A guerra entre Israel e o Hamas em uma perspectiva crítico-radical – Pablo Jiménez

Original em espanhol: Sobre la guerra Israel – Hamás en una perspectiva crítico-radical

[ARTIGOS DE OPINIÃO]

1.

Não há dúvida de que o Estado de Israel é uma entidade genocida e autoritária que durante décadas vem implementando uma política de extermínio sobre a população palestina. Esta política teve como resultado a reclusão da população palestina em um verdadeiro campo de concentração, no qual o Estado de Israel periodicamente desencadeia o terror tecnológico e as piores atrocidades possíveis contra a população confinada. Esta política de confinamento e extermínio fundamenta-se numa dinâmica específica de acumulação capitalista, que se sustenta por meio de um conflito geopolítico entre diferentes Estados capitalistas pelo controle dos recursos e da população do Oriente Médio.

2.

É perigoso equiparar o Estado de Israel a toda a população que vive nesse Estado, uma população que está certamente confinada a uma estrita divisão racial e a uma permanente militarização da vida cotidiana. Não se pode esquecer o fato de que Israel vem enfrentando desde há alguns anos protestos maciços que expressam a discordância interna em relação à política genocida e à fascistização do governo de Israel e, em particular, da fração dominante da burguesia israelense. Isto não implica, é claro, negar o sistemático racismo e brutalidade humana que uma parte da população de Israel, em particular a proveniente dos grupos de colonos, pratica não apenas contra a população palestina, mas também contra a população judia que não pertence aos grupos étnicos dominantes.

3.

Não foi todo o povo palestino que se levantou contra o Estado de Israel, mas uma organização jihadista, nacionalista e anticomunista – o Hamas1Isto não significa que o autor esteja desconsiderando outras organizações envolvidas no ataque. Trata-se somente de constatar que a principal foi o Hamas, uma organização criada por Israel. Para compreender o surgimento da organização Hamas, recomenda-se a seguinte leitura: “Como e por que Israel criou Hamas” (Cómo y por qué Israel creó a Hamás) [Nota do Crítica Desapiedada]. O “heroico Mohammed Deif”, como disse o leninista ecológico Andreas Malm, não apenas tem dirigido ataques indiscriminados contra a população civil – especialmente mediante o uso da prática da autoimolação terrorista com explosivos -, mas também exerce um terrorismo despótico contra a própria população palestina dentro de Gaza, usando ferramentas como a tortura, o terrorismo sexual e o assassinato seletivo para controlar a população palestina em Gaza e a qualquer indício de dissidência política diferente da linha autoritária e jihadista do Hamas. Por outro lado, em que momento anarquistas e comunistas começaram a apoiar o ataque indiscriminado sobre a população civil? Me choca ao ver comentários do tipo “que morram todos os israelenses”, etc., principalmente quando, recentemente, veio à tona que militantes do Hamas estão agredindo sexualmente mulheres israelenses como forma de vingança, da mesma forma que exercem cotidianamente violência sexual contra as mulheres palestinas em Gaza. Além disso, se celebra acriticamente o sequestro de civis que foram arrancados de suas casas para bases militares do Hamas, como se fazer com que os civis sofram a perda de suas famílias e a tortura do sequestro, pudesse fazer justiça aos ultrajes cotidianos e à tortura histórica da população palestina por parte do Estado de israel. Para nós que buscamos a emancipação social radical – ou seja, abolir os fundamentos da civilização capitalista mediante a produção de uma vida livre – estes não podem ser nossos métodos. A tortura, o sequestro, o desaparecimento de pessoas, o assassinato indiscriminado, a violência sexual, entre outros, são meios terroristas próprios de uma civilização patriarcal e autoritária fundada na barbárie. Sair dessa longa paleo-história implica meios coerentes com nossos fins; a luta e a violência são inevitáveis, pois a experiência de todas as revoltas recentes e passadas demonstra que o terror é a arma preferida do capital para sua perpetuação ameaçada pelas massas rebeldes, mas a violência que nos permite superar a socialização capitalista difere em qualidade do terrorismo do capital.

4.

Mesmo no caso improvável de o Hamas ser bem sucedido na sua ofensiva contra Israel, isso não resultaria na libertação da Palestina, mas na submissão de sua população a um estado jihadista baseado na aplicação da lei da Sharia, ou seja, não haveria muita diferença em relação a regimes como o Talibã no Afeganistão. É urgente que revisem suas referências, o desespero dos tempos atuais não pode nos levar a apoiar acriticamente organizações que promovem políticas e métodos que diferem dos do Estado de Israel apenas na magnitude de seu escopo. A preocupante tendência ao leninismo e às perspectivas autoritárias de várias páginas e grupos “radicais” no Chile é o resultado da atual contrarrevolução que impera na atualidade. No caso de Israel-Palestina, está claro que um genocídio não se resolve com outro genocídio, embora seja claramente ingênuo pensar que a política genocida do Estado de Israel será interrompida por qualquer coisa que não seja um levante social que, com sua práxis, seja capaz de abolir as bases materiais do extermínio diário da população palestina. Neste caso, a ideia de justiça para o povo palestino pode ser resumida na seguinte frase: abolição das condições que tornam possível o genocídio e o confinamento permanente da população palestina. Atingir esse parâmetro implica uma crítica social radical teórico-prática consequente, visando à abolição consciente dos fundamentos práticos do quadro da socialização capitalista.

5.

Não devemos esquecer a dimensão geopolítica desse conflito, em um contexto de colapso sistêmico da civilização capitalista em seu estágio avançado. De fato, o neoimperialismo da crise, que se move cada vez mais em direção a uma guerra mundial aberta travada em diferentes continentes, países e cidades – uma verdadeira guerra civil global que é vivida desde as esferas globais até às dimensões capilares da vida cotidiana – do planeta-capital. A evolução do conflito na Ucrânia é uma manifestação clara da escalada desse conflito global, no qual os blocos político-econômicos do velho-novo imperialismo do século XXI amalgamam-se na formação de novas alianças que arrastam as periferias do sistema global para a escolha de lados em um processo de guerra econômico-militar que se acelera. O ataque do Hamas não é apenas a colheita de uma política de décadas de ocupação, confinamento e extermínio que tem arrastado a juventude palestina para o desespero e para a jihad islâmica, mas também uma operação militar planejada que é impossível sem a cooperação de aliados geopolíticos no Oriente Médio que têm Israel – enquanto ponta de lança do neoimperialismo ocidental na região – como seu inimigo comum. O conflito entre Israel e Hamas poderá em breve evoluir para um conflito maior, envolvendo mais nações capitalistas no Oriente Médio e, a priori, os dois grandes blocos neoimperialistas que disputam cadeias de valor e recursos globais no contexto da crise sistêmica da civilização capitalista.

6.

Nas últimas horas, houve relatos de um levante da população palestina em alguns dos guetos que a agrupam dentro das fronteiras do Estado de Israel. Só a partir desta revolta e da população de Gaza, pode emergir um potencial emancipatório. Mas cuidado, um levante nas condições atuais – e isso se aplica, mutatis mutandis, para o resto do mundo – é sempre contraditório. Na atual conjuntura, o Hamas poderia tirar vantagem do levante da população palestina para seus próprios objetivos alucinados, mas rapidamente se voltaria contra qualquer expressão autônoma que surgisse no marco de uma revolta geral contra o Estado de Israel. Aqueles que se deixam cegar pela violência das armas, e que celebram qualquer bandeira palestina que ande de mãos dadas com uma AK-47, esquecem que há décadas o Hamas tem negociado com Israel os termos do genocídio da população palestina em Gaza, que em seu historial “heroico” eles têm a seu crédito uma série de assassinatos e perseguições contra qualquer expressão dissidente de seu horizonte jihadista. Um levante emancipatório da população que vive na Palestina e em Israel encontrará como seus principais inimigos o Hamas e o Estado de Israel, duas organizações autoritárias empenhadas numa política insana orientada para a aniquilação do grupo étnico considerado inimigo. Por enquanto, o processo de conflito só encontrou entre suas vítimas a população civil de ambas as fronteiras, enquanto o Estado de Israel se prepara para retaliar contra o Hamas, transformando Gaza em uma “cidade em ruínas”, como advertiu Netanyahu – o líder incontestável da facção mais reacionária da classe dominante em Israel -, ou seja, aniquilando a população civil palestina e acrescentando mais vítimas a uma marcha insana ao redor do mundo que só pode levar a humanidade ao abismo da guerra global total.

Nenhuma Guerra Senão a Guerra de Classes

[1] Isto não significa que o autor esteja desconsiderando outras organizações envolvidas no ataque. Trata-se somente de constatar que a principal foi o Hamas, uma organização criada por Israel. Para compreender o surgimento da organização Hamas, recomenda-se a seguinte leitura: “Como e por que Israel criou Hamas” (Cómo y por qué Israel creó a Hamás) [Nota do Crítica Desapiedada]

Revisado para o português por Ana Bombassaro.

3 Comentários

  1. Estoy de acuerdo con la mayor parte de su tesis y sus ideas generales. Pero haré algunos comentarios.

    1) Las protestas en Israel son contra el gobierno de Netanyahu y su intento de aferrarse al poder frente a las acusaciones judiciales de corrupción. Sin embargo, estas protestas apenas abordan la cuestión de la ocupación. Los intentos de algunos activistas de iniciar este debate han sido recibidos negativamente por los organizadores de las protestas.

    2) No obstante, en Israel hay quienes se oponen a la ocupación, y algunos de ellos protestan de vez en cuando.

    3) Es innegable que Israel es un Estado colonial racista, pero hay que recordar que los cuadros dirigentes de Hamás viven en pisos de lujo y disfrutan del lujo burgués, es la cúpula de la dirección político-militar palestina en Gaza la que se apropia de parte del enorme flujo financiero que recibe de Qatar e Irán, patrocinadores de Hamás, es la cúpula del régimen burgués de Hamás la que controla parte de los negocios en Gaza.

    4) La actual escalada se debe al intento de Irán de destruir el acuerdo global entre Israel y Arabia Saudí, principales competidores de Irán en Oriente Medio. Este acuerdo cuenta con la mediación de Estados Unidos. Hay planes para construir un colosal sistema de puertos marítimos y ferrocarriles que permita un tránsito más rápido de mercancías a lo largo de las líneas India-Arabia Saudí-Jordania-Israel-Europa. Este megaproyecto de 17.000 millones de dólares está diseñado para integrar las economías de estos Estados, vinculándolas entre sí. Se espera que los saudíes reconozcan diplomáticamente a Israel y cooperen con este país en el ámbito militar. Además, Estados Unidos promete una enorme ayuda militar y el suministro de las armas más modernas a ambos países como regalo, así como asistencia a los saudíes en el campo de la energía nuclear. Todo esto es extremadamente preocupante para su oponente Irán. No cabe duda de que el atentado de Hamás fue preparado e iniciado por Irán y forma parte de un enfrentamiento interimperialista regional.Mientras Arabia Saudí intenta convertirse en el país árabe más influyente, posicionándose cada vez más como el buque insignia del nacionalismo árabe y como la principal fuerza que impulsa el desarrollo árabe con sus inversiones, es importante que su acuerdo con Israel no vaya acompañado de una creciente ira de las poblaciones árabes de Oriente Medio. Por ello, Arabia Saudí exigió como condición para el acuerdo la mejora de las relaciones entre israelíes y palestinos. Ahora y en un futuro previsible esto se ha vuelto imposible y ahora el proyecto iraní de torpedear este acuerdo ha tenido éxito.

    5) Benjamin Netanyahu, por encima de todo, quiere salvarse de la cárcel. Tiene a medio país y al tribunal penal en su contra. Si pierde el poder, probablemente no podrá eludir la cárcel. Y Netanyahu sólo puede conservar el poder después de un fracaso tan monstruoso (Hamás mató a 800 personas, capturó a oficiales israelíes, incluido un general de brigada, capturó el cuartel general de una brigada israelí y enormes trofeos, docenas de vehículos blindados) lanzando una gran guerra, desplazando el centro de atención hacia él y afectando al equilibrio de poder, por ejemplo destruyendo el régimen de Hamás, o asestando golpes muy duros al propio Irán.

    6) Hamás estaba en la posición del hombre que estaba en la misma habitación que Mike Tyson y le dio un puñetazo entre las piernas al campeón de boxeo. Ese puñetazo fue épico. Pero ahora este hombre está en la misma habitación con un campeón de boxeo enfurecido. Israel tiene un ejército enorme y no les dejará en paz.

    7)La monstruosa brutalidad de Hamás, cogiendo a mujeres, niños, ancianos en el plan, intimidando a los cautivos, mostrando el abuso de una mujer que fue desnudada y llevada en un coche con las piernas rotas, se lo pone fácil a Netanyahu. Si no fuera por esta salvaje brutalidad, Hamás podría haber aumentado sus relaciones públicas con una operación militar exitosa. Sin embargo, al mostrar al mundo, especialmente al occidental, una película snuff -algo parecido a una película pornográfica de asesinatos- Hamás ha condenado a Gaza a la destrucción. Ahora Israel tiene carta blanca para lanzar terribles ataques contra Gaza, que palidecen en comparación con todo lo que ha hecho a Gaza hasta ahora. Si antes de estos ataques la imagen de Netanyahu en Occidente estaba minada por los ministros nacionalistas extremistas de su gobierno, hoy Estados Unidos envía un grupo de portaaviones para ayudarle y Alemania habla de recortar la ayuda a la población palestina.

    • Este comentário acima foi publicado originalmente como um artigo em russo: https://svpressa.ru/politic/article/390317/. Disponibilizamos aqui a tradução automática para o português:
      O “11 de setembro” de Israel mudará o Oriente Médio

      A operação do Hamas foi o maior fracasso das forças de segurança israelenses desde a Guerra do Juízo Final, em outubro de 1973. O aniversário desse confronto militar foi marcado em 6 de outubro, um dia antes do ataque islâmico palestino. A data do ataque não foi escolhida por acaso.
      No entanto, o ataque lembra os ataques de 11 de setembro de 2001 em Nova York. Cerca de 800 pessoas já foram mortas em Israel, duas mil ficaram feridas e o número só aumentará, também porque os confrontos em seu território continuam. Pela primeira vez, os militantes conseguiram entrar nas cidades israelenses, incluindo a cidade de Ashkelon, com 150.000 habitantes. O país sofreu um choque sem precedentes.
      O ataque de militantes islâmicos às Torres Gêmeas em Nova York e ao prédio do Pentágono em Washington mudou o estado do mundo com a ocupação americana do Afeganistão e do Iraque. Talvez agora a região esteja prestes a sofrer uma mudança global novamente, se Israel reagir de forma grande e dura. E isso é altamente provável. Para entender o que aconteceu e a escala das consequências, vamos tentar montar um quebra-cabeça de várias peças.

      O movimento nacionalista-burguês Hamas
      O ataque foi realizado por unidades especiais da organização Hamas na Faixa de Gaza. A Faixa de Gaza é o lar de 2 milhões de árabes palestinos, predominantemente muçulmanos sunitas. A Faixa é governada pelo movimento islâmico Hamas. É uma ditadura que se baseia na repressão. Além do Hamas, que tem cerca de 30.000 a 40.000 combatentes, há outra organização militar na Faixa, porém, atuando em um papel secundário: a Jihad Islâmica (IJ). Ambos os grupos são patrocinados e treinados pelo Irã. O Irã é o principal aliado militar do movimento. Mas o Hamas também recebe ajuda financeira significativa do minúsculo e super-rico principado de gás do Golfo Pérsico, o Qatar.
      O Hamas é, por sua natureza social, um movimento burguês-nacionalista e autoritário. Sua liderança máxima se apropria de parte dos fluxos financeiros e vive no luxo, controlando várias empresas na Faixa de Gaza. Os combatentes do Hamas são treinados pelas forças especiais de elite do Irã, seu principal aliado militar.

      Qual é a preocupação do Hamas com Israel?
      A Faixa de Gaza é bloqueada por Israel por terra, mar e ar. Entretanto, até os últimos acontecimentos, Israel fornecia eletricidade, gás, alimentos e vários outros produtos para lá. Há confrontos periódicos nas fronteiras da Faixa, após os quais Israel bombardeia Gaza, matando centenas de pessoas, inclusive civis.
      O ataque de militantes islâmicos às Torres Gêmeas em Nova York e ao prédio do Pentágono em Washington mudou o estado do mundo com a ocupação americana do Afeganistão e do Iraque. Talvez agora a região esteja prestes a sofrer uma mudança global novamente, se Israel reagir de forma grande e dura. E isso é altamente provável. Para entender o que aconteceu e a escala das consequências, vamos tentar montar um quebra-cabeça de várias peças.
      Devido ao bloqueio, o desenvolvimento econômico do setor é impossível e cerca de metade dos jovens que vivem lá estão desempregados. O setor também é bloqueado pelo Egito, mas de maneira mais formal. Há túneis subterrâneos pelos quais é feito comércio ilegal com aquele país e com o mundo.
      Israel não apenas bloqueia Gaza, mas também ocupa os territórios palestinos da Cisjordânia (WB) do Rio Jordão, onde vivem outros 3 milhões de árabes palestinos. Essas áreas não são controladas pelo Hamas, mas pelas forças de ocupação, bem como pela Autoridade Palestina, um regime árabe secular dirigido pelo movimento Fatah.
      Mas o controle do Fatah é mais uma formalidade. Os israelenses dividiram a ZB em bairros especiais, bloqueiam a movimentação dos moradores locais, realizam operações militares e policiais secretas na zona e matam ou prendem moradores sem julgamento. Como no caso de Gaza, eles controlam as fronteiras e os fluxos financeiros e de mercadorias. Na verdade, Israel colocou 5 milhões de palestinos em uma gigantesca prisão a céu aberto e pratica violência sistemática contra eles. Não é de surpreender que o Hamas, por sua vez, ataque Israel.

      Como o ataque é organizado?
      As forças armadas do Hamas lançaram uma saraivada de milhares de foguetes contra Israel, sobrecarregando os sistemas de defesa aérea e forçando-os a se concentrar em repelir o ataque de foguetes. Enquanto isso, os agentes das forças especiais do Hamas realizaram o ataque em quatro ambientes – no solo, no subsolo, no ar e no mar. Ele foi complementado, de acordo com vários relatórios, por ataques cibernéticos que colocaram os sistemas de vigilância israelenses em torno da Faixa de Gaza em espera.
      As forças especiais explodiram seções do muro de defesa da fronteira e, em seguida, suas formações móveis entraram nas brechas. Outros aterrissaram na retaguarda israelense de asa delta, e desembarques navais também foram usados. Os drones atingiram as forças de segurança israelenses nos mesmos minutos.
      Depois de atordoar os israelenses e tirar o máximo proveito do efeito surpresa, os militantes invadiram Israel. Enquanto continuavam a atacar, eles trouxeram pequenas formações móveis que atacaram os israelenses em várias frentes, destruindo suas defesas. As bases e os quartéis-generais de algumas unidades militares foram capturados, e dezenas ou centenas de militares, inclusive oficiais de alto escalão, foram mortos ou capturados. Entre os despojos havia dezenas de veículos blindados, incluindo os mais recentes tanques Merkava Mk4. Vinte e dois assentamentos israelenses foram capturados, com o centro de Ashkelon sob controle dos militantes.

      Erros de inteligência e a divisão da classe dominante oligárquica de Israel
      Um militante do Hamas capturado disse que a operação estava sendo preparada há cerca de um ano e que os envolvidos ficaram surpresos com a velocidade e a escala da derrota das forças israelenses.
      As forças de segurança israelenses, sem dúvida, sabiam dos preparativos para o ataque, embora tenham subestimado sua escala. Também é muito provável que a alta liderança de Israel, liderada pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, não tenha levado a ameaça a sério porque o governo está profundamente imerso nas disputas e conflitos internos de Israel.
      O país está no meio de sua pior crise política interna desde sua criação em 1948. Netanyahu está sendo julgado, enfrentando anos de prisão por acusações criminais, incluindo corrupção. Não querendo passar os últimos anos de sua vida na prisão, o primeiro-ministro de 71 anos conseguiu montar uma coalizão governista.
      Ele está pressionando por uma reforma judicial – mudando a lei, limitando a influência da Suprema Corte. Depois, ele quer que o parlamento lhe conceda uma anistia. Mas mesmo isso não é suficiente – Netanyahu precisa governar de forma vitalícia se o próximo parlamento quiser retomar a situação. Tudo isso causou protestos e divisões sem precedentes na sociedade israelense.
      A classe dominante em Israel – os principais monopólios, os partidos associados a eles e os agentes do poder – está profundamente dividida. Muito provavelmente, o governo ficou sobrecarregado com esses problemas e simplesmente ignorou os sinais de perigo crescente.

      Reféns e assassinatos de civis israelenses
      Após os sucessos militares iniciais do Hamas, a tomada de reféns e os massacres de civis começaram nas ruas das cidades israelenses e nas áreas vizinhas de Gaza.
      Vídeos capturaram militantes palestinos levando mulheres, idosos e famílias inteiras com crianças para o cativeiro. Imagens monstruosas de uma mulher despida com as pernas torcidas de forma não natural, aparentemente quebradas, circularam pelo mundo enquanto os militantes a colocavam em um carro e a levavam embora, acompanhando suas ações com mais abusos. No conjunto, tudo se assemelhava a cenas de um filme de terror ou a imagens da conquista de cidades antigas, com os vencedores levando os habitantes como escravos.
      Embora a ação militar do Hamas possa ter ajudado a melhorar sua imagem como um exército eficaz, esse tipo de relações públicas negativas causou uma enorme onda de indignação no mundo. Talvez não em todos os lugares. No entanto, os EUA imediatamente prometeram a Israel um apoio financeiro de vários bilhões de dólares e enviaram um grupo de ataque de porta-aviões da Marinha para ajudá-lo.
      Ao mesmo tempo, o The Guardian informa que o governo alemão disse que está reconsiderando centenas de milhões de euros em ajuda aos palestinos. O ministro alemão do Desenvolvimento, S. Schulze, disse que o governo sempre teve o cuidado de garantir que o dinheiro fosse usado apenas para fins pacíficos, mas “os ataques a Israel marcaram um terrível ponto de inflexão… agora vamos reconsiderar todas as nossas ações em relação aos territórios palestinos”.
      Embora antes desses eventos a imagem de Israel tenha sido muito prejudicada no Ocidente, inclusive pelo bombardeio de Gaza e pelas políticas de Netanyahu, agora as coisas mudaram – e o Ocidente está do lado de Jerusalém. Isso pode significar que Israel terá carta branca para praticamente qualquer operação em Gaza, sem a ameaça de sanções ou censura. Essa situação pode ter consequências fatais para a população civil da Faixa, e não apenas para os militantes. Além disso, a guerra poderia ir muito além de Gaza.
      Já hoje, os bombardeios israelenses em Gaza mataram 400 pessoas e feriram mais de mil, muitas delas civis. Mas isso não é nem mesmo o começo da resposta israelense.

      Quem organizou a operação do Hamas?
      Há cerca de seis meses, analistas israelenses publicaram um relatório sobre a preparação de uma grande operação militar pelos inimigos de Israel. Por trás dela estava não apenas o sunita Hamas, mas também seus aliados – o grupo libanês xiita pró-iraniano Hezbollah, bem como seu principal patrocinador – o Irã.
      Tratava-se de um ataque baseado na “unidade da resistência”, ou seja, na cooperação entre o Hamas e o Hezbollah, e que o Irã forneceria a eles tudo o que precisassem para o ataque.
      O Hezbollah já respondeu hoje dizendo que entrará em guerra com Israel no caso de sua invasão terrestre de Gaza (e essa invasão é iminente). Ele já se envolveu em um tiroteio com os militares israelenses na fronteira libanesa. O Hezbollah é muito mais forte do que o Hamas, é a força de ataque do Irã, armada e organizada pelo Irã e utilizada contra Israel. A organização tem uma enorme capacidade de mísseis, incluindo centenas de mísseis guiados com precisão, formações de tanques, forças especiais capazes de romper as linhas de defesa israelenses e dezenas de milhares de militares treinados para guerrilha e sabotagem, adaptados às táticas do exército israelense.
      O Hezbollah adquiriu muita experiência na Síria, onde lutou ao lado de Assad. De modo geral, o regime de Assad faz parte da mesma coalizão criada pelo Irã (chamada de “Eixo de Resistência”) contra Israel e seus aliados.
      Por sua vez, Israel anunciou uma mobilização geral, a maior desde a Guerra do Juízo Final. 300.000 reservistas estão sendo convocados para o exército. Isso significa que seu número chegará a meio milhão no próximo mês.
      Apesar do fato de as Forças de Defesa de Israel terem agido sem sucesso nas primeiras 24 horas de combate, não devemos esquecer que elas têm um enorme poder militar. Israel tem a força aérea mais eficaz da região, com mais de 400 aviões de combate f-16 e f-15, incluindo modificações modernas, além de vários esquadrões do mais recente avião stealth americano f-35.
      Israel tem uma artilharia de precisão forte ou cerca de 1.500 tanques modernos. Ele está em condições de destruir a Faixa de Gaza. Ao mesmo tempo, a invasão anterior do Líbano, em 2006, não foi bem-sucedida – as tropas israelenses sofreram sérias perdas devido aos ataques das unidades de guerrilha e sabotagem do Hezbollah.

      Por que o Irã desejaria fazer isso?
      Algumas palavras devem ser ditas aqui sobre as especificidades da situação atual no Oriente Médio e por que o Irã preparou e patrocinou o ataque contra Israel. A escalada atual é causada pela tentativa do Irã de destruir um futuro acordo abrangente entre Israel e a Arábia Saudita, os principais rivais do Irã no Oriente Médio.
      Esse acordo poderá ser alcançado nos próximos meses com a mediação dos EUA. Trata-se de estabelecer relações diplomáticas entre os sauditas e os israelenses. No entanto, além da diplomacia, tratava-se de um acordo abrangente que poderia afetar muito o equilíbrio de poder na região.
      O plano é construir ou atualizar um sistema de portos marítimos e ferrovias para acelerar o trânsito de mercadorias ao longo da linha Índia-Arábia Saudita-Jordânia-Israel-Europa. Esse megaprojeto de US$ 17 bilhões foi concebido para integrar as economias dos referidos estados, ligando-os entre si. Espera-se que os sauditas reconheçam Israel diplomaticamente e cooperem com ele militarmente. Além disso, os EUA prometem, como presente para os dois países, ajuda militar em grande escala e fornecimento das armas mais modernas, bem como assistência aos sauditas no desenvolvimento da energia nuclear.
      Tudo isso é de extrema preocupação para o Irã, um adversário dos EUA e de Israel, e um rival dos sauditas que disputa com eles o controle do Golfo Pérsico.
      À medida que a Arábia Saudita busca se tornar o país árabe mais influente, posicionando-se cada vez mais como o carro-chefe do nacionalismo árabe e a principal força que impulsiona o desenvolvimento árabe com seus investimentos, é importante que seu acordo com Israel não seja acompanhado por uma raiva crescente entre a população árabe do Oriente Médio. É por isso que a Arábia Saudita exigiu a melhoria das relações entre israelenses e palestinos como condição para o acordo. Agora e em um futuro previsível, isso se tornou impossível. O projeto iraniano de torpedear esse acordo parece ter sido bem-sucedido.

      O que acontece agora?
      Como mencionado acima, Israel declarou estado de guerra e está mobilizando 300.000 reservistas para o exército. Sem dúvida, suas forças armadas são as mais poderosas do Oriente Médio, embora hoje alguns especialistas estejam expressando dúvidas sobre sua eficácia em meio aos ataques perdidos de Israel.
      O Hamas se viu na posição do homem que, enquanto estava na mesma sala que Michael Tyson, deu um soco entre as pernas do campeão de boxe. Esse soco foi épico. Mas agora esse homem está na mesma sala com um campeão de boxe enfurecido… Israel tem um exército enorme e não os deixará em paz.
      E aqui precisamos apontar novamente para a divisão na classe dominante em Israel e a situação desesperadora de Benjamin Netanyahu. Após o fracasso ensurdecedor dos sistemas de segurança, sua credibilidade está tendendo a zero. Além disso, a população do sul, um de seus redutos eleitorais, é a mais atingida pelo ataque. Bibi (como é chamado o primeiro-ministro israelense) sempre construiu sua propaganda apresentando-se como um político nacionalista duro, um patriota severo preocupado com a segurança de Israel. Agora, a imagem que ele criou ao longo de várias décadas está desmoronando diante de seus olhos. Isso leva a uma perda de poder e, para Bibi, a perda de poder equivale à conclusão iminente de um julgamento criminal e à prisão.
      A única coisa que lhe resta é iniciar uma grande guerra, provavelmente para ocupar Gaza. Talvez entrar em guerra com o Hezbollah no Líbano ou até mesmo diretamente com o Irã. O segredo é anunciar uma resposta global e desviar a atenção dos cidadãos de uma derrota total, do fiasco de 7 de outubro.
      Mas há riscos aqui também. O exército israelense não realiza grandes operações desde 2006, e sua guerra contra o Hezbollah foi um fracasso. A condição e o treinamento de combate dos reservistas são questionáveis, faltando tudo o que é necessário para os suprimentos. O alinhamento de combate levará um mês, na melhor das hipóteses, e provavelmente levará mais tempo. Atualmente, um exército tão “bruto” pode sofrer perdas significativas em batalhas.
      Nas próximas horas e dias, veremos o desenrolar dos acontecimentos. A única coisa que podemos dizer é que uma grande guerra no Oriente Médio se tornou altamente provável.

  2. O texto tem seus pontos fortes, compreendendo muitos aspectos que são significativos para os revolucionários internacionalistas, mas também tem outros pontos fracos, além do que Michael e FC [Nota do Crítica Desapiedada: FC é Fredo Corvo e o seu comentário pode ser lido aqui] disseram, com os quais concordo em geral, divirjo do autor do texto quando ele fala de um “contexto de colapso sistêmico da civilização capitalista em seu estágio avançado tardio”:
    – “contexto de colapso sistêmico da civilização capitalista em seu estágio avançado tardio”.
    Essa é uma má avaliação do momento histórico em que se encontra o capitalismo, que não está em declínio nem em “colapso sistêmico”. O capitalismo ainda tem possibilidades de expansão de seus mercados e de seus processos de valorização, e suas forças, embora vejam diminuídas suas capacidades de enfrentar a crise futura e os problemas anteriores do capital, não as perderam nem seu colapso está em curso. O capitalismo é necessariamente um gerador de todos os tipos de catástrofes e degradações, como as sociais e ambientais, tão fortes no momento, mas isso não implica que seja assim porque está em decadência e em “crise sistêmica”.
    O proletariado precisa saber exatamente onde estão os pontos fortes e fracos da classe burguesa e de seus vários aparatos. Pensar que o capital já está em um estado tão decrépito não nos permite entender que o inimigo é muito, muito poderoso e que, portanto, a necessidade de organização e luta dos trabalhadores tem de estar à altura da situação… e mais… ou o fracasso sistemático dos surtos muito limitados de sua luta significará possibilidades mais abertas do que as que estão se formando agora em direção à Terceira Guerra Mundial. O que está em jogo não é meramente um acúmulo de frustrações mesquinhas nas lutas por reivindicações, interferidas pelo sindicalismo, que sabemos o que significa para a reprodução do capitalismo, mas, mais importante, o curso do belicismo, para cuja implantação a classe trabalhadora obviamente é e será intensamente pressionada e explorada.

    – “crise neoimperialista”, “neoimperialismo ocidental na região”, “dois grandes blocos neoimperialistas”.
    Existe o imperialismo capitalista, nada de “neo”. Os dois grandes blocos na constituição são imperialistas e nenhum Estado ou facção burguesa pode evitar participar, de uma forma ou de outra, da exacerbação simultânea do capitalismo e de seus processos imperialistas internacionalizados.

    – “Nas últimas horas, houve relatos de uma revolta da população palestina em alguns dos guetos que os agrupam dentro das fronteiras do Estado de Israel. Somente dessa revolta, e da revolta da população de Gaza, pode surgir um potencial emancipatório”.
    Esse tipo de levante é um levante cívico, interclassista, e, portanto, não pode ser um movimento independente do proletariado anticapitalista. Embora o autor continue explicando como as facções nacionalistas poderiam tirar proveito disso, é enganoso e confuso considerar um movimento populacional como a semente da emancipação em Gaza. Dada a ligação entre a política e a economia de Gaza, sua estrutura social e a história de seus conflitos nacionalistas e de classe, conclui-se que um poderoso movimento autônomo de trabalhadores não pode ser gerado no momento. É preciso ressaltar que a solidariedade, o apoio anticapitalista ativo e claramente radical do proletariado de Israel, de outros estados da região e, particularmente importante, das grandes potências do capitalismo, é necessário. Para mostrar força, é preciso ter força, e a força é um poderoso energizador, mesmo que apenas sob certas condições, das capacidades conscientes e organizacionais do proletariado. Isso não encontra condições favoráveis hoje, e isso deve ser entendido, caso contrário, especula-se com base em exemplos que se supõe impossíveis, movendo-se em abstrações vazias, perdendo-se na confusão, mesmo que isso seja feito por meio de uma fraseologia radical.

    – “Numa política insana orientada para a aniquilação do grupo étnico considerado inimigo.”
    Não, a política burguesa é competitiva, construtiva e destrutiva, suas forças vivem e agem na e para a competição, mesmo que gere vários problemas por meio de sua implantação, mas não é insana, é dirigida por um objetivo possível e racional: maximizar os lucros e reduzir as perdas, junto com outros e às custas de outros.
    Por outro lado, todo nacionalismo leva ao ódio de diferentes povos ou etnias, e até mesmo daqueles que não se encaixam em seu próprio campo (nem todos os judeus são tratados igualmente em Israel, e o mesmo vale para os palestinos em seu meio), mas os nacionalistas de ambos os lados não querem necessariamente realizar uma limpeza etnicista absoluta. Muitos capitalistas em Israel precisam da mão de obra palestina nas condições em que ela é tratada (tolerada e incentivada pela confederação Istradut, o centro nevrálgico do sindicalismo israelense), em Gaza eles pagam vários insumos ao estado de Israel… Da mesma forma, muitas forças de libertação nacional palestinas precisam fazer negócios com Israel e seus mentores, e muitas aplicam uma mão muito pesada à pobre diáspora palestina. Isso não diminui o fato de que certas facções extremistas de ambos os lados querem praticar a eliminação física de seus inimigos até o ponto de seu desaparecimento étnico, o que é basicamente a conclusão necessária e lógica do interesse nacionalista burguês.

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