Original in English: Pannekoek and Gorter’s Marxism
Introdução a Marxismo de Pannekoek e Gorter[1]
Durante o quarto de século que antecedeu a 1ª Guerra Mundial, a Alemanha era considerada amplamente como a terra natal do movimento socialista e o Partido Social-Democrata da Alemanha, o SPD [Sozialdemokratische Partei Deutschlands], a “joia da 2ª Internacional”. Ele havia despontado triunfalmente do período de ilegalidade sob Bismarck e a força e a autoridade de sua organização estavam crescendo constantemente. O programa de Erfurt de 1891 consagrou sua concepção de si mesmo como o portador material e ideológico de um futuro socialista, prevendo o desenvolvimento do poder econômico e político do proletariado organizado ao ponto em que ele conquistaria o poder estatal e poria uma transformação revolucionária da sociedade em prática.
De fato, no entanto, a própria expansão do movimento social-democrata e em particular o rápido crescimento dos “Free Trade Unions” [Sindicatos Livres] socialistas da metade dos anos 1890 em diante levou a uma dissociação das campanhas do dia a dia do objetivo máximo. Esta tendência foi endossada por Eduard Bernstein, que via o desenvolvimento de trustes inaugurando uma era de capitalismo planejado e relações de classe harmoniosas em que o socialismo seria realizado como um processo gradual de reforma social. Esta filosofia “revisionista” foi contestada ferozmente pelos teóricos ortodoxos do SPD, notavelmente Karl Kautsky, o fundador e editor da Die Neue Zeit [O Novo Tempo]; mas os revisionistas conseguiram conviver com a censura de seus camaradas, particularmente já que as táticas do partido na prática vieram a convergir cada vez mais intimamente com suas perspectivas políticas.
Em reação ao revisionismo, se desenvolveu ali uma corrente fundamentalista de “Esquerda Radical” que defendia que, longe de diminuir, os antagonismos de classe eram ainda mais reais em um período dominado pela intensificação da rivalidade econômica e política entre os poderes coloniais: deve se fazer a classe trabalhadora entender que somente seus próprios esforços podem abolir o capitalismo e sua lógica de preços crescentes, militarismo e guerra e que o partido deve apoiar uma luta de massas implacável rumo à realização de uma nova ordem socialista. No entanto, a executiva do SPD estava muito presa às formas e aos horizontes tradicionais da luta parlamentar e sindical para oferecer mais do que um endosso simbólico a tais considerações; e ainda que professasse princípios socialistas, suprimia campanhas radicais em defesa dos interesses da respeitabilidade do partido entre o eleitorado.
Os piores medos dos Radicais de Esquerda foram confirmados com a deflagração da guerra. A Internacional Socialista e o SPD não só foram incapazes de se opor ao conflito interimperialista com solidariedade proletária internacional, como os órgãos do movimento operário realmente assumiram um papel vital na administração do esforço de guerra. O SPD e os Free Trade Unions [Sindicatos Livres] celebraram a trégua social proposta pelo Chanceler Imperial: o partido utilizou sua autoridade para suprimir a oposição política à guerra, ao passo que os sindicatos abandonaram seus esforços de conquistar melhorias nas condições de trabalho e assumiram o papel de suavizar as relações de trabalho. Estas se tornaram funções chave à medida que as condições domésticas pioraram e o descontentamento com a política expansionista de guerra do Estado imperial escalou; e quando o antigo regime colapsou em 1918, as organizações social-democratas e o exército foram deixados como os únicos defensores da ordem social existente diante de um movimento de conselhos proletário revolucionário. Em seu novo papel como o partido do governo, o SPD canalizou esta revolta em uma modernização limitada das formas políticas e econômicas do capitalismo, ao passo que os sindicatos cooptaram a militância da classe trabalhadora na consecução de ganhos econômicos de curto prazo e na consolidação de seu próprio status administrativo. Este processo de recuperação só foi possível com a assistência de elementos reacionários nas forças armadas.
A corrente de Esquerda Radical é pouco conhecida hoje exceto através dos primeiros trabalhos de Rosa Luxemburgo e ela estava longe de ser sua representante mais consistente: seu compromisso de trabalhar através das organizações operárias existentes a deixou condenada a um papel oposicionista e que olhava para o passado, se comprometendo com tendências centristas instáveis. No congresso dos socialistas internacionalistas do período de guerra em Zimmerwald, os Radicais de Esquerda alemães se juntaram a Lenin na denúncia de seu fracasso em se dissociar da “Arbeitsgemeinschaft” [Comunidade do Trabalho] de Kautsky, um grupo de oposição dentro do SPD que via o apoio deste último ao esforço de guerra como um mero erro político. No auge da Revolução Alemã, a Liga Espartaquista realmente rompeu com a centro-esquerda para se aliar aos Radicais de Esquerda no Partido Comunista da Alemanha, o KPD(S) [Kommunistische Partei Deutschlands]; porém, como o movimento revolucionário estagnou, os líderes espartaquistas – agora apoiados por Lenin e pela Internacional Comunista – se reuniram mais uma vez com os centristas Independentes. Os Radicais de Esquerda, que defendiam que a clareza política era mais importante que a força numérica para que o proletariado realizasse uma revolução bem-sucedida sob as condições existentes na Europa Ocidental, se reagruparam no KAPD [Kommunistische Arbeiterspartei Deutschlands], o Partido Comunista Operário da Alemanha; o resultado foi um rompimento aberto com Moscou após a proclamação das “21 condições” no Segundo Congresso da Internacional Comunista. Anton Pannekoek, um dos teóricos mais proeminentes da esquerda radical, denunciou as táticas da 3ª Internacional como sendo dirigidas à preservação da República Soviética em um momento no qual o comunismo somente poderia ser realizado internacionalmente através da derrubada total do capitalismo em todas as suas formas.
Até o final dos anos 1960, a tradição bolchevique dominou tanto o marxismo que a versão de Moscou da crise da social-democracia seguiu sem qualquer questionamento entre os socialistas revolucionários. Pannekoek era lembrado em grande medida por uma menção aprovadora em O Estado e a Revolução e pela censura que foi feita a ele em Esquerdismo: Doença Infantil do Comunismo, ao passo que a reputação de seu amigo íntimo e colega militante Herman Gorter devia mais à sua poesia lírica do que à sua obra política. Porém, os movimentos estudantis de massa na França e na Alemanha reviveram o fracasso das organizações operárias existentes em realizar a transformação da sociedade capitalista e esta experiência levou à redescoberta do Radicalismo de Esquerda alemão[2]. Esta breve coletânea dos textos de Pannekoek e Gorter é publicada em inglês pela primeira vez e as traduções se baseiam na reimpressão em H. M. Bock, Organisation und Taktik der proletarischen Revolution [Organização e tática da revolução proletária][3]. Ela propõe esboçar o escopo de um marxismo revolucionário que ressoa com implicações para os socialistas dos dias de hoje. A introdução que vem a seguir estabelece a rota de seu desenvolvimento político dentro de seu contexto histórico: deve se deixar para o leitor averiguar as muitas questões que só podem ser indicadas de passagem.
Anton Pannekoek nasceu em 1873 na Holanda rural. Ele já havia feito notáveis conquistas como astrônomo quando, na virada do século, entrou no partido social-democrata holandês, o Sociaal-Democratische Arbeiderspartij [Partido Operário Social-Democrata] (SDAP) e ele descreveu mais tarde suas atividades socialistas como uma extensão lógica das suas preocupações científicas. Herman Gorter, por volta de 10 anos mais velho que ele, era nessa época coeditor da De Nieuwe Tijd [O Novo Tempo], a revista teórica do SDAP, junto de Henriette Roland-Holst. Ainda que muito distintos em termos de temperamento e modos – Pannekoek reservado e analítico, Gorter, passional e assertivo – eles viriam a manter uma íntima colaboração no interior do movimento socialista internacional ao longo das duas décadas seguintes.
Ao passo que na Alemanha o fracasso da revolução burguesa em 1848 tivesse deixado para o senhorio prussiano superintender a unificação nacional e para o movimento socialista lutar pela democracia, a Holanda tinha uma burguesia politicamente emancipada. Aqui, como na França, o movimento operário havia tomado um caminho anarquista, com o seu mentor, o ex-pastor Domela Nieuwenhuis, abandonando seu assento no parlamento para proclamar uma visão sindicalista da sociedade sem classes sendo introduzida por uma enorme greve geral. Em 1894, os socialistas deixaram a Sociaal-Democratisch Bond [Liga Social-Democrata] de Nieuwenhuis para formar o SDAP com base no modelo do Partido Social-Democrata da Alemanha. Do mesmo modo que a indústria holandesa se desenvolvia agora na esteira do enorme recrudescimento econômico na Alemanha, o SDAP espelhava o desenvolvimento do SPD alemão; porém, no partido holandês numericamente pequeno a ala revisionista era forte e os conflitos internos eram intensos. Pannekoek e Gorter logo se envolveram na luta contra o revisionismo tanto no movimento socialista holandês como no alemão, se associando intimamente com Kautsky e Luxemburgo. A ênfase desta última na importância política da iniciativa da classe trabalhadora foi reiterada na crítica de Gorter da liderança do partido holandês por recusar um apoio efetivo à greve dos estivadores e ferroviários de 1903: isso era “desprezar a energia revolucionária” das massas. A tensão cresceu dentro do SDAP quando, em 1905, a liderança desafiou uma resolução do congresso e apoiou o governo liberal, rejeitando as objeções da esquerda como dogmatismo, cega para as vantagens que poderiam ser obtidas explorando as diferenças de interesse dentro do campo burguês. Em 1907, a esquerda fundou uma revista própria, a De Tribune [A Tribuna], e quando lhe foi apresentado um ultimato para fechá-la pelo bem da unidade do partido dois anos depois, os “tribunistas” deixaram o SDAP para formar uma organização independente, o Sociaal-Democratische Partij [Partido Social-Democrata] (SDP)[4]. Este grupo continuou pequeno até mesmo em relação ao SDAP; ele viria a formar a base do Partido Comunista Holandês após a guerra.
Pannekoek havia abandonado seu trabalho com astronomia na Universidade de Leiden em 1906 ao ser convidado a ensinar no colégio do partido do SPD em Berlim. No entanto, como o austríaco Rudolf Hilferding, ele foi forçado a se demitir deste cargo sob a ameaça de deportação; os Free Trade Unions estavam boicotando, de qualquer maneira, o colégio como um viveiro do radicalismo. Uma luta pelo controle do movimento operário estava, então, ocorrendo entre partido e sindicatos quanto à questão da greve de massas. O congresso do partido de 1905 afirmou que como representante político da classe trabalhadora, convocar uma greve política era a prerrogativa do partido, ainda que só devesse fazê-lo em defesa de seus direitos parlamentares; no congresso seguinte, no entanto, os sindicatos haviam levado a melhor sobre a executiva do partido para reconhecer a teoria dos “pilares gêmeos”, estabelecendo uma divisão do trabalho entre partido e sindicatos. Este arranjo efetivamente deu poderes de veto aos sindicatos, reforçados por sua opção de retirar apoio eleitoral do partido, o qual já havia sido ultrapassado consideravelmente no número de filiações pelos sindicatos. As hierarquias dos sindicatos eram receptivas ao revisionismo e eram capazes de usar sua influência sobre a executiva do partido para substituir declarações de princípio por campanhas ativas mesmo em questões sobre as quais a esquerda desfrutava de apoio da maioria dentro do SPD[5].
Durante os anos seguintes, Pannekoek ganhou uma vasta reputação como jornalista e palestrante itinerante. Ele foi coautor de uma obra contra o revisionismo com Gorter[6], ao passo que sua esposa traduziu para o alemão o popular relato do materialismo histórico deste último. Neste último, para o qual Kautsky escreveu um prefácio, Gorter partiu da questão “Como é que os homens passam a pensar isto ou aquilo em um momento específico?”. Com uma ênfase característica da Esquerda Radical, ele salientou que o processo por meio do qual condições históricas concretas determinam o ser social dos homens não é morto e mecânico: “Nós não fazemos a história como queremos – Mas […] nós realmente a fazemos[7]”. Uma nova sociedade, continuou Gorter, só poderia ser criada por um novo homem, autoconsciente e autorresponsável. Esta concepção de autoemancipação proletária permaneceria central para a política do Radicalismo de Esquerda.
Em 1909, Pannekoek se fixou em Bremen, onde havia um conflito político particularmente intenso dentro do aparato do SPD local. O último havia sido erigido por Friedrich Ebert, “mutatis mutandis, o Stalin da Social-Democracia[8]”, antes de sua promoção ao cargo de Secretário Nacional em Berlim. Nessa função, ele colocaria a decrépita organização partidária herdada do período de ilegalidade em uma posição similar à de um negócio. Suas capacidades de organização e postura política neutra no interior do partido o qualificaram para assumir sua liderança do envelhecido August Bebel, em efeito a partir de 1912.
Bremen era um centro de militância da classe trabalhadora não só por causa de seus estivadores e trabalhadores de estaleiros, mas também por causa da indústria de engenharia que se desenvolvia ali; os trabalhadores qualificados desta última viriam a desempenhar um papel proeminente na revolução alemã[9]. O ano de 1909 também foi cenário de uma campanha ativa por parte de professores pela abolição da educação confessional. Como Gorter na Holanda, Pannekoek já tinha se envolvido no debate sobre a religião no movimento social-democrata[10]; agora ele começou a contribuir regularmente com a Bremer Bürgerzeitung [Gazeta Cidadã de Bremen] sobre esta e outras questões atuais da perspectiva de que “as condições de transformação revolucionária devem ser encontradas em forma embrionária na luta cotidiana[11]”.
No mesmo ano, a principal obra de Pannekoek no período, Die taktischen Differenzen in der Arbeiterbewegung [As diferenças táticas no movimento operário], foi publicada. Como em todos seus escritos, sua preocupação é tanto científica quanto prática. Ele não denuncia os erros ou desvios de indivíduos, mas analisa as forças que operam no interior do movimento socialista em termos do desenvolvimento histórico concreto da sociedade humana. Ele esboça o surgimento do proletariado organizado como uma força revolucionária no capitalismo e discute as formas assumidas pela luta operária e a importância dos vários estratos envolvidos. Pannekoek passa, então, a ancorar prioridades táticas nesta análise. Ainda que tanto este método como os pontos de ênfase pertençam à corrente dominante do marxismo, vale a pena esboçar o argumento de Pannekoek em seus pormenores a fim de ilustrar seu caráter integrado como uma plataforma socialista de princípios. A manutenção desta integridade logo seria impossível no âmbito da política social-democrata.
O texto começa com a afirmação de que “as táticas da luta de classes proletária são uma aplicação da ciência e da teoria que nos possibilita apreender as origens e tendências do desenvolvimento social”. A característica essencial do capitalismo é o ímpeto à mudança gerado pela competição. A inovação tecnológica favorece o crescimento de empresas gigantes e a administração da indústria passa das mãos dos antigos empreendedores capitalistas para aquelas de uma nova classe média. Ainda que a dominação da economia por grandes combinados mitigue em certa medida a anarquia do livre mercado, o fato de que uma pequena classe parasitária de magnatas é a beneficiária entra em um conflito agudo com a crescente socialização do processo de produção. Porém, ainda que o capitalismo produza as condições de sua própria superação, ele só pode ser abolido pelo trabalho de homens reagindo a restrições intoleráveis, pois “todas as relações de produção são relações humanas”: não é uma questão de indivíduos desinteressados transformando a sociedade como agentes lúcidos com base em uma reflexão desprendida.
Todos os homens são guiados por seus próprios interesses e os interesses daqueles que pertencem à mesma classe coincidem. Por meio de ações coletivas dirigidas à melhoria de suas condições de trabalho, os proletários vêm a se engajar na luta de classes organizada; e quando se percebe que o Estado não é uma autoridade acima da sociedade, mas o agente da classe exploradora, a conquista da hegemonia política se torna o objetivo da classe trabalhadora. O socialismo é o objetivo final e o propósito da luta do dia a dia por ganhos que só têm importância no interior da sociedade capitalista é desenvolver a força mental[12] e material do proletariado. Os recursos do proletariado são seus números e envolvimento intrínseco na produção, sua consciência dos interesses de classe compartilhados e sua compreensão de como a sociedade funciona, sua organização e sua disciplina. Ações podem ser tomadas para desenvolver estas últimas e as valiosas reformas não são aquelas que são concedidas pela burguesia para enfraquecer a solidariedade da classe trabalhadora, mas aquelas que ela obtém por seus próprios esforços.
No marxismo o proletariado possui uma “autoconsciência” única “da sociedade”, mas a teoria só pode ser apropriada por meio da experiência prática e a teoria marxista faz cada vez mais sentido para os trabalhadores à medida que eles perdem antigos preconceitos e ilusões no decorrer da luta. Os conflitos que ocorreram de maneira persistente no interior do movimento operário não são meras “doenças infantis*”, mas o caminho natural do movimento; “entre as causas mais imediatas das diferenças táticas estão o ritmo de desenvolvimento desigual nas várias regiões, o caráter dialético do desenvolvimento social e a existência de outras classes além dos capitalistas e dos trabalhadores assalariados”.
O marxismo, assim como a teoria do proletariado revolucionário, significa uma mudança completa na maneira em que alguém pensa – “é por isso que ele é bem recebido por aqueles cujo pensamento tem motivos para mudar diante das consideráveis transformações das quais eles são tanto testemunhas como vítimas”. São os trabalhadores das conturbações industriais que estão na ascendente e seria absurdo que um partido socialista fizesse concessões a perspectivas ultrapassadas a fim de obter apoio entre as classes em declínio. O socialismo representa uma síntese de reforma e revolução, momentos que são buscados separadamente pelo revisionismo e pelo anarquismo, as duas faces da pequena-burguesia à medida que ela luta para acompanhar o passo do desenvolvimento capitalista: “Em um momento, fica bêbada com slogans revolucionários e busca tomar o poder por meio de putsches, no próximo, rasteja ignominiosamente aos pés da grande burguesia, buscando enganar ou implorar reformas dela”.
Pannekoek discute agora as formas que a luta de classes dos trabalhadores assume. Ainda que o sistema parlamentar seja de fato “a forma normal da hegemonia política da burguesia”, ele “transformou o proletariado […] em uma classe organizada e consciente capaz de se engajar na luta. Seu valor está nisto e não na ilusão de que o sistema eleitoral pode guiar nosso navio por um caminho pacífico para o santuário do Estado do futuro, sem tempestades”. Esta concepção é uma concepção revisionista e substitui a ingenuidade dos líderes pela ação consciente das massas. A política de coalizão ignora o objetivo de esclarecer e unir a classe trabalhadora que distingue o partido socialista dos outros; na França e na Itália, conduziu os trabalhadores aos anarcossindicalistas. Estes últimos, como os revisionistas, enxergam o Estado como algo etéreo, separado da sociedade; porém, ainda que a burocracia estatal realmente defenda seus próprios interesses, sua função primária é de fato servir aos interesses da classe dominante.
Os sindicatos são a forma natural da organização da classe trabalhadora, mas eles “não se colocam de modo algum como adversários do capitalismo […]. Eles não contestam o fato de que a força de trabalho é uma mercadoria, mas, pelo contrário, buscam obter o preço mais alto possível por ela […]. Os sindicatos só combatem a avareza do capitalista individual, e não a classe como um todo, não o sistema como um todo[13]”. Eles executam uma função vital no capitalismo durante suas fases de expansão: “Apenas eles são capazes de, através da luta constante, contrabalançar a tendência do desenvolvimento capitalista de reduzir a classe trabalhadora ao total empobrecimento e, desta forma, evitar que a produção sofra”. Porém, devido ao fato de o capitalismo não se desenvolver harmoniosamente, os sindicatos precisam do complemento de um partido político, nem que seja para defender a liberdade de combinação; quando os sindicatos tentam assumir a função do partido de educação revolucionária, como na França, eles fazem um péssimo trabalho ao mesmo tempo em que prejudicam a organização das grandes massas, a qual é certamente sua tarefa. Embora os termos da luta sindical sejam propícios ao revisionismo e a consolidação dos sindicatos diante da trustificação capitalista tenha resultado no crescimento de uma hierarquia burocrática dentro da classe trabalhadora, “o capitalismo não é simplesmente o que existe neste momento, ele está constantemente invertendo o todo da realidade como ela existe. É da natureza da realidade predominante do capitalismo transformar lutas sindicais em uma guerra limitada delicadamente calculada […], mas isso não implica que esta situação é eterna e imutável”. Pois, em resposta à crescente repressão do Estado, “a luta política e a ação sindical tendem cada vez mais a se fundir em uma luta unificada da classe trabalhadora contra a classe dominante”.
A luta de classes entre capital e proletariado é tornada mais complexa pelo envolvimento de classes em declínio e tais estratos que emergiram recentemente como “os oficiais e oficiais não comissionados (NCOs) do exército industrial”. A intelligentsia ocupa um papel intermediário: ela não possui seus próprios meios de produção, mas as condições de seu trabalho e formação lhe dão a ilusão de que “a mente governa o mundo”. Suas ordens inferiores se fundem com o estrato relativamente privilegiado de artesãos qualificados.
Ainda que o proletariado possa formar alianças temporárias com outras classes em tempos de severa repressão, isto só lhe permitirá tomar o poder se a classe dominante tiver perdido toda a autoridade; e “é, não obstante, possível que um período de reação temporária possa começar na sequência se os conflitos de interesse entre o proletariado e seus aliados vierem à tona após a vitória comum”. O socialismo, como um sistema ideológico, “pode […] abranger conteúdos e significados muito diversos de acordo com a classe que avança [seus ideais] como objetivos políticos”. Os conflitos entre os vários interesses representados no partido tomam a forma de discordâncias no que diz respeito às táticas a serem seguidas.
Mesmo no proletariado industrial há diferenças de interesses consideráveis no curto prazo: aqueles sindicalistas ingleses e americanos que desfrutam de uma situação relativamente confortável, por exemplo, “não querem ouvir falar de luta de classes ou de revolução. Seu socialismo é ‘evolucionista’, a teoria do avanço gradual dos trabalhadores e da nacionalização dos principais ramos de produção por um Estado que obedece aos ditames da ética e da filantropia”. Esta tendência é representada no interior do movimento social-democrata alemão pelos revisionistas. Os interesses das grandes massas proletárias devem ter precedência, no entanto, pois aqueles que pertencem a outros estratos estão em conflito com o rumo real do desenvolvimento histórico: “um partido que se permitiu ser guiado por eles se encontraria levado irresistivelmente ao impasse de uma política reacionária, capitalista sob sua máscara socialista”. Mas diferente das outras classes, a classe trabalhadora tem a ciência social marxiana à sua disposição e isto permite que o trabalhador “fuja da influência dos interesses de curto prazo e limitados em nome do interesse de classe geral do proletariado”. A implantação da teoria socialista desempenhará um papel vital na direção o movimento e em “transformá-lo de instinto inconsciente na ação consciente dos homens”.
A concepção de história e de sua construção profundamente arraigadas de Pannekoek vem à tona em um contexto mais amplo em seu ensaio Marxism and Darwinism [Marxismo e Darwinismo], também publicado em 1909. Nele, ele se opõe às objeções éticas das teorias de Darwin levantadas naquele momento no movimento socialista ao salientar que ambas se baseiam em uma concepção do desenvolvimento através do conflito. Seguindo Engels, Pannekoek argumenta que “a prática da vida, do trabalho, é a fonte da tecnologia e do pensamento, das ferramentas e da ciência. É através do trabalho que o homem-macaco ascendeu à condição de homem[14]”. Ele passa então a traçar como as condições sociais do trabalho evoluem a partir de uma luta primitiva com a natureza através do meio das ferramentas até uma luta do movimento da classe trabalhadora pela apropriação da tecnologia em nome da humanidade como um todo, uma luta que acabará com o desaparecimento das classes e a formação de uma comunidade universal de produtores.
A preocupação de Pannekoek em enfatizar o papel histórico atribuído ao sujeito humano pelo socialismo levou a um interesse, compartilhado com Gorter e Roland-Holst, na obra de Joseph Dietzgen e na teoria da mente deste último. Em um ensaio publicado na Die Neue Zeit, ele descreveu assim a importância de The Nature of Human Brain-Work [A Natureza do Raciocínio Humano] de Dietzgen: “Marx demonstrou como o mundo, a sociedade e a economia funcionam, afetando o cérebro humano e o equipando com conteúdos particulares. Dietzgen demonstrou como a mente em si funciona, conferindo uma forma mental particular a estes conteúdos[15]”. A ênfase dos Radicais de Esquerda sobre a necessidade de o proletariado pensar e agir autonomamente também foi antecipada nos escritos de Dietzgen: “Para um trabalhador que almeja participar na autoemancipação de sua classe”, escrevera, “a necessidade primária é deixar de permitir a si mesmo ser ensinado por outros e, em vez disso, ensinar a si próprio[16]”.
Em contrapartida, no entanto, o Road to Power [Caminho Até o Poder] de 1910, de Kautsky, sublinhou a primazia da disciplina do partido: a classe trabalhadora deve permanecer firme, mas passiva enquanto o capitalismo colapsava a seu redor e só então ela se tornaria completamente efetiva. As implicações práticas desta posição teórica emergiram no decorrer da campanha por sufrágio igual na Rússia.
O sistema eleitoral da Prússia reteve tanto uma qualificação de propriedade de três níveis e eleições indiretas por meio de colégios de votação e isto operou muito em desvantagem para o Partido Social-Democrata. Em 1910, houve uma campanha enorme por sua reforma, apoiada dentro da Prússia por ambas as alas do partido e por manifestações por todo o Reich. Em uma célebre ocasião, uma proibição da polícia de uma manifestação de massas em Berlim foi frustrada quando o local foi alterado no último minuto: algumas centenas de milhares de socialistas participaram de uma “caminhada sufragista” no Tiergarten enquanto a polícia fechava o Treptower Park*, uma façanha de organização que levou a expressões de ansiedade pela segurança do Estado na imprensa burguesa. No entanto, a executiva do SPD estava com medo de que a campanha saísse do controle. Greves simbólicas já haviam ocorrido acerca da questão do sufrágio e a executiva agora tomava medidas para suprimir a discussão sobre se táticas de greves de massa deviam ser implantadas. A Die Neue Zeit de Kautsky seguiu o exemplo do órgão do partido Vorwärts [Adiante] se recusando a imprimir o artigo “The next step[17]” [O próximo passo] de Rosa Luxemburgo. No próximo ano, Kautsky continuou na ofensiva em seu ensaio “Ação pelas massas[18]” e isso levou a uma enorme polêmica com Pannekoek.
Kautsky estava preocupado em reafirmar a validade das táticas “testadas e confiáveis” de luta parlamentar e sindical do movimento socialista e rejeitava a concepção de que a ação das massas que estivesse fora deste parâmetro poderia formar parte da estratégia do SPD. Os elementos proletários organizados, defendeu, estariam em uma minoria de movimentos espontâneos e estes por sua própria natureza imprevisíveis. O máximo que o partido poderia fazer era se manter preparado para qualquer eventualidade.
Pannekoek contra-atacou com “Massenkation und revolution”[19] [Ação de massas e revolução], argumentando que o surgimento espontâneo da ação pelas massas como uma forma de luta da classe trabalhadora desde 1905 era uma função tanto do desenvolvimento do proletariado quanto do crescimento do imperialismo. Era uma forma de ação política extraparlamentar poderosa específica à classe trabalhadora e não era de modo algum redutível a multidões tomando as ruas; sob o disfarce da greve de massas, ela teve exatamente o efeito oposto. Ele denunciou a passividade das concepções de Kautsky: “A revolução social é o processo através do qual todos os instrumentos de poder da classe dominante, em particular o Estado, são progressivamente neutralizados, o processo através do qual o poder do proletariado se desenvolve até sua completude mais absoluta”. O Estado não poderia evitar a realização do socialismo reprimindo as organizações da classe trabalhadora, pois esta estava evoluindo em um sentido de organização que ia além das formas concretas particulares: e não seria possível fugir da disputa entre o poder da burguesia e aquele do proletariado. Por fim, argumentou Pannekoek, apenas a intervenção política da classe trabalhadora em uma grande escala poderia evitar a deflagração da guerra imperialista[20].
Respondendo em “Die neue Taktik[21]” [A nova tática], Kautsky acusou Pannekoek de reduzir as organizações do proletariado a um espírito amorfo e rejeitou completamente a tese de que o Estado burguês deveria ser esmagado. O objetivo da social-democracia era conquistar uma maioria no parlamento e estabelecer a soberania deste último por sobre o governo. Pannekoek examinou estes argumentos na Bremer Bürgerzeitung e na Leipziger Volkszeitung [Gazeta Popular de Leipzig] antes de seu artigo “Marxist theory and revolutionary tactics” [Teoria marxista e tática revolucionária] aparecer na Die Neue Zeit; o texto completo deste artigo é o primeiro capítulo deste livro. O debate foi concluído com o artigo “Der jüngste Radikalismus” [O radicalismo recente], no qual Kautsky acusou Pannekoek de ser anarquista, e o “Zum Schluss” [Em Conclusão], no qual Pannekoek retorquiu que seu adversário estava simplesmente usando a palavra como um termo depreciativo[22].
Os Radicais de Esquerda fizeram campanha ativamente para que o partido se envolvesse em agitações antiguerra generalizadas à medida que as relações internacionais deterioravam. Karl Radek argumentou que o imperialismo fortalecia a executiva do Estado à custa do parlamento e colocava as questões não suscetíveis à ação parlamentar no centro do interesse político; deste modo “esvaziando a ação parlamentar como uma arma da classe trabalhadora[23]”. No entanto, as organizações operárias não estavam preparadas para abandonar seu compromisso ideológico e material com suas formas tradicionais de ação. Já em 1906 o partido havia se recusado a realizar a vigorosa campanha antimilitarista entre a juventude antes de sua conscrição pela qual Karl Liebknecht havia pressionado e no congresso de Stuttgart da Internacional em 1907 Bebel já havia se oposto veementemente contra a proposta francesa de organizar a ação de greve para evitar a guerra; no Reichstag ele e o jovem Gustav Noske haviam rechaçado a “calúnia” de que os membros do Partido Social-Democrata eram “antinacionais” ou “vagabundos sem pátria[24]”. No momento da crise internacional sobre o incidente de Agadir em 1911, a executiva do partido havia recusado a sugestão da Internacional de agitação contra a guerra coordenada com base no fato de que desviaria a atenção das questões domésticas nas futuras eleições; e embora o congresso do SPD do ano seguinte tenha aprovado uma resolução com o sentido de que “não se pode deixar de fazer nada para mitigar os efeitos perigosos [do imperialismo][25]”, o tipo de ação geralmente visionada por esta resolução era o apoio pelos acordos de limitação do armamento e pela remoção das barreiras comerciais.
Em 1913, a delegação do partido no Reichstag votou a favor do enorme orçamento de armas de Ludendorff sob a alegação de que ele seria financiado pelo imposto sobre propriedades; e o fato de que esta foi a única reforma pela qual o SPD podia reivindicar responsabilidade, ainda que seus 4 milhões e 250 mil votos nas eleições do ano anterior o tivessem tornado o maior grupo no Reichstag, contribuiu para uma vasta sensação de estagnação no partido. O número de membros, que já havia alcançado quase 1 milhão em 1912, aumentou apenas em 12 mil no ano seguinte; e 10 mil destes novos recrutas eram das organizações de mulheres do partido, ainda controladas pela esquerda[26]. Embora o ano de 1913 tenha testemunhado recessões generalizadas fora das indústrias de armamentos, ele foi marcado por uma militância industrial considerável, notavelmente em uma greve de estaleiros que os sindicatos se recusaram a oficializar. A alienação da base do sindicato que caracterizaria a segunda parte da guerra já estava começando a se desenvolver: grupos locais estavam rompendo com as confederações centrais no setor têxtil, de tinta e de metal.
Em 1914 o SPD tinha 3.416 funcionários remunerados e o aparato de 2.867 funcionários dos Free Trade Unions oferecia aos 2 milhões e meio de membros uma ampla gama de serviços sociais[27]. Até mesmo observadores burgueses míopes como Max Weber e seu pupilo Robert Michels reconheceram qual era a aposta do movimento social-democrata na ordem predominante e na influência moderadora de suas instituições burocráticas. Os Radicais de Esquerda também salientaram este fator na assimilação das organizações operárias às prioridades do capitalismo. Na primeira edição da revista de Bremen Arbeiterpolitik [Política Operária], que foi criada por Paul Fröhlich e Johannes Knief quando a Bremer Bürgerzeitung ficou sob controle social-patriota e para a qual Pannekoek contribuiu regularmente, o principal artigo defendia que:
[…] preso nas formas do Estado prussiano-alemão com seu crescente militarismo e burocracia cada vez mais extensa, [o SPD] foi forçado a desenvolver estas mesmas formas dentro de si assim que se tornou um partido de massas […]. A organização das massas se tornou sua principal preocupação; e esta preocupação se tornou um fim em si mesmo à medida que a burocracia gerada pelo poderoso aparato organizacional deixou de ser um meio para um fim e se tornou um fim em si mesmo.
A história, concluiu, havia demonstrado que a políticas das autoridades do partido não eram mais viáveis: “Está começando agora a era da política operária[28]”.
A crise de identidade do Partido Social-Democrata havia sido resolvida rapidamente mediante a deflagração da guerra. “O slogan ‘Nem um homem e nem um centavo para este sistema’ foi por fim abandonado pelo slogan que havia competido com ele desde 1907: ‘Na hora do perigo, nós não devemos deixar a Pátria ao léu’[29]”. A posição antiguerra formulada fortemente e que foi adotada pela executiva do partido durante a crise de julho de 1914 desmoronou à medida que o mês se esgotou. Em 2º de agosto, as confederações sindicais detiveram todos os pagamentos de apoio à greve pelo período e foram concluir um acordo com os empregadores ilegalizando greves e locautes e estipulando a renovação automática de contratos salariais. A delegação do SPD no Reichstag votou de maneira unânime em apoio aos créditos de guerra e a executiva do partido usou sua autoridade jurídica e ideológica para arrear o aparato e a imprensa do partido para a causa nacional, abrindo assim uma divisão entre a liderança social-democrata e a base. Este racha ficou particularmente aparente em Hamburgo, onde o órgão do SPD para o norte tradicionalmente militante havia endossado o apelo da liderança nacional por treinamento militar universal entre a juventude. Os Radicais de Esquerda Fritz Wolffheim e Heinrich Laufenberg enxergavam que este racha levaria a “alterações oportunas nas formas de organização do proletariado alemão[30]”.
As diversas tendências de esquerda no interior do movimento social-democrata agora tinham de tomar uma posição no que dizia respeito à nova situação política. A corrente de centro-esquerda liderada por Kautsky adotou um papel de oposição, apoiando uma guerra de defesa nacional, mas estimulando a paz sem anexações. Lenin, que havia se alinhado anteriormente com esta tendência, se recusou por vários dias a acreditar nas reportagens de jornal neste sentido e a reconsideração política que ele realizou posteriormente culminaria em O Estado e a Revolução. Lenin também era um crítico de Luxemburgo em virtude do fracasso desta de romper claramente com as organizações comprometidas pelo patriotismo social; seu [de Luxemburgo] grupo Internationale, o precursor da Liga Espartaquista, se opôs à formação de uma nova Internacional e até mesmo em seu Folheto Junius, publicado em 1916, ela ainda via o programa de Erfurt como tendo sido traído em vez de superado historicamente. A crítica de Lenin foi endossada pelos Radicais de Esquerda alemães, em especial Radek[31]. Gorter analisou as implicações da derrota sofrida pelo movimento operário em seu livro Der Imperialismus, der Weltkrieg und die Sozialdemokratie [O Imperialismo, a Guerra Mundial e a Social-Democracia][32]. Ele rejeitou a noção de que uma nação ou outra era responsável pela guerra, argumentando que o fronte real era entre o proletariado mundial e o capital mundial; o proletariado, no entanto, estava lutando as batalhas do capital e a dominação ideológica deste último devia ser quebrada por uma clara demarcação das tendências revolucionárias das tendências reformistas. A miséria engendrada pela guerra estimularia a regeneração no movimento operário: “As massas devem começar a agir por si próprias agora, as massas devem intervir[33]”.
Na conferência de Zimmerwald de setembro de 1915, os Radicais de Esquerda alemães, representados por Radek, Pannekoek e Borchardt apoiaram Lenin contra Luxemburgo e a centro-esquerda social-democrata. Como resultado desta aliança, Pannekoek e Roland-Holst se tornaram coeditores do Vorbote [Prenúncio], órgão da “esquerda de Zimmerwald”. O editorial de Pannekoek na primeira edição declarou que “os métodos do período da 2ª Internacional são incapazes de elevar os recursos do proletariado ao nível necessário para quebrar o poder da classe dominante[34]”. Seu ensaio Der Imperialismus und die Aufgaben des Proletariats[35] [O Imperialismo e as Tarefas do Proletariado], impresso na mesma edição, desenvolve esta tese.
A capitulação do SPD na deflagração da guerra, argumenta Pannekoek, demonstrou que “o partido estava podre por dentro e era incapaz de cumprir suas novas tarefas”. Não era possível prever antecipadamente que o partido fracassaria em adotar as táticas exigidas pelas novas condições, mas, no caso, a “estrutura antiga e estabelecida do partido” se provou insuficiente para cumprir esta tarefa e agora devem ser retiradas as lições deste fracasso.
O imperialismo, continua, é paradoxalmente a precondição do socialismo: “Todos são atraídos para a luta querendo ou não, ninguém consegue ficar de lado. E já que o socialismo não pode ser alcançado e realizado por um pequeno núcleo de militantes no meio de massas populares que estavam de fora, mas apenas pela população inteira, é apenas a generalização da luta pelo imperialismo que cria as precondições para o socialismo”. O interlúdio em que parecia que a luta operária podia ser levada adiante por seus líderes acabou. Os momentos materiais e ideológicos da revolução estão convergindo: “assim como a Revolução Francesa foi de fato o resultado da burguesia amadurecendo e de novas ideias passando para o primeiro plano, mas sua deflagração, não obstante, o produto da miséria extrema das massas e da acentuada tensão política, também na revolução proletária o lento crescimento do pensamento socialista se combina com o efeito ativador de eventos sociais particulares”.
Pannekoek não descarta a ação política no parlamento sob a justificativa de que “tudo que aumenta o poder da classe trabalhadora é revolucionário”. Do mesmo modo, não há distinção completa entre a luta por reformas e a luta revolucionária, pois reformas só podem dali em diante ser obtidas através da ação das massas. A guerra tornou, não obstante, um racha no partido socialista inevitável, pois reformistas e revolucionários não podem mais cooperar dentro dele. É concebível que Kautsky e aqueles que ele representa possam ser conquistados para as novas táticas, mas sua preocupação em preservar o aparato os induz a permanecer às margens, “fora da luta revolucionária, logo, fora da vida real, em escala real”. Ainda que os reformistas apoiem o imperialismo e a centro-esquerda se oponha a ele, eles serão capazes de se unir em uma linha comum em que o criticam sem combatê-lo: “Eles tentarão transformar o partido em um partido de reforma burguês, um partido trabalhista ao modelo inglês, mas com alguns slogans socialistas, buscando energicamente os interesses cotidianos dos trabalhadores, mas que não lidera uma grande luta revolucionária”. A concepção pré-guerra que os Radicais de Esquerda tinham do partido iniciando a ação de massa não existe mais; a ação de massa ocorrerá espontaneamente, “às vezes como a consequência indesejada da luta em pequena escala planejada pelo partido transbordando, às vezes irrompendo ‘em desafio à disciplina’, contra a vontade e as decisões das organizações e então, quando ganha impulso, arrastando estas organizações junto de si e forçando-as a concordarem com elementos revolucionários por um tempo”. Os sinais são de que uma revolta deste tipo pode ser iminente. O SPD e os sindicatos desempenharão, então, um papel predominantemente restritivo no futuro imediato, mas à medida que as novas táticas se desenvolverem, eles serrão arrebanhados e incorporados a “um movimento de massas mais amplo que unificará as massas em um poderoso coletivo de luta não com base em uma carteirinha de membro, mas na natureza comum do objetivo de classe”.
Já na segunda edição do Vorbote, as divergências entre os Radicais de Esquerda alemães e Lenin haviam se tornado acentuadas o suficiente para pôr um ponto final a sua colaboração. As diferenças eram mais aparentes no que dizia respeito à questão de se os socialistas deveriam endossar o ideal da autodeterminação nacional, uma tábua central na plataforma de paz liberal do Presidente Wilson[36]. Ainda que em solidariedade às lutas dos povos colonizados para se emanciparem, os Radicais de Esquerda, diferentemente de Lenin, não apoiariam um slogan que, argumentavam, não poderia ser realizado dentro do capitalismo e não significava nada em uma ordem mundial socialista. O Vorbote nº 2 publicou um artigo de Radek neste sentido[37].
Um ensaio de Pannekoek na mesma edição[38] prevê que a social-democracia contribua para o desenvolvimento de um capitalismo híbrido dominado pelo Estado. Referindo-se às demandas da corrente de Kautsky pela nacionalização da indústria de armamentos, ele insiste que “estatizar empresas não é socialismo; socialismo é o poder do proletariado […]. É o dever do socialismo revolucionário liderar o proletariado na luta contra esta nova forma de servidão”. Um programa de ação claro, baseado na intervenção das próprias massas, deve ser preparado para o momento em que os trabalhadores retomarem a luta política: “A luta pelo socialismo não pode ser outra senão a luta de classes pelos interesses diretos essenciais do proletariado e seu caráter revolucionário é determinado pelos métodos, pelos meios empregados”. As demandas tradicionais pela democratização dentro do Estado e pela supressão do militarismo vão “assumir nova importância e intensidade quando, como resultado do desenvolvimento acelerado do socialismo de Estado, a exploração econômica e a servidão forem combinadas com a opressão política”.
O ano de 1916 de fato viu uma deterioração no padrão de vida do proletariado e uma intensificação da repressão política na Alemanha. Pão, gordura e batatas foram racionados drasticamente e o fracasso da safra de batatas resultou em um “inverno do nabo”. Os salários reais caíram. As confederações sindicais concordaram, não obstante, com a legislação que proibia mudanças de emprego em troca de um papel nos comitês de obra e conselhos de arbitragem. Dentro do partido, o controle rigoroso que havia sido afrouxado durante 1915 para oferecer uma válvula de segurança para divergências foi reimposta. Quando ele iniciou um discurso de maio com as palavras “Abaixo à guerra!”, Liebknecht foi preso; Rosa Luxemburgo também foi mantida em prisão preventiva. Em 1917, greves selvagens irromperam a despeito da prontidão dos oficiais do sindicato para denunciar desordeiros às autoridades militares. Em lugares nos quais braços sindicais locais tomaram suas contribuições para si e se dissociaram de seus líderes nacionais. O slogan “Fora dos sindicatos!” se tornou a palavra dos militantes proletários.
O debate nos círculos Radicais de Esquerda se desenvolveu a respeito das formas que os órgãos de luta de classes deveriam assumir. A Arbeiterpolitik previu que os futuros engajamentos futuros com o capital teriam um “caráter marcante de testes de força espontâneos nos quais elementos difíceis de organizar – trabalhadores não qualificados, mulheres e jovens – serão decisivos[39]” e argumentou que as organizações do futuro devem, portanto, ser flexíveis. Os Radicais de Esquerda de Hamburgo argumentaram que a classe trabalhadora deveria ser organizada não segundo setores, mas em “uniões[40]” estruturadas de acordo com a indústria e baseadas na unidade fabril, de modo que o capitalismo corporativo podia ser combatido tanto no nível nacional como no nível local: isto superaria as divisões de ofício e também possibilitaria que as massas desorganizadas fossem arrastadas para conflitos que se tornariam em última instância políticos. Outro conceito expresso nas revistas Radicais de Esquerda nesta época foi que a organização proletária deveria fazer jus ao fato de que o trabalhador “não tem duas almas, uma alma do sindicato e outra do partido[41]” ao combinar luta política e econômica.
As várias correntes de esquerda estavam tomando agora forma organizacional. A Liga Espartaquista havia existido ilegalmente desde março de 1916 e em janeiro de 1917 realizou uma conferência conjunta com a Arbeitsgemeinschaft [Comunidade do Trabalho] de Kautsky. Isto levou à expulsão deste último do SPD e os dois grupos uniram forças como o Partido Social-Democrata Independente (USPD) [Unabhängige Sozialdemokratische Partei Deutschlands; Partido Social-Democrata Independente da Alemanha] naquela primavera, não sem protestos do próprio Kautsky e dos Radicais de Esquerda na Liga Espartaquista. O novo partido foi definido apenas por sua oposição a uma guerra de agressão e ainda que se comprometesse a agir democraticamente, retinha a estrutura organizacional do SPD. O reagrupamento com a Liga Espartaquista contemplado pelos Radicais de Esquerda de Bremen e de Berlim, os quais haviam, enquanto isso, tomado o nome Internationale Sozialisten Deutschlands [Socialistas Internacionais da Alemanha] (ISD), foi frustrado por sua aliança com a centro-esquerda, e a Arbeiterpolitik comentou morosamente que a base Espartaquista não apoiaria necessariamente os esforços de seus líderes para restabelecer “as antigas políticas de liderança[42]”.
Como os ISD, a Liga Espartaquista seguiu mais como uma tendência do que como uma organização definida e ambas compartilhavam em grande parte a mesma base social entre trabalhadores recém-radicalizados – mulheres, os jovens, os não-qualificados. De fato, o termo “Espartaquista” foi usado pelo establishment como um sinônimo de “vândalo” como resultado do envolvimento destes elementos em protestos por comida. Em seus cadernos do cárcere[43], Liebknecht, que junto de outros líderes Espartaquistas como Fritz Rück, era politicamente próximo dos ISD, identificou três estratos sociais no interior do movimento operário: os quadros do Partido Social-Democrata, os “trabalhadores qualificados mais bem colocados” que só queriam “protestar” e que não conseguiam “se decidir por cruzar o Rubicão” e a “massa despossuída de trabalhadores não qualificados; o proletariado no sentido estrito, restrito” que “realmente não tem nada a perder senão suas correntes e tudo a ganhar ao derrubar e esmagar [o Estado]”. Estes três estratos correspondiam respectivamente ao SPD, à centro-esquerda e aos Espartaquistas. Sua análise foi corroborada pelas grandes greves de munições que haviam ocorrido em Berlim em fevereiro e março de 1918, expressando a frustração dos trabalhadores de engenharia qualificados na erosão de sua posição pré-guerra no mercado de trabalho pelo influxo de “diluídos[44]” não qualificados. A disputa não foi além da demanda política do USPD por paz sem anexações e foi resolvida por meio da mediação do SPD na pessoa de Ebert, um padrão que a Revolução Alemã como um todo viria de fato a tomar.
Enquanto isso, no entanto, havia ocorrido uma revolução na Rússia, à qual tanto os porta-vozes Espartaquistas e os Socialistas Internacionalistas haviam dado boas-vindas, ainda que com ênfases diferentes: ao contrário das reservas expressas privadamente por Luxemburgo, Pannekoek estava preparado para endossar a distribuição de terra aos camponeses, a ignorar o pronunciamento em favor da autodeterminação nacional e apoiar de todo o coração a dissolução da Assembleia Constituinte[45]. Gorter dedicou seu artigo Die Weltrevolution [A Revolução Mundial] a Lenin como o “mais avançado lutador de vanguarda do proletariado internacional[46]”, mas mesmo nesta conjuntura ele enfatizou sob quais condições diferentes o proletariado estava lutando na Europa Ocidental; e à luz do programa maximalista que traçou, a Revolução Russa era claramente apenas um primeiro passo rumo ao socialismo:
O poder estatal nas mãos do proletariado – Legislação pelo proletariado – Garantia de um nível mínimo de subsistência a todos os trabalhadores e aqueles no mesmo nível que os trabalhadores – Controle e regulação da distribuição dos produtos pelo proletariado – Trabalho obrigatório para todos – Cancelamento das dívidas nacionais – Confisco dos lucros de guerra – Impostos apenas sobre capital e renda, sendo que o primeiro equivale à expropriação de riqueza – Expropriação dos bancos – Expropriação de todas as grandes empresas – Expropriação da terra – Justiça pelo proletariado – Abolição de todas as taxas e tarifas – Abolição do sistema militar – Armamento do proletariado[47].
Gorter se lembraria posteriormente que já em 1900 ele havia se oposto a uma moção no interior do SPD para adotar uma demanda pela distribuição de terra para os pequenos fazendeiros.
Os Radicais de Esquerda saudaram o sistema soviético como uma forma proletária de administração. “Este organismo maleável e flexível é o primeiro regime socialista do mundo”, declarou Gorter em Die Weltrevolution, ao passo que Pannekoek lhe deu boas-vindas como um meio de colocar poder nas mãos dos trabalhadores sem qualquer mecanismo artificial de exclusão; ele realizou a máxima de Engels de que o governo dos homens seria substituído pela administração das coisas. O Estado soviético revelou a “oposição absoluta entre os objetivos imediatos e práticos da social-democracia e aqueles do comunismo: a primeira se baseia na antiga organização estatal burguesa, a última estabelece as fundações de um novo sistema político[48]”. Aos olhos dos Socialistas Internacionais, a luta parlamentar foi tornada obsoleta para o proletariado pelo surgimento da forma conselho; a Arbeiterpolitik descartou o parlamentarismo como “a folha de figueira escondendo a decrepitude interna de um partido outrora grande, explorado pela sociedade burguesa para dessocializar o proletariado[49]”.
O colapso do antigo regime na sequência da derrota militar e da instituição de um sistema de conselhos proletários foi um processo menos radical na Alemanha do que havia sido na Rússia em virtude do papel desempenhado pelas organizações social-democratas. A aliança estratégica entre o Estado e as últimas, prenunciada na relação de Bismarck com Ferdinand Lassalle e realizada na trégua social agora era consumada nos termos impostos pelos militares. Quando havia se tornado claro que a Alemanha não podia se permitir continuar com a guerra, Ludendorff providenciou a entrada do SPD em um governo que deveria processar pela paz, preparando assim o caminho para a lenda da “apunhalada nas costas” com a qual o exército colocou a culpa pela derrota nacional na porta de seus colegas socialistas. Um político socialista tão oportunista quanto Phillip Scheidemann expressou o medo de que o SPD poderia estar adentrando “em uma questão de bancarrota[50]”, e Otto Rühle, falando no Reichstag em nome dos ISD, declarou que:
Na era do imperialismo, uma paz de meio-termo, a qual pode ser do interesse do povo, da classe trabalhadora, é algo pura e simplesmente impossível. Esta paz proposta só é projetada para salvar o sistema de exploração e escravização da catástrofe que o ameaça[51].
Esta ameaça se tornou séria no começo de novembro de 1918. Tripulações de navios se recusaram a participar nas batalhas navais de morte e glória ordenadas por seus oficiais secretamente e em desafio à política do governo e o movimento popular que resultou disso representou um desafio real à ordem vigente. Assim que os marinheiros fizeram seu motim, eles foram obrigados a levar mais longe sua revolta contra as autoridades militares para evitar a repressão destas; e embora Noske tenha conseguido se colocar na liderança dos amotinados de Kiel com a intenção deliberada de recuperar o movimento – uma façanha repetida posteriormente por Ebert no nível nacional – seus emissários deram início à revolta por todo o Reich. As guarnições elegeram conselhos de soldados, os trabalhadores elegeram conselhos operários, frequentemente por aclamação e com paridade entre candidatos apresentados por organizações locais do SPD e do USPD. Houve pouco derramamento de sangue: o comando doméstico militar renunciou, as autoridades civis reconheceram o poder dos conselhos e as fábricas e a propriedade privada não foram tocadas. Foi tudo enganadoramente simples e 10 dias após o motim de Kiel, os sindicatos haviam começado negociações que resultariam no “acordo Stinnes-Legien[52]”, consolidando o status dos sindicatos nas fábricas e proporcionando uma “comunidade cooperativa” entre trabalhadores e empregadores. Enquanto isso, os secretários de Estado mantiveram seus cargos.
No campo no oeste e no leste, os mesmos generais e oficiais ainda estavam no comando e mesmo o governo Reich era basicamente o mesmo de antes – exceto que, em vez de um Chanceler Imperial do Reich, ele agora era chefiado por um colegiado de seis “Representantes do Povo”, entre os quais ainda havia sempre um Chanceler do Reich: Ebert. Todos os prefeitos, governadores de províncias, funcionários de ministério conservadores estavam trabalhando em suas mesas como sempre haviam feito. Nenhum deles havia sido demitido; alguns conselhos operários simplesmente haviam sido postos em sua frente e eles estavam, por isso, terrivelmente irritados[53].
À exceção de Munique, onde a iniciativa democrática do Independente Kurt Eisner desempenhou um papel significativo, o movimento se desenvolveu sem liderança sistemática: radicais famosos nacionalmente como Liebknecht e Rosa Luxemburgo foram de fato libertados da prisão por ele. Como o beneficiário de um clima de “reconciliação socialista”, o SPD foi o candidato natural para assumir o controle de uma campanha dominada por perspectivas social-democratas; e, ainda que os delegados sindicais (Obleute)de Berlim orientados de acordo com o USPD estivessem planejando um golpe antes mesmo do motim naval, seus métodos neoparlamentaristas não eram capazes de flanquear a ortodoxia do SPD. Durante o resto do ano de 1918, os Independentes desempenharam um papel de oposição ineficiente contra o SPD, cuja liderança realizou um retorno à normalidade política à medida que a iniciativa da esquerda esmoreceu. O Congresso Nacional dos Conselhos, que era fortemente dominado pelos representantes do SPD[54], não tentou evitar isso: consentiu com as eleições antecipadas para uma Assembleia Nacional desejada por Ebert a fim de reestabelecer a autoridade e continuidade constitucionais[55] e inclusive se recusou a assumir poderes legislativos até que isto tivesse ocorrido. O Congresso Nacional, no entanto, realmente se opôs aos desejos de Ebert ao pressionar pela restrição da autoridade militar[56], mas o governo foi capaz de temporizar até que ele tivesse completado a formação dos Freikorps, brigadas de voluntários estabelecidas para suprimir a oposição da classe trabalhadora à ordem social vigente.
Diante da deflagração da revolução de novembro, os Socialistas Internacionais haviam mudado seu nome para “Comunistas Internacionais” (IKD [Internationale Kommunisten Deutschlands]), explicando assim a mudança: “O comunismo de 1848 lutou contra o socialismo ‘verdadeiro’ ou ‘alemão’, o qual era a ideologia da pequena-burguesia, com a visão de mundo do proletariado. O comunismo de 1918 luta contra o socialismo capitalista-imperialista com a luta do proletariado[57]”. Pannekoek, que havia voltado da Holanda para a Alemanha, de onde havia sido deportado no início da guerra, escreveu na Arbeiterpolitik em 23 de novembro que a revolução alemã, como a revolução russa de 1905, havia sido uma revolução burguesa efetuada pelo poder de massa do proletariado[58]. Os Radicais de Esquerda adotaram o slogan “Da revolução burguesa à proletária!”, mas diferente dos líderes Espartaquistas, os IKD não enxergavam os conselhos existentes como veículos potenciais disto: eles estavam “tão confusos quanto a própria revolução”, escreveu Knief, e a primeira necessidade era o esclarecimento das diferenças entre as forças revolucionárias e os partidos social-patriotas[59]. Rühle, por sua vez, liderou os Comunistas Internacionais da Saxônia do Leste para fora dos conselhos depois de uma semana, declarando que isto era tempo o suficiente para constatar que não havia motivos para colaborar com os reformistas que os dominavam. Até o Natal a aliança entre os espartaquistas e a centro-esquerda havia se tornado insustentável e Radek, que havia passado os últimos doze meses após a revolução de outubro na Rússia, conseguiu prevalecer sobre os IKD e a Liga Espartaquista para dar expressão organizacional à unidade que seus membros vinham demonstrando em ação, a despeito das diferenças acentuadas entre seus respectivos líderes.
Os debates no congresso de fundação do KPD(S) uma semana depois se concentraram em três questões: se o partido deveria ser sujeitado à disciplina centralizada ou se basear na iniciativa local; se ele deveria participar ou não nas eleições para a Assembleia Nacional; e se deveria haver ou não um retorno à luta no interior das antigas confederações sindicais. Fora do círculo imediato de Luxemburgo, havia pouca inclinação a renunciar à autonomia local de factoque havia se desenvolvido na luta contra a colaboração de classe do SPD em favor da desacreditada forma-partido hierárquica. O apelo de Rosa Luxemburgo pelo uso da tribuna parlamentar para fins de agitação também foi recebido friamente e quando Paul Levi argumentou que a Assembleia Nacional poderia se provar uma instituição duradoura, Rühle retorquiu que dar credibilidade a ela ao aderir à campanha eleitoral seria “não só vergonhoso, mas suicida. Nós só deveríamos ajudar a deslocar a revolução das ruas e colocá-la de volta na câmara parlamentar[60]”. O congresso votou por três a um contra se engajar em atividades parlamentares. Rosa Luxemburgo só conseguiu evitar outra derrota na questão sindical ao mover a criação de uma comissão especial para considerar se as funções dos sindicatos deveriam ser assumidas pelos conselhos de soldados e operários ou pelas “uniões” abraçando tanto a luta econômica quanto a luta política defendidas pela esquerda; e, assim, o movimento comunista na Alemanha permaneceu sem uma linha definitiva sobre a ação industrial pela maior parte de 1919.
Este era um déficit sinalizador de que a luta agora estava se deslocando do fronte político para o econômico. O governo havia dispensado os serviços dos Comissários do Povo do USPD e agora havia posto os Freikorps para trabalhar. Eles esmagaram a revolta desesperada de janeiro em Berlim, assassinando simbolicamente, no processo, Rosa Luxemburgo e Liebknecht; e durante os quatro meses seguintes, eles fizeram uso de pretextos de interferência em questões militares para suprimir os conselhos, sistemática e cruelmente, em um centro regional após o outro.
O revés político que a classe trabalhadora revolucionária havia sofrido foi crucial e, diferentemente de Gorter, Pannekoek estava otimista quanto ao potencial das “uniões” nessas circunstâncias. Porém, a despeito da discórdia entre as correntes da Esquerda Radical quanto à relação entre o partido e a “união”, havia um forte movimento entre os militantes proletários para se empenhar em ações impossíveis nos confins das antigas confederações sindicais. As “uniões” surgiam espontaneamente; na grande onda de greves entre os mineiros do Ruhr na primavera de 1919, por exemplo, assim como fizeram as organizações sindicalistas que recorriam à tradição anarcossindicalista francesa ao invés do sindicalismo tradicional da americana Industrial Workers of the World, os “Wobblies[61]”. As “uniões” eram mais fortes entre as seções do proletariado exploradas mais ferozmente. Uma fortaleza eram as instalações da BASF Leuna na Saxônia do Leste, uma indústria química enorme construída durante a guerra e que empregava trabalhadores rurais refugiados[62]; havia outra fortaleza entre os estivadores, marinheiros e balseiros do norte e do noroeste. A região do norte do KPD(S), que se concentrava em Hamburgo e era dominada por Radicais de Esquerda, fez com que deixar os velhos sindicatos fosse uma condição da filiação ao partido; e aqui os comitês revolucionários de fábrica não chegaram aos sindicalistas, como fizeram em outros lugares.
Foram os comunistas de esquerda de Hamburgo e Bremen que preparam os estatutos para a Allgemeine Arbeiter Union Deutschlands [União Geral dos Trabalhadores da Alemanha] (AAUD), cuja conferência de fundação foi realizada em Bremen em fevereiro de 1920. Esta organização, que incluiu em seu ponto mais alto cerca de 100 mil trabalhadores, via a si mesma como um sistema de conselhos revolucionário embrionário baseado em organizações de fábrica associadas por distrito e região em uma estrutura federal com um comitê de ação composto por delegados regionais. A ênfase era sobre uma estrutura flexível. O programa do Partido Comunista Operário da Alemanha (KAPD) de Esquerda Radical, o qual propunha desempenhar um papel complementar à AAUD, afirmava: “O desenvolvimento da revolução será o principal determinante da AAUD, e não o programa, os estatutos e os planos detalhados[63]”.
Na altura em que a AAUD havia sido formada, o KPD(S) havia se resolvido em tendências irreconciliavelmente opostas nas linhas da antiga Liga Espartaquista/IKD. Após as mortes de Liebknecht, Jogisches e Rosa Luxemburgo, o antigo defensor desta, Paul Levi, havia herdado sua capa, e ele livrou constantemente o partido de sua maioria de esquerda com uma perspectiva de um novo reagrupamento com os Independentes. Ele alcançou seu objetivo em substância no congresso de Heidelberg de outubro de 1919, explorando as condições da ilegalidade para encher a assembleia com editores, secretários e membros do comitê central e para lançar sobre o congresso uma plataforma de “princípios táticos[64]” que todos os membros do partido reconheceriam sob pena de expulsão. O manifesto de Levi que foi endossado por um discurso de Radek[65] era dirigido particularmente aos Radicais de Esquerda de Hamburgo. Combinando radicalismo verbal com propostas social-democratas pragmáticas, ele negava que formas de organização particulares eram necessárias para a luta revolucionária e convocando as frações comunistas para fazer campanhas no parlamento, nos sindicatos e nos conselhos de fábrica institucionalizados sob a direção de um partido estritamente centralizado. Em seu discurso ao congresso, Levi estigmatizou a esquerda como “sindicalista[66]” e argumentou que a crise revolucionária estava alguns anos à frente. Laufenberg respondeu que as massas não podiam se dar ao luxo de esperar: em vez de construir uma organização proletária como as “uniões”, baseada na autoatividade direta dos trabalhadores, o comitê geral havia estabelecido outro partido no qual a iniciativa era uma questão para a liderança.
Na sequência, metade dos delegados foi expulsa junto de cerca de 80% dos membros do partido. As organizações regionais no Norte, Noroeste, na Baixa Saxônia, Saxônia do Leste e na região da Grande Berlim foram expulsas em bloco. Dos 8 mil membros na região da Grande Berlim, apenas 500 permaneceram leais ao comitê central; apenas 43 dos 2 mil membros da região de Essen continuaram sendo fiéis ao partido[67].
Pannekoek se alinhou com a oposição e atacou, em um artigo intitulado “O novo blanquismo[68]”, as políticas de Radek e do comitê central. Ele parte de uma análise do blanquismo e do proudhonismo como desvios de uma perspectiva de luta de massas revolucionária em um período no qual o proletariado não poderia avançar diretamente rumo a sua autoemancipação: o blanquismo recorria à atividade conspiratória de minorias resolutas como um substituto, ao passo que o proudhonismo buscava a mudança revolucionária por meio de arranjos econômicos. Formas historicamente desenvolvidas deste último podem ser vistas no sindicalismo e, do primeiro, na estratégia de Levi e Radek, argumenta Pannekoek. A definição de “ditadura da classe trabalhadora” dada por Radek em seu Contribuição à Tática do Comunismo como um sistema que “põe os interesses da classe trabalhadora em primeiro lugar” e que “só pode ser realizado pelas organizações operárias” é um que até mesmo o SPD satisfaz. Aquilo a que a tese de Radek equivale, defende Pannekoek, é a ditadura do partido comunista:
E também resulta desta teoria que não é nem sequer o partido comunista inteiro que exerce a ditadura, mas o comitê central e ele faz isto primeiro no interior do próprio partido, onde se encarrega de expulsar indivíduos e faz uso de meios mesquinhos para se livrar de um adversário. No que Struthahn[69] diz há muito que é por si mesmo válido; mas as palavras orgulhosas sobre a centralização do poder revolucionário nas mãos de velhos e experientes lutadores de vanguarda carregaria muito mais autoridade se não se soubesse que eles serviam para defender políticas imediatistas e oportunistas de conivência com os Independentes e ambição pela tribuna parlamentar.
Os Radicais de Esquerda estavam confiantes de que podiam ganhar apoio contra o resquício de Levi do autor de O Estado e a Revolução, que Gorter havia traduzido recentemente para o holandês; o sucesso dos bolcheviques na Rússia foi, afinal, o resultado do compromisso firme com um programa revolucionário e com o sistema de conselhos como a base da nova ordem. Apenas Wolffheim e Laufenberg encorajaram a formação imediata de um novo partido e estavam se tornando cada vez mais alienados dos outros comunistas de esquerda pelo molde “nacional bolchevique” do desenvolvimento de sua política. Eles estavam reivindicando a formação de uma frente nacional única, aliada com a Rússia, para resistir aos poderes da Entente e à imposição do Tratado de Versalhes, o qual colocava uma carga de reparações punitivas sobre a Alemanha. Esta estratégia pressupunha evitar qualquer tendência à divisão nacional e à guerra civil e Pannekoek, por sua vez, a denunciou em um artigo publicado em dezembro de 1919[70]. Quando os Radicais de Esquerda se reagruparam anonimamente no Partido Comunista Operário da Alemanha (KAPD) em abril de 1920, Wolffheim e Laufenberg não estavam presentes: e eles foram formalmente expulsos no segundo congresso do KAPD em agosto daquele ano.
Foram as ações do comitê central do KPD(S) durante o golpe de Kapp-Lüttwitz de março de 1920 que persuadiram os comunistas de esquerda a formar sua própria organização. Este incidente, que provocou mais um revés político para a classe trabalhadora, demonstrou que o SPD e as forças armadas ainda precisavam um do outro para continuar apoiando o capitalismo alemão. O incidente foi desencadeado por uma ordem do governo para dissolver a brigada de elite Ehrhardt Freikorps[71] como parte das reduções de tropa estabelecidas no Tratado de Versalhes. A ordem foi ignorada e os ministros do SPD tiveram de fugir de Berlim quando descobriram que os comandantes do exército não estavam preparados para defender o governo contra o golpe que era preparado pelo General von Lüttwitz; na verdade, eles só evitaram serem presos por pouco pelas autoridades militares. A recém-formada Confederação Geral dos Sindicatos Alemães respondeu à tomada de poder com uma greve geral observada tão totalmente em Berlim que o potencial regime insurrecionário não conseguiria funcionar, ao passo que no Ruhr foi formado um forte “Exército Vermelho” de 80 mil e que retirou rapidamente os militares de toda a região. Nestas circunstâncias sóbrias, os ministros do Partido do Centro [Deutsche Zentrumspartei] e do Partido Democrático [Deutsche Demokratische Partei, DDP] na coalizão providenciaram um acordo de compromisso: aos líderes do golpe foram prometidas novas eleições[72] e anistia para aqueles envolvidos, ao passo que os sindicatos cancelaram a greve após uma convicta garantia do SPD de que os putschistas seriam gravemente punidos. A Brigada de Ehrhardt marchou para fora de Berlim com suas bandeiras ao vento, metralhando uma multidão hostil enquanto ia embora.
O KPD(S), que a princípio havia se recusado a apoiar os ministros exilados do SPD, se sentiu posteriormente obrigado a responder a sua recém-descoberta conversa de unidade socialista; e em vez de endossar o movimento no Ruhr ou a intentada ação de alívio na Saxônia do Leste, declarou que serviria um “governo operário” como uma oposição leal. No entanto, nem Levi nem Wilhelm Pieck foram capazes de persuadir os militantes do Ruhr a entregarem suas armas em favor da coalizão restaurada do SPD; em vez disso, Ebert usou unidades do exército que haviam acabado de se revoltar contra seu governo para reestabelecer a ordem no Ruhr.
As políticas do KAPD se baseavam na premissa de que o capitalismo havia entrado em sua fase de decadência. “Está se tornando cada vez mais claro”, declarava seu programa,
o fato de que o antagonismo entre exploradores e explorados que está crescendo todos os dias e de que o conflito entre capital e trabalho, do qual até mesmo aquelas camadas do proletariado até então mais indiferentes estão tomando mais e mais consciência, não pode ser resolvido no interior do sistema econômico capitalista. O capitalismo viveu seu fiasco final, se denunciou historicamente na guerra do roubo imperialista, criou um caos, cujo prolongamento intolerável coloca o proletariado perante as alternativas globais de recaída na barbárie ou da construção de um mundo socialista[73].
Este programa foi elaborado por Karl Schröder sob a influência de Gorter. Este último havia se mudado para Berlim no final de 1918 e havia participado da luta lá e no Ruhr. Ele atuaria agora como porta-voz teórico para o KAPD, cujo ativismo estava em consonância com a perspectiva maximalista que ele e Pannekoek vinham elaborando há quase 20 anos. Os 30 a 40 mil militantes representados pelo KAPD em sua fundação[74] a tornavam superior numericamente ao KPD(S) e ele tentou destacar a “passividade” da política desta última; o KAPD participou na sabotagem bem-sucedida do abastecimento de munições para as forças antibolcheviques durante a guerra polaco-soviética, por exemplo, uma ação denunciada pelo KPD(S) como “romantismo”.
Enquanto isso, se tornava evidente que o apoio dos líderes russos à facção de Levi não tinha origem na mera ignorância da situação da Europa Ocidental, ignorância esta que os comunistas de esquerda haviam considerado como a origem do apoio. Viajando lentamente pela Rússia para representar o KAPD no 2º Congresso da Internacional Comunista, Rühle se convenceu de que o regime era soviético apenas no nome, de que os sovietes “não [eram] conselhos em um sentido revolucionário”, mas “conselhos ‘de fachada’”, “um embuste político”. Todo o poder na Rússia estava “com a burocracia, a inimiga mortal do sistema de conselhos[75]”. Ao ser confrontado com as “21 condições” em sua chegada a Moscou, Rühle voltou para a Alemanha sem esperar que o congresso começasse, denunciando a “ditadura do partido” na Rússia e rejeitando qualquer ligação futura com a Internacional Comunista. Esta ação levou à sua exclusão do KAPD[76].
A publicação do Comunismo de Esquerda no 2º Congresso causou uma amarga decepção nos comunistas de esquerda alemães. Pannekoek, que havia acabado de escrever uma obra teórica importante estimulando o congresso a escolher táticas revolucionárias ao invés de táticas oportunistas, acrescentou um brusco posfácio identificando a posição de Lenin com os interesses nacionais da Rússia Soviética[77]; e Gorter compôs sua célebre Carta Aberta ao Camarada Lenin[78], repetindo em detalhes a alegação de que as condições da luta de classes na Europa Ocidental significavam confronto total entre o capital e o proletariado e que qualquer coisa a menos seria fazer o jogo da burguesia. Por maior que fosse o papel que o campesinato pudesse ser convocado a desempenhar nas revoluções na Ásia, argumentou Gorter, ele se tornou cada vez mais implacavelmente oposto ao comunismo tanto mais se ia em direção ao ocidente, ao passo que a pequena burguesia da Europa Ocidental, longe de vacilar entre a classe trabalhadora e a burguesia, havia se comprometido irrevogavelmente com esta última. O proletariado da Europa Ocidental não podia obter ganhos explorando rachas no interior do campo burguês, pois não havia nenhum racha substancial; ele deve desenvolver organizações caracterizadas pela qualidade da consciência de classe que fomentaram em vez de pelos números de seus seguidores. Ele resumiu seu argumento da seguinte maneira:
- As táticas da revolução da Europa Ocidental devem ser inteiramente diferentes das táticas russas.
- Pois aqui o proletariado está sozinho.
- Aqui o proletariado deve, portanto, fazer a revolução sozinho contra todas as outras classes.
- A importância das massas proletárias é, portanto, relativamente maior e a importância da liderança é menor do que na Rússia.
- O proletariado deve, portanto, ter as melhores armas de fato para a revolução aqui.
- Já que os sindicatos são armas inadequadas, eles devem ser substituídos ou transformados em organizações de fábrica[79] associadas em uma base federal.
- Uma vez que o proletariado deve realizar a revolução aqui sozinho e sem ajuda, ele deve alcançar um alto nível de desenvolvimento intelectual e moral. Portanto, é melhor não usar métodos parlamentares na revolução.
Ao passo que o tom dominante de Pannekoek é de uma análise lacônica, a Carta Aberta de Gorter é uma afirmação apaixonada da validez das políticas de esquerda; e doravante, há certa tensão entre suas abordagens – a paciência revolucionária de Pannekoek, por um lado, e o compromisso militante de Gorter para com o KAPD e a AAUD, do outro.
As 21 condições haviam sido aprovadas pelo 2º Congresso antes de Gorter completar a Carta Aberta. Ainda que lamentasse o fato de que os delegados da Europa Ocidental haviam se deixado deslumbrar pelas conquistas da revolução russa, ele declarou estoicamente: “Bom, nós assumiremos a luta no interior da 3ª Internacional”. Gorter viajou para a Rússia com esta intenção e, a despeito da intenção de Levi, assegurou filiação provisória para o KAPD. A Internacional Comunista, no entanto, não escondeu o fato de que seu objetivo era conquistar “os melhores elementos proletários[80]” do KAPD para a tendência de Levi, o qual havia se unido à esquerda Independente em dezembro de 1920 para formar o VKPD [Vereinigte Kommunistische Partei Deutschlands], o Partido Comunista Unificado da Alemanha. No 3º Congresso em maio de 1921, os comunistas de esquerda alemães só encontraram apoio entre a delegação búlgara, a minoria de esquerda dentro do Partido Comunista Holandês[81] e a Oposição Operária russa. O KAPD recebeu um ultimato para se fundir ao VKPD, o qual ele rejeitou. Os esforços posteriores de Gorter para fundar uma “Internacional Comunista Operária” produziram poucos frutos e a AAUD não foi mais bem-sucedida em sua tentativa de se afiliar à Internacional Vermelha dos Sindicatos do Trabalho.
Ao passo que Pannekoek, como Rühle, via o regime soviético como uma nova forma de capitalismo, Gorter e os outros teóricos do KAPD esperavam que a contrarrevolução na Rússia resultasse na restauração da burguesia. O julgamento final de Gorter da Revolução Russa foi expresso em seu conselho aos comunistas russos para dizer a seu partido e governo:
Vocês realizaram um trabalho gigante como partido proletário e do governo […]. Isso será verdade para sempre. O fato de não terem podido fazer tudo de uma maneira proletária e comunista e de terem tido de se retirar quando a revolução europeia não se materializou não é sua culpa. Enquanto proletários, tanto mais vocês retornarem ao capitalismo, tanto mais vigorosamente nós lutaremos contra vocês como nossos inimigos. Mas sua verdadeira culpa, que nem nós nem a história podemos perdoar, é ter impingido um programa e táticas contrarrevolucionários no proletariado mundial e ter rejeitado aqueles realmente revolucionários que poderiam ter nos salvado[82].
Pannekoek, por sua vez, depois resumiu a função histórica de Lenin como tendo sido elevar a Rússia de seu modo de produção primitivo e agrícola à industrialização por meio de uma ditadura política e social que resultou no socialismo de Estado: “A política de Lenin teve sua culminação lógica no stalinismo na Rússia[83]”.
Em 1921 a AAUD e o KAPD tinham ambos começado a demonstrar sinais de degeneração à medida que o movimento revolucionário teve dificuldades de manter viva a luta contra a política social-democrata. As tentativas do Centro de Berlim do KAPD de exercer controle tanto sobre a “união” como sobre o partido levaram à fricção, especialmente depois de ter se associado à tentativa de insurreição do VKPD na Alemanha Central. Embora Peter Utzelmann, o líder do KAPD no centro da “Ação de Março”, tenha declarado que a convocação de uma revolta foi completamente irreal e tentada pelo VKPD apenas para desviar a atenção das greves contemporâneas antibolcheviques em Petrogado, o Centro de Berlim via a virada à esquerda do partido comunista como uma vindicação de suas próprias políticas. Isso podia explicar o fracasso da revolta apenas como um produto das “táticas confucionistas[84]” anteriores do VKPD e defendia que a não observância da greve nacional convocada pelo VKPD para apoiar a insurreição demonstrava a inadequação de um partido de massas que não fosse completamente comunista. Pannekoek comentou que o fracasso da ação de março significou mais do que o simples fato de que o proletariado ainda estava fraco demais para superar a burguesia:
O que dissemos no Vorbote na época sobre o grande fracasso da 2ª Internacional diante da guerra se aplica igualmente ao fracasso menor da ação de março; “Significa que os métodos do período da 2ª Internacional são incapazes de elevar as forças materiais e mentais do proletariado ao nível necessário para romper com a dominação da classe dominante[85]”.
O ano de 1921 também viu a última grande tentativa de Gorter de conquistar a classe trabalhadora para as táticas comunistas de esquerda com seu texto The Organization of the Proletariat’s Class Struggle, o qual foi reimpresso abaixo[86]. Até o final daquele ano, até mesmo a liderança do KAPD teve que admitir que revoltas da fome e conflitos armados não eram sinais suficientes de que o capitalismo estava agonizando e que o refluxo na onda revolucionária colocava o trabalho de propaganda em pequena escala na ordem do dia. Em 1922, o KAPD e a AAUD racharam nas tendências de “Berlim” e “Essen” por causa da questão da participação ou não delas como organizações nas lutas salariais e outras reformas de campanha. Gorter tomou o lado da tendência de “Essen”, sediada no antigo centro do KAPD, argumentando que um grupo deveria pelo menos se abster do oportunismo em preparação para a próxima retomada na revolução. Ainda que Pannekoek tenha permanecido alheio aos conflitos faccionais, seu posterior ensaio “Prinzip und Taktik[87]” [Princípio e Tática] endossava a visão de Gorter. O ensaio argumenta que as diferenças entre as organizações social-democratas e o partido comunista é que as primeiras tentam abraçar todo o proletariado na perspectiva de tomar o poder em seu nome, ao passo que o último é uma vanguarda na qual são agrupados os militantes mais lúcidos; não tem interesse em diluir suas perspectivas revolucionárias pelo bem da popularidade de curto prazo: sua força e seu poder de atração dependem da consistência de princípios, como demonstrado pelos bolcheviques no decorrer da Revolução Russa. Se o partido comunista assume compromissos pragmáticos, ele se condena a entrar em uma nova fase de luta com a mentalidade de uma era superada.
Este ponto de vista não pode senão deixar os comunistas de esquerda cada vez mais estranhados dos eventos do dia a dia em um período de recomposição capitalista. No momento em que as organizações comunistas de esquerda foram banidas em novembro de 1923 em conexão com a reflutuação da economia alemã através do Plano Dawes, elas haviam deixado de ser de qualquer momento político imediato. Foi só nesse estágio que foi feita alguma tentativa séria no KAPD de teorizar a base econômica da decadência, em grande parte sobre a fundação das teorias da acumulação de Luxemburgo; e Pannekoek, que havia criticado estas na ocasião de sua publicação em 1913[88], advertiu contra a suposição de que o capitalismo não poderia resolver sua crise. “A parte mais difícil, praticamente toda a tarefa, de fato, ainda está diante de nós”, escreveu em Prinzip und Taktik. “Nós só estamos no pé da montanha […]. A velha revolução acabou; cabe a nós preparar a nova”.
Gorter tentou reunir os remanescentes das organizações comunistas de esquerda até sua morte em 1927. Pannekoek continuou a escrever sobre questões científicas, filosóficas e políticas até pouco antes de morrer em 1960.
D. A. Smart
Londres, outubro de 1977
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[1] Traduzido por Thiago Papageorgiou. Tradução a partir do original em inglês do ensaio introdutório Introduction, de D. A. Smart, ao livro Pannekoek’ and Gorter’s Marxism [O Marxismo de Pannekoek e Gorter] (Londres, Pluto Press Limited, 1978), editado pelo mesmo D. A. Smart. Incluo entre colchetes as traduções de nomes de grupos, livros, revistas, jornais, artigos, etc., bem como eventuais esclarecimentos quanto a problemas de referências bibliográficas presentes no original. Sempre que possível, conferi a tradução das citações com suas originais e, portanto, indico entre colchetes quando fiz correções à tradução. [N. T.]
[2] Ver Serge Bricianer, Pannekoek et les conseils ouvriers [Pannekoek e os conselhos operários], 1969; D. Authier (ed.), La gauche allemande [A esquerda alemã], 1973; H. M. Bock, Syndikalismus und Linkskommunismus von 1918-1923 [Sindicalismo e Comunismo de Esquerda de 1918 a 1923], 1969; H. M. Bock, Organisation und Taktik der proletarischen Revolution [Organização e tática da revolução proletária], sem data.
Na década atual, no entanto, grupos que tentaram retomar o trabalho político da esquerda alemã tenderam a posições bordiguistas, ao silêncio ou ao isolamento. Conforme na World Revolution [Revolução Mundial] britânica e outras publicações da International Communist Current [Corrente Comunista Internacional]; Socialist Reproduction [Reprodução Socialista]; Workers’ Voice [Voz dos Trabalhadores].
[3] Ver nota 1 acima.
[4] Foi a propósito deste racha que Luxemburgo escreveu para Roland-Holst: “O pior partido da classe trabalhadora é melhor do que nenhum […]. Nós não podemos ficar fora da organização, sem contato com as massas”. (Citada em J. P. Nettl, Rosa Luxemburg, 1969, p. 405). No entanto, Lenin tomou o lado dos tribunistas no Gabinete da Internacional, se envolvendo nos conflitos organizacionais internos de um partido socialista estrangeiro pela primeira vez (ver Collected Works [Obras Completas], vol. XVI, 1963, p. 140-444)
[5] Para detalhes, ver C. E. Schorske, German Social-Democracy, 1905-1917 [Social-Democracia Alemã, 1905-1917] (1955).
[6] Pannekoek & Gorter, Marxisme en revisionisme [Marxismo e revisionismo], 1906.
[7] Gorter, Der historische Materialismus für Arbeiter erklärt [O materialismo histórico explicado para trabalhadores] (1909), citado em Bock (1969) p. 264. Toda a ênfase neste e nos outros textos citados é conforme o original.
[8] Schorske (1955), p. 124.
[9] Sobre o recente debate acerca deste papel, ver S. Bologna, “Class composition and the theory of the party at the origins of the council movement” [Composição de classe e a teoria do partido nas origens do movimento de conselhos] (1972) (reimpresso na Conference of Socialist Economists, The Labour Process and Class Strategies [O Processo de Trabalho e Estratégias de Classe], 1976) e K. H. Roth, Die ‘Andere’ Arbeiterbewegung [O “Outro” Movimento Operário] (1974).
[10] Cf. seu artigo “Das Wesen der Religion” [A Essência da Religião] (1907); o artigo é discutido em Bricianer (1969) como parte de um relato geral do desenvolvimento do pensamento de Pannekoek.
[11] Pannekoek, Die taktischen Differenzen in der Arbeiterbewegung [As diferenças táticas no movimento operário] (1909a). Reimpresso de maneira editada em Bricianer (1969), p. 51-98.
[12] Pannekoek usa frequentemente a palavra em alemão geistig, que inclui as conotações de “intelectual”, “psicológico” e “ideológico”; aqui, ela é traduzida geralmente como “mental” [Sigo nesta tradução a escolha de D. A. Smart, porém vale ressaltar que o próprio Pannekoek utilizava spiritual, ou espiritual, em seus artigos em língua inglesa, como bem ressalta John Paul Gerber em seu livro Anton Pannekoek and the Socialism of Workers’ Self Emancipation 1873-1960 (1989, p. 16)].
* Este termo era de uso polêmico corrente para insinuar que o fenômeno do anarquismo na 1ª Internacional representava dores transitórias crescentes.
[13] Isto era particularmente aplicável à tática contemporânea das confederações sindicais da “Einzelabschlachtung” – concentrar o conflito em uma única fábrica por vez a fim de minimizar a pressão por sobre os fundos de luta dos sindicatos.
[14] Pannekoek, Marxismus und Darwinismus (1909); excertos em Bricianer (1969), p. 13.
[15] Citado em Bock (1969), p. 55. Ver também Pannekoek, Lenin as Philosopher [Lenin Filósofo] (1975).
[16] Citado em Bricianer (1969), p. 23.
* Tiergarten, ou Großer Tiergarten, e Treptower Park são parques da cidade de Berlim.
[17] Finalmente publicado na Dortmunder Arbeiterzeitung [Gazeta Operária de Dortmund] em 14 e 15 de março de 1910; o artigo foi incluído em R. Looker (ed), Rosa Luxemburg – Selected Political Writings [Rosa Luxemburgo – Textos Políticos Escolhidos] (1972).
[18] Kautsky, “Die Aktion der Masse” [A Ação da Massa] (1911), p. 43-49, 77-84, 106-117.
[19] Pannekoek, Massenaktion und Revolution, 1912, p. 541-550, p. 585-593, p. 609-619; trechos substanciais em Bricianer (1969).
[20] Cf. o artigo “Die Weltrevolution” [A Revolução Mundial] de Pannekoek na Bremer Bürgerzeitung, nº 204, 30 de dezembro de 1911: “A revolução política na Ásia, a revolta da Índia e a rebelião do mundo muçulmano confrontarão a expansão do capitalismo na Europa com uma barreira decisiva […]. Colisões sanguinolentas estão se tornando cada vez mais inevitáveis. A guerra geral entre as nações europeias acompanhará guerras de independência e colonização na Ásia” (citado em Bricianer, 1969, p. 94).
[21] Kautsky, Die neue Taktik (1912a), p. 654-665, p. 688-698, p. 723-733. Lenin estava se referindo principalmente à discussão do Estado quando escreveu em O Estado e a Revolução que nesta polêmica: “Não é Kautsky, mas sim Pannekoek quem representa o marxismo”, ao passo que, não obstante, expressava reservas não reveladas quanto à formulação deste último. (Ver Lenin, 1965, p. 13).
[22] Kautsky, “Der jüngste Radikalismus” (1912b), p. 436-446; Pannekoek, „Zum Schluss“ (1913), p. 611-612.
[23] Citado em Schorske (1955), p. 247.
[24] Schorske (1955), p. 75 e 77.
[25] Schorske (1955), p. 263.
[26] Schorske (1955), p. 13, p. 267-268.
[27] Ver Bock (1969), p. 57. Bricianer calcula os valores como consideravelmente mais altos.
[28] Pannekoek também contribuiu para o Lichstrahlen [Raios de Luz] de Julian Borchardt, um “órgão educacional para trabalhadores pensantes”, publicado em Berlim. O antiautoritarismo de Borchardt o retirou da corrente de esquerda radical no decorrer da guerra.
[29] Schorske (1955), p. 285. Schorske ilustra a resolução do conflito no nível pessoal nas palavras do antigo radical Konrad Hænisch: alguém se sentia preso entre “este grande e ardente desejo de se jogar na poderosa corrente da maré nacional geral” e “o medo de trair a si mesmo e à sua causa” até que “a tensão terrível fosse resolvida; até que alguém ousasse a ser o que era; até que – a despeito de todos os princípios e teorias de madeira [creio ser uma tradução imprecisa de hölzern, que, além de significar de madeira, significa também algo desajeitado, porém não tive acesso ao original] – alguém pudesse, pela primeira vez em quase um quarto de século, acompanhar de pleno coração, com uma consciência tranquila e sem uma sensação de traição na animada e agitada canção ‘Deutschland, Deutschland über alles’ [Alemanha, Alemanha acima de tudo]” (Schorske, 1955, p. 290).
[30] Citado em Bock (1969), p. 78.
[31] O porta-voz do KAPD, Carl Schlicht, depois comentou que os espartaquistas “sempre deixavam a porta de trás aberta para a social-democracia” (citado em Bock, 1969, p. 68).
[32] Gorter, Der Imperialismus, der Weltkrieg und der Sozialdemokratie, 1915; ver no capítulo 2 deste livro o trecho “As origens do nacionalismo no proletariado”.
[33] Bock (sem data), p. 23.
[34] Citado a partir de trechos de Bricianer (1969), p. 121 et seq.
[35] “Der Imperialismus und die Aufgaben des Proletariats” [O Imperialismo e as Tarefas do Proletariado]; o artigo foi reimpresso integralmente em Bock (sem data), p. 88-101.
[36] Woodrow Wilson, presidente dos Estados Unidos da América de 1913 a 1921 pelo Partido Democrata. [N. T.]
[37] O argumento Radical de Esquerda sobre esta questão é apresentado no artigo “The World Revolution” de 1918, de Gorter: “As nações aspiram frequentemente à genuína autodeterminação. Porém, por mais difícil que possa parecer, a realização deste direito não pode deixar de resultar no imperialismo salvo se ele for subordinado ao socialismo. O capitalismo, e em particular o imperialismo, não podem de fato resolver o problema da nacionalidade. As nações podem aceder à independência, mas neste caso a pequena nação se torna o peão em uma luta entre grandes nações ou entre pequenas nações entre si conforme elas buscam sujeitá-la ou anexá-la a si mesmas” (citado em Bricianer, 1969, p. 204).
[38] “Wenn der Krieg zu Ende geht” [Quando a guerra chegar ao fim], citado a partir dos trechos em Bricianer (1969), p. 84.
[39] Arbeiterpolitik, nº 12, 1917, citada em Bock (1969), p. 84.
[40] A palavra inglesa “union” foi adotada como distinta do alemão “Gewerkschaft” – trade union, ou sindicato. Onde se refere à concepção Radical de Esquerda, colocamos a palavra “union” entre aspas. [Utilizo união ou uniões para traduzir do alemão Union em oposição ao Gewerkschaft, ou sindicato, mas mantenho as aspas].
[41] Arbeiterpolitik, nº 22, 1917. Esta preocupação havia sido expressa no movimento socialista há alguns anos, por exemplo, no folheto The Mass Strike, the Political Party and the Trade Unions [A Greve de Massas, o Partido Político e os Sindicatos], de Rosa Luxemburgo, de 1906: “Em uma ação de massa revolucionária a luta econômica e a luta política são uma, e o limite artificial entre sindicato e social-democracia como duas formas separadas e completamente independentes do movimento operário é simplesmente aniquilado […]. Não há duas lutas de classe diferentes da classe trabalhadora, uma econômica e uma política, mas apenas uma luta de classes” (sem data, p. 74).
[42] Arbeiterpolitik, nº 10, 1917, citada em Bock (1969), p. 66.
[43] Franz Pfemfert (ed.), Karl Liebknecht, Politische Aufzeichnungen aus seinem Nachlass [Karl Liebkenecht: Registros Políticos de seu Abatimento] (1921), citado em Bock (1969), p. 64.
[44] Dilutees são trabalhadores não qualificados que são contratados para substituir um trabalhador qualificado, por exemplo, na guerra. [N. T.]
[45] Ver a discussão destas questões no ensaio de Rosa Luxemburgo, The Russian Revolution [A Revolução Russa], 1972.
[46] Gorter, Die Weltrevolution [A Revolução Mundial], 1918, citado em Bock (sem data), p. 25; este último contém o texto inteiro da seção intitulada “A revolução russa”, que Gorter acrescentou ao panfleto após a revolução de outubro.
[47] Citado em Bock (1969), p. 267.
[48] Pannekoek, Sozialdemokratie und Kommunismus [Social-Democracia e Comunismo], 1919, citado em Bricianer (1969), p. 154.
[49] Arbeiterpolitik, nº 23 de 1918; citada em Bock (1969), p. 94.
[50] Citado em Sebastian Haffner, Failure of a Revolution [Fracasso de uma Revolução], 1973, p. 40.
[51] Citado na introdução da Socialist Reproduction [Reprodução Socialista] ao artigo From Bourgeois to Proletarian Revolution de Rühle (1974), p. vii. Isto oferece um valoroso relato do movimento Radical de Esquerda.
[52] O industrialista Hugo Stinnes era diretor de um vasto império que se despedaçaria na crise inflacionária de 1923; Karl Legien foi presidente da Comissão Geral dos Free Trade Unions desde 1890 e de sua sucessora, a Confederação dos Sindicatos Alemães [Allgemeiner Deutscher Gewerskschaftsbund], desde sua formação em 1919.
[53] Haffner (1973), p. 102-103 [a tradução deste trecho foi corrigida a partir do original alemão].
[54] Dos 489 delegados, 288 representaram o SPD (dos quais 164 eram funcionários remunerados do partido), 90 eram do USPD, 25 eram burgueses democratas e 10 falavam em nome da Liga Espartaquista. O congresso negou a inscrição de Rosa Luxemburgo e outros “elementos políticos” (“November 1918: Kartoffeln – keine Revolution” [Novembro de 1918: Batatas – não uma revolução], Der Spiegel, nº 48, 1968, p. 121).
[55] Ebert dispensou o Congresso Nacional de Conselhos assim que ele foi tornado presidente pela recém-eleita Assembleia Nacional. A Arbeiterpolitik nº 49 (1918) havia identificado a convocação da Assembleia Nacional como “um ataque – não meramente uma defesa contra o massacre do proletariado”, uma tentativa de “erguer a ditadura da burguesia mais uma vez de uma forma democrática” (Citado em Bock, 1969, p. 95).
[56] Em uma biografia de Ernst Reuter escrita conjuntamente com Willy Brandt, defende-se que os delegados viam a remoção dos antigos estratos militares do poder como a precondição não da república de conselhos, mas da democracia parlamentar: “Nisto, eles demonstram uma percepção maior do que os verdadeiros políticos ao redor de Ebert” (citado em Der Spiegel, nº 48, 1968, p. 124).
[57] Der Kommunist, Bremen, 1918, nº 10, citado em Bock, op. cit. [Smart não especifica nem nesta nem nas próximas citações de qual das duas obras citadas de Bock ele retirou esta passagem], p. 89.
[58] Arbeiterpolitik nº 47, 1918, citado em ibid., p. 90.
[59] Arbeiterpolitik nº 49, 1918, citado em ibid., p. 91.
[60] Citado em ibid., p. 96. Cf. a carta 17 de janeiro de 1904 de Rosa Luxemburgo para Roland-Holst: “Para um movimento revolucionário, não avançar significa voltar para trás. O único meio de combater o oportunismo radicalmente é avançarmos nós mesmos, desenvolver a tática, intensificar o aspecto revolucionário do movimento. O oportunismo é de qualquer modo uma planta do pântano, que se desenvolve rápida e luxuosamente nas águas paradas do movimento; em uma corrente veloz, ela morrerá” (citada em Schorske, 1955, p. 33). Esta é apenas uma das muitas passagens das primeiras obras de Luxemburgo que poderiam ser promovidas contra a política que ela defendeu no KPD(S).
[61] Wolffheim havia editado um artigo da IWW da Costa Oeste antes da guerra e Karl Dannenberg, outro ex-militante da IWW, estava realizando agitações em Braunschweig com base em perspectivas da IWW. Para uma reapreciação da IWW, ver Bologna (1972).
[62] Para detalhes, ver Roth (1974), p. 51 et seq.
[63] Citado em Bock (1969), p. 194.
[64] “Leitsätze über kommunistische Grundsätze und Taktik” [Princípios orientadores sobre os princípios e táticas comunistas]; reimpresso na íntegra em Bock (1969), p. 360-363.
[65] Radek havia ficado impressionado com a determinação dos bolcheviques durante sua estadia em Moscou e já em abril de 1918 havia escrito que não bastava construir sobre a autonomia das massas. A partir de fevereiro de 1919, ele foi mantido em custódia em Berlim, atuando, não obstante, como intermediário entre os governos alemão e soviético. Foi da prisão que ele enviou seu artigo Zur Taktik des Kommunismus [Sobre a Tática do Comunismo] ao congresso de Heidelberg. Como outros ex-Radicais de Esquerda de Bremen, como Fröhlich e Becker, ele assumiu mais tarde uma linha de “esquerda” sobre o putsch [golpe] Kapp-Lüttwitz e o ato de março.
[66] A advertência de Levi contra confiar no “instinto caótico das massas em ebulição” é mais um eco de Kautsky, que havia visto a ação de massas como a obra de “massas variadas” (ver Bock, 1969, p. 362, e abaixo, p. 54 [artigo Marxist Theory and Revolutionary Tactics, de Anton Pannekoek]).
[67] Ver Bock [Smart não especifica de qual das duas obras citadas de Bock ele retirou esta passagem], p. 226-227.
[68] Pannekoek, “Der neue Blanquismus”, 1920; reimpresso na íntegra em Bock (sem data).
[69] O nom-de-guerre de Radek na Internacional Comunista.
[70] Ver Bock (sem data), p. 279. O resquício de Levi e da Internacional Comunista tentou pintar a esquerda com o pincel nacional-bolchevique, ainda que Wolffheim e Laufenberg tivessem sido expulsos do KPD(S) por seu suposto sindicalismo e não por seu nacional bolchevismo. O próprio KPD(S) adotou sua posição durante um tempo durante a ocupação francesa da Renânia em 1923.
[71] Esta unidade com suas cores vermelha, branca e preta, insígnia da suástica e seu virulento anticomunismo foi uma precursora direta da Schutzstaffel (SS) de Hitler.
[72] O Partido do Centro e o Partido Democrático vinham planejando forçar novas eleições no SPD antes da tentativa de golpe. Quando elas foram de fato realizadas em junho de 1920, a parcela da votação do SPD caiu pela metade dos 12 milhões de votos que recebera em janeiro de 1919, ao passo que a do USPD dobrou para 5 milhões. (Ver DeMasi e Marramao, “Councils and State in Weimar Germany” [Os Conselhos e o Estado na Alemanha de Weimar], 1976, p. 9 [versão em inglês disponível aqui]).
[73] O programa inteiro é reimpresso em Bock (1969), p. 407-416.
[74] Ver Bock (1969), p. 227 e Bricianer (1969), p. 161.
[75] Rühle, “Grundfragen der Organisation” [Questões Fundamentais da Organização], 1921; trechos em Bock, op. cit. [Smart não especifica de qual das duas obras citadas de Bock ele retirou estes trechos], p. 396-404.
[76] Depois da expulsão de Rühle por “atividades prejudiciais ao partido”, a tendência sindicalista da Saxônia do Leste se separou, levando junto metade dos membros da AAUD, e formou uma organização “integral” combinando a luta econômica e política, a AAU-E [Allgemeine Arbeiter-Union – Einheitsorganisation; União Geral dos Trabalhadores – Organização Unitária]. A principal questão entre os “unitários” (Einheitlern) e o Centro de Berlim era que este último defendia a visão de que os conselhos revolucionários só poderiam ser formados no decorrer real da revolução, ao passo que Rühle afirmava que uma organização que mantivesse a luta econômica e a luta política separadas era uma relíquia do passado burguês. (Ver From Bourgeois to Proletarian Revolution [1974], o parecer definitivo desta posição política, escrito em 1924) Rühle, anteriormente pedagogo, veio a enxergar o fracasso do movimento revolucionário como um produto da formação e da educação conformista das massas.
[77] Ver no capítulo 3 deste livro o artigo de Anton Pannekoek, World Revolution and Communist Tactics [Revolução Mundial e Tática Comunista].
[78] Offener Brief an den Genossen Lenin, Berlim, 1921; o texto foi reimpresso na íntegra em Bock (sem data), p. 168-227, e a seção “The question of the trade unions” [A questão dos sindicatos] foi publicada em inglês pela Opposionist [Oposicionista], Londres, 1973 e em Helmut Gruber (ed.), International Communism in the Era of Lenin [O Comunismo Internacional na Era de Lenin] (1972).
[79] Sigo a tradução para o inglês utilizada por Smart aqui, porém, a tradução mais correta do termo alemão Betriebsorganisationen é organizações da empresa ou do local de trabalho. [N. T.]
[80] Bock (1969), p. 257. Como Lenin afirmou em Esquerdismo: Doença Infantil do Comunismo, “Eu considero que estes [os comunistas de esquerda] têm a vantagem de serem mais capazes de levar adiante uma agitação entre as massas do que o último [o KPD(S)]” (1970, p. 114).
[81] O Partido Comunista dos Países Baixos havia rachado em linhas similares às do KPD(S) em virtude do apoio do grupo de Wijnkoop às forças da Entente. Um partido comunista de esquerda, o KAPN, foi formado após o 2º Congresso da Internacional Comunista; isto reproduziu, por sua vez, as facções do KAPD.
[82] Citado a partir de “World Communism” [Comunismo Mundial], citado em Socialist Reproduction, op. cit., p. xvi.
[83] “La politique de Gorter” [A política de Gorter], La Révolution Proletarienne, agosto/setembro de 1952; citado em Bock (1969), p. 273.
[84] Cf. Der Weg des Dr. Levi, der Weg der VKPD [O Caminho do Dr. Levi, o Caminho do VKPD] (1921), escrito em coautoria com Gorter; o artigo é discutido em Bock (1969), p. 305-307. Levi foi de fato expulso do VKPD por sua crítica da ação de março, ainda que Clara Zetkin tenha conseguido convencer a Internacional Comunista de que ela foi legítima.
[85] Pannekoek, “Sovjet-Rusland en het West-Europeesche Kommunisme“ [A Rússia Soviética no Comunismo da Europa Ocidental], De Nieuwe Tijd [O Novo Tempo],1921, p. 436-448; citado em Bricianer (1969), p. 220.
[86] Capítulo 6, p. 149-173. [N. T.]
[87] Pannekoek, Prinzip und Taktik, 1927, p. 141-148 e p. 178-186; versão resumida em Bricianer (1969), p. 224-236.
[88] Pannekoek também criticou o que via como determinismo econômico em Henryk Grossman; uma tradução de um artigo escrito por Pannekoek em 1934 e publicada pela tendência de “Essen” do KAPN, o “Groep van Internationale Communisten” [Grupo de Comunistas Internacionalistas], foi recentemente impressa como “The theory of the collapse of capitalismo” [A teoria do colapso do capitalismo está disponível em português aqui, em tradução nossa, feita a partir do alemão] (1977).
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