[Nota do Crítica Desapiedada]: O presente texto que reproduzimos abaixo é uma resenha de Maurício Tragtenberg do livro A Tomada da Ford, de José Carlos Brito. Consideramos atual o debate de Tragtenberg sobre as comissões de fábrica nas greves operárias na década de 1970-1980, pois ele expressa a perspectiva proletária e, além disso, a menção ao livro de Brito permite resgatar uma obra que contém elementos importantes que explicam determinada experiência histórica (a comissão de fábrica na Ford em 1978), cuja radicalidade expressou o estágio até então atingido pela luta proletária em nosso país. Boa leitura e confiram também o dossiê dedicado à memória do militante revolucionário Maurício Tragtenberg.
Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, Folhetim, 04/12/1983. Reeditado posteriormente e reproduzido na coletânea A Falência da Política, São Paulo: UNESP, 2009.
A relação entre Comissões de Fábrica e sindicatos, sejam os chamados “pelegos” ou os “combativos”, e sua vinculação ao Estado estão na ordem do dia da discussão em relação à organização dos trabalhadores.
Nesse sentido, o livro de José Carlos Brito, A tomada da Ford: o nascimento de um sindicato livre, oferece amplo campo de debate a respeito.
Revela o autor os subterrâneos do chamado “mundo da fábrica”, em que a repressão direta ao trabalhador opera por ações disciplinadoras: elas se dão por mediação das chefias, pelo ritmo da linha de produção ao qual o operário tem de se adaptar, pelo parcelamento das tarefas, que o transformam em um robô, pelo controle de qualidade, que o torna escravo de sua tarefa.
Não bastasse isso, o tempo programado para refeições ou utilização das instalações sanitárias é rigidamente controlado. Ele produz sob um barulho ensurdecedor, que torna impossível dialogar com o companheiro ao lado; qualquer distração pode levá-lo à condição de acidentado, e a administração o configura como agente de um “ato inseguro”, culpabilizando-o pelos resultados do acidente de trabalho.
Porém, por meio do Programa Open House [Casa Aberta], a empresa permite que familiares de seus assalariados a visitem, em uma política de “relações humanas”, que cria canais de comunicação com os assalariados por mediação de sua família, envolvendo-a no mundo da fábrica para que o operário o sinta como “sua fábrica”, ou se sinta “em casa”.
A empresa reproduz muito o modelo da família patriarcal na medida em que – na Ford Tratores – a figura do chefe é imposta como a figura do pai. Utiliza ele a técnica de, ante a mão de obra de linha, criticar os chefes intermediários.
Utiliza o desemprego temporário como recurso para submeter a mão de obra às ordens da administração, utilizando a estratégia de obrigá-la a trabalhar em um regime intensivo de trabalho que inclui horas extras diárias; isso leva a aumentar os estoques e logicamente à dispensa de parte dos trabalhadores. Os demitidos, porém, contam com a promessa de sua readmissão meses depois. Razão pela qual o sistema pressiona a mão de obra a aceitar ritmos de trabalho desumanos, horas extras desgastantes, obediência absoluta ao pai (gerente-geral) como condição de readmissão posterior. As chefias intermediárias definem quem volta, o que lhes dá um poder total sobre o trabalhador.
Enquanto a gerência automotiva da Ford aceitava a Comissão de Fábrica como interlocutor válido, a gerência de tratores “se orgulha” em não reconhecer o direito de auto-organização dos trabalhadores. Qualquer trabalhador subordinado à gerência de tratores que conversar com algum colega sindicalizado é retirado do setor e transferido, não sem antes sofrer interrogatório gerencial sobre o tema da conversa, se estava “vazando” informações à Comissão de Fábrica ou ao sindicato.
Um resultado da auto-organização
Durante as greves de 1978, emergiu uma Comissão de Trabalhadores que, embora não reconhecida de direito, o era, de fato, pela empresa.
As greves de 1978 encontraram os trabalhadores da Ford na vanguarda, em 1980, na eclosão do movimento grevista, inexistiu na Ford qualquer piquete, tal a unanimidade existente entre a mão de obra.
As demissões em massa devido à crise econômica do sistema global levaram, no início de 1981, a Volks a demitir 13 mil operários; a Ford, por sua vez, demitia quatrocentos, o que originou a greve dos seis dias, na qual eles reivindicavam “readmissão dos quatrocentos operários despedidos, estabilidade para os que permanecem e pagamento dos dias parados” (Brito, 1983, p. 40-1).
Com base em um grupo informal de fábrica surgiu a Comissão Provisória, reconhecida por todos os trabalhadores da Ford, composta por 14 membros. Daí surgiu a passeata nos pátios internos da fábrica, da qual participaram seis mil operários, que realizavam assembleias constantes, pela manhã e à noite.
Pelo Diário do Grande ABC, os grevistas mostravam que “a Ford, em 1980, aumentou seus lucros em 412,5%, enquanto seu capital cresceu apenas 65,1%, enquanto o valor da mão de obra no custo final da produção gira em torno de 5%” (Brito, 1983, p. 46-7).
O cancelamento do julgamento da greve pelo TRT (Tribunal Regional do Trabalho) por 24 horas levou os trabalhadores a retornarem à greve e realizarem uma passeata cercando a administração. Diante do fato, a direção da empresa aceitou a reivindicação de 120 dias de estabilidade, de reconhecimento da Comissão de Fábrica Provisória, até a implantação de uma definitiva, de desconto dos dias parados em cinco parcelas mensais e de os demitidos voltarem tão logo houvesse vagas – a Comissão controlaria, então, a readmissão.
Enquanto isso, a negociação entre a administração e os operários sobre o estatuto da Comissão de Fábrica Definitiva tinha andamento. Na Ford Ipiranga (em São Paulo), a administração convocava apenas os três representantes do sindicato para negociar, sem a presença dos membros da Comissão Provisória. A Comissão não questionou tal mudança, nem o sindicato. Os trabalhadores nada opinaram, desinformados a respeito.
Em 20 de novembro de 1981, eclode nova greve na Ford, em protesto pela condenação de sindicalistas cassados nos termos da Lei de Segurança Nacional. A greve foi uma parada de uma hora, e após o expediente veio a represália: demissão de 12 operários. Resultado: a Ford foi ocupada pelos trabalhadores, e declararia, pouco depois, que “aceitava a volta dos 11 demitidos e acabou ficando a ideia que todos voltaram. Na realidade, um estava de fora” (Brito, 1983, p. 63).
Às 2h da madrugada, foi colocada em votação a volta ao trabalho em troca da readmissão dos 11 despedidos (na realidade eram 12). A grande maioria acabou votando o fim da greve, crendo que os demitidos eram 11. Segundo o autor, a Comissão
errou porque permitiu que a negociação fosse feita separadamente, errou porque deveria ter tomado o microfone realmente colocando a proposta contra esta (readmissão de 11) dizendo que vocês, diretoria do sindicato, estão esquecendo que existe isto… Isto… Assim… E tal (Brito, 1983, p. 73-4).
O presidente Jair Meneguelli assumiu verbalmente uma autocrítica reconhecendo vários erros cometidos pela direção, mas ainda em março de 1982 no Boletim Especial n. 4, 120 dias após o movimento da Ford, continuou sendo publicado pelo jornal oficial do sindicato, Tribuna Metalúrgica, que os demitidos eram 11, quando na realidade eram 12.
A formação da Comissão de Fábrica da Ford foi um resultado da auto-organização de seus operários, de seu alto nível de consciência social, que inicialmente se reuniam em grupos de vinte a quarenta, para trocar ideias, informações. “Daí surgiu a Comissão Provisória na Greve dos Seis Dias e, posteriormente, surgiram os membros da Comissão Definitiva” (Brito, 1983, p. 88).
O que garantiu tudo isso foi a iniciativa própria dos trabalhadores, que realizavam passeatas diárias que mobilizavam de cinco mil a seis mil pessoas, percorrendo cinco quilômetros diários no interior da fábrica.
Segundo ponto de vista de muitos membros da Comissão da Ford, não tinha ela, em seu conjunto, condições de mobilizar todos os companheiros pela readmissão do 12o demitido, o autor do livro que faz a história da luta. Por sua vez, teria havido certo “vanguardismo” – do autor e de mais um membro da Comissão, na medida em que o primeiro tinha pouco tempo de empresa e o outro, embora sob sua liderança levantasse sua seção contra a não readmissão do 12o, não tinha condições de ser acompanhado pelas outras seções que compõem a fábrica.
Porém, é fora de dúvida que os Estatutos da Comissão de Fábrica da Ford se atrelam à estrutura sindical vigente, além de conferir ao trabalhador da Ford que é diretor do sindicato a condição de membro nato da Comissão. Em seu artigo 15, pode o sindicato avocar a representação dos empregados na discussão dos assuntos que sejam objeto da atuação da “Comissão de Fábrica” (Brito, 1983, p. 99), e em seu artigo 4, lê-se que “dois diretores do Sindicato são membros efetivos da Comissão com o cargo de coordenador e vice-coordenador” (Brito, 1983, p. 99).
O atrelamento da Comissão à diretoria do sindicato, por melhor que ela seja, é negativo, especialmente em um país onde o Estado intervém e destitui diretorias legitimamente eleitas por sua categoria, como ocorreu com o próprio Sindicato de São Bernardo do Campo.
O que ressalta disso é a ingenuidade do presidente cassado do sindicato, quando em declarações à imprensa dizia esperar que a junta Interventora não utilizasse o Estatuto da Comissão de Fábrica da Ford para avocar a si a discussão de assuntos que cabiam a ela!
A falha central do Estatuto da Ford consiste em lá não haver sequer a figura da Assembleia dos Trabalhadores da Fábrica, a fonte de referência da Comissão é a diretoria do sindicato. Na medida em que ele sofreu intervenção, os próprios membros sindicalizados da Comissão falam em reunir-se na “sede do Sindicato Livre”.
Comissão de Fábrica da Asama
Quão diferente de tudo isso é o Estatuto da Asama (São Paulo), cuja Comissão pertence a quem nela trabalha. No artigo 3 do capítulo 2o de seus Estatutos, constam como órgãos deliberativos: a Assembleia Geral e a Comissão dos Representantes dos Trabalhadores.
Qual é a função do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, em cujo âmbito territorial se situa a Asama Indústria de Máquinas S/A, nos Estatutos da Comissão? Clara e simplesmente, reza o artigo 4 do capítulo 2o dos Estatutos da Comissão de Fábrica: “O Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Materiais Elétricos de São Paulo será considerado como um órgão consultivo da Comissão”.
Em suma, a Comissão de Fábrica da Asama, desatrelada da diretoria do sindicato oficial, por sua vez órgão do Estado e desatrelada de quaisquer seitas ou partidos políticos, pertence aos trabalhadores que nela trabalham. A cada dois anos serão eleitos membros para a Comissão e segundo o artigo 27 “serão elegíveis todos os empregados maiores de 18 anos da Asama S/A que na época da Assembleia Geral respectiva estejam em trabalho efetivo”.
Não há nessa Comissão, para os trabalhadores que eventualmente sejam diretores do sindicato e operários da Asama, o privilégio de serem membros natos da Comissão com funções de coordenação. Para serem elegíveis nem sindicalizados precisam ser, por isso o parágrafo único do artigo 27 concede trinta dias para providenciar sua sindicalização.
A tomada da Ford, de José Carlos Brito, nas páginas 95-8, da mesma forma que a publicação dos Estatutos de Comissões de Fábricas, nas páginas 30-2, publicado pela 13 de Maio – Núcleo de Educação Popular, trazem ao conhecimento dos trabalhadores da Ford e da classe operária em geral o anexo 2o, Processo interno de reclamações, que disciplina o Processo Interno de Reclamações mencionado na cláusula 13 do Estatuto da Comissão da Ford.
Para domesticar o trabalhador, retirando-lhe a autonomia na luta e legitimando as chefias, foi instituído o Processo Interno de Reclamações, que permite a penetração da Seção de Recursos Humanos ou Industriais da empresa no seio da Comissão dos Trabalhadores.
Sabe-se que quanto mais regulamentado é um direito, mais perde quem deveria gozá-lo. O Processo Interno citado burocratiza as reclamações, dividindo-as em quatro estágios, que ocupam 35 dias até que elas sejam julgadas. Isso significa que a reclamação é praticamente “engavetada”. Mesmo na falta de um artigo que a defina, a Assembleia dos Operários da Fábrica, ainda que atrelada à diretoria do sindicato, é uma arma, um fator de mobilização, um espaço ocupado pelo trabalhador na fábrica.
O reconhecimento dos aspectos positivos da existência da Comissão da Ford como ela existe atualmente não deve levar-nos a perder de vista a existência de outras comissões – como a da Asama – que representam, a nosso ver, o máximo de consciência possível do trabalhador brasileiro na luta por sua auto-organização com base no local de trabalho.
Colocamos as Comissões de Fábrica e Interfábricas como órgãos básicos e fundamentais do trabalhador, pois, por meio delas, ele controla e dirige sua própria luta. É por meio de Comissões de Fábrica, cujo exemplar típico temos atualmente na Asama, que o trabalhador “se apresenta com poderes para eleger e revogar o mandato de seus membros em Assembleia-Geral, convocada para esse fim” (Estatutos de Comissões de Fábricas, 1982, s. p.). E “nada impede que ocorra a fusão da luta entre várias empresas por meio da coordenação dos conselhos de fábrica por órgãos centrais constituídos por delegados eleitos e permanentemente revocáveis” (Bernardo, 1975, p. 75).
Representam tais conselhos formas embrionárias de um novo modo de produção que não o dominante hoje. Embora lutem por reivindicações específicas, o mais importante não é sua vitória em curto prazo, mas sim que, por meio da luta, desenvolvam a associação, na forma de Comissão de Fábrica, que não só unifica a mão de obra, suprimindo a concorrência que o capital estabelece entre ela, como se constitui em uma organização horizontal, não hierárquica, na qual não há dirigentes e dirigidos. No caso em tela, ser líder é um resultado da participação na luta dos companheiros de trabalho, da ênfase na solidariedade oposta à competição; todos são iguais, ninguém é mais igual que os outros.
A autonomia das Comissões
Já Gramsci (1978, s. p.) acentuou a importância das Comissões fundadas na produção industrial, em um fato permanente e não apenas na luta pelo salário. Pannekoek coloca-as como a fonte da democracia operária, prática da autonomia e representação direta. É o solo em que se desenvolve a educação social e política do trabalhador; onde ele aprende que, para ele, a liberdade individual é uma mentira, pois tem que participar da luta coletiva para obter melhor retribuição de seu trabalho.
As Comissões de Fábrica degeneram quando transformadas em correias de transmissão de diretorias sindicais “pelegas” ou “autênticas”, ou de seitas e partidos políticos. Enquanto na Comissão ecoa a voz do peão da linha de produção, na estrutura sindical vigente e nos partidos políticos o peão é reduzido a uma massa submissa e disciplinada, que é convocada para ouvir a voz dos que pretendem falar por ele.
Em que situação está o sindicalismo aqui para se arvorar em representante dos trabalhadores? Para criticar os órgãos que eles criam na forma de “grupo” ou “Comissão de Fábrica” no processo de suas lutas como “paralelismo”? Atrás de toda acusação de “paralelismo” há um burocrata sindical que defende a unicidade sindical, o imposto sindical e a taxa assistencial, que lhe permitem praticar o máximo de assistencialismo e o mínimo de reivindicações pelas quais lutar – o que caracteriza o sindicalismo burocrático criado desde 1931.
Pela prática, por meio da participação na Comissão de Fábrica, aprende o operário que na fábrica existe uma divisão do trabalho a que ele deve obedecer, fora da fábrica aprende que política é para ser praticada nos partidos, reivindicações econômicas nos sindicatos, o saber nas escolas, e a TV e o rádio definem o que tem e o que não tem valor cultural. Sua própria vida é dividida em fragmentos estanques. É a prática de sua luta nas Comissões que lhe dá elementos para posicionar-se no plano político, econômico e cultural. Ele aprende na “escola de luta”.
Ela lhe ensina que ao lutar por salário (economia) enfrenta a hierarquia fabril (o poder), auto-organiza-se e desenvolve sua consciência político-social e cultural. São partes de um todo.
O trabalhador tem de lutar contra o processo de “infantilização social” a que está submetido, que impede sua capacidade criadora e é responsável pela ideologia da nulidade operária, que permite a muitos exploradores de seu trabalho se apresentarem como seus defensores. São os autointitulados “dirigentes” políticos, sindicais e da política cultural que pretendem representá-lo.
Por meio da estrutura familiar tradicional, da escola, da tão alardeada “(de)formação sindical”, dos partidos políticos – especialmente os que trazem o nome “operário” -, ele é educado para obedecer.
São escolas de submissão como é o presídio, o convento, o manicômio, a fábrica em que trabalha.
O desenvolvimento real do trabalhador só ocorre quando, em uma “comunidade de luta”, que é uma Comissão de Fábrica ou Interfábrica, ele dirige o processo de sua luta, bem como sua finalidade.
A tomada da Ford, de José Carlos Brito, é da maior significação para o trabalhador. Dele tiramos uma lição clara como a água: trabalhador, se ninguém trabalha por você, que ninguém decida por você.
Quanto aos sindicatos, vejamos: M. Grondin (s. d., s. p.) realizou mil entrevistas abrangendo trabalhadores da metalurgia, da construção civil, das indústrias têxteis, do transporte coletivo, dos bancos, do comércio e da indústria química. Entre outras conclusões, verificou que o próprio nome do sindicato é ignorado por 50% dos trabalhadores; a localização de sua sede é desconhecida por 65%; 88% dos bancários, 90% dos metalúrgicos e 98% das demais categorias desconhecem o nome da federação à qual o sindicato está ligado. O nome do presidente do sindicato é desconhecido por 80,3% a 96,7% dos trabalhadores de diversas categorias, inclusive bancários. Entre 87% e 100% desconhecem os membros das diretorias. Desconhecem a ocorrência de assembleias regulares durante o ano, 75% do total. Apenas 46% dos sócios votaram na última eleição sindical, ou seja, 14,4% dos trabalhadores. Todos manifestam desejos de melhor informação a respeito de tudo que se refira a sindicato.
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Desconhecimento do nome do sindicato, de sua localização, do nome do presidente, sem falar dos diretores, fraca participação nas eleições sindicais e assembleias, desconhecimento do que é feito com os recursos financeiros de que dispõe o sindicato, desinformação quanto ao sindicato, tudo isso mostra que a estrutura sindical vigente se mantém apesar dos trabalhadores. Na realidade, é uma estrutura destinada a discipliná-los, assisti-los por mediação do médico, dentista ou advogado. No entanto, com o poder de assinar contratos coletivos de trabalho em nome dos trabalhadores, sem sua participação no processo.
Dentro do quadro descrito, que caracteriza o sindicalismo brasileiro, é notória a incoerência entre as inúmeras diretorias sindicais, que lutam para que as categorias em nome das quais foram eleitas tenham registro em carteira, enquanto se negam a fazê-lo com professores assalariados do sindicato, que lá ministram cursos aos associados. A aplicação dos “bons princípios”, “das boas intenções” do “discurso crítico” deve começar em casa, isto é, a partir da relação que a diretoria do sindicato mantém com seus funcionários.
Acentuamos o fato de que o trabalhador, no processo de sua luta, cria organizações horizontais (comissões, conselhos, delegados de seções), mediante as quais controla seu processo e sua finalidade. Ocorre que, por influência do sindicalismo burocrático e dos partidos políticos que pretendem “representá-lo”, dá-se um processo de verticalização das organizações. Surgem os “dirigentes”, definem-se os “dirigidos”.
As relações de dominação no interior da fábrica passam para o espaço sindical, seus “dirigentes” se preocupam mais em desmobilizar a categoria que o contrário. Se, de um lado, a sucessão de Enclats, Conclats, Cuts coloca em contato as categorias de trabalhadores que na estrutura sindical vigente estão isoladas, de outro, pouco dizem àqueles da linha de produção. Esse afastamento aparece quando se marca uma greve nacional em um dia 25, a data em que o trabalhador recebe seu vale.
A tomada da Ford, de José Carlos Brito, é uma obra altamente educativa e pioneira; é a primeira história da formação de uma Comissão de Fábrica organizada por trabalhadores da indústria.
A pretexto de “falta de formação” e de “falta de consciência política” no sentido mais amplo do termo, muitas organizações, autointituladas “vanguarda”, pretendem substituir o trabalhador quanto às suas formas de organização, à maneira de dirigir a luta e os objetivos que o trabalhador, como classe, pretende atingir.
Na realidade, não há nenhuma relação direta entre “capital cultural”, maior ou menor escolaridade e nível de consciência social ou política. Houve muitos doutores das universidades que produziram Atos Institucionais, autores de leis de exceção.
Muitos ex-trabalhadores, esquecendo sua origem social, passam a viver de “organizações de apoio ao trabalhador”, sem eles próprios trabalharem em sua profissão, em seu local de trabalho, entendido como o local de luta.
É necessário desmistificar a “incultura” livresca do trabalhador, tida por muitos como pretexto para tutelá-lo, “dirigi-lo”, “falar em seu nome”. Tem razão João Bernardo quando escreve, no jornal Combate[1]: “o proletariado enquanto classe nunca é inculto, pois pela sua situação social edifica as bases institucionais de um futuro possível”.
[1] O jornal Combate foi publicado em Portugal entre 1975 e 1978. A iniciativa da criação do jornal deveu-se a Rita Delgado, João Crisóstomo e João Bernardo, que eram membros de uma organização clandestina marxista-leninista. (N. E.).
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