Elementos para uma crítica Marxista ao Leninismo – Gabriel Teles & Rubens Vinicius

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O leitor desavisado ou ingênuo poderá incorrer em uma dúvida quanto ao título desta coletânea: é possível uma crítica marxista ao leninismo? Tal indagação, sem dúvidas, é derivada de um desenvolvimento de deformação da compreensão correta e coerente do significado do marxismo para a luta de classes no interior da sociedade capitalista. A história é contada pelos vencedores, já dizia George Orwell. O leninismo, sobretudo a partir do golpe de estado na Rússia em outubro de 1917, tornou-se sinônimo de um autêntico continuador do marxismo original (Karl Marx e Friedrich Engels). Ledo engano.

A constituição do leninismo, sobretudo a partir dos escritos de seu fundador, o russo Vladimir Ilyich Ulyanov, mais conhecido como Lênin, é resultado de uma ação que emperra o próprio desenvolvimento revolucionário do proletariado em luta. Trata-se de uma ideologia, originada no seio do movimento operário, mas que expressará outros interesses, contrários aos de quem não têm nada a perder e um mundo ganhar (o proletariado). O leninismo expressa os interesses de determinadas frações da classe burocrática, que buscam se autonomizar e se tornar classe dominante.

Foi isso o que ocorreu na experiência russa de 1917. Com a tomada do poder de estado, os bolcheviques (orientados pelas teses de Lênin e de seus camaradas) operaram uma das maiores contrarrevoluções que os trabalhadores sofreram em sua história. Diferentemente da contrarrevolução empregada na Comuna de Paris (1871), instituída pela própria burguesia a partir das forças repressivas do exército, os bolcheviques, ao bradar e se auto-intitularem a vanguarda dos trabalhadores, corroeram as bases das organizações autárquicas dos trabalhadores russos da época (sovietes – conselhos operários) e destruíram qualquer possibilidade de transformação social que apontasse para o autogoverno dos produtores. Em pouco tempo, os conselhos operários foram esvaziados de seu conteúdo revolucionário e suplantados na incorporação de sindicatos controlados por dirigentes do partido bolchevique.

Esse é um dos diversos elementos que nos possibilita afirmar que a consolidação do bolchevismo no poder na Rússia significou a cristalização de um capitalismo de estado, cuja manutenção da exploração e dominação sobre as classes desprivilegiadas, naquele contexto histórico, se deu de forma nítida e sintomática. Assim, a burocracia partidária se funde com a burocracia estatal, metamorfoseando-se em uma burguesia de Estado, classe que ao mesmo tempo se apropria do mais-valor extraído dos trabalhadores e dirige burocraticamente a sociedade em sua totalidade.

Lênin não foi apenas o grande dirigente da contrarrevolução russa, mas também o grande ideólogo que legitimou esse processo a partir de interesses burocráticos. Coube a Lênin sistematizar, a partir de sua produção intelectual, o desenvolvimento e aprofundamento das práticas bolcheviques que correspondiam, naquele momento, ao processo de radicalização de determinada fração da burocracia que buscava se autonomizar.

O conteúdo dos escritos produzidos por Lênin expressa, nas mais diversas formas, a tentativa de controle sobre o movimento operário. Tal processo é percebido a partir de determinados aspectos, os quais conformam uma totalidade e não podem ser entendidos em separado. São eles: a) o desenvolvimento da ideologia da vanguarda; b) a importância dada ao Partido (uma organização burocrática); c) a criação da ideia de um período de transição chamado “socialismo”; d) a deformação das ideias de Marx. Enfim, sua obra manifesta o antagonismo com a perspectiva revolucionária, proposta e expressa pelo marxismo. O leninismo é fruto, então, do desenvolvimento das ideias burocráticas radicalizadas ao longo da história da sociedade capitalista, cujo processo de constituição remete às condições específicas da sociedade russa. Coube a Lênin o desenvolvimento de seus fundamentos ideológicos. Dessa maneira, o leninismo aqui é definido como uma ideologia que expressa a tentativa de modernização estatizante do capitalismo ou a constituição de um modo de produção burocrático.

Partindo desses pressupostos, a crítica marxista a esta ideologia é uma crítica necessária. Não apenas pelo marxismo e pelo leninismo serem antagônicos por expressarem perspectivas de classe distintas, mas também porque este último é confundido com o primeiro. O marxismo, no conjunto dos textos apresentados nessa coletânea, é entendido como expressão teórica do movimento revolucionário do proletariado. Trata-se do marxismo autêntico, que aponta para a autoemancipação proletária rumo à transformação social. A sua principal tarefa é colaborar na luta cultural para que o movimento operário radicalize suas lutas e torna-se classe autodeterminada. Sendo sua expressão teórica, o marxismo é, igualmente, uma consciência antecipadora, pois expressa a classe que traz em seu bojo o futuro da humanidade. Assim, não se trata de dirigir e levar “a consciência” ao proletariado (tal como o leninismo coloca em sua ideologia da vanguarda) e sim de contribuir, teoricamente, com sua radicalização.

A emancipação dos trabalhadores é obra dos próprios trabalhadores, já dizia Marx ao redigir o manifesto inaugural da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT). Este é um elemento fundamental na perspectiva marxista. Trata-se não só de um mero princípio político conjuntural de sua época, mas do essencial na própria dinâmica da luta proletária em sua história por sua autolibertação. No bojo do desenvolvimento desta luta se desenvolvem os embriões de uma nova sociabilidade, que aponta para um momento de negação (a destruição da sociedade capitalista) e um momento de afirmação (a autogestão social, aquilo que Marx chamava de autogoverno dos produtores ou comunismo).

O papel dos revolucionários (especialmente dos marxistas) é contribuir para acelerar esse processo, radicalizando as lutas proletárias e combatendo seus inimigos. Estes últimos emperram não apenas a possibilidade de concretização da transformação social a partir de uma contrarrevolução: também querem manter o movimento operário determinado pelo capital, sem radicalizar suas lutas e mantendo os proletários no cotidiano. Ou seja, trata-se de sistematizar um conjunto de pensamento complexo e práticas fundamentadas na reprodução das relações de exploração, dominação e alienação que constituem as diversas formas de miséria (psíquica, sexual, cultural, etc.). Dessa forma, o marxismo combate não só os inimigos mais diretos do proletariado, isto é, a classe dominante (burguesia). Igualmente, o marxismo combate outra classe que no interior do capitalismo é uma das classes auxiliares da burguesia: a classe burocrática.

A burocracia é uma das classes mais importantes no interior da dinâmica da sociedade capitalista. Cabe a ela a função de controle social. Enquanto no interior da divisão social do trabalho o proletariado é caracterizado pela produção de mais-valor, e a burguesia pela extração e apropriação desse mais-valor, a burocracia é caracterizada pela dominação e pelo controle. Sendo uma classe assalariada improdutiva, além de seu papel de controle, ela contribui com a reprodução das relações de produção capitalistas. A burocracia emerge como classe social no processo capitalista de produção de mercadorias (burocracia empresarial) e na principal forma de regularização das relações sociais burguesas, o Estado (burocracia estatal). Com o desenvolvimento do processo de burocratização das relações sociais em virtude da emergência dos sucessivos regimes de acumulação[1], surgem e se consolidam frações de classe da burocracia nas organizações da sociedade civil, tais como a burocracia partidária e sindical.

A classe burocrática também possui divisões no seu interior. Podemos falar em frações mais conservadoras, o seu alto escalão, que está mais próxima da burguesia (no sentido da renda, valores, etc.), e a burocracia inferior, que se localiza no escalão mais baixo (o que expressa menor renda e maior proximidade, em certos aspectos, com as classes desprivilegiadas). Não é nosso objetivo aqui trazer uma extensa e longa discussão sobre a burocracia enquanto classe e o suas funções na sociedade capitalista. Tal digressão se justifica devido ao fato de os elementos acima apontados serem fundamentais para compreendermos o verdadeiro caráter das ideias contidas no leninismo. Este expressa, de forma ideológica, a fração inferior da classe burocrática que se radicaliza na busca por se autonomizar e tomar o poder do estado para si. Esse processo ficou cristalizado, como já colocamos, com o golpe de estado bolchevique em outubro de 1917.

O marxismo (por seu caráter antagônico à classe burocrática e aos seus representantes ideológicos) busca desde o início evidenciar e criticar a burocracia, que tem como objetivo dominar a classe operária (das diversas formas possíveis) e reproduzir a sociedade capitalista existente. Com o leninismo não seria diferente. O marxismo, ao longo do seu desenvolvimento histórico, vem contribuindo com a crítica à burocracia e ao leninismo desde o seu início. Até mesmo Marx, que não viveu o suficiente para perceber a constituição da ideologia da vanguarda, já escrevera sobre os indivíduos e organizações que buscaram controlar o movimento operário. Em carta circular a August Bebel, Wilhelm Liebknecht, Bracke e outros, assim ele se posiciona[2]:

Quanto ao que nos concerne, temos diante de nós, levando em conta todo nosso passado, um único caminho a seguir. Há quarenta anos, colocamos em primeiro plano a luta de classe como força motriz da história, em particular, a luta de classes entre a burguesia e o proletariado como a mais poderosa alavanca da revolução social. Portanto, é nos impossível caminhar junto com pessoas que tendam a suprimir do movimento essa luta de classes. Quando fundamos a Internacional lançamos em termos claros seu grito de guerra “a emancipação da classe operária será obra da própria classe operária”. Não podemos evidentemente caminhar com pessoas que declaram aos quatros cantos que os operários são muito pouco instruídos para poder emancipar a si mesmos, e que eles devem ser libertados pelas cúpulas, pelos filantropos burgueses e pequeno-burgueses (MARX & ENGELS, 1978, p. 30).

Ainda em vida, Marx começou a criticar o nascente partido social-democrata em seu país de origem, Alemanha. A confusão e a deformação dos pretensos marxistas que contribuíram para a fundação do Partido Social-Democrata Alemão (PSD) fizeram com que Marx afirmasse a sua célebre frase, ao observar aqueles que se diziam seus “discípulos”, especialmente os franceses: tudo o que sei é que não sou marxista.

Na época de emergência e consolidação do Partido Bolchevique, sob a égide ideológica de Lênin, o marxismo autêntico continuou a expressar teoricamente o movimento revolucionário do proletariado, criticando e condenando o leninismo. Desde Makhaiskhi, passando pelas tendências internas no partido e, no exterior com os escritos de Rosa Luxemburgo (apesar de suas ambiguidades) contribuiu ao analisar a questão da espontaneidade do movimento operário em oposição ao vanguardismo enunciado pelos bolcheviques, denunciando muitas práticas antes, durante e depois da experiência russa quem culminou no golpe de estado dos bolcheviques. Com a consolidação do capitalismo estatal a partir da derrota do movimento operário, bem como ao processo de divulgação de notícias mais fidedigno da luta de classes naquele país, coube aos comunistas de conselhos efetivarem sistematicamente e de forma desapiedada a crítica ao leninismo. Um conjunto de militantes e teóricos, tais como Anton Pannekoek, Herman Gorter, Paul Mattick, Otto Ruhle, Helmut Wagner, etc., buscaram teorizar e expressar as organizações operárias que surgiram inicialmente na Rússia em 1905, e se generalizaram somente no início de 1917, alcançando também outros lugares, tais como a Alemanha, Hungria, Itália, etc.

Apesar de expressarem autenticamente o proletariado revolucionário, os conselhistas foram extremamente marginalizados e poucos conhecidos após a radicalização das lutas operárias no início do século XX. No entanto, o leninismo, com o êxito do golpe de estado em outubro de 1917 e a consolidação do seu poder – não apenas na Rússia, mas também na III Internacional (a partir da bolchevização dos partidos comunistas no mundo) – somados à derrota dos conselhos operários, torna-se hegemônico e é colocado como o autêntico herdeiro do marxismo. A história, enfim, é contada pelos vencedores. Assim, a crítica ao leninismo, apesar de existente, será pouco conhecida e marginalizada, sobrevivendo em pequenos grupos revolucionários que se espalharão pelo mundo, mas sem muita força. Até mesmo o anarquismo (o qual possui determinadas tendências no interior do bloco revolucionário) confunde leninismo com marxismo; geralmente criticando o primeiro e se referindo ao segundo de forma generalizada.  

É somente com a reemergência das lutas operárias, sobretudo na década de 1960, que o marxismo autêntico e revolucionário toma novo fôlego e ressurge com força. Nessa época há uma atualização do marxismo. Surgem (ainda que de forma contraditória e com limitações) organizações e teóricos que buscam resgatar o pensamento de Marx sem deformá-lo, além do resgate dos escritos dos conselhistas. Especialmente na França surgem diversos coletivos e produções intelectuais importantes, tal como o grupo Internacional Situacionistas (1957-1972), com as teses de Guy Debord e Raoul Vaneigem, que resgatam a crítica à burocracia, em especial ao leninismo/bolchevismo; além dos militantes que giravam em torno da revista Socialismo ou Barbárie (1948-1965), como Cornelius Castoriadis (em sua juventude), Claude Lefort, Alain Guilherm, Yvon Bourdet, etc., que também resgataram elementos revolucionários do marxismo. Inclusive os editores de Socialismo ou Barbárie tiveram contato e debateram com Anton Pannekoek, uma das principais referências do comunismo de conselhos. Na Inglaterra, surge o grupo Solidarity (1960-1992), com a figura importante de Maurice Brinton, que se dizia anti-leninista e caudatário dos comunistas de conselhos.

A síntese dessa atualização do marxismo se dá sobretudo pela ressignificação da palavra autogestão. Com a deformação leninista da palavra “comunismo”[3], os revolucionários marxistas substituem-na por autogestão para expressar aquilo que Marx chamava de autogoverno dos produtores ou comunismo. Assim nasce a expressão do marxismo na contemporaneidade: o marxismo autogestionário.

O marxismo autogestionário deságua no Brasil na figura do intelectual e militante Maurício Tragtenberg. Ao longo de sua trajetória, Tragtenberg contribuirá na tradução e no resgate do caráter revolucionário de Marx, bem como na apresentação de diversos militantes e organizações que eram desconhecidas pelo público brasileiro. Exemplo disso é a coletânea de textos por ele organizada com o nome de Marxismo Heterodoxo. Nela, os pesquisadores brasileiros são apresentados pela primeira vez às discussões de dissidentes russos e alemães no interior da intensificação das lutas de classe no início do século XX, à época das experiências revolucionárias.

Mas é somente no início da década de 1990 que o marxismo autogestionário começará a se estruturar no Brasil de forma mais coesa e sólida. É nessa época, mais exatamente em 1988, que nasce o Movimento Autogestionário (que, até 2001, se chamava Movimento Socialismo Libertário), grupo revolucionário que vem expressando o marxismo autogestionário até os dias atuais. Os autores dos textos da presente coletânea (com a óbvia exceção de Paul Mattick, representante do comunismo de conselhos) são componentes do coletivo Movimento Autogestionário (MOVAUT). A crítica à burocracia (em especial ao leninismo) faz parte de um conjunto de reflexões postas por seus membros ao longo das três últimas décadas.

Passadas estas rápidas considerações, podemos responder a nossa pergunta inicial: é possível uma crítica marxista ao leninismo? Não apenas é possível, como necessária! A história do marxismo autêntico, desde o seu início, expressa tal crítica e demonstra o seu caráter antagônico com essa ideologia burocrática. Dessa forma, as contribuições presentes nesta coletânea buscam analisar o leninismo em suas diversas manifestações: tanto em seus elementos teóricos quanto práticos.

O livro inicia com o artigo intitulado O que é o bolchevismo? de Edmilson Marques. Nesse texto, o autor busca resgatar o significado histórico do bolchevismo e do seu produto ideológico (foco deste trabalho) o leninismo. Assim, Edmilson Marques analisa a origem do bolchevismo, a constituição do partido bolchevique, a importância ideológica de Lênin e, por fim, a incompatibilidade do leninismo com o marxismo.

O texto seguinte, Lênin e o materialismo, de autoria de Diego Marques Pereira dos Anjos, esmiúça as ideias de Lênin sobre o materialismo, contidas sobretudo em seu livro Materialismo e Empiriocriticismo. Apoiado em Karl Korsch e Anton Pannekoek, o autor efetua uma crítica desapiedada às ideias filosóficas de Lênin, observando as abstrações filosóficas do autor russo e como ele não ultrapassou o materialismo burguês pré-marxista. Além disso, coloca os interesses burocráticos de Lênin ao escrever esse livro, que, aparentemente, trata apenas de “filosofia”, mas possui uma importância direta com a luta de classes na Rússia daquele período. Como bem coloca o autor: “Tal concepção foi filosoficamente fundamentada na separação sujeito e objeto do conhecimento: daí os resultados políticos materializados na ideologia do partido de vanguarda (sujeito) sobre a classe (objeto).”.

O próximo texto, Revolução Russa e contrarrevolução bolchevique, de autoria de Leonel Luiz dos Santos, analisa a dinâmica da luta de classes no interior da Revolução Russa. Para o autor, existem três grandes versões e interpretações dessa experiência revolucionária: a perspectiva burguesa, a qual liga o acontecimento ao totalitarismo “comunista”; a perspectiva burocrática, constituída especialmente pelo bolchevismo, concebendo-a como a “vitória comunista”; e a perspectiva proletária, a mais marginalizada, mas que expressa concretamente os acontecimentos daquele período. O objetivo de seu texto é resgatar o caráter autogestionário da experiência Russa e escancarar o caráter contrarrevolucionário do bolchevismo e de seu produto ideológico, o leninismo.

Após isso, há o texto Stalinismo e Trotskismo de Paul Mattick, sendo o único texto da presente coletânea que é produto de uma tradução, escrito no final da primeira metade do século XX (1947). Trata-se de uma discussão fundamental acerca dos desdobramentos do leninismo após a morte de Lênin. Com esse acontecimento, a então União Soviética cai em uma encarniçada guerra interburocrática com o objetivo de estabelecer quem tomará o controle daquele país de capitalismo estatal. Trotsky era o grande herdeiro de Lênin, mas perde para Stalin que, apesar de ter uma péssima receptividade entre os bolcheviques, era um exímio burocrata. Assim Josef Stalin torna-se chefe do comitê central da União Soviética e começa, paulatinamente, a perseguir seus inimigos, especialmente os ex-dirigentes do Partido Bolchevique que eventualmente poderiam ameaçar tomar o seu “trono”. Surgem, então, duas tendências no interior do leninismo: o stalinismo, que irá ditar e comandar os partidos comunistas no mundo, e o trotskismo, uma dissidência que denuncia o “totalitarismo” de Stalin, se portando como o verdadeiro continuador do “marxismo-leninismo”. O texto de Mattick irá demonstrar, de forma clara, como, na verdade, stalinismo e trotskismo são irmãos gêmeos e não possuem muita diferença. A sua conclusão é cirúrgica: “Qualquer que seja a perspectiva de ultrapassar o sistema capitalista de exploração, trotskismo e stalinismo nada mais são do que relíquias do passado”.

Se Mattick analisa o stalinismo e o trotskismo, Nildo Viana em Reflexões sobre o maoísmo analisa outra variante do leninismo ou, mais exatamente, uma tendência em seu interior: o maoísmo. Viana nos oferece um apanhado geral e histórico, seus limites, fraquezas, distanciamento da realidade concreta e sua possibilidade de “sobrevivência” ainda na contemporaneidade. Além disso, aponta o caráter doutrinário e o dogmatismo, especialmente nos escritos do fundador dessa tendência: Mao Tse-Tung. Os escritos desse último são, na verdade, formas de legitimar suas ações no interior das disputas interburocráticas no capitalismo estatal chinês de sua época. Por fim, o autor desmascara a ideologia maoísta que expressa interesses burocráticos, antagônicos com a perspectiva revolucionária do proletariado.

E, por fim, o último texto, Crítica Marxista ao Prestismo, de Gabriel Teles e Rubens Vinícius da Silva, trata de uma tendência leninista no contexto da luta de classes brasileira. O chamado “prestismo” é uma tendência leninista influenciada pelos escritos e práticas políticas do brasileiro Luiz Carlos Prestes. Ela surge com o rompimento de Prestes com o Partido Comunista Brasileira (PCB). Com ele, alguns militantes também saem deste partido. Estes indivíduos, com a morte de Prestes, formaram um grupo chamado Polo Comunista Luiz Carlos Prestes (PCLCP), bem como uma organização juvenil, Juventude Comunista Avançando (JCA). Neste trabalho, os autores analisam a constituição histórica da própria trajetória política de Luiz Carlos Prestes, seus vínculos políticos, bem como da organização que leva o seu nome e seus ensinamentos, o PCLCP. Nesse sentido, afirmam que: “Ter-se-á cumprido o objetivo deste texto ao demonstrar que a relação entre os prestistas (a partir de sua organização) e o movimento operário é de dominação e controle, afastando as próprias e autênticas organizações dos trabalhadores”.

Este é o itinerário da presente coletânea. A crítica das ideologias, especialmente daquelas que encontram eco e aporte no seio do movimento operário, são fundamentais na luta cultural contra a sociedade capitalista. No entanto, o conjunto das críticas aqui anunciadas e efetuadas não é um fim em si mesmo. O momento de negação, ou seja, da crítica ao leninismo, deve vir em conjunto com um momento de afirmação: a instauração da autogestão social. É somente com a autoemancipação proletária que podemos vislumbrar a emancipação humana. Esperamos que o presente livro seja uma contribuição rumo à transformação social!


[1] A história do capitalismo, berço da burocracia, é a história da sucessão dos regimes de acumulação. Os regimes de acumulação são formas relativamente estabilizadas de um processo das lutas de classes, cristalizada numa determinada correlação de forças marcada por determinada forma assumida pelo processo de valorização (extração de mais-valor), determinada formação estatal e uma configuração específica das relações entre os Estados capitalistas (relações internacionais). O regime de acumulação conjugado, também chamado de intensivo-extensivo, se caracterizou pela hegemonia do fordismo, do Estado integracionista (“bem-estar social”) e pelo imperialismo transnacional.

[2] MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. Carta a Bebel, Liebknecht, Bracke e outros. In:MARX, Karl et. al. A questão do Partido. São Paulo: Kairós, 1978.

[3] Especialmente feita pelos PCs (Partidos Comunistas) espalhados no mundo todo, controlado pelo capitalismo de estado soviético).

Introdução do livro Crítica Marxista ao Leninismo, publicado em 2018, organizado por Gabriel Teles e Rubens Vinicius.

* Gabriel Teles é doutorando em sociologia pela USP e militante autogestionário.

* Rubens Vinicius é doutorando em sociologia política pela UFSC e militante autogestionário.

1 Comentário

  1. Parabéns pelo livro. Muito bom acompanhar reflexões que reafirmam o marxismo autêntico contra suas mistificações. Sempre foi muito difícil, no interior da esquerda, fazer a crítica ao leninismo, trotskismo e stalinismo. Sempre foi complicada a posição em favor da autogestão social. Maurício Tragtenberg deixou uma tarefa para seus seguidores e seus orientados.

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