[Nota do Crítica Desapiedada]: Para contextualizar os dois artigos de Anton Pannekoek que disponibilizamos abaixo (A Ação Individual e Destruição como método de Luta), traremos, de modo introdutório, uma citação do tópico “O Comunismo de Conselhos Holandês e Van der Lubbe” do livro The Dutch and German Communist Left (1900–68) (Philippe Bourrinet). Nesse tópico, Bourrinet explica em detalhes a motivação para Van der Lubbe realizar o ato de incendiar o Reichstag em 1933, as suas consequências e o impacto que essa ação gerou sobre os comunistas de conselhos na época, o que inclui a reação de Pannekoek.
"Foi a importância da incineração do Reichstag (27 de fevereiro de 1933) por Van der Lubbe, mais do que a chegada de Hitler ao poder, que deu foco aos debates dentro do comunismo de conselhos holandês. Este último estava profundamente dividido sobre a questão dos “atos exemplares” e da violência individual contra símbolos da ordem burguesa.
Marinus van der Lubbe, nascido em 1909, era um jovem pedreiro de Leiden. Ele havia sido do PC holandês de 1925 a 1931. Ele saiu depois de adotar uma posição antiparlamentarista e comunista de conselhos. Ele era bastante ativo no movimento dos desempregados e nas greves de trabalhadores que irromperam em diversas cidades. Depois de deixar o Comitê de Agitação dos Desempregados (WAC) – liderado pelo CPN [Communistische Partij Nederland; Partido Comunista Holandês] – em outubro-novembro de 1932, ele foi o principal editor da revista para pessoas desempregadas em Leiden, Werkloozenkrant [Gazeta dos Desempregados], que convocava comitês de ação autônomos, independentes de qualquer partido político. Van der Lubbe era um trabalhador completamente dedicado à causa proletária. Aposentado após uma lesão no trabalho que ameaçava cegá-lo eventualmente, ele devotou todo seu tempo à atividade militante. Logo ele estabeleceu contato com a LAO [Linksche Arbeiders Oppositie, LAO – Oposição de Esquerda dos Trabalhadores] de Eduard Sirach e a auxiliou em seu trabalho de propaganda. Se ele tinha qualquer contato com o GIC em Leiden, eles permanecerem pessoais. Van der Lubbe nunca foi membro do GIC, mesmo que simpatizasse com suas posições e fosse leitor do PIC [Persdienst van Internationale Communisten - Serviço de Imprensa dos Comunistas Internacionalistas].
Depois de várias viagens à Alemanha e ao redor da Europa (Hungria, Iugoslávia, Áustria) para descobrir por si mesmo o estado real da luta de classes, Van der Lubbe decidiu ir a Berlim em fevereiro de 1933, pouco após a nomeação de Hitler como chanceler (30 de janeiro). Ele chegou à cidade em 18 de fevereiro. Ele participou de reuniões do SPD e do KPD e buscou contato com os sem-teto (Obdachlosen) de Berlim. Ele conseguiu fazer contatos políticos (23 e 25 de fevereiro) com comunistas de conselho alemães, como Alfred Weiland e alguns membros da KAU [Kommunistische Arbeiters Union - União Comunista dos Trabalhadores], que olharam com suspeitas para o jovem trabalhador holandês. Ele estava – segundo Weiland – muito entusiasmado com o motim recente perto da costa da Indonésia, liderado pelos marinheiros do encouraçado holandês Zeven Provinciën (4 a 10 de fevereiro) em protesto contra cortes de 10% nos salários. Ele foi finalmente esmagado sangrentamente por bombardeio aéreo, mediante ordens do gabinete de Colijn.
Na noite de 25 de fevereiro, ele tentou incendiar um escritório para os desempregados e um castelo em Berlim, sem qualquer sucesso. Depois de deixar a capital, ele retornou a Berlim para incendiar o Reichstag. Sua decisão de queimar o Reichstag pode ter sido pessoal motivada tanto pela crença ingênua de que sua “ação exemplar” ia “acordar” o proletariado alemão quanto por desespero pessoal (Van der Lubbe estava condenado à cegueira iminente). Porém, acima de tudo, este desespero pessoal expressava um crescente desespero político nas camadas mais profundas do proletariado.
Nós sabemos o que aconteceu com Van der Lubbe. Arrastado perante a “justiça” nazista, ele negou ter tido contatos com o KPD ou com o meio “conselhista” em Berlim. Ele foi condenado à morte (23 de dezembro de 1933) e decapitado em 10 de janeiro de 1934, uma das primeiras vítimas do terror nazista. Para seus amigos, esta execução foi a continuação lógica do terror burguês que havia atingido tantos trabalhadores sob os governos de Ebert a Hitler. Mas o pior para Van der Lubbe foi ter seu nome arrastado na lama pelos stalinistas, que o acusaram de estar a serviço do nazismo e começaram uma grande campanha de difamação. O PC holandês o acusou de estar a serviço da polícia holandesa e de ser um dos “capachos” da gangue de Röhm. Os stalinistas foram seus carrascos tanto quanto os nazistas e não hesitaram em exigir sua morte. Dimitrov (o suposto cúmplice de van der Lubbe), que seria absolvido e se tornaria um dos principais líderes da Internacional Comunista stalinizada, inclusive exigiu em audiência pública que Van der Lubbe deveria ser “condenado à morte por ter trabalhado contra o proletariado”.
Na Holanda, o CPH [Communistische Partij Holland; Partido Comunista da Holanda] – apesar de Van der Lubbe ter sido um membro ativo do partido – desenvolveu a mesma campanha de difamações. Ele propagou as mentiras contidas no “Livro Marrom” publicado pelo Münzenberg Trust – este último sendo o grande mago financeiro da Internacional Comunista – com o apoio de “democratas” que incluíam um lorde inglês. Para defender Van der Lubbe, os comunistas de conselho produziram um “Livro Vermelho” (Roodboek), o qual usou uma grande variedade de testemunhos para demolir ponto a ponto as acusações contra ele. Foi formado um comitê Van der Lubbe, composto por um membro do ex-KAPN, Lo Lopes-Cardoso; um membro do GIC, o psiquiatra Lieuwe Hornstra (1908-1990); e o escritor proletário Maurits Dekker (1896-1962). Este comitê tinha sucursais em diversos países, incluindo a França. Ele era, de fato, um cartel de grupos e personalidades, não muito distintas do anarquismo, uma vez que anarquistas estavam inclusos nele.
A formação deste comitê não foi capaz de evitar que surgisse um debate dentro do comunismo de conselhos holandês sobre a importância de “atos pessoais” e do terrorismo em geral. Por um lado, havia aqueles que os consideravam “atos proletários” e, por outro lado, aqueles que rejeitavam por princípio toda ação terrorista.
A primeira tendência, apoiada pelos comunistas de conselho alemães, era motivada tanto por uma relutância em “ficar do lado dos caçadores” como por confusão política. Ela via no incêndio do Reichstag não um ato de desespero, mas uma façanha proletária que em outras circunstâncias poderia “acordar” o proletariado alemão e levá-lo à luta. A reação de grupos como a LAO e o agrupamento Radencommunist foi típica quanto a isso.
A Spartacus, o órgão da LAO, ao passo em que exaltava Van der Lubbe – “um intrépido lutador, pronto a sacrificar a si mesmo pelo comunismo” – tinha uma posição intermediária sobre a importância de atos de terrorismo individuais. Por um lado, a LAO declarou que: “Nós não defendemos o terror individual como um método de luta da classe trabalhadora”. Por outro lado, ela o apoiava implicitamente: “isso não quer dizer que nós rejeitamos toda ação individual […]”. Com efeito, a LAO acabou defendendo a posição de que a ação terrorista individual poderia levar a classe trabalhadora à ação: “O gesto de Van der Lubbe poderia ser o sinal para a resistência generalizada dos trabalhadores sobre as cabeças dos figurões dos partidos Socialistas e Comunistas”.
A posição do grupo Radencommunist era praticamente a mesma. Ele negava o fato de que o ato de Van der Lubbe era um de desespero individual, correspondendo a uma profunda desorientação do proletariado: “Além disso, este ato não deve ser considerado um ato individual, mas sim uma faísca que, nesta situação violentamente tensa, poderia levar à explosão”. Neste sentido, os grupos rejeitavam a evidência da história: uma ação terrorista, individual ou não, pode ser usada pela classe dominante para reforçar sua opressão e sua repressão do proletariado. Em última análise, a posição deles era bastante próxima daquela dos Socialistas Revolucionários antes de 1917 na Rússia.
A segunda tendência rejeitou incisivamente o uso de atos individuais e do terrorismo como um método da luta de classes. Este era o caso do grupo Arbeidersraad [Conselho Operário] (o grupo de Korpers) – que veio do KAPN – e do GIC. Porém, seus motivos eram radicalmente diferentes. Para o De Arbeidersraad – se dizia que no julgamento de Van der Lubbe que ele era membro do KAPN – era mais uma questão de rejeitar a pessoa Van der Lubbe do que defender uma posição clássica do movimento marxista de que “a força motriz da revolução operária nunca foi o terror individual ou o putschismo, mas a própria crise do capitalismo”. Ao insistir fortemente no fato de que ninguém entre eles havia “ouvido falar de Van der Lubbe” e de que seus atos poderiam ter “um efeito contrarrevolucionário”, eles claramente recusavam qualquer solidariedade elementar com uma vítima da repressão. Esta atitude ambígua anunciou uma evolução que levou determinados membros ao trotskismo e, finalmente, ao Partido Comunista.
A atitude do GIC foi muito menos ambígua. Ao passo que declarava sua solidariedade para com Van der Lubbe como uma vítima do nazismo e do stalinismo, o GIC insistia que o jovem trabalhador holandês havia claramente demonstrado uma “vontade de morrer em um ato assim”, mas que ninguém deveria repreendê-lo por isso”. Assim que esta solidariedade foi claramente proclamada, o GIC repetiu a posição da esquerda comunista alemã nos anos 1920:
"A tarefa de um real agrupamento revolucionário só pode ser fortalecer a classe ao disseminar uma concepção clara das relações sociais, das questões de organização e de tática. Não cabe a nós fazer as massas se movimentarem; isso só pode ser o resultado necessário das relações sociais. Nossa tarefa é apenas ajudar as massas em movimento a encontrar o caminho correto."
Mais profundamente, Pannekoek – em um artigo no PIC – demonstrou que qualquer “ato pessoal” como esse de Van der Lubbe só poderia obscurecer a consciência de classe do proletariado. Este “ato pessoal” só poderia ter valor “como parte de um movimento de massas”: “Neste quadro, a audácia dos mais corajosos encontra expressão em atos pessoais de coragem, ao passo que a clara compreensão de outros dirige estes atos a seu objetivo de modo a não perderem seus frutos”. Separados da ação de massa, todos os atos individuais, longe de enfraquecerem a burguesia, só podem reforçá-la. Foi precisamente este o caso com o incêndio do Reichstag: “A burguesia não foi afetada nem um pouco pelo incêndio do Reichstag; sua dominação não enfraqueceu de modo algum. O governo, pelo contrário, usou a oportunidade de reforçar consideravelmente seu terror contra o movimento operário”.
Ideologicamente, essa ação não tinha nenhuma força “contra o eleitoralismo abjeto” e a democracia burguesa. As ilusões democráticas sempre poderiam tomar “outro caminho”; por exemplo, quando o “direito ao voto” é suprimido, então a mistificação da “conquista da democracia é avançada” pela burguesia “democrática”. Em segundo lugar, historicamente, a ação terrorista individual não teve efeito mobilizador sobre a luta de classes. Isso corresponde a uma era passada, aquela do “romantismo burguês” das revoluções do século XIX, nas quais alguns líderes achavam que podiam mobilizar as “massas passivas” ao fornecer a “faísca” para a explosão social. A revolução proletária, em contrapartida, “não tem nada em comum com a explosão de um barril de pólvora”. Por fim, a ação terrorista só pode confundir a consciência de classe dos trabalhadores: ela os reduz à passividade. A ação individual se torna uma substituta para a ação de massas. Seu efeito é, assim, completamente negativo: “Mesmo que tal ato atingisse e enfraquecesse efetivamente a burguesia, a única consequência seria desenvolver entre os trabalhadores a convicção de que tais atos pessoais poderiam libertá-los […] o que os conduziria para ainda mais longe da ação autônoma enquanto uma classe”.
Consequentemente, o movimento proletário deve rejeitar todas as formas de ação terrorista, que não são nada senão um reavivamento do niilismo do final do século XIX. O GIC e Pannekoek assim mostraram claramente que o futuro do movimento revolucionário só poderia estar na ação de massa. Esta visão não foi sempre entendida por alguns militantes do movimento conselhista holandês.
Depois de fevereiro de 1933, o GIC na prática assumiu a liderança do movimento comunista de conselhos internacional. Os grupos alemães, reduzidos à clandestinidade mais estrita, confiaram a publicação da revista internacional Proletarier a Amsterdã, como a expressão de todo o movimento. Houve apenas uma edição. A Proletarier foi sucedida pela revista teórica em língua alemã Räte-Korrespondenz de 1934 a 1937.
Durante os anos 1930, esse foi um dos poucos órgãos – como a Bilan para a esquerda comunista italiana e a Correspondência Conselhista Internacional nos EUA – que tentaram elaborar uma avaliação da “longa noite de contrarrevolução” que caiu sobre todo o movimento operário revolucionário depois de 1933."
A ação individual[1] (1933)
As mais diversas opiniões foram manifestadas sobre o incêndio do edifício do Reichstag por Van der Lubbe. Nos órgãos comunistas de esquerda (Spartacus, Radencommunist), essa ação foi elogiada como a manifestação de um comunista revolucionário. Aprovar e elogiar significa promover a repetição de algo assim. Por isso, é necessário examinar bem no que consiste a utilidade de tais atos.
O objetivo de tal ação só pode ser o de atingir, prejudicar, enfraquecer a burguesia, a classe dominante. Aqui não há nenhum vestígio disso. A burguesia não foi minimamente prejudicada pelo incêndio no Reichstag, seu domínio não foi nem um pouco afetado. Foi um motivo para o governo intensificar enormemente seu terror contra o movimento operário; quais serão os efeitos futuros disso, ainda deve-se aguardar.
Mas suponha-se que tal ato realmente tivesse atingido e prejudicado a burguesia. Então, a única consequência seria que os trabalhadores começariam a acreditar, ou teriam sua crença reforçada, de que poderiam ser libertados por tais atos pessoais de alguns. A grande verdade que eles precisam aprender, de que apenas a ação de massa de toda a classe trabalhadora pode vencer a burguesia, essa verdade fundamental do comunismo revolucionário seria então obscurecida para eles. Isso os impediria de agir por conta própria como classe. As minorias revolucionárias, em vez de dedicarem toda a força à propaganda entre as massas trabalhadoras, desperdiçariam essa força em atos pessoais que, mesmo cometidos por um grande grupo dedicado, não seriam capazes de abalar o domínio de classe. A burguesia, com seus grandes recursos, facilmente dominaria tal grupo com pouco esforço. Raramente houve um movimento de um grupo minoritário revolucionário tão cheio de dedicação, abnegação e energia, como foi o dos niilistas russos há meio século. Por vezes pareceu que eles dominariam o czarismo, por meio de uma série de ataques pessoais bem-sucedidos. Mas um policial francês que foi chamado para lutar no lugar da incompetente polícia russa conseguiu, com a energia e a organização ocidentais, destruir o niilismo em alguns anos. E só depois disso surgiu o movimento de massa, que derrubou o czarismo.
No entanto, teria esse ato algum valor como manifestação contra o covarde eleitoralismo parlamentar que desvia os trabalhadores de sua verdadeira luta? Uma manifestação tem valor se ela evocar uma convicção ou trazê-la à consciência por meio de uma impressão poderosa. Mas por acaso alguém acredita que um trabalhador que até agora pensava que, ao escolher um social-democrata ou um comunista, estaria promovendo seus interesses, começará a duvidar disso porque o prédio do Reichstag foi incendiado? Isso é completamente inútil em comparação com o que a burguesia faz para curar os trabalhadores de suas ilusões, tornando o Reichstag impotente, enviando-os para casa e excluindo-os do governo. Camaradas alemães afirmaram que isso só pode ser benéfico, pois assim os trabalhadores perderiam a fé no parlamentarismo. Isso é certamente verdade; mas a questão é se eles não estão simplificando demais o assunto. As ilusões democráticas tomam, então, um caminho diferente; onde não há sufrágio universal, ou onde o parlamento é impotente, a conquista da democracia plena é estabelecida como objetivo, e os trabalhadores acreditam que só podem alcançá-la por esse caminho.
A propaganda constante para esclarecer, com base em tudo o que acontece, o verdadeiro significado do parlamento e da luta de classes jamais poderá ser dispensada e será sempre o mais importante.
Contudo, uma ação individual não pode ser um sinal, um impulso, que inicia movimentos maiores através de um exemplo poderoso? Já aconteceu muitas vezes na história de o ato de um indivíduo em tempos de tensão funcionar como uma faísca em um barril de pólvora. Certamente; mas a revolução dos trabalhadores não tem nada a ver com a explosão de um barril de pólvora. O partido comunista pode tentar convencer a si mesmo e ao mundo de que a revolução está prestes a explodir a qualquer momento, mas sabemos que a classe trabalhadora ainda precisa se organizar no novo método da luta de massas. Nas revoluções burguesas anteriores, a burguesia emergente, com o povo ao seu lado, enfrentou as figuras dos monarcas e sua opressão arbitrária; os atentados contra um monarca ou ministro podiam servir como sinal para uma explosão. Na concepção de que ainda hoje um indivíduo pode mobilizar a massa por meio de uma ação individual, encontra-se a noção burguesa do Líder — não o líder partidário eleito, mas o líder autônomo que, através de sua ação, arrasta a massa passiva. A revolução proletária não tem nada a ver com esse antigo romantismo de líderes; a iniciativa também deve vir da classe proletária, impulsionada por forças sociais massivas.
Mas, afinal, a massa também é composta por pessoas, e ações em massa são constituídas por um conjunto de ações individuais. Claro, e aqui temos o verdadeiro valor das ações individuais. Separadas de um movimento de massa, como atos de um indivíduo que acredita poder fazer algo grandioso sozinho, elas são infrutíferas. Mas, como parte de movimentos de massa, elas têm o maior significado. Uma classe combatente não é como um regimento de bonecos iguais marchando uniformemente, que por meio da força bruta de seu movimento exerce automaticamente grandes efeitos. Ela é uma massa animada por uma única vontade de diversas personalidades, que se apoiam, incentivam, estimulam umas às outras e, por suas forças variadas, todas direcionadas a um único objetivo, tornam seu movimento irresistível. Aqui, a coragem e o intrépido destemor dos mais valentes frente à morte encontram oportunidade para atos individuais de bravura, enquanto a percepção clara de outros direciona esses atos para o objetivo correto e não deixa que os frutos se percam. Mesmo em um movimento nascente, essa interação de forças e ações é de suma importância quando guiada por uma compreensão clara daquilo que reside no peito dos trabalhadores, do que eles podem fazer e de como sua combatividade pode ser fortalecida. Mas, nesse caso, as exigências relativas à vontade de agir, à coragem e à bravura serão bastante diferentes daquelas necessárias para incendiar um prédio do parlamento.

Destruição como meio de luta[2] (1933)
As avaliações sobre o incêndio do edifício do Reichstag na imprensa de esquerda comunista levantam ainda algumas outras questões. A destruição ou a devastação podem ser um meio na luta pela libertação dos trabalhadores?
Em primeiro lugar, afirma-se que ninguém lamentará nem um pouco o sumiço daquele edifício do Reichstag. Ele era uma das construções mais feias da Alemanha moderna, feita totalmente à imagem extravagante do Império de 1871. Há outros edifícios mais bonitos, museus com tesouros artísticos. Mas e quando um proletário amargurado destrói algo valioso para se vingar da opressão capitalista? Do ponto de vista revolucionário, isso seria em vários aspectos um ato delituoso. Ele não atinge a burguesia com isso: ela mesma destruiu tantas coisas quando o lucro estava em jogo, e mesmo assim continua a valorizar o dinheiro acima de tudo. Ele atinge principalmente aquele pequeno grupo formado de artistas, amantes de coisas belas, dentre os quais os melhores deles frequentemente tinham sentimentos anticapitalistas, e alguns (como William Morris e Herman Gorter) lutavam ao lado dos trabalhadores. Além disso: há razão para vingança contra a burguesia? A burguesia tem então o dever de trazer o socialismo em vez do capitalismo? A natureza dela é impor o capitalismo com toda a força; aos trabalhadores cabe a tarefa de destruí-lo. Portanto, se alguém deve ser responsabilizado pela continuação do capitalismo é a própria classe trabalhadora, que negligenciou demais a luta. Por fim, quem é privado de algo pela destruição? Os trabalhadores vitoriosos, que um dia serão senhores de tudo isso.
Claro que a luta de classes revolucionária sempre trará destruição assim que assumir a forma de uma guerra civil. Destruir os pontos de apoio do adversário é necessário em qualquer guerra. Tentar poupar a parte vencedora e a perdedora, em sua amargura, estará inclinada a destruições inúteis. Teremos que contar com o fato de que, especialmente no final da luta, a burguesia decadente destruirá uma quantidade enorme de coisas. Por outro lado, para a classe trabalhadora, como a classe que eventualmente vencerá, a destruição não será um meio de luta. Para seus descendentes — a futura humanidade — ela tentará entregar o mundo o mais rico e intacto possível. Isso se aplica não apenas aos meios técnicos, que eles mesmos poderão desenvolver de forma melhor e mais perfeita, mas principalmente a tais monumentos e lembranças de gerações passadas, que não podem ser recriados.

Pode-se argumentar, por outro lado, que a nova humanidade, portadora de uma liberdade e fraternidade como nunca antes, criará obras muito mais belas e grandiosas do que todas as eras anteriores. Além disso, a humanidade recém-libertada terá a necessidade de sumir com todos esses vestígios do passado, aos quais sua antiga escravidão estava incorporada. Assim fez a burguesia revolucionária — ou pelo menos tentou fazê-la. Para ela, toda a história anterior era uma densa penumbra de ignorância e escravidão; mas agora, razão, conhecimento, virtude e liberdade foram definitivamente elevados ao trono através da revolução. O proletariado enxerga a história dos antepassados com olhos bem diferentes. Guiado pela doutrina de Marx sobre o desenvolvimento da sociedade em formas de produção sucessivas, enxerga nisso uma luta lenta e ascendente da humanidade, com base no crescimento do trabalho, das ferramentas e das formas de trabalho para uma produtividade cada vez maior, primeiro na barbárie primitiva e simples, depois em sociedades de classes com luta de classes, até que no comunismo o homem se torne mestre de seu próprio destino. E em cada era de desenvolvimento, encontra as forças que são afins à sua própria essência. Na era bárbara: os sentimentos fraternais e a ética da solidariedade do comunismo primitivo. No artesanato pequeno-burguês: o amor pelo trabalho, manifestando-se na beleza de edifícios e utensílios, que para eles eram apenas trabalho comum, mas que a posteridade admirava como arte inimitável. Na burguesia emergente: o orgulhoso sentimento de liberdade, que proclamou os direitos do homem e se expressava nas maiores obras da literatura mundial. No capitalismo: o conhecimento da natureza, a ciência natural em ascensão, que através da técnica permite ao homem tornar-se mestre da natureza e de seu destino. Em todos eles, essas grandes características estavam ligadas, em maior ou menor grau, à crueldade, à superstição, ao egoísmo e são justamente essas coisas que agora combatemos, que agora nos refreiam e que, portanto, odiamos. Mas nossa concepção de história nos ensina a ver essas imperfeições nas gerações anteriores como passos naturais no crescimento ascendente, expressões da difícil luta pela vida de pessoas que ainda não haviam alcançado a plena humanidade em uma natureza avassaladora e uma sociedade incompreendida. O que eles criaram de grandioso não será para a humanidade livre um símbolo de sua fraqueza, mas uma lembrança de sua força, digna de ser preservada com cuidado. Agora a burguesia tomou posse de tudo isso; mas para nós é propriedade da comunidade, que tentaremos entregar à nossa descendência o mais intacta possível.
[1] Publicado em: Persdienst van de Groep van Internationale Communisten 1933 nr. 7. Versão original em pdf: http://aaap.be/Pdf/Persdienst-GIC/PIC-06-1933-07.pdf. Versão html: https://www.marxists.org/nederlands/pannekoek/1933/1933persoonlijkedaad.htm.
[2] PDF (original): http://aaap.be/Pdf/Persdienst-GIC/PIC-06-1933-07.pdf. Transcrição com adaptação à ortografia moderna por F.C. 08/09/2025.
Traduzido por Vinícius Posansky.
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