A Teoria do Colapso do Capitalismo – Anton Pannekoek

A Teoria do Colapso do Capitalismo[1]

Nos primeiros anos após a Revolução russa, predominou a ideia de que o capitalismo estava em sua crise final, em sua crise fatal. Quando o movimento operário revolucionário na Europa Ocidental se apaziguou, a III Internacional abandonou essa teoria, mas ela foi preservada pelo movimento de oposição, o KAPD (Partido Comunista Operário da Alemanha), que adotou a teoria da crise fatal do capitalismo como a característica distintiva entre as concepções reformistas e revolucionárias. A questão mais importante para a classe trabalhadora – e sua compreensão e táticas – é a necessidade e inevitabilidade do colapso e como isso deve ser entendido. Rosa Luxemburgo já lidara com essa teoria em 1912, em seu livro A Acumulação de Capital[2], chegando, nele, à conclusão de que num sistema capitalista puro e fechado onde o mais-valor necessário para a acumulação não pudesse ser realizado, seriam necessários anos de expansão constante do capitalismo através do comércio com países não capitalistas. Isto significa que quando esta expansão não fosse mais possível o capitalismo colapsaria e não poderia continuar a existir mais como um sistema econômico. É essa teoria, desafiada por lados diferentes assim que o livro foi publicado, à qual o KAPD se referia frequentemente. Uma teoria bastante diferente foi desenvolvida em 1929 por Henryk Grossmann em sua obra A Lei da Acumulação e o Colapso do Sistema Capitalista. Grossmann infere aqui que o capitalismo deve colapsar por motivos puramente econômicos no sentido de que, independentemente da intervenção humana, revoluções, etc., é impossível para ele continuar a existir como um sistema econômico. A grave e duradoura crise que se iniciou em 1930 certamente deixou as mentes das pessoas mais receptivas[3] a essa teoria da crise fatal. O manifesto recém-publicado dos United Workers of America torna a teoria de Grossmann a base teórica para uma nova direção para o movimento operário. É preciso, portanto, examiná-la criticamente. Mas para tal, não se pode evitar uma explicação preliminar da posição de Marx acerca desta questão e as discussões passadas ligadas a ela.

Marx e Rosa Luxemburgo

No livro II d’O Capital, Marx lidou com as condições gerais da produção capitalista como um todo. No caso abstrato da produção capitalista pura, toda produção é realizada para o mercado, todos os produtos são comprados e vendidos como mercadorias. O valor dos meios de produção é transferido para o produto e um novo valor é adicionado pelo trabalho. Este novo valor é dividido em duas partes: o valor da força de trabalho, pago como salários e usado pelos trabalhadores para comprar meios de subsistência, e o restante, o mais-valor, que vai para o capitalista. Onde o mais-valor é usado para meios de subsistência e bens de luxo, há uma reprodução simples; onde uma parte é acumulada como novo capital, há reprodução ampliada.

Para os capitalistas encontrarem no mercado os meios de produção de que necessitam e para os trabalhadores também encontrarem os meios de subsistência de que precisam, deve existir uma proporção dada entre os diversos ramos de produção. Um matemático expressaria isso simplesmente em fórmulas algébricas. Marx fornece, ao invés disso, exemplos numéricos para expressar essas proporções, elaborando casos com números selecionados para servirem de ilustração. Ele distingue duas esferas, dois setores principais de produção: o setor dos meios de produção (I) e o setor de meios de subsistência (II). Em cada um destes setores, um valor dado dos meios de produção utilizados é transferido ao produto sem sofrer qualquer alteração (capital constante, c); dada parte do valor recém-adicionado é usada para pagar a força de trabalho (capital variável, v); e a outra parte é o mais-valor (m). Se supusermos no exemplo numérico que o capital constante é quatro vezes maior que o capital variável (um montante que cresce com o progresso tecnológico) e que o mais-valor é igual ao capital variável (essa razão é determinada pela taxa de exploração), então, no caso da reprodução simples, as seguintes quantias satisfazem essas condições:

Cada uma das linhas satisfaz as condições. Já que v + m, usados como meios de consumo, são iguais à metade de c, o valor dos meios de produção, o setor II deve produzir um valor igual à metade do valor produzido no setor I. Logo, se encontra a proporção exata: os meios de produção produzidos (6000) são exatamente a quantidade necessária para o próximo período de rotação: 4000c para o setor I e 2000c para o setor II; e os meios de subsistência produzidos no setor II (3000) são exatamente o que deve ser ofertado para os trabalhadores (1000 + 500) e os capitalistas (1000 + 500).

Para ilustrar de maneira similar o caso da acumulação de capital, a parte do mais-valor que vai para a acumulação deve ser indicada; esta parte é adicionada ao capital no ano seguinte (para simplificar, se pressupõe um período de produção de um ano cada) de modo que um capital maior seja então empregado em cada departamento. Vamos pressupor em nosso exemplo que metade do mais-valor seja acumulado (e então usado para novos c e v) e que a outra metade é consumida (consumo, k). O cálculo da proporção entre o Departamento I e o Departamento II se torna um pouco mais complicado, mas esta ainda pode, é claro, ser encontrada. Observa-se que, dadas estas pressuposições, a proporção é 11/4, conforme demonstrado nos valores abaixo:

Os capitalistas precisam de 4400 + 1600 para a renovação e 440 + 160 para a extensão de seus meios de produção e de fato encontram o equivalente a 6600 meios de produção no mercado. Os capitalistas precisam de 550 + 200 para seu consumo, os trabalhadores originais precisam de 1100 + 400 e os novos trabalhadores de 110 + 40 como meios de subsistência que, juntos, equivalem aos 2400 de fato produzidos como meios de subsistência. No ano seguinte, todos os valores são aumentados em 10%:

A produção pode, assim, continuar aumentando todos os anos na mesma proporção. Este é obviamente um exemplo grosseiramente simplificado. Poderia ser mais complicado e, logo, mais próximo da realidade, se supusermos que há diferentes composições do capital (a razão c/v) nos dois setores, ou diferentes taxas de acumulação ou se fizermos a razão c/v crescer gradualmente, mudando, assim, a proporção entre o Setor I e o Setor II todos os anos. Em todos os casos, o cálculo se torna mais complicado, mas sempre possível de ser realizado, uma vez que um valor desconhecido – a proporção entre o Setor I e o Setor II – sempre pode ser calculado de maneira a satisfazer a condição de que oferta e demanda coincidam.

Exemplos disto podem ser encontrados na literatura. No mundo real, é claro, nunca se encontra equilíbrio total durante um período; mercadorias são vendidas por dinheiro e dinheiro só é usado depois para comprar outra coisa, de modo que o entesouramento funciona como um tampão e uma reserva. E as mercadorias continuam sem ser vendidas; e há troca com áreas não-capitalistas. Mas o ponto essencial e importante é visto com clareza a partir desses esquemas de reprodução: para que a produção se expanda e progrida constantemente, proporções dadas devem existir entre os setores produtivos; na prática, estas proporções são realizadas aproximadamente; elas dependem dos seguintes fatores: a composição orgânica do capital, a taxa de exploração e a proporção de mais-valor que é acumulado.

Marx não pôde fornecer uma apresentação cuidadosamente elaborada desses exemplos (ver a introdução de Engels ao livro II d’O Capital). Sem dúvida, é por isso que Rosa Luxemburgo acreditava ter descoberto uma omissão aqui, um problema que Marx negligenciara e deixara de resolver e cuja solução ela alcançara em seu livro A Acumulação de Capital. O problema é quem deveria comprar os produtos que continham o mais-valor. Se os setores I e II vendem um para o outro cada vez mais meios de produção e meios de subsistência, seria como um fútil andar em círculos, com nada saindo. A solução está no fato de que surgem compradores fora do capitalismo, mercados externos além-mar, cuja conquista é, portanto, uma questão vital para o capitalismo. Este é o fundamento econômico do imperialismo.

Mas a partir do que dissemos antes, está claro que a própria Rosa Luxemburgo cometeu um erro aqui. No esquema usado como exemplo, é possível ver claramente que todos os produtos são vendidos no próprio capitalismo. Não só a parte do valor transferido (4400 + 1600), mas também os 440 + 160 que contém o mais-valor acumulado são comprados como meios de produção físicos pelos capitalistas, que querem começar o ano seguinte com 6600 em meios de produção. E, do mesmo modo, os 110 + 40 do mais-valor são comprados pelos trabalhadores adicionados. Também não é sem propósito: produzir, vender um para o outro, consumir, acumular, produzir mais é toda a substância do capitalismo, isto é, da vida humana neste modo de produção. Não existe aqui um problema não resolvido que Marx deixou de observar.

Rosa Luxemburgo e Otto Bauer

Logo após a publicação do livro de Rosa Luxemburgo, vieram críticas de diversos campos. Assim, Otto Bauer também realizou uma crítica num artigo da Neue Zeit (7-14 de março de 1913)[4]. Naturalmente, nela, como em todas as outras críticas, mostrou-se que produção e compras se complementam, mas aqui a crítica tem essa forma particular de que a acumulação está relacionada ao crescimento populacional. Otto Bauer primeiro pressupõe uma sociedade socialista, na qual o crescimento populacional anual é de 5%; portanto, a produção de meios de subsistência também deve crescer na mesma proporção, sendo que a dos meios de produção deve aumentar mais rapidamente através do progresso tecnológico. Do mesmo modo, esta expansão deve ocorrer no capitalismo, mas aqui não através da regulação planejada, e sim através da acumulação de capital. Estabelece-se, portanto, um exemplo numérico que satisfaz essas condições da maneira mais simples: um aumento anual de 5% do capital variável, de 5% do capital constante e um aumento de 100% da taxa de exploração (m/v). Com estas condições se determina ao mesmo tempo, então, qual porção do mais-valor é acumulada para gerar o presumido aumento do capital e qual porção é consumida. Não são necessários cálculos complicados para construir uma fórmula que demonstre o aumento correto ano a ano.

Bauer realizou os cálculos para 4 anos e também calculou os valores separados para os Setores I e II. Isso foi o suficiente para o propósito de demonstrar que não havia problema no sentido que Luxemburgo indicara. Mas o caráter desta crítica em si tinha que provocar crítica: sua ideia fundamental já é destacada pela introdução de Bauer do crescimento populacional numa sociedade socialista. O capitalismo aparece aqui como um socialismo ainda não regulado, como uma criatura ainda indomada, selvagem, que só precisa da domadora mão socialista. A acumulação serve aqui somente para a expansão da produção necessária devido ao crescimento populacional, assim como o capitalismo tem a função geral de prover a humanidade com meios de subsistência; mas ambas as funções são irregulares ou mal cumpridas pela falta de planejamento, às vezes ofertando de mais e às vezes de menos, causando catástrofes. Agora, o leve crescimento de 5% ao ano pode ser adequado a uma sociedade socialista, onde toda a humanidade está bem organizada. Contudo, no caso do capitalismo, como ele era e é, isso não é adequado. Toda sua história é um ímpeto adiante, uma gigantesca expansão muito além dos limites do crescimento populacional. A força impulsionadora foi a necessidade da acumulação; a maior quantia possível de mais-valor foi investida como novo capital e para colocá-lo em movimento cada vez mais grupos da população foram atraídos neste processo. Havia e ainda há um grande excedente de pessoas ainda fora ou a meio caminho da reserva, absorvidas ou expelidas de acordo com a necessidade, prontas para as necessidades de valorização do capital acumulado. Na exposição de Bauer, esta característica fundamental e essencial foi completamente negligenciada.

Era óbvio que Rosa Luxemburgo tomaria este como o ponto de partida de sua contracrítica. Contra a demonstração de que não havia qualquer problema de omissão nos esquemas de Marx, não podia fazer muito mais que afirmações de que tudo poderia funcionar perfeitamente em exemplos numéricos artificiais. Mas tornar o crescimento populacional o regulador da acumulação era tão completamente contrário ao espírito dos ensinamentos marxianos que o subtítulo de sua anticrítica O que os epígonos fizeram da teoria de Marx[5]é adequado aqui. Não se trata aqui de um simples erro científico (como no caso da própria Luxemburgo); refletia o ponto de vista prático-político dos Socialdemocratas da época. Eles se sentiam os futuros estatistas que, ao tomarem o lugar dos políticos governantes, deveriam realizar a organização da produção; não viam, portanto, o capitalismo como a antítese completa da ditadura proletária que seria estabelecida com a revolução, mas, pelo contrário, como outra forma de produzir meios de subsistência que ainda não fora regulada e que poderia ser melhorada.

O esquema de reprodução de Henryk Grossmann

Henryk Grossmann relacionou seu esquema de reprodução àquele estabelecido por Otto Bauer. Grossmann observou que ele não pode ser continuado indefinidamente, mas que ele se depara com contradições quando continuado por um período mais longo. Isso é muito claro. Bauer supõe um avanço de capital constante de 200.000, com um crescimento anual de 10%, e de um capital variável de 100.000, com um crescimento anual de 5%; e a taxa de mais-valor como 100%, isto é, em todos os anos, o mais-valor é igual ao capital variável. Segundo as leis da matemática, uma quantia que cresce 10% anualmente se torna 2 vezes maior após 7 anos, 4 vezes maior após 14 anos, 10 vezes maior após 23 anos e 100 vezes maior após 46 anos. Uma quantia que cresce 5% ao ano só aumentou 10 vezes após 46 anos. O capital variável e o mais-valor, que no primeiro ano eram a metade do capital constante, são após 46 anos apenas 1/20 do capital constante, que cresceu muito mais colossalmente. O mais-valor não é, portanto, de modo algum o suficiente para o aumento de 10% do capital constante.

Isso não se deve somente à taxa de crescimento de 5% e 10% de Bauer, porque no capitalismo o mais-valor cresce, de fato, menos rapidamente que o capital. É bem conhecido que, no capitalismo, a taxa de lucro deve cair e Marx dedica vários capítulos de sua obra a isso. Quando a taxa de lucro cai a 5%, não é mais possível aumentar o capital em 10%, uma vez que a acumulação de capital é necessariamente menor do que o mais-valor em si. A taxa de acumulação tem, naturalmente, a taxa de lucro como seu limite superior (como Marx diz n’O capital, livro III, p. 236: “(…) a taxa de acumulação diminui com a taxa de lucro”). O uso de um valor fixo de 10% por alguns anos, como com Bauer, se torna inadmissível quando se continua o esquema de reprodução por mais anos.

Grossmann, despreocupado, contudo, dá continuidade ao esquema de Bauer ano a ano e acredita estar, assim, reproduzindo o capitalismo real. Ele encontra, então, os seguintes valores para o capital constante e variável, mais-valor, a acumulação necessária e a quantia restante para o consumo dos capitalistas (todos os valores arredondados para o milhar mais próximo).

Após 21 anos, a parte do mais-valor destinada ao consumo diminui; no 34º ano, ela desaparece, no 35º, há inclusive um déficit; o Shylock[6] do capital constante exige sem dó seu quilo de carne, querendo crescer a 10%, enquanto os pobres capitalistas ficam famintos e não guardam nada para seu consumo.

“A partir do 35º ano a acumulação não consegue, portanto, acompanhar o crescimento populacional – com base no respectivo progresso tecnológico. A acumulação seria muito pequena; necessariamente surgiria um exército de reserva, que teria que crescer a cada ano”[7].

Nessas circunstâncias, os capitalistas não pensarão em prosseguir com a produção. E não deveriam, se não podem; por causa do déficit de 11 na acumulação, eles devem reduzir a produção. (Na realidade, já deveriam tê-lo feito antes, por causa das despesas com seu consumo). Com isto, uma parte dos trabalhadores fica desempregada; então, uma parte do capital deixa de ser utilizada e produz menos mais-valor, a massa de mais-valor afunda e um déficit ainda maior surge na acumulação, com um aumento ainda maior no desemprego. Este é, então, o colapso econômico do capitalismo. O capitalismo se torna economicamente impossível. Grossmann resolve assim o problema que colocou: “Como, de que maneira, a acumulação pode levar ao colapso do capitalismo?”[8]

Encontramos aqui também o que foi sempre tratado na literatura marxista mais antiga como um equívoco burro dos adversários, para quem o nome “o grande crash” era o usual. Sem que exista uma classe revolucionária para derrotar e expropriar a burguesia, ocorre um fim puramente econômico do capitalismo; a máquina não quer funcionar mais, ela emperra, a produção se torna impossível. Nas palavras de Grossmann:

“Como, de que maneira, a acumulação pode causar o colapso da produção capitalista?”[9].

E numa passagem seguinte:

“(…) Com o progresso da acumulação de capital todo o mecanismo, apesar de interrupções periódicas, se aproxima cada vez mais de seu fim (…). Então, a tendência de colapso se sobrepõe e se estabelece em sua validade absoluta como a ‘última crise’.”[10]

Nesta passagem, onde se poderia acreditar momentaneamente que se trata do papel ativo do proletariado como agente da revolução, trata-se de mudanças nos salários e nas horas de trabalho que deslocam um pouco as bases e os resultados do cálculo. E, neste sentido, depois ele expõe:

“Demonstra-se assim que a ideia de que um colapso necessário por fundamentos objetivos não está em contradição com a luta de classes; o colapso, pelo contrário, apesar de sua necessidade objetiva, pode ser influenciado em grande parte pelas forças vivas das classes e deixa certa margem para a intervenção ativa das classes. É exatamente por isso que toda a análise de Marx desagua na luta de classes”[11].

O “por isso” é encantador: é como se em Marx a luta de classes significasse somente reivindicações quanto ao salário e ao tempo de trabalho.

Vejamos de mais perto o fundamento desse colapso. Sobre o que se baseia o necessário aumento anual de 10% do capital constante? Na passagem supracitada, diz-se que o avanço tecnológico (taxa de crescimento populacional dada) impõe determinado crescimento anual do capital constante. Então, seria possível dizer sem o desvio do esquema de reprodução: quando a taxa de lucro se tornar menor que o avanço tecnológico necessário exigido, o capitalismo deve perecer. Deixando de lado que isso não tem nada a ver com Marx: qual é esse crescimento do capital exigido pela tecnologia? Melhorias na tecnologia são introduzidas no contexto da competição entre capitais para abocanhar um lucro extra (mais-valor relativo); mas isso é limitado pelos recursos financeiros disponíveis. Todos também sabem que dúzias de novas invenções e avanços tecnológicos não são introduzidos e são frequente suprimidos pelos empresários para que os aparelhos tecnológicos não sejam desvalorizados. A necessidade do avanço tecnológico não opera como uma coerção externa; ela opera através do ser humano e para eles a necessidade não tem validade além de sua possibilidade.

Mas admitamos que isso esteja correto e que devido ao avanço tecnológico o capital constante deve ter uma proporção variável: no 30º ano, 3.170/412; no 34º, 4.641/500; no 35º, 5106/526; no 36º, 5.616/551. O mais-valor no 35º ano é só 525 mil e não é o suficiente para que se acrescente 510 mil ao capital constante e 26 mil ao capital variável. Grossmann deixa o capital constante crescer a 510 mil e mantém apenas 15 mil de crescimento do capital variável! 11 mil a menos. Sobre isso, diz:

“11.509 trabalhadores (dos 551 mil) ficam desempregados, formando o exército de reserva. Ademais, porque só uma parte da população trabalhadora ingressa no processo de produção, só uma parte da soma de capital constante (510.563) adicional será necessária para a compra de meios de produção. Se uma população de 551.584 exige um capital constante de 5.616.200, então uma população de 540.075 deve exigir um capital constante de apenas 5.499.015. Permanece, portanto, um capital em excesso de 117.185 sem possibilidade de investimento. Logo, o esquema exibe um exemplo perfeito do que Marx tinha em mente quando deu o título de Excedente de capital com excesso de população à seção correspondente no livro III d’O Capital.”[12]

Grossmann evidentemente não observou que esses 11.000 trabalhadores ficam desempregados só porque ele passa de maneira totalmente arbitrária e sem qualquer fundamento todo o déficit para o capital variável enquanto deixa o capital constante crescer seus 10% calmamente, como se nada estivesse acontecendo; mas, depois, quando percebe que não há nenhum trabalhador para essas máquinas, ou melhor dizendo, que não há dinheiro para pagar seus salários, ele prefere não deixar que essas máquinas sejam fabricadas e agora tem que deixar o capital inutilizado. Apenas por meio dessas gafes ele chega ao “exemplo perfeito” de um fenômeno que aparece nas habituais crises capitalistas. Na realidade, os empresários só podem ampliar sua produção na medida em que seu capital, tanto para máquinas como para salários, for suficiente. Se o mais-valor total for insuficiente, ele será distribuído (com a suposta pressão tecnológica) proporcionalmente às partes componentes do capital; os cálculos mostram que do mais-valor de 525.319, 500.409 devem se tornar capital constante e 24.910 devem se tornar capital variável para satisfazermos a proporção correta do progresso tecnológico; não são 11.000, mas sim 1.356 trabalhadores liberados e não há problema de capital em excesso. Conduzindo-se o esquema corretamente, ao invés de uma catastrófica liberação de trabalhadores, ocorre um aumento muito lento da liberação de trabalhadores.

Mas como é possível atribuir este suposto colapso a Marx e trazer dezenas de citações de Marx capítulo após capítulo? Todas essas citações dizem respeito à crise econômica, às mudanças de conjunturas, de crescimento e declínio. Ao passo que o esquema deveria servir para mostrar um colapso econômico definitivo após 35 anos, Grossmann diz duas páginas depois: “A teoria marxiana do ciclo econômico aqui apresentada” (p. 123). Somente através da contínua interpolação de frases de Marx que tratam das crises periódicas é que Grossmann pode dar a impressão de que apresenta uma teoria de Marx. Mas não se encontra em Marx nada sobre um colapso definitivo como no esquema de Grossmann. Na verdade, Grossmann faz citações que não tratam da crise. Ele escreve na página 263: “Mostra-se que ‘encontra no desenvolvimento das forças produtivas uma barreira’”[13]. Porém, se abrirmos o livro III nesta página, lemos:

Em seu horror [isto é, de Ricardo e dos outros economistas] à taxa decrescente de lucro, o que importa é o sentimento de que o modo de produção capitalista encontra no desenvolvimento das forças produtivas uma barreira (…)”[14].

O que é algo bem diferente. E cita, na página 79, para provar que a palavra colapso deriva de Marx:

“Esse processo logo provocaria o colapso da produção capitalista, se tendências contra­-arrestantes não atuassem constantemente com um efeito descentralizador junto à força centrípeta”[15].

Estas tendências contra-arrestantes, que Grossmann frisa corretamente, se relacionam ao “em breve”, de modo que com elas o processo ocorra apenas mais lentamente. Mas Marx estava falando ali de um colapso econômico puro? Leiamos a frase anterior de Marx:

“Esse divórcio entre as condições de trabalho, de um lado, e os produtores, de outro, é o que forma o conceito de capital; um divórcio que tem início com a acumulação primitiva aparece em seguida como processo constante na acumulação e na concentração do capital e, por fim, se expressa aqui na centralização de capitais já existentes em poucas mãos e na descapitalização de muitos (fenômeno no qual se converte agora a expropriação)”[16].

Assim, está muito claro que o colapso resultante é – como é frequente em Marx – simplesmente representado pelo fim do capitalismo através do socialismo. Também não há nada nas citações de Marx: nelas tampouco é possível ler sobre uma catástrofe econômica final, como se pode deduzir a partir do esquema de reprodução. Mas ele pode servir para apresentar e explicar as crises periódicas? Grossmann tenta casar as duas: “A teoria marxiana do colapso é simultaneamente uma teoria da crise”, diz o título do capítulo 8 de seu livro. Mas Grossmann não fornece nenhuma prova além de uma figura na página 141, na qual uma “linha de acumulação” crescente e torta é dividida em pedaços menores. Conforme o esquema, contudo, o colapso só deve se iniciar após 35 anos e, enquanto que uma crise ocorre a cada 5 ou 7 anos, no esquema tudo permanece funcionado lindamente.

Se se deseja um colapso mais rápido, basta que o aumento anual não seja de 10%, mas sim muito maior. Na verdade, quando o ciclo econômico é de expansão, o capital cresce muito mais rapidamente, contudo isto não está relacionado aos avanços tecnológicos; o volume da produção aumenta bruscamente. O capital variável certamente também cresce bruscamente. Donde então esse colapso deve vir a cada 5 ou 7 anos permanece obscuro. Isto é, as causas efetivas que produzem o rápido crescimento e então o colapso são de natureza totalmente diferente do indicado no esquema de reprodução de Grossmann.

Marx fala de sobreacumulação dando início à crise, uma acumulação demasiada de mais-valor que não encontra oportunidade de investimento e comprime os lucros; o colapso de Grossmann surge da falta de mais-valor acumulado.

O excesso simultâneo de capital desempregado e de trabalhadores desempregados é uma forma fenomenal típica da crise; o esquema leva a uma escassez de capital, que só pode ser reconstruída como abundância de capital pelo erro supracitado de Grossmann. Ao passo que o esquema de Grossmann não é capaz de provar o colapso final, ele também não condiz com os fenômenos de colapso reais, as crises.

Também é possível acrescentar que seu esquema sofre, conforme sua origem, da mesma falha daquele de Bauer: o real e tempestuoso ímpeto adiante do capitalismo sobre o mundo coloca sob seu domínio ainda mais povos representados aqui por um manso crescimento populacional de 5%, como se o capitalismo existisse numa economia nacional fechada.

Grossmann contra Marx

Grossmann se vangloria de ter com isso reconstruído corretamente pela primeira vez, aqui, a teoria de Marx contra as distorções dos socialdemocratas.

“Um desses novos acréscimos ao conhecimento (…) é a compreensão da teoria do colapso, a compreensão da coluna de sustentação do sistema de pensamento econômico de Karl Marx”[17].

Vimos quão pouco aquilo que Grossmann considera como a teoria do colapso tem a ver com Marx. Ao menos, por sua interpretação especial, ele pode acreditar estar de acordo com Marx. Mas há outros pontos nos quais isso não é válido, já que Grossmann considera seu esquema uma representação correta do desenvolvimento capitalista e deduz a partir dele diversas explicações sobre vários pontos que contradizem as perspectivas desenvolvidas n’O capital, como o próprio observou parcialmente.

Isso se aplica primeiramente ao exército industrial de reserva. Segundo o esquema de Grossmann, a partir do 35º ano, uma quantidade de trabalhadores fica desempregada e surge um exército de reserva.

“O surgimento do exército de reserva, isto é, a liberação de trabalhadores que é discutida aqui, deve ser rigorosamente distinguido da liberação dos trabalhadores pelas máquinas. A expulsão dos trabalhadores pelas máquinas, que Marx descreveu empiricamente no livro I d’O capital (capítulo 13), é um fato tecnológico (…). Mas a liberação do trabalhador, o surgimento do exército de reserva do qual Marx fala no capítulo sobre a acumulação (capítulo 23) – até agora completamente ignorado na literatura – não é provocado pelo fato tecnológico da introdução de máquinas, mas sim pela ausência de valorização”[18].

Isso se resume a dizer: se os pardais voam longe, não é por causa do tiro da espingarda, mas por serem assustadiços. Os trabalhadores são suplantados pelas máquinas; a ampliação da produção permite que parte deles encontre trabalho novamente; nesse vaivém, uma parte fica no caminho e a outra fica de fora. Então, o fato de não terem ainda encontrado emprego deve ser considerado o motivo de estarem desempregados? Se o capítulo 23 d’O capital for lido, sempre é a suplantação pelas máquinas a causa do exército de reserva, que ou é parcialmente absorvido ou liberado e se reproduz como sobrepopulação. Grossmann se empenha em provar que a relação econômica em operação aqui é a relação c/v e não a relação tecnológica Mp/T[19]; na verdade, ambas são idênticas. Mas a constituição do exército de reserva onde trabalhadores são substituídos por máquinas, que segundo Marx ocorre sem cessar e por toda a parte desde o início do capitalismo, não é idêntica à suposta constituição do exército de reserva que, de acordo com Grossmann, resulta da sobreacumulação após 34 anos de avanço tecnológico.

Isso vale igualmente para a exportação de capital. Em explicações longas, todos os autores marxistas, Eugen Varga, Nikolai Bukharin, M. I. Nachimson, Rudolf Hilferding, Otto Bauer, Rosa Luxemburgo, são, um após o outro, derrubados porque todos afirmaram que a exportação de capital ocorre por causa de lucros maiores. Nas palavras de Varga: “Não é porque seria absolutamente impossível acumular capital no país (…), mas porque no exterior há a perspectiva de lucros maiores”[20].

Grossmann ataca essa opinião como incorreta e não marxista: “O motivo da exportação de capital não são os lucros maiores no exterior, mas a falta de possibilidades de investimento no país”[21].

Grossmann traz, então, uma citação de Marx a respeito da sobreacumulação e remete a seu esquema, no qual, após 35 anos, a crescente massa de capital não encontra mais emprego no país e, por isso, deve ser exportada.

Lembremos que segundo o esquema, contudo, havia muito pouco capital para o crescimento populacional e o capital em excesso, em seu caso, foi apenas um erro de cálculo.

“Se capital é mandado para o exterior, isso não ocorre por ser impossível ocupá­-lo no interior, mas porque no exterior pode­-se investi­-lo com uma taxa de lucro mais alta”[22].

A queda da taxa lucro é um dos aspectos mais importantes da teoria de Marx. Ele foi o primeiro teórico a esclarecer e a comprovar como essa queda tendencial que se impõe periodicamente nas crises é a encarnação da finitude do capitalismo. Com Grossmann, porém, é outro fenômeno que se evidencia: após 35 anos, trabalhadores em massa são liberados e o capital se torna simultaneamente redundante; assim, o déficit no mais-valor se agrava no ano seguinte e ainda mais trabalho e capital são deixados parados; com a redução do número de trabalhadores, a produção de mais-valor é diminuída e, logo, o capitalismo afunda cada vez mais fundo em sua catástrofe. Grossmann não viu a contradição aqui? Sim, viu; então, após dar início a algumas observações, ele se põe a trabalhar no capítulo Os motivos da incompreensão da teoria marxiana da acumulação e do colapso [Die Ursachen der Verkennung der Marxschen Akkumulations und Zusammenbruchtstheorie]:

“Então é hora de reconstruir a teoria marxiana do colapso. Essa circunstância pode ter originado, externamente, a incompreensão (…) de que o capítulo 3 do livro III (…) [foi, como Engels afirmou no prefácio] “uma série inteira de elaborações matemáticas incompletas”.”[23]

Em sua edição, Engels teve a ajuda de seu amigo matemático Samuel Moore:

“Mas Moore não era um economista (…). A maneira com que esta parte da obra foi escrita já torna plausível que aqui haja diversos erros e equívocos e estes poderiam facilmente afetar o capítulo sobre a queda tendencial da taxa de lucro. [Nota bene: estes capítulos foram preparados por Marx!] A probabilidade de erro se torna quase uma certeza quando consideramos que se trata aqui de uma palavra, mas que é infeliz o bastante para deturpar completamente o sentido de toda a apresentação do inevitável fim do capitalismo, que fica atribuído à queda relativa da taxa de lucro. Aqui, Engels ou Moore sem dúvida se equivocaram”[24].

Então é com isso que se parece a reconstrução da teoria de Marx! Numa nota é feita outra citação, que diz:

“Nas palavras escritas entre os parênteses, ou Marx ou Engels cometeram um erro: deveria ler-se corretamente que “simultaneamente uma taxa de lucro que cai relativamente”.”[25]

Agora é Marx quem comete erros! E agora se trata de uma passagem, como dada no texto d’O capital, que claramente não é ambígua. Toda a exposição de Marx, que se encerra com aquela frase que Grossmann sente necessidade de corrigir, serve como continuação duma passagem na qual Marx afirma:

“(…) A massa do mais­-valor por ele produzida, ou seja, a massa absoluta do lucro por ele produzido, podem então aumentar, e progressivamente, apesar da queda progressiva da taxa de lucro. E não só pode ser o caso, como tem de ocorrer necessariamente assim – abstraindo de flutuações transitórias – sobre a base da produção capitalista”[26].

Então, segue com uma explicação do motivo de a massa de lucro ter que aumentar e diz novamente:

“Portanto, à medida que se desenvolve o processo de produção e acumulação, tem de aumentar, do mesmo modo, a massa do mais­-trabalho suscetível de apropriação e apropriado e, por conseguinte, a massa absoluta do lucro apropriado pelo capital social”[27].

Ou seja, totalmente o contrário do fenômeno de colapso concebido por Grossmann. E nas páginas seguintes, isso é repetido mais vezes; todo o capítulo 13 consiste numa exposição da “lei segundo a qual a queda da taxa de lucro ocasionada pelo desenvolvimento da força produtiva está acompanhada de um aumento na massa dos lucros”[28].

Logo, não pode haver a menor dúvida de que Marx queria dizer exatamente o que foi ali impresso e não cometeu de modo algum um equívoco. E quando Grossmann escreve: “O colapso não pode ser derivado, contudo, da queda na taxa de lucro. Como que um simples número, uma relação percentual poderia causar o colapso dum sistema real?”[29], e demonstra mais uma vez que não entendeu nada de Marx e que sua teoria do colapso está em completa contradição com Marx.

Foi aqui que poderia ter se convencido da falta de sustentação de sua construção. Mas se tivesse deixado Marx ensinar-lhe algo aqui, sua teoria teria sido abandonada e seu livro não teria sido escrito.

É possível se referir adequadamente à obra de Grossmann como uma colcha de retalhos de centenas de citações de Marx incorretamente aplicadas e juntadas numa teoria fabricada. De qualquer modo, onde é necessária uma prova introduz-se uma citação de Marx que está relacionada a isso e a precisão das palavras de Marx deve dar ao leitor a impressão de que a teoria é verossímil.

O Materialismo Histórico

Por fim, a questão que merece atenção é como um economista que crê estar representando corretamente as ideias de Marx e que inclusive declara com uma autoconfiança ingênua que é o primeiro a apresentar a interpretação correta pode estar tão longe da verdade e em completa contradição com Marx. O motivo está na ausência de uma concepção materialista-histórica. Não se compreenderá de modo algum a economia marxiana sem adotar o modo de pensar materialista-histórico.

Para Marx, o desenvolvimento da sociedade humana, e também o desenvolvimento econômico do capitalismo, é determinado por uma necessidade fixa, como que por uma lei natural. Mas é ao mesmo tempo obra dos seres humanos, que desempenham nela seu papel, na medida em que todos, com consciência e vontade – ainda que não seja consciência do todo social –, determinam suas próprias ações. Na concepção burguesa isso é uma contradição; ou os acontecimentos dependem da vontade humana, ou, se são determinados por uma lei, atuam como coerções mecânicas extra-humanas. Para Marx, todas as necessidades são estabelecidas pelos seres humanos; isso quer dizer que os pensamentos, desejos e ações dos seres humanos – apesar de aparecerem como livre arbítrio para os próprios – são completamente determinados pela ação do ambiente; é somente através da totalidade destes atos humanos, determinados principalmente por forças sociais, que uma norma legal se impõe no desenvolvimento social.

As forças sociais que determinam o desenvolvimento não são, por isso, puramente econômicas, mas ações políticas gerais determinadas por eles que devem garantir à produção as normas jurídicas necessárias. A legalidade não reside somente no funcionamento da concorrência, que iguala preços e lucros e concentra capitais, mas também na implementação da livre concorrência, da produção livre através das revoluções burguesas. Não só no movimento dos salários, na expansão e contração da produção em tempos prósperos e de crise, no fechamento de fábricas e demissão de trabalhadores mas também nas revoltas e lutas dos trabalhadores em sua tomada do controle da sociedade e da produção para estabelecer novas normas legais. A economia, como a totalidade de seres humanos trabalhando e lutando por suas necessidades vitais, e a política (em sentido lato) como a ação e lutas desses seres humanos como totalidade, como classe, por suas necessidades vitais constitui um único campo unificado de desenvolvimento legal. A acumulação de capital, as crises, a pauperização, a revolução proletária e a tomada do poder pela classe trabalhadora constituem juntas uma unidade inseparável que funciona como uma força natural para o colapso do capitalismo.

O modo de pensar burguês, que não abrange essa unidade, desempenhou um grande papel não só externa, mas internamente no movimento operário. Na antiga socialdemocracia radical a concepção fatalista – compreensível à luz das circunstâncias históricas – de que a revolução inevitavelmente viria um dia, mas de que agora os trabalhadores não deveriam arriscar agir, era válida. O reformismo pôs em dúvida a necessidade da revolução violenta e pensava que a sensatez dos estatistas e líderes domaria o capital através de reformas e organização. Outros acreditavam que o proletariado deveria ser educado com a virtude revolucionária por meio de sermões morais. Sempre faltou a consciência de que essa virtude só encontrava sua necessidade natural através da luta econômica e de que a revolução só encontrava sua necessidade natural através da força espiritual dos homens. Há outras concepções agora. O capitalismo tem se demonstrado por um lado forte e inatacável contra todos os reformismos, toda liderança e todas as tentativas de revolução; tudo isso parece ridiculamente insignificante contra sua enorme força. Mas, ao mesmo tempo, terríveis crises revelam sua insustentabilidade. Quem pegar e estudar Marx agora, ficará impressionado com o caráter de lei do colapso e se entusiasmará com essa ideia.

Mas se seu modo de pensar for profundamente burguês, não será possível compreender a necessidade senão como uma coerção externa agindo sobre os humanos. O capitalismo é, para ele, um sistema mecânico, no qual os seres humanos atuam como pessoas econômicas, capitalistas, vendedores, compradores, assalariados, etc., mas, além disso, têm que se submeter passivamente àquilo que o mecanismo lhes impõe devido a sua estrutura interna.

Esta concepção mecanicista pode ser reconhecida na exposição de Grossmann dos salários, quando ele ataca Luxemburgo duramente – “Encontra-se por toda a parte uma mutilação incrível dos elementos da teoria marxiana do salário”[30] –, exatamente onde ela está totalmente correta de tratar o valor da força de trabalho como uma das grandezas elásticas de acordo com o padrão de vida alcançado. Para Grossmann, o valor da força de trabalho “não é uma grandeza elástica, mas sim uma grandeza fixa”[31]; algo tão arbitrário como a luta dos trabalhadores não pode ter influência sobre ele; somente com uma maior intensidade do trabalho é que mais força de trabalho deve ser despendida e, por esse motivo, o salário também deve aumentar.

Aqui está a mesma concepção mecanicista: o mecanismo determina a grandeza econômica enquanto os homens que lutam e atuam ficam de fora desta relação. Para isso, Grossmann apela para Marx, onde este fala sobre o valor da força de trabalho: “No entanto, a quantidade média dos meios de subsistência necessários ao trabalhador num determinado país e num determinado período é algo dado”[32]; mas ele infelizmente não percebeu que em Marx essa passagem é imediatamente precedida por: “Diferentemente das outras mercadorias, a determinação do valor da força de trabalho contém um elemento histórico e moral”[33]

A partir do seu modo de pensar burguês, Grossmann diz, consequentemente, em sua crítica das diferentes concepções socialdemocratas: “Nós vemos: o colapso do capitalismo ou foi desmentido ou foi fundamentado, de uma maneira voluntarista, mas política, em momentos extra-econômicos. Não foi fornecida uma prova econômica da necessidade do colapso do capitalismo”[34].

E ele cita aprovadamente uma concepção de Tugan-Baranowsky de que primeiro se deve apresentar uma prova rigorosa da impossibilidade da continuidade do capitalismo e só então se prova a necessidade da transformação do capitalismo em seu oposto. O próprio Tugan-Baranowsky responde negativamente a essa impossibilidade e deseja dar uma justificativa ética para o socialismo. Mas Grossmann escolher como sua testemunha esse economista liberal russo que, como se sabe, sempre foi completamente alheio ao marxismo, demonstra o quão parecido é o fundamento de seus pensamentos, apesar dos diferentes pontos de vista práticos[35]. A concepção marxiana de que o colapso do capitalismo será uma ação da classe trabalhadora, de que será, portanto, um ato político (no sentido mais geral dessa palavra: geral-social [allgemein-gesellschaftlich], que é inseparável da tomada do poder econômico), só pode ser compreendido como “voluntarista”, isto é, que será regulado pela vontade dos homens.

O colapso do capitalismo em Marx depende da ação volitiva da classe trabalhadora; mas essa vontade não é um livre arbítrio, mas totalmente determinada pelo desenvolvimento econômico. As contradições da economia capitalista que sempre emergem novamente no desemprego, nas crises, nas guerras e nas lutas de classes determinam a vontade por revolução do proletariado. Não é por causa do colapso econômico do capitalismo que os seres humanos, trabalhadores e outros, forçados pela necessidade a criar uma nova organização, que surge o socialismo, mas porque o capitalismo, conforme vive e cresce, se torna cada vez mais insuportável para os trabalhadores e os impele constantemente à luta até que tenha crescido neles a vontade e a força para derrubar a dominação do capital e construir uma nova organização e o capitalismo colapse. Eles são levados a agir não porque essa intolerabilidade é demonstrada de fora, mas porque a sentem espontaneamente como tal. A teoria marxiana demonstra, como economia, como esses fenômenos inevitavelmente reaparecem ainda mais fortes e, como materialismo histórico, que deles, então, surgem necessariamente a vontade revolucionária e a ação revolucionária.

O Novo Movimento Operário

É compreensível que o livro de Grossmann tenha atraído alguma atenção entre os porta-vozes do novo movimento operário porque se dirige ao mesmo adversário que eles. Eles têm que lutar contra a socialdemocracia e o comunismo partidário da III Internacional, vinhos da mesma safra, porque estes acomodam a classe trabalhadora ao capitalismo. Grossmann acusa os teóricos das correntes de terem desfigurado e falsificado a teoria de Marx e realça a necessidade de colapso do capitalismo. Suas conclusões soam parecidas com a nossa; sentido e essência são, contudo, completamente diferentes. Nós também somos da opinião de que os teóricos socialdemocratas, que eram bons conhecedores de teoria, desfiguraram, no entanto, as doutrinas de Marx; mas seu erro foi histórico, cristalizado como teoria, de um período anterior da luta do proletariado. Seu erro é o de um economista burguês que nunca conheceu na prática a luta do proletariado e, portanto, não compreende a essência do marxismo.

Encontramos em sua teoria dos salários um exemplo de como suas conclusões estão aparentemente de acordo com a concepção do novo movimento operário, mas que são completamente opostas na essência. Segundo seu esquema, após 35 anos, se inicia com o colapso um rápido aumento do desemprego. Com isso, os salários afundam bem abaixo do valor da força de trabalho sem que uma resistência eficaz seja possível.

“Aqui está dado o limite objetivo da ação sindical” (p. 599). Por mais que isto soe familiar, o fundamento é diferente. A impotência da ação sindical não ocorre por causa de um colapso econômico, mas sim por uma mudança de poder social. Todos sabem como esse aumento do poder das associações de empregadores do grande capital concentrado enfraqueceu relativamente a classe trabalhadora. Acrescenta-se a isso agora o efeito de uma grave crise que deprime os salários, como sucedeu em todas as crises anteriores. O colapso puramente econômico do capitalismo que Grossmann constrói não significa uma passividade completa do proletariado, pois, quando esse colapso acontece, é exatamente o proletariado que deve então sublevar-se e fundar a produção sobre uma nova base.

“Assim, o desenvolvimento incita a expansão e o acirramento dos antagonismos entre capital e trabalho, cuja solução só pode vir da luta de ambos”[36]. E essa luta final também está relacionada à luta salarial se (como já dissemos acima) a catástrofe for ligeiramente retardada com a depressão dos salários, ou se for, por outro lado, acelerada com o aumento dos salários. Mas a catástrofe econômica é, não obstante, o momento essencial e o novo arranjo é imposto aos humanos. É verdade que os trabalhadores, como maioria da população, serão a força maior da revolução, do mesmo modo que constituíram a força maciça da ação nas revoluções burguesas anteriores, mas, como em revoltas da fome em geral, isso independe da maturidade revolucionária, de sua própria capacidade de tomar o poder da sociedade e mantê-lo em suas mãos. Isso significa que um grupo revolucionário, um partido com objetivos socialistas deve tomar o poder em lugar do antigo para implantar no lugar do capitalismo uma economia planejada. Esta teoria da catástrofe econômica é, portanto, adequada aos intelectuais, que reconhecem a insustentabilidade do capitalismo e desejam que uma economia planejada seja construída por líderes e economistas capazes; e é de se esperar que surjam destes círculos algumas teorias desse tipo ou que nele sejam aplaudidas.

A teoria da catástrofe necessária também poderá exercer certa fascinação nos trabalhadores revolucionários. Ainda veem a enorme massa do proletariado como presa às antigas organizações, lideranças e métodos, cega às tarefas que o novo desenvolvimento lhe impôs, passiva e imóvel, sem qualquer sinal de vigor revolucionário. E os poucos revolucionários que reconhecem o desenvolvimento gostariam de desejar às massas apáticas um eficiente colapso econômico para que elas finalmente despertem de seu sono e entrem em ação. A teoria de que o capitalismo já entrou numa crise final também fornece uma refutação tão definitiva e simples a todo reformismo e a todos os programas de partido que priorizam o trabalho parlamentar e a movimentação sindical, uma prova de que uma tática revolucionária é necessária que é tão cômoda que os grupos revolucionários devem acolhê-la com simpatia. Mas a luta nunca é tão simples e cômoda, nem mesmo a luta teórica por fundamentos e provas.

O reformismo foi não só durante a crise mas também durante a prosperidade uma tática que enfraqueceu o proletariado. O parlamentarismo e a tática sindicalista se demonstraram ineptos não só na crise, mas já o fizeram nos últimos cem anos.  Não é por causa de um colapso econômico do capitalismo, mas sim por seu descomunal desenvolvimento de poder, sua extensão por toda a Terra, seu agravamento dos antagonismos políticos, seu enorme reforço do seu poder interno, que o proletariado deve tomar uma ação de massas, mobilizando o poder de toda a classe. Nesta deslocação de poder está o fundamento da nova orientação do movimento operário.

A classe trabalhadora não tem que esperar uma catástrofe final, mas muitas catástrofes, políticas – como a guerra – e econômicas – como as crises – que irrompem às vezes regular, às vezes irregularmente, mas que no todo, com o aumento das dimensões do capitalismo, se tornam cada vez mais devastadoras. Nisso, desmoronarão mais uma vez as ilusões e as tendências de quietude do proletariado e lutas de classes cada vez mais profundas e nítidas irromperão. Parece contraditório que a crise atual, tão profunda e devastadora como nenhuma antes, não mostre nada de um despertar da revolução proletária. Mas a erradicação de ilusões antigas é sua primeira grande tarefa; de um lado, a ilusão de tornar o capitalismo tolerável por meio da ação sindical e da política parlamentar socialdemocrata por meio de reformas, de outro, a ilusão de que é possível derrubar num assalto o capitalismo sob a liderança dum partido comunista, do qual nascerá a revolução. A própria classe trabalhadora como massa tem que liderar a luta e, enquanto a burguesia já fortalece ainda mais seu poder, tem que saber se orientar nas novas formas de luta. Lutas mais intensas não deixarão de ocorrer. E mesmo que essa crise abrande, novas lutas e novas crises virão. Nessas lutas a classe trabalhadora desenvolverá sua força de lutar, encontrará seus objetivos, se educará, se descobrirá e se tornará independente e tomará o destino em suas próprias mãos, isto é, a produção social em si. Nesse processo, se consumará a queda do capitalismo. A autolibertação do proletariado é o colapso do capitalismo.


[1] O presente texto foi escrito por Anton Pannekoek e publicado em Rätekorrespondenz, 1934, n. 1 (Junho). A tradução foi realizada por Thiago Papageorgiou. Tradução segundo a versão em: https://www.aaap.be/Pages/Pannekoek-de-1934-Die-Zusammenbruchstheorie-Des-Kapitalismus.html. A versão em inglês: https://www.aaap.be/Pages/Pannekoek-en-1977-The-Theory-Of-The-Collapse-Of-Capitalism.html (NT).  

[2] Rosa Luxemburgo, A Acumulação do Capital, Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1970.

[3] No artigo de Pannekoek publicado originalmente em alemão, Die Zusammenbruchstheorie des Kapitalismus, aparece a palavra empfänglich que significa mais receptivo, sensível, suscetível. Na versão em inglês o termo está ausente. Outra diferença é a tradução de “Department I and II” na versão em inglês, que em português seria “Departamento I e II”. No alemão aparecem as palavras “Setores I e II” [Abteilungen], o que em nossa visão é a tradução mais adequada. Por conta dessas diferenças a tradução foi realizada de acordo com a versão original em alemão (NT).

[4] Otto Bauer, Die Akkumulation des Kapitals. A crítica só está disponível em alemão, em 2 partes, no website da Bibliotek der Friedrich-Ebert-Stiftung: https://tinyurl.com/8dfkj33v; https://tinyurl.com/4fuhwmrc (NT).

[5] Este artigo foi publicado em português com o título de Crítica dos Críticos ou O que os epígonos fizeram da teoria marxista como apêndice à edição da Zahar Editores de 1970 de A Acumulação do Capital (NT).

[6] Personagem da peça O Mercador de Veneza, de William Shakespeare (NT).

[7] Grossman (1929), p. 126. Todas as citações do Grossmann foram traduzidas a partir do original em alemão, Das Akkumulations und Zusammenbruchs gesetz des kapitalistischen Systems, Leipzig, Verlag von C. L. Hirschfeld, 1929. O livro está disponível em: http://pombo.free.fr/grossmann29.pdf (NT).

[8] Grossmann (1929), p. 79.

[9] Grossmann (1929), p. 140.

[10] Grossmann (1929), p. 601.

[11] Grossmann (1929), p. 602.

[12] Grossmann (1929), p. 126. A seção que o autor se refere é a III do capítulo 15. (NT).

[13] Karl Marx (2017), O Capital, livro III, São Paulo, Boitempo, 2017, p. 282. Todas as citações da obra O Capital de Karl Marx, tanto do livro I quanto do livro III, foram retiradas da versão brasileira disponibilizada pela Boitempo. Além disso, comparamos a tradução da Boitempo com as citações realizadas por Pannekoek em seu artigo e também com a versão do Capital (MEW 23, 23 do Livro I, e 25 do Livro III – Marx Engels Werke) originalmente escrita em alemão (NT).

[14] Marx (2017), p. 282.

[15] Marx (2017), p. 286. Em alemão, o termo widerstrebende Tendenzen pode ser traduzido como tendências contra-arrestantes, como podemos ver nesta tradução da Boitempo. Na versão em inglês, traduzida a partir do alemão, aparece o termo counteracting tendencies que pode ser traduzido como tendências contrárias ou tendências contrariantes. Assim, podemos visualizar diferenças entre as traduções, o que ainda deve ser analisado com maior profundidade para ver qual termo é mais adequado (NT).

[16] Ibid.

[17] Grossmann (1929), p. V.

[18] Grossmann (1929), p. 128-130.

[19] Meios de produção e trabalho, respectivamente (NT).

[20] Eugen Varga, citado por Grossmann, p. 498. Citação original em: Varga, Die Wirtschaft der Niedergangsperiode des Kapitalismus nach der Stabilisierung, Hamburg, Berlin, 1928., p. 56. Este artigo de Varga foi recentemente publicado em inglês (Eugen Varga, Selected Political and Economic Writings, Leiden, Brill, 2020) (NT).

[21] Grossmann (1929), p. 561.

[22] Marx (2017), p. 295.

[23] Grossmann (1929), p. 195. A citação de Engels é retirada de: Friedrich Engels, Prefácio, in Karl Marx, O capital, livro III, São Paulo, Boitempo, 2017, p. 33. (NT).

[24] Grossmann (1929), p. 195.  

[25] Grossmann (1929), p. 196, nota 119. A frase d’O capital à qual Grossmann se refere diz: “Mas as mesmas leis de produção e acumulação fazem com que, juntamente com a massa, também o valor do capital constante aumente em progressão crescente e mais rapidamente que a parte variável do capital, que é aquela que se troca por trabalho vivo. Desse modo, as mesmas leis produzem para o capital social uma massa crescente e absoluta de lucro e uma taxa de lucro decrescente”; Marx (2017), p. 256-7. (NT).

[26] Marx (2017), p. 255.

[27] Marx (2017), p. 256. 

[28] Marx (2017), p. 263-4.

[29] Grossmann (1929), p. 196.

[30] Grossmann (1929), p. 585.

[31] Grossmann (1929), p. 586.

[32] Karl Marx, O capital, livro I, São Paulo, Boitempo, 2013, p. 246. (NT).

[33] Ibid.  

[34] Grossmann (1929), p. 58-59.

[35] Cf., também, p. 108. (NT).

[36] Ibid.