Propriedade Pública e Propriedade Comum – Anton Pannekoek

Publicado em: Western Socialist, November 1947. Fonte: https://www.aaap.be/Pages/Pannekoek-en-1947-Public-Ownership-And-Common-Ownership.html.

O objetivo reconhecido do socialismo é tomar os meios de produção da classe capitalista e colocá-los nas mãos dos operários. Este objetivo é denominado, às vezes, como sendo a substituição a propriedade privada pela propriedade pública, às vezes como propriedade comum, do aparato de produção. Há, contudo, uma diferença marcante e fundamental entre elas.

A propriedade pública é a propriedade, isto é, o direito de disposição, de uma certa instituição pública que representa a sociedade, do governo, o poder estatal ou alguma outra instituição política. As pessoas que formam esta instituição, os políticos, funcionários, dirigentes, secretários, gerentes, são os donos diretos do aparato de produção. Eles dirigem e regulam o processo de produção. Eles comandam os operários. A propriedade comum é o direito de disposição pelos operários mesmos. A própria classe operária – tomada em seu sentido mais amplo que inclui todos os que compartilham o trabalho produtivo, ou seja, os empregados, camponeses, cientistas – é o dona do aparato de produção, gerindo, dirigindo e regulando o processo de produção que é, de fato, seu trabalho comum.

Sob a propriedade pública, os operários não são donos de seu trabalho. Podem ser melhor tratados e seus salários podem ser mais altos que sob a propriedade privada. Porém, são explorados. A exploração não significa simplesmente que os operários não recebem o pleno produto do seu trabalho. Uma parte considerável deve sempre ser gasta no aparato de produção e para as seções improdutivas ainda que necessárias da sociedade. A exploração consiste em que outros, formando outra classe, dispõem do produto e de sua distribuição, que eles decidem que parte sobrará aos operários sob a forma de salários, que parte retém para eles e para outros propósitos. Sob a propriedade pública isto pertence à regulação do processo de produção, que é a função da burocracia. Assim, na Rússia, a burocracia como classe dominante é a dona da produção e do produto, e os operários russos são uma classe explorada.

Nos países ocidentais conhecemos somente a propriedade pública (em alguns ramos) do Estado capitalista. Aqui podemos citar o conhecido escritor “socialista” inglês G. D. H. Cole, para quem o socialismo é idêntico à propriedade pública. Ele escrevia que:

“O conjunto das pessoas não seriam mais capazes que todo o corpo de acionistas em uma grande empresa moderna de gerir uma indústria… Seria necessário, sob o socialismo tanto como sob o capitalismo em grande escala, confiar a gestão efetiva da empresa industrial a especialistas assalariados, eleitos por seu conhecimento especializado e sua habilidade em ramos particulares de trabalho” (p. 674).

“Não há nenhuma razão para supor que a socialização de qualquer indústria significaria uma grande mudança em seu pessoal de direção” (p. 676, em: Um Esboço do Conhecimento Moderno, editado por Dr. W. Rose, 1931).

Em outras palavras, a estrutura do trabalho produtivo segue sendo como é sob o capitalismo. Os operários continuam subordinados a diretores que mandam. Claramente, não passa pela cabeça deste autor “socialista” que “o conjunto das pessoas” consiste principalmente de trabalhadores, que eram bastante capazes, sendo o pessoal produtor, de gerir a indústria que consiste em seu próprio trabalho.

Como uma correção à produção gerida pelo Estado, às vezes se reivindica o controle operário. Agora, solicitar controle, supervisão, a um superior, indica o estado de espírito submisso de objetos de exploração. E então é possível um homem controlar o assunto de outro homem, mas não quer que controlem o seu próprio assunto, isso ele mesmo faz. O trabalho produtivo, a produção social, é o assunto próprio da classe operária. É o conteúdo de sua vida, sua própria atividade. Os trabalhadores podem cuidar de si mesmos se não há nenhum obstáculo, como a polícia ou o poder estatal, para mantê-los separados. Se possuem as ferramentas e as máquinas em suas mãos, eles as usam e as manejam. Eles não necessitam de proprietários para comandá-los, nem de encarregados para controlar os proprietários.

A propriedade pública é o programa dos “amigos” dos operários que, devido à intensa exploração do capitalismo privado, desejam substituí-la por uma exploração modernizada, mas amena. A propriedade comum é o programa da própria classe operária, lutando por sua autolibertação.

Não falamos aqui, obviamente, de uma sociedade socialista ou comunista em uma fase posterior de desenvolvimento, quando a produção será organizada de tal modo que não constitua já mais nenhum problema, quando a partir da abundância de produtos todo o mundo consome de acordo com suas necessidades e o conceito de “propriedade” desapareceu por completo. Falamos do período em que a classe operária conquista o poder político e social e está diante da tarefa de organização da produção e da distribuição sob as condições mais difíceis. A luta de classes dos operários nos dias presentes e no futuro próximo estará fortemente determinada por suas ideias sobre os objetivos imediatos – a propriedade pública ou a comum – a ser efetivados nesse período.

Se a classe operária recusa a propriedade pública com sua servidão e exploração, e reivindica a propriedade comum com sua liberdade e autogoverno, não pode fazê-lo sem cumprir as condições e fazer-se responsável pelos deveres. A propriedade comum dos operários implica, em primeiro lugar, que a totalidade dos produtores é a dona dos meios de produção e os fazem funcionar em um sistema bem planificado de produção social. Implica, em segundo lugar, que, em todas as oficinas, fábricas, empresas, o pessoal regule seu próprio trabalho coletivo como parte da totalidade. Assim, precisam criar os órgãos por meio dos quais dirigem seu próprio trabalho coletivo, os mesmos que dirigem a produção social em sentido amplo. As instituições do Estado e o governo não podem servir para este propósito, porque são essencialmente órgãos de dominação e concentram os assuntos gerais nas mãos de um grupo de governantes. Porém, sob o socialismo, os assuntos gerais consistem na produção social. De modo que é a incumbência de todos, de cada pessoa, de cada trabalhador, discutir e decidir por si mesmos em todo momento. Seus órgãos devem consistir em delegados enviados como portadores de sua opinião, e estarem continuamente retornando e informando sobre os resultados aos quais se chegaram nas assembleias de delegados. Por meio de tais delegados, que podem substituídos e revogados a qualquer momento, se pode estabelecer uma conexão das massas trabalhadoras em grupos menores e mais amplos e pode assegurar-se a organização da produção.

Tais corpos de delegados, para os quais se utiliza o nome de conselhos operários, formam o que poderia chamar-se a organização política para a autolibertação da classe operária contra a exploração. Não podem ser inventados antecipadamente, são formados através da atividade prática dos operários mesmos quando necessitam. Tais delegados não são parlamentares, nem governantes, nem dirigentes, mas mediadores, mensageiros peritos, formando uma conexão entre o pessoal apartado das empresas, combinando suas opiniões isoladas em uma resolução comum. A propriedade comum exige direção comum do trabalho tanto como atividade produtiva comum; só pode ser realizada se todos os operários tomam parte nesta autogestão do que é a base e o conteúdo da vida social; assim se produzem os órgãos que unem suas vontades avulsas em uma ação comum.

Sendo que estes conselhos operários vão jogar, sem dúvida, um papel considerável na organização futura das lutas e objetivos dos trabalhadores, merecem uma atenção aguda e estudo profundo por parte de todos os que lutam de forma intransigente pela libertação da classe operária.  

Publicado originalmente em: Anton Pannekoek: Partidos, Sindicatos e Conselhos Operários. Traduzido por Nildo Viana.