela demanda de seus participantes um entendimento da realidade de hoje. Durante as greves, trabalhadores têm de discutir livremente e sem repressão a melhor forma de vencer. A menos que isso seja feito, a habilidade e talento dos grevistas são desperdiçados. A lealdade e determinação que os grevistas demonstram – geralmente referida pela imprensa como teimosia e ignorância – derivam do conhecimento de que eles participaram das decisões. Eles têm um sentimento de identificação com sua greve e com a organização desta. Isso está em grande contraste com suas posições na sociedade onde o que eles pensam e fazem não é considerado importante.
Durante greves, representantes de diversos grupos políticos ganham controle do Comitê. Demandas completamente não relacionadas com a disputa aparecem. O resultado é inevitável. Uma falta de interesse, uma diminuição da atividade, algumas vezes até o voto de retorno ao trabalho. O sentimento de identificação desaparece e é substituído por um sentimento de estar sendo usado.
Quando a gestão direta de uma organização por seus membros é substituída por um controle alheio de cima, a vitalidade é perdida, a vontade de lutar diminuí. Muitos perguntarão o que nós queremos dizer por “gestão direta”? Nós estamos dizendo que a organização deve ser baseada em ramificações ou grupos, cada qual tem a completa autonomia para decidir suas próprias atividades, que esteja de acordo com o propósito geral da organização. Quando possível as decisões devem ser coletivas. As ramificações devem eleger delegados para qualquer comitê considerado necessário para o funcionamento diário da organização. Tais delegados não são eleitos para três anos, para doze meses … ou mesmo doze dias. Eles são, revogáveis, a qualquer momento que seus companheiros considerarem necessário. Essa é a única maneira que os membros podem garantir efetivamente que seus representantes irão realizar seus trabalhos propriamente. Nós não reivindicamos originalidade ao propor isso. Em toda revolução, durante a maioria das greves e diariamente no nível da organização das oficinas a classe trabalhadores recorre a esse tipo de democracia direta.
É engraçado ouvir Bolcheviques argumentarem que isso pode ser bom para todos os outros – mas não para eles. Aparentemente os mesmos trabalhadores de que se espera determinação e consciência suficiente para derrubar o capitalismo e construir uma nova sociedade não possuem conhecimento suficiente para colocar o homem correto no lugar correto na sua própria organização.
Os mesmos argumentos contra a democracia direta repetidamente levantam suas calvas cabeças! Nós somos relembrados que não se pode ter um encontro massivo para discutir cada assunto – verdade, mas não muito profundo. É claro que certos comitês são necessários. Eles devem, entretanto, ser diretamente responsáveis aos membros, e suas tarefas devem ser claramente definidas. Eles devem ser encarregados de apresentar todos os fatos de qualquer assunto sob discussão para todos os membros. A retenção de informação essencial dos membros é um fator poderoso para reforçar a divisão entre líderes e liderados. Essa é a base para a burocracia dentro da organização. A democracia genuína não implica em igualdade de direitos … ela implica na mais completa disseminação possível de informação, permitindo o uso racional desses direitos.
Nós rejeitamos a ideia de que assuntos de grande importância requerem rápidas decisões por um comitê central, com “anos de experiência” em seu currículo, se encontrando em uma reunião secreta a portas fechadas. Se o conflito social é tão intenso para necessitar medidas drásticas, a necessidade para tal ação será certamente aparente para muitos trabalhadores. A organização na melhor das hipóteses será a expressão daquela vontade coletiva. Um milhão de decisões corretas são bem inúteis a menos que elas sejam entendidas e aceitas por aqueles envolvidos. As pessoas não podem lutar cegamente em tais situações, suas ações impensadas projetadas por um grupo de teóricos revolucionários – se elas lutarem assim, os resultados serão possivelmente perigosos.
Quando decisões importantes tiverem de ser tomadas, elas devem ser colocadas ante os membros para aprovação ou não aprovação. Sem isso não pode haver entendimento do que está envolvido. E sem entendimento não há como haver convicção, e nem ação genuinamente efetiva. Haverá apenas os comuns apelos fanáticos à “disciplina”. E como Zinoviev uma vez colocou: “disciplina começa onde convicção acaba”.
Nossos críticos vão nos perguntar sobre as diferenças de opinião dentro da organização. Não deveriam as decisões da maioria ser obrigatória a todos? A alternativa, nós somos informados, é inefetividade. De novo existem precedentes aos quais podemos nos referir: as reais experiências dos trabalhadores em luta. Durante greves e mesmo ainda mais durante revoluções, grandes questões estão em jogo. Decisões fundamentais devem ser tomadas. Nessas circunstâncias os membros vão automaticamente esperar de cada um a completa e ativa participação. Aqueles que não o dão vão se cortar do movimento, não terão nenhum desejo de permanecer membros. É outra coisa, no entanto, insistir na absoluta aceitação das linhas partidárias em questões que exigem decisões e ações imediatas. Aqueles que desejam uma organização que siga essas linhas claramente atribuíram a si mesmos um direito divino de interpretação. Somente eles sabem o que é “correto”, o que está “no melhor interesse do movimento”.
Essa postura é muito difundida e é um importante fator na absoluta fragmentação da esquerda revolucionária hoje. Várias facções, cada uma dizendo ser a elite, o único grupo Marxista “genuíno”, lutam furiosamente entre si, cada um bem seguro de que o destino da classe trabalhadora, e da humanidade em geral, está ligada à “achar a solução correta” para cada uma das disputas doutrinárias. Lutas de facções e a concepção de “elite” do Partido (o “cérebro” da classe trabalhadora) são dois lados da mesma moeda. Essa concepção subestima profundamente as habilidades criativas da classe trabalhadora. Não surpreende que eles rejeitam esse tipo de organização … e esse tipo de política.
Qual deveria ser a atividade da organização revolucionária? Embora rejeitemos o substitucionismo, tanto do reformismo, quanto do Bolchevismo, nós também rejeitamos a abordagem essencialmente propagandista de organizações como o Partido Socialista da Grã-Bretanha. Nós consideramos importante trazer informações aos trabalhadores e relatos das lutas de outros trabalhadores – tanto do passado como do presente – relatórios que enfatizem o fato de que trabalhadores são capazes de lutar coletivamente e de se elevar às maiores alturas de consciência revolucionária. A imprensa revolucionária deve ajudar a destruir a conspiração de silêncio sobre tais lutas. Ela deve trazer para a classe trabalhadora a história de seu próprio passado e os detalhes de seus esforços atuais. Mas deve fazer mais do que meramente disseminar informação. Quando greves aconteceram, quando inquilinos se opuserem ao aumento nos aluguéis, quando milhares protestarem contra a ameaça de guerra nuclear, nós sentimos ser de nossa responsabilidade prover o máximo de suporte e assistência. A organização revolucionária ou seus membros deveriam ativamente participar nesses movimentos, não com a ideia de “ganhar controle” ou “ganhar adeptos” a uma linha particular – mas com o objetivo mais honesto de ajudar pessoas em luta vencerem.
Isto não exime revolucionários conscientes de argumentar por suas ideias ou da necessidade de tentar convencer pessoas das implicações mais abrangentes de suas lutas. Nós não nos “curvamos à espontaneidade”[12]. Nós acreditamos que temos algo positivo a dizer, mas que também nós devemos merecer nosso direito de dizê-lo. A organização revolucionária deve ver sua tarefa como servidora da classe trabalhadora, não a liderando, ajudando-a coordenar seus esforços, não a impondo métodos de luta, aprendendo com as lutas que estão acontecendo, não enfiando seus aprendizados goela abaixo nos outros. Devem perceber, por mais que suas ideias sejam corretas, que elas dependem da concordância dos trabalhadores.
[1] [N.T.] Programa nuclear do Reino Unido.
[2] “As Tarefas Imediatas do Poder Soviético”: https://www.marxists.org/portugues/lenin/1918/04/26.htm.
[3] “Sobre o Papel e as Tarefas dos Sindicatos nas Condições da Nova Política Econômica”: https://www.marxists.org/portugues/lenin/1922/01/04.htm.
[4] Apresentado em Freiheit, jornal de língua alemã do Partido Comunista Americano, 9 de Setembro, 1929.
[5] Ver Isaac Deutscher, O Profeta Armado, p. 76.
[6] [N.T.] Aqui é usado a expressão “ten bob a week” que se refere a uma moeda usada no Reino Unido na época.
[7] [N.T.] A expressão “Have an axe to grind” significa: ter uma forte opinião pessoal sobre alguma coisa que você quer que as pessoas aceitem e que isto seja a razão do porquê você fazer isso.
[8] V. I. Lenin, Quê fazer? https://www.marxists.org/portugues/lenin/1902/quefazer/fazer.pdf.
[9] Em Die Neue Zeit, 1901-1902, XX, Nº 3, p. 79, Kautsky escreveu: “… consciência socialista é representada como um resultado necessário e direto da luta da classe proletária. Isto é absolutamente falso … A consciência socialista moderna não pode surgir senão na base de profundos conhecimentos científicos … o portador da ciência não é o proletariado, mas a intelectualidade burguesa …” Lenin, em Quê fazer?, cita Kautsky por completo e se refere a suas visões como “profundamente justas e verdadeiras”.
[10] Lenin escreveu (ibid. p. 125): “No livro do casal Webb sobre as trade unions inglesas há um capítulo curioso: «A democracia primitiva». Dizem os autores, neste capítulo, como os operários ingleses, no primeiro período de existência dos seus sindicatos, consideravam como característica imprescindível da democracia que todos fizessem de tudo na direção dos sindicatos: não só todos os problemas eram decididos por votação de todos os membros, mas também os cargos eram desempenhados, sucessivamente, por todos os filiados. Foi necessária uma longa experiência histórica para que os operários compreendessem o absurdo de tal concepção de democracia e a necessidade, por um lado, de existirem instituições representativas e, por outro, a necessidade de funcionários profissionais”.
[11] [N.T.] Em algumas passagens do original, mudamos a referência ao “homem” como sinônimo de “ser humano” para apenas ser humano. O objetivo dessa alteração possui como propósito evitar uma linguagem sexista. Assim, a linguagem do autor fica adequada à sua perspectiva revolucionária.
[12] A maioria das discussões nesse tema são sem razão. Todas as lutas de massa têm ambas causas imediatas e remotas e todas são influenciadas em maior ou menor grau pelas experiências de lutas prévias.
Publicado em Agitator, I, 4 e 5 (Março e Abril de 1961); Solidarity, I, 6 (Maio 1961)
Traduzido por Guilherme Fernandez e revisado por Mateus Alexandre e Gabriel Teles, a partir da versão disponível em: https://www.marxists.org/archive/brinton/1961/05/organization.htm.
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