Original em inglês: Review: “The Revolution Betrayed”
O ‘herói’ de Kronstadt escreve a história
Resenha: A Revolução Traída de Leon Trotsky
Publicado pela primeira vez em One Big Union Mouthly, nov. 1937, pp. 32-4, como “The ‘Hero’ of Kronstadt writes history. Review: “The Revolution Betrayed”, by Leon Trotsky.
Para aqueles leitores que já estão familiarizados com as ideias de Trotsky e a promulgação de seu movimento, seu livro atual será uma decepção, pois contém pouco material novo. Nesta revisão, portanto, limitaremos-nos às partes do volume que indicam que mesmo na mente do intelectual partidário as mudanças ocorrem. Mas, deve-se dizer, que mesmo essas mudanças, como Trotsky as vê, são apenas questões de ênfase – um esforço para adaptar sua “linha teórica” à nova situação que evidentemente contradiz postulados anteriores de sua teoria.
Qualquer estudioso sério da Rússia soviética admite que os elementos mostrados por Trotsky dão uma visão precisa da situação real na Rússia. Pode-se dizer também que, em geral, ele pagou devidamente na história por causa da política atual da Terceira Internacional e embora ainda tende a explicar o papel contrarrevolucionário desta instituição e seus patrocinadores, o Estado soviético, ao se referir à estupidez e crueldade de Stalin e seus associados. Os “erros” subjetivos e os “crimes” desses líderes parecem desempenhar, segundo Trotsky, um papel mais importante no desenvolvimento global do que o fator objetivo da necessidade econômico-social.
História Nebulosa
Quanto mais profundo Trotsky busca no passado do bolchevismo e da Rússia, mais escassos são os frutos de sua pesquisa. É lamentável que o período durante o qual Lênin e Trotsky dominavam se aborde de maneira superficial como para não admitir uma avaliação crítica no período. Deve ser evidente que, para explicar o triunfo de Stalin, é necessário remeter-se às condições pré-stalinistas na Rússia e são precisamente esses anos importantes que precederam a ascensão de Stalin os que não contêm nenhuma crítica por parte da caneta de Trotsky. O stalinismo não pode ser compreendido senão através do bolchevismo. Se o leninismo foi o estágio revolucionário do bolchevismo, o stalinismo é sua fase de consolidação. Ambos são inseparáveis e a crítica de um é pouco valiosa sem uma análise do outro.
Trotsky escreve: “O socialismo demonstrou seu direito à vitória, não nas páginas de O Capital, mas na esfera industrial que compreende um sexto da superfície da Terra – não na linguagem da dialética, mas na linguagem do aço, cimento e eletricidade.” (p. 8). Esta frase, aceita em seu valor nominal, vicia todas as críticas ao stalinismo; este “direito” do “socialismo” foi melhor demonstrado no período de Stalin do que antes. Só com Stalin este “direito” foi demonstrado “na esfera industrial”. O próprio Lênin não acreditava que era possível fazer mais do que reivindicar o “direito” do capitalismo de Estado após a tomada do poder bolchevique. Pode ser que quando Trotsky afirma inocentemente que o “termo” capitalismo de Estado “tem a vantagem de que ninguém sabe exatamente o que significa”, esteja expressando a esperança de que seus leitores estejam familiarizados com a posição de Lênin sobre esta questão que dominou as ideias dos bolcheviques antes da ascensão de Stalin?
Lênin, no décimo primeiro congresso do partido afirmou claramente sua linha: “O capitalismo de Estado é a forma do capitalismo que estaremos em condições de restringir para estabelecer seus limites, este capitalismo está ligado ao Estado – isto é, os trabalhadores, a parte mais avançada dos trabalhadores, a vanguarda que somos nós mesmos. E a natureza deste capitalismo de Estado dependerá de nós.” Mas era necessário camuflar o caráter do estado capitalista da economia russa para as massas russas. Como Bukharin colocou em uma conferência do governo no final de 1926: “Se confessarmos que as empresas adquiridas pelo Estado são empresas capitalistas estatais, se dissermos isso abertamente, como podemos levar a cabo uma campanha para uma maior produção? Nas fábricas que não são puramente socialistas, os trabalhadores não aumentarão a produtividade de seu trabalho.” Isso revela claramente que os bolcheviques não acreditavam que fosse conveniente dizer aos trabalhadores que a Rússia é um sistema capitalista estatal. É claro, a burguesia internacional entendeu que se poderia entender também — ou melhor — com a Grande Corporação, que era o capitalismo soviético como tinham feito anteriormente com a multidão de capitalistas individuais.
Lênin frequentemente identificava o capitalismo de Estado com o socialismo… Em “Rumo à Conquista do poder”, escreve: “O socialismo nada mais é do que um monopólio estatal do capitalismo feito para beneficiar todo o povo; por essa razão, deixa de ser um monopólio capitalista.” Apesar do significado inequívoco das palavras de Lênin, Trotsky, no entanto, escreve que sua análise do conceito de capitalismo de Estado “é suficiente para mostrar o absurdo das tentativas de identificar o capitalismo estatal com o sistema soviético”. (p. 248)
Capitalismo de Estado russo
Trotsky nega o caráter capitalista estatal da economia da Russa mediante a redução do termo capitalismo de Estado como uma frase sem sentido. Em outras palavras, não vê nada mais do que o observado antes da revolução russa, ou o que é visto hoje com referência ao Estado capitalista, ou seja, as tendências desenvolvidas pelos países fascistas.
É evidente que a Rússia de hoje é dominada por uma economia diferente do que está implícito no termo capitalismo de Estado, em geral, da sociedade burguesa ou fascista. Trotsky busca vencer a disputa com seu argumento levantando a questão de uma maneira que se adapte à sua conveniência. Mas um autêntico capitalismo de Estado é sem dúvida alguma mais que tendências capitalistas do Estado, ou empresas do Estado, ou mesmo controle do Estado em uma sociedade burguesa sob outras formas de dominação. O capitalismo de Estado como um sistema social pressupõe a expropriação dos capitalistas individuais, ou seja, uma revolução nas relações de propriedade.
Embora o modo de produção capitalista tenha crescido historicamente com base na propriedade individual dos meios de produção, a revolução russa mostrou que, sob certas condições, o modo de produção capitalista pode continuar a existir mesmo que os proprietários individuais sejam eliminados e substituídos por aparelhos operacionais coletivos onde as fábricas não são propriedade do capitalista “X” ou “Y”, mas que são “controladas” (ou seja, de propriedade) pelo Estado (ou seja, as classes controladoras).
A revolução russa mudou as relações de propriedade, substituindo proprietários individuais pelos bolcheviques e seus aliados, substituindo novas frases “revolucionárias” por velhos slogans, montando a foice e o martelo sobre o Kremlin, onde a águia czarista já esteve, mas a tomada bolchevique do poder não mudou o modo de produção capitalista. Isto é, sob os bolcheviques, segue existindo até o momento, o sistema de trabalho assalariado e a apropriação pela classe exploradora do mais-valor que gera benefícios. E, o que é feito com o tal mais-valor é exatamente o que fazia com ele sob o sistema dos capitalistas individuais, permitido, logicamente, pelo caráter especial do capitalismo de Estado.
O tal mais-valor é distribuído de acordo com as necessidades do capital total em nome da acumulação e de salvaguardar o aparato estatal capitalista mediante aumento de seu poder e prestígio.
Apenas uma mudança no modo de produção pode trazer o socialismo, caso contrário, no que se refere aos trabalhadores, só terão trocado um conjunto de exploradores por outro. Nas condições de acumulação do capitalismo de Estado, o desenvolvimento de forças produtivas pelo trabalho assalariado está ligado, como no caso do “capitalismo regular”, ao aumento da apropriação do mais-valor, com uma maior exploração e, portanto, com o desenvolvimento de novas classes, novos interesses criados para continuar com este processo, já que a classe trabalhadora não pode explorar-se a sim mesma.
Essa necessidade capitalista serve para explicar o desenvolvimento da Rússia; nenhuma outra “linha” ou “política” poderia essencialmente ter mudado esse desenvolvimento. Ao falhar em reconhecer o caráter de capitalismo de Estado da Rússia, por sua economia atual como um passo transitório para o socialismo, Trotsky se limita a indicar que estava disposto a realizar uma nova revolução capitalista estatal que deve conduzir a um novo stalinismo – outra traição à Revolução.
Advogado de uma nova máquina
Trotsky descreve as contradições da situação econômica russa da seguinte maneira: “Na medida em que, ao contrário de um capitalismo decomposição, este desenvolve as forças produtivas, em preparação para a base econômica do socialismo. Na medida em que, para o benefício de um estrato superior, leva a mais extrema expressão as normas burguesas de distribuição, prepara uma restauração capitalista. Essa contradição entre as formas de propriedade e as normas de distribuição não pode crescer indefinidamente. Ou as normas burguesas de uma forma ou de outra são estendidas aos meios de produção, ou as normas de distribuição se põem em correspondência com o sistema de propriedade socialista” (p. 244).
A solução, segundo Trotsky, reside na substituição da burocracia parasitária presente por um aparelho não parasitário. Nenhuma outra coisa, em sua opinião, é necessário mudar no sistema econômico soviético que está plenamente qualificado para continuar em direção ao socialismo em combinação com a tendência mundial à revolução. Essa nova burocracia, que é essencial na etapa de transição de Trotsky, realizará, segundo ele, a introdução de uma maior igualdade de renda. Mas Trotsky deve recordar que a burocracia atual começou com a mesma ideia, originalmente limitando os salários aos comunistas etc. Foram as circunstâncias que envolviam a economia que não só permitiram, mas que obrigaram a burocracia atual a aceitar um programa de crescente desigualdade econômica a seu favor. Isso estava em harmonia com a necessidade de um acúmulo mais rápido para proteger o sistema em seu conjunto. Não há nenhuma garantia de que uma hipotética burocracia trotskista seria diferente neste aspecto do que a máquina de Stalin.
Sob o modo de produção dominante na Rússia, o sistema não pode desenvolver as forças produtivas além do que a faixa do capitalismo no mundo ocidental foi capaz de fazer. Devido ao fato de não poder fazê-lo, seu sistema de distribuição não pode exceder as normas de distribuição capitalistas. Essa contradição entre as formas de propriedade e as normas de distribuição, como Trotsky prevê, não existe. O método de distribuição da Rússia está em perfeita harmonia com seu método de produção do capitalismo de Estado.
Só é necessário refletir sobre o importantíssimo papel que Trotsky desempenhou nos primeiros meteóricos anos da Rússia bolchevique para entender por que ele não pode admitir que a revolução bolchevique só foi capaz de mudar a forma do capitalismo, mas não foi capaz de acabar com a forma de exploração capitalista. É a sombra de tal período que se encontra no caminho de sua compreensão.
Traduzido por Jaciara Veiga, de acordo com a versão em espanhol disponível em: https://www.marxists.org/espanol/mattick/1930s/1937-kronstadt.htm