Entrevista com Chris Pallis (também conhecido como Maurice Brinton) produzido pela Agora Internacional durante a Cerisy Colloquium. Ele fala sobre a importância de Cornelius Castoriadis (também conhecido como Paul Cardan) e suas ideias em sua ruptura com o Trotskismo, e o grupo ‘Solidarity’ do qual foi o membro mais proeminente.
Agora Internacional: A primeira questão que nós temos para você é: Como você primeiramente encontrou as ideias de Cornelius Castoriadis e Socialismo ou Barbárie?
Maurice Brinton: Bem, eu estava em Paris em 1948, e neste tempo considerei a mim mesmo um radical e estava influenciado pelas ideias trotskistas, e comecei a conhecer Georges [Petit] – que eu penso que você já entrevistou – melhor. E nós viajamos um pouco, discutimos ideias e não houve discordância entre nós. E então, tive que voltar à Paris, penso que dois ou três anos depois, e eu ainda aderia àquelas ideias naquele tempo, mas descobri que Georges tinha rompido com aquilo (trotskismo). E tínhamos muitos argumentos acalorados sobre um conjunto diferente de ideias que eram similares em alguns aspectos, mas radicalmente diferentes em outros aspectos. E ele me deu alguns artigos para ler e fiquei bastante impressionado pelo que estava lendo ali. E eu penso que um ou dois anos devem ter passado e então eu estava em Paris novamente, reunimos de novo e começamos nossa discussão e ele disse: “Você deve vir comigo para conhecer um companheiro, e ter uma conversa com ele; talvez ele convença você.” E eu acho que fomos a um café, e penso que eu devo ter passado cerca de três horas discutindo acaloradamente com Cornelius Castoriadis, e ele me deu uma surra em todas as minhas ideias principais que eu vou lembrar para o todo o resto da minha vida. Ele [Castoriadis] absolutamente demoliu todas as ideias principais que eu tinha naquele período. Eu permaneci influenciado pelas ideias trotskistas por algum tempo, mas muito inquieto sobre elas, e cada vez que vim para a França eu leria mais tarde as questões do Socialismo ou Barbárie e ficava mais convencido. E esse foi o contato original.
AI: O que aconteceu com essas ideias que foram trabalhadas por você? O que você fez com elas?
MB: Ao invés de apenas dizer o que fiz com essas ideias, eu rompi completamente com o grupo trotskista, do qual estava associado na década de 1960 – muito cedo, eu penso que em 1960 – e considerando que a maioria das pessoas que rompem com o trotskismo, criticariam a organização que eles deixaram por não ser uma real organização trotskista, porque eu li muito dos escritos de Castoriadis em sua pesquisa, o grupo de pessoas a que eu estava associado fizeram uma crítica completamente diferente da experiência que nós acabamos de passar. Dissemos que a organização que tínhamos rompido, o problema não era que ela não fosse uma organização trotskista; o problema era que se tratava de uma organização trotskista. E isto nos levou então à crítica – crítica fundamental – em primeiro lugar, de toda a teoria e prática do trotskismo, o que nos levou rapidamente a uma crítica da teoria e prática do leninismo, e assim de toda concepção bolchevique de ação revolucionária, e gradualmente para uma… inicialmente um crítica marxista de Marx, e aos poucos para uma crítica mais aberta de Marx, e a aceitação de muitas das ideias que Cornelius Castoriadis estava desenvolvendo na França neste período.
AI: Você pode falar um pouco sobre Solidarity, especialmente na década de 1960, quando teve uma experiência em relação ao Socialismo ou Barbárie e também estava desenvolvendo sua existência na Inglaterra?
MB: O grupo de camaradas que deixou a organização trotskista agrupou-se em uma organização chamada Solidarity, e o Solidarity foi também o nome do jornal que nós começamos a publicar. Em certo sentido, nós não tivemos que passar por muitas discussões acaloradas que ocorreram nos anos anteriores na França, quero dizer, nós entramos em cena em 1960 e então não tivemos que passar por todas as disputas que ocorreram no final das décadas de 1940 e 1950. E baseamos em nós mesmos muito das nossas próprias ideias; éramos um grupo ativista e penso que nós… [penso que nós] pessoalmente herdamos algumas das melhores características da organização que tínhamos rompido, quero dizer que procuramos muito colocar as ideias em prática, e não apenas discutir ideias. Nós constantemente tínhamos discussões com outros grupos em nossa volta; estavam todos dizendo, fazendo uma proposta geral, que sem uma teoria revolucionária você não poderia ter qualquer ação revolucionária, e estávamos contrapondo aquelas ideias de Cornelius Castoriadis que sem o desenvolvimento da teoria revolucionária você não poderia desenvolver uma ação revolucionária, o que é um tipo diferente de proposta. E Cornelius Castoriadis veio à Londres em duas ou três ocasiões no início da década de 1960, realizou debates e nós organizamos reuniões públicas com ele. Eles estavam habitualmente em reuniões públicas bastante acaloradas porque eles seriam atendidos por todos os tipos de pessoas hostil às ideias, pessoas que pertenciam às organizações tradicionais. E eu recordo em alto, muito claramente, que um dos líderes daquelas seitas trotskistas denunciou as ideias de Castoriadis como anarquismo disfarçado de marxismo. Outra crítica que estávamos fazendo, que constantemente os irritava muito, é uma crítica que dizia basicamente que todas aquelas organizações revolucionárias estavam realmente reproduzindo no interior de suas próprias posições as divisões entre dominantes e dominados, dando ordens e recebendo ordens, o que eram as divisões características no interior da sociedade à nossa volta, e não há caminho concebível nas organizações estruturadas dessas formas de produzir qualquer tipo diferente de sociedade. Se tivéssemos um tipo de organização autoritária e hierarquicamente organizada, ela produziria um tipo de sociedade hierarquicamente organizada e autoritária – pareceu-nos evidente, mas claramente não era evidente para eles. E em seguida, houve também uma crítica contínua à sociedade russa.
AI: Quais tipos de atividades o Solidarity se engajou na década de 1960? Eu acredito que eram ativos no…
MB: Solidarity era bastante ativo no… não só nas universidades, como nos movimentos sindicais. Era constante no movimento sindical a campanha para mais democracia nos sindicatos, para eleição e convocação das greves sindicais, fazendo uma crítica fundamental de como a burocracia sindical surgiu. E nas universidades, a principal crítica que estávamos fazendo era a crítica de [ambos] como era o principal obstáculo para qualquer tipo de emancipação.
AI: Você também fez algum trabalho de reflexão escrevendo por conta própria. De que maneira as ideias de Castoriadis influenciaram você?
MB: Bem, eu me tornei bastante familiar com as ideias de Castoriadis porque eu traduzi um número grande de textos que ele escreveu em Socialismo ou Barbárie. Eu estava também pessoalmente envolvido em uma certa quantidade de escritos e senti uma familiaridade com as ideias de Castoriadis, [o que] me ajudou a entender o que estava acontecendo em grande extensão. Eu pessoalmente estava em Paris durante os eventos de Maio de 68 e escrevi uma consideração do qual eu vi e percebi, o que foi, eu penso, muitíssimo influenciado pelos conceitos que Castoriadis estava desenvolvendo.
AI: O que você diria do [significado?] histórico e também hoje do trabalho de Castoriadis e o trabalho do Socialismo ou Barbárie?
MB: Eu penso que há uma importância de ambos no êxito da crítica, num certo sentido e em parte destruindo, e em um significado importante do que é colocado em seu lugar. Eu penso que contribuiu enormemente para o enfraquecimento, e eventual explosão eu penso, do marxismo como uma tendência dominante em pessoas que queriam se considerar radicais ou revolucionárias. Eu pessoalmente considerei, eu vou sempre considerar [ao longo] dos poucos últimos anos, que o marxismo é uma mistificação monstruosa, de fato uma das últimas manifestações – isto pode soar verdadeiramente bizarro – uma das últimas manifestações da ideologia burguesa. E o que é extremamente positivo, eu senti nos escritos de Castoriadis o fato de que ele não apenas fez uma crítica, mas ele postulou uma alternativa; era um conceito de autonomia e autodeterminação e assim por diante, e Castoriadis estava fazendo uma crítica da sociedade moderna na qual estava mostrando quais os elementos que estavam impedindo as pessoas de adquirir autonomia, e auxiliando as pessoas a desenvolver autoatividade e autonomia.
AI: Você poderia elaborar o que pensa sobre esta ideia de autonomia, assim nós estamos não só apenas falando sobre Castoriadis, mas também sobre seus pensamentos e como ele está desenvolvendo esta ideia?
MB: Eu não sei como ele tinha desenvolvido a ideia; eu acho que esta pergunta você teria de dirigir a ele, sobre quando ele tomou consciência disso primeiro. Mas pareceu para mim muito claro, olhando na experiência da história, que sempre que existiram grandes eventos tomando lugar e olhando na história dos últimos cem anos em diante, via-se que uma [?] emergência de massas de pessoas viria para a cena histórica e tentaria tornar-se sujeitos da história ao invés de apenas objetos da história, e tentaria tomar o destino da sociedade em suas próprias mãos, e tentar mudar tudo, e em seguida cada vez apareceria organizações na cena e diria às pessoas: “Deixem para nós; nós sabemos melhor. Você tem feito seu trabalho, você tem gerado a mudança. Voltem para onde estavam; nós vamos realizar a principal transformação.” Alguém vê isso repetidamente conduzindo – particularmente o exemplo da Revolução Russa é talvez o melhor exemplo de todos – repetidamente conduzindo para a criação da burocracia e novo tipo de sociedade hierárquica.
AI: Considerando agora para esta questão sobre um pouco mais de autonomia. Na sua opinião, quais são os principais obstáculos para a realização do [?]?
MB: Penso que há muitas coisas que dificultam as pessoas a agirem de forma autônoma, remontando talvez para a influência da educação parental. Iniciando com a família, em seguida a escola, então através da experiência do trabalho, depois pelo meio da política, todas as vezes elas se deparam com influências que dificultam para que ajam autonomamente e tentam constantemente forçá-las a se comportar em um modo ditado pelas normas dos outros.
AI: Há alguma coisa que gostaria de acrescentar?
MB: Eu gostaria de acrescentar que sempre gostei de ouvir Castoriadis falar por causa da natureza verdadeiramente enciclopédia do seu conhecimento. E sempre que escuto ele falar, sempre aprendo muito. E agora em 67, ainda acho que vindo a essas reuniões eu aprendo bastante.
AI: E se eu puder colocar mais uma pergunta, uma questão que dizemos antes para outras pessoas; nós estamos apenas começando, nós somos muitos jovens, muitos frágeis, você tem muita experiência: Se você tiver qualquer conselho…
MB: Não, não é para pessoas da minha idade dar conselho; as pessoas terão de fazer suas próprias experiências, aprender suas próprias lições. Mas isso não quer dizer que elas têm de bater suas cabeças contra a mesmas paredes de tijolos que batemos contra as nossas. Eu acho que eles… eu encorajo a ler algo da experiência dos outros e em seguida fazer suas próprias experiências.
AI: Obrigado.
Traduzido e adaptado por Rodrigo Aguiar, revisado por Felipe Andrade e Guilherme Fernandez. O original encontra-se disponível em: https://libcom.org/history/maurice-brinton-interview-1990.
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