Ecologia e Capitalismo – Maurício Tragtenberg

* Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, Folhetim, 09/08/1981. Reeditado e republicado em A Falência da Política (São Paulo: Editora UNESP, 2009).

As considerações a respeito da Ecologia e modo de produção capitalista que agora expendemos constituem uma continuação da comunicação que apresentamos na 24a Reunião Anual da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), promovida entre 2 e 8 de julho de 1972 sob o título “O caráter ideológico dos estudos ecológicos”. Na ocasião, enunciamos que o problema ecológico é ligado à sociedade dividida em classes: é com a Revolução Industrial que aparece a negação da natureza, e a mercantilização do espaço cria a ideologia do “dever ser” metafísico como forma de resolver a má consciência do capital. Enunciamos, na época, que os ecólogos querem manter a estrutura socioeconômica capitalista sem a catástrofe que ela prepara – a antipoluição socializa as perdas e privatiza os lucros, aumentando o custo do produto final. Não constitui preocupação dos ecólogos a crítica às relações de produção fundadas na exploração do trabalho humano, muito menos a poluição no interior da fábrica. Na Itália atual, por exemplo, operários trabalham com o dorso nu ou com umidade de 85%, e, após cinco anos de vivência nesse ambiente, são destruídos pela artrite. Como havia sido constatado por uma Comissão de Inquérito na Breda italiana, entre oitocentos operários, metade sofre de broncopneumonia, 40% de distúrbios circulatórios e 60% são atacados pela artrite; muitos outros são atacados pela silicose devido à falta de equipamentos de proteção. Nesse sentido, a função do discurso ecológico é naturalizar as causas sociais do infortúnio operário praticando a “arte da desconversa” (Bernardo, 1979, s. p.).

No entanto, a extensão do movimento ecológico e a penetração de seu discurso entre a pequena burguesia universitária estão ligadas à consequência social da crise estrutural do sistema capitalista manifestada pelo declínio da taxa de aumento real do consumo particular. Como o nível de renda está em função da produção, seu estancamento leva a contrações sociais, daí as reivindicações de elevação do nível de vida não poderem ser satisfeitas pelo sistema dominante. É nesse contexto que se insere o movimento da pequena burguesia contra os impostos que, taxados em função dos rendimentos nominais defasados dos reais, afetam a pequena burguesia.

O movimento contra os impostos funda suas críticas no gigantismo do aparelho estatal hoje. Essa reação parte da pequena burguesia, cujas médias e pequenas empresas não sentem o problema da integração tecnológica, levando o pequeno burguês a conceber o sistema capitalista como a mera soma de empresas isoladas. O ideólogo dessa posição é Frederic Hayek, que influenciou Milton Friedman, ex-assessor de Pinochet e atual assessor de Beguin.

A Escola de Chicago, de Friedman, defende o ponto de vista de que a causa da crise resulta da criação excessiva de moeda por emissões estatais propondo que ela seja criada independentemente da ação estatal, apresentando como panaceia para os males atuais do sistema uma taxa de emissão de moeda constante limitada, não sujeita ao Estado e exposta à ação livre do mercado. Para Hayek e Friedman, a inflação consiste somente na criação de moeda; por a considerarem causa independente, não veem que a restrição à emissão de moeda em uma economia inflacionária aumenta seu volume de circulação, daí sempre se dará a inflação monetária. A função das teorias de Hayek e de Friedman é a restrição à ação do Estado a favor do privatismo econômico reciclado. É a bandeira da pequena burguesia em sua luta anti-imposto.

Como regimes políticos parlamentares mantêm equilíbrio instável por meio dos pequenos partidos, que garantem precárias, porém reais, maiorias no Parlamento, a pequena burguesia, apesar de sua insignificância econômica, consegue derrubar governos orientando-os para a diminuição das instituições de consumo. É o que ocorreu no estado da Califórnia em 1978.

No fundo, o que a pequena burguesia quer é reestruturar o capitalismo por meio da remodelação das condições gerais de produção nos países industrializados, daí a função política do movimento ecológico.

Esclarecemos que ao criticar o movimento ecológico como proposta econômica (crescimento zero, idealização dos modos de produção pré-capitalistas, conceito histórico de natureza) não atacamos reivindicações específicas em relação ao não uso de certo tipo de produto, dispersão de tóxicos no ambiente social ou combate a outras formas de poluição produzida pelo capital, apenas situamos que elas, como reivindicações isoladas, inserem-se no vasto movimento dos consumidores que não atacam a sociedade de consumo por intermédio de seu elemento central: o questionamento do modo de produção.

Algumas teses mistificadoras

O movimento ecológico se caracteriza por possuir um projeto global, e logicamente articulado, de remodelação das condições gerais de produção e reestruturação do capitalismo na base de novos mecanismos de funcionamento econômico-social. A crítica não se dirige a reivindicações isoladas, mas a sua organização sistemática em uma concepção global da economia e da sociedade. Nesse sentido, o movimento ecológico representa o máximo da consciência possível dos ideólogos do neocapitalismo.

O discurso ecológico está expresso em dois relatórios produzidos em 1972, um pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology) para o Clube de Roma, e outro de autoria do ex-social-democrata Sicco Mansholt.

A Ecologia como movimento organizado surgiu em 1974, antes da tão mistificada crise do petróleo, com a preocupação de fundir tendências políticas da direita à esquerda. O social-democrata Mansholt representava no contexto o setor ligado às multinacionais ocupando o cargo de presidente das Comunidades Europeias. Por sua vez, os membros do Clube de Roma se relacionam com as multinacionais e com o Mercado Comum Europeu; seu fundador foi o antigo diretor da Fiat e Olivetti. O Clube de Roma mantém íntimas ligações com o capital monopolista, recebendo generosos financiamentos da Xerox, da Volkswagen e dos grandes produtores petrolíferos texanos, que são executivos cujas funções decorrem das necessidades da integração da tecnologia capitalista e da remodelação das condições gerais da produção em uma época de crise mundial do sistema.

Como ideologia, a Ecologia se apresenta como a defensora do restabelecimento do equilíbrio entre a natureza e a sociedade humana, rompido pelo desenvolvimento industrial. No entanto, o fato é que não há equilíbrio natural, pois todos os elementos da natureza foram reciclados pelo trabalho.

Esses elementos exercem efeitos recíprocos, daí a estrutura de suas relações estar sob permanente mudança. O homem, integrante do mundo natural e social, organiza-se em sociedades que são mais que a mera soma dos indivíduos que as compõem. Quem passeia por áreas verdes exorcizando as chaminés, esquece que as duas resultam do trabalho humano. A seleção de espécies vegetais e domesticação dos animais, base das primeiras civilizações urbanas, foi obra humana de transformação da natureza, que possibilitou prosseguir no crescimento populacional. Plantas e animais que hoje conhecemos são fruto do trabalho humano junto à natureza. Daí, a poluição e a ruptura do equilíbrio natureza-sociedade caracterizam todas as formas históricas de sociedade. Assim, o homem reagiu à escassez de madeira no século XVIII, substituindo o combustível mineral pelo vegetal e pelo emprego de ferro nas construções, ultrapassando o equilíbrio anterior, criando um novo equilíbrio.

Sem dúvida que há efeitos secundários negativos do sistema industrial sobre a saúde – o operário possui a vivência desses efeitos no interior da fábrica, mas a destruição de vidas seria muito maior sem a industrialização. É necessário situar que cada modo de produção assenta em uma forma de equilibração. Da mesma maneira que a ação humana destrói um equilíbrio, ela cria novas formas de equilíbrio. O discurso ecológico ignora que a relação homem-natureza é histórica, daí seu caráter demagógico expresso pela ideologia do equilíbrio natural a-histórico, no qual a discussão do modo de produção dominante é escamoteada. Os ecólogos que concebem o sistema social como homogêneo e integrado, sem contradições internas, não percebem que cada novo equilíbrio resulta da reorganização das contradições sociais internas inerentes a modos de produção fundantes de estruturas de classes.

Sob o capitalismo monopolista, quem ganha e quem perde com as remodelações propostas pelos ecólogos? A Ecologia silencia sobre a exploração do trabalho, não analisa o capitalismo como sistema integrado nem a tecnologia que ele gera; ela trata das condições gerais de produção, como as fontes de energia e matérias-primas. Ela toma o capitalismo como um pressuposto implícito na análise, confundindo-o com a industrialização em geral. Ela reflete a crise de produtividade do sistema, não a vendo como resultante da expansão do consumo individual, que concentrou investimentos, pesquisa e inovações no setor de bens de consumo.

A causa do desequilíbrio

O capitalismo, apesar de utilizar pouco as máquinas em sua fase inicial, caracteriza-se por realizar as relações de produção fundadas na separação entre produtores e meios de produção e a igualização dos primeiros diante do trabalho. A característica fundamental da tecnologia sob o capitalismo é fundamentar uma indústria baseada na exploração da mais-valia e não em constituir-se em um catálogo de máquina. É isso que condiciona o equilíbrio ou desequilíbrio e o reequilíbrio posterior com a natureza.

O que faz a Ecologia? Absolutiza a crise de produtividade que se dá no âmbito de relações de produção historicamente definidas, encarando a como decorrência das relações homem-natureza, criando o mito do esgotamento da natureza. Ela se alimenta do caráter não renovável de certos recursos naturais, esquecendo, em troca, de mostrar que a maior parte é facilmente renovável. Mesmo o petróleo, quando incorporado a certos produtos, sofre uma reciclagem. A matéria-prima ao rarear encarece, e isso motiva pesquisas que permitem descobertas de novas jazidas. Há reaproveitamento de matérias-primas inutilizáveis pelo progresso técnico, há a criação artificial de substitutos dos produtos naturais, multiplicando-se a produtividade natural. O sistema de custos e preços permite tais reequilíbrios.

No discurso ecológico, está ausente a inovação tecnológica, pois se a sociedade “tira” da natureza, ela “põe” também. Na relação natureza-sociedade, consumo significa também produção, na medida em que o mundo não é finito, seus elementos estão em constante interrelação.

A teoria do esgotamento das fontes naturais se funda na teoria dos rendimentos decrescentes. Ela se caracteriza por um modelo em que um elemento se desenvolve sempre, e outro permanece fixo. Os resultados obtidos pelo elemento em desenvolvimento são progressivamente decrescentes até que o elemento fixo predomina, acarretando um ponto-final no desenvolvimento. Esse modelo é a base da explicação marginalista e justifica os critérios capitalistas de distribuição. Malthus o aplicou em uma outra direção, fundando uma teoria da dinâmica econômica, ele mostrava que a tendência da população ao crescimento geométrico e o crescimento aritmético da produtividade levaria a uma fome universal, daí pregar o controle de natalidade como solução.

Mesmo em sua época, o aumento da produtividade agrícola desmentiu sua teoria. A limitação do modelo dos rendimentos decrescentes consiste em que ele acentua a utilização das forças da natureza sem observar que, por esse mesmo processo, novas forças produtivas aparecem. Esse modelo ressurge hoje com os ecólogos como reação à queda da produtividade no sistema. A solução que eles propõem é produzir menos, o que significa admitir a falência do regime econômico dominante.

A Ecologia da mais-valia

A reorganização econômica da produção pleiteada pelos ecólogos se dará por meio da restrição e posterior estagnação do nível de consumo individual. Essa medida se insere na lógica do capital, pois seu objetivo é a produção de mais-valia, seja produzindo bens de consumo ou de capital.

É a necessidade de elevar a taxa média de lucro que leva os ecólogos a procurar reorientar as condições gerais de produção, restringindo o consumo e encaminhando investimentos para setores-chave que garantam maior produtividade. O fator fixo que os ecólogos invocam não são os recursos naturais, mas sim as limitações impostas presentemente ao aumento da taxa média de lucro.

A maior contradição do sistema é que o aumento da produtividade leva a uma diminuição do capital destinado a pagar mão de obra produtiva, portanto a produzir mais-valia, e isso diminui a taxa média de lucro e a crise do sistema. A única solução encontrada pelos ecólogos é a reorientação das condições gerais da produção. Se o aumento da produtividade, acrescendo os investimentos em capital fixo (maquinaria e instalações), faz diminuir o número de trabalhadores improdutivos, também faz baixar a taxa média de lucro. Por sua vez, com o declínio da produtividade, dá-se a desvalorização dos capitais acumulados; a solução ecológica consiste em bloquear o processo técnico aplicado à produção de bens de consumo, preparar o arrocho salarial com a insistência de hábitos frugais naturais, o que, na prática, significa a diminuição das condições médias do nível de vida.

A teoria do crescimento zero nada mais é que a reorientação das condições gerais de produção e restrição ao consumo, que reduz o nível de vida médio dos assalariados e reproduz as grandes diferenças entre o nível de vida dos países industrializados e das populações do Terceiro Mundo, mantendo a dependência econômica e tecnológica, em outros termos, reafirmando a hegemonia do imperialismo no mundo.

Os ecólogos idealizam as vantagens dos modos de produção pré-capitalistas da mesma maneira que a burguesia no século XIX cinicamente apontava para o operário o exemplo do escravo como modelo de consumo, obediência e virtudes.

Miséria, o “bom” modelo

A corrente ecológica aponta como modelo a ser imitado pelo proletariado dos países industrializados o baixíssimo nível de vida dos operários dos países exportadores de matérias-primas.

O fato é que o alto volume de desemprego que grassa na Europa, afetando a pequena burguesia, especialmente administradores que não encontraram oportunidade de administrar empresas, leva-os a encarar o sistema capitalista somente como consumidores. Como desempregados, consumidores frustrados enaltecem a miséria apresentando-a como forma de vida digna de imitação. De consumidores frustrados se tornam apologistas da restrição ao consumo. Daí a tendência a reorientar a reivindicação dos consumidores no referente ao controle de qualidade dos produtos para o rumo da restrição do consumo individual, na qual a redução do nível de vida seja definitivamente estabelecida.

A questão é que não é negando o consumo que se negará a sociedade de consumo. O problema maior não é o que se consome, mas como se produz. Pretender consumir menos para negar o capitalismo é o mesmo que lutar pela baixa de salários para acabar com o regime do salariato. Como administradores desempregados, os membros do movimento ecológico sentem necessidade crucial de reorientar as condições gerais de produção sob o capitalismo.

Os ideólogos do Clube de Roma escrevem muito sobre a necessidade de conceber novas fontes de energia, selecionar matérias-primas, promover a transição do sistema atual para aquele que propõe. Calam-se a respeito das relações de produção existentes, da propriedade dos meios de produção e dos mecanismos dos processos decisórios na empresa e no Estado. Outra corrente ecológica defende a automação total da produção para liberar o produtor, esquecendo-se que o problema central não é liberar o produtor fora dos mecanismos produtivos, mas fazê-lo participar ativamente deles.

A corrente ecológica na Suécia, por exemplo, em setembro de 1976, liderou uma luta contra impostos e instituições de consumo, depôs um governo social-democrata, colocando a direita no poder de Estado. Na Alemanha Federal, o Movimento Ação Verde apoia Franz Joseph Strauss, a direita democrata-cristã. Na França, em 1978, para eleições legislativas, os ecólogos votaram tanto nos candidatos da direita conservadora como nos liberais PS (Partido Socialista) e PCF (Partido Comunista Francês), se constituindo na opção europeia capitalista rumo à conciliação social. Ao fundir os vários movimentos de direita e esquerda sob a bandeira ecológica, ela cumpre uma função político-social na crise atual: o realinhamento político-social em torno do neocapitalismo. No quadro europeu, especialmente com a união entre os desempregados da pequena burguesia e o desemprego operário, o sistema dominante unifica as classes e reprime as contradições sociais internas. Assim, o movimento ecológico aparece hoje como o espaço principal onde se dá a conciliação de classes sob a égide dos que dominam o poder econômico e político. É a injeção de morfina no capitalismo.

Referências

BERNARDO, João. O inimigo oculto. Porto: Afrontamento, 1979.

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