O Grupo de Comunistas Internacionalistas na Holanda (Parte I) – Philippe Bourrinet

[Nota do Crítica Desapiedada]: Disponibilizamos ao leitor a introdução da parte 3 do livro “A Esquerda Comunista Germano-Holandesa (1900-68)” [The Dutch and German Communist Left (1900–68)], que possui o seguinte título: “O GIC: de 1927 a 1940” [The GIC from 1927 to 1940]. Durante os próximos meses, esperamos publicar os outros 4 capítulos da parte 3 do imenso livro de Bourrinet. A nossa intenção com a tradução parcial do livro de Bourrinet é ampliar as informações sobre a tendência comunista de conselhos na Holanda, destacando a organização política chamada GIC (e depois a Spartacus, o que será tema para outras postagens) e sua origem, seus membros, sua atuação política, as principais publicações, entre outros aspectos complementares. Já disponibilizamos no Portal outros materiais importantes sobre a história do comunismo de conselhos e de suas principais figuras, como a tradução de um capítulo da biografia de Mattick escrita por Gary Roth, a resenha que Felix Baum escreveu sobre essa biografia, o texto escrito por Paul Mattick na ocasião da republicação de todos os números da Correspondência Conselhista nos EUA, etc. Por outro lado, o material sobre o grupo conselhista, que residiu na Holanda e Alemanha após os anos de 1930 em diante, ainda é escasso [confira a seção sobre o GIC no CD]. Pouco material analítico e informativo sobre esse tema está disponível em português. Deste modo, o imenso trabalho de Bourrinet auxilia a preencher um pouco dessa lacuna, trazendo à luz personagens e grupos políticos que ainda são desconhecidos aqui no Brasil e estiveram orbitando em torno do GIC, a principal organização dos conselhistas durante os anos de 1930 na Europa. Boa leitura.


Introdução à parte 3: O Grupo de Comunistas Internacionalistas: Do Comunismo de Esquerda ao Comunismo de Conselhos[1]

1. As Origens do GIC

O Grupo de Comunistas Internacionalistas (Groep van Internationale Communisten, GIC) foi criado em 1927. O nome do grupo era um programa em si: como internacionalistas, o grupo estava lutando pela revolução mundial. O título “grupo” significava que com o fracasso do KAPD, que ainda se autodenominava um partido, não era mais a hora de partidos proclamados artificialmente. O período exigia a defesa, o desenvolvimento e o enriquecimento de posições revolucionárias dentro de grupos pequenos, frequentemente isolados da classe trabalhadora como um todo.

No início, o GIC era numericamente minúsculo. Em 1927 ele era composto por três militantes que haviam vindo diretamente do KAPN [Kommunistische Arbeiders Partij in Nederland; Partido Comunista Operário nos Países Baixos][2]. Em 1930, ele era um núcleo de dez pessoas, no máximo. Foi apenas nos anos 1930, quando sua audiência cresceu, que o GIC se tornou uma organização mais forte: um máximo de cinquenta militantes, o que, em um país tão pequeno como os Países Baixos, não era de modo algum insignificante.

Fundado incialmente em Amsterdã, o grupo eventualmente se espalhou para diversas cidades, como Haia, Leiden, Groningen e Enschede[3]. Contudo, o GIC, que se recusava a se considerar uma organização centralizada, não reconhecia seções locais. Ele via os núcleos estabelecidos em diferentes cidades como grupos em si mesmos. Por fim, o GIC declarou ser uma federação de grupos diferentes. É sintomático que o nome que apareceu em suas publicações após 1928 fosse “Grupo de Comunistas Internacionalistas”. Este espírito federalista estava muito de acordo com a tradição da AAU-E [Allgemeine Arbeiter-Union – Einheitsorganisation; União Geral dos Trabalhadores – Organização Unitária].

De fato, os Grupos de Comunistas Internacionalistas representaram uma ruptura com o espírito-partidário que sobrevivera, em um grau maior ou menor, no KAPN. O GIC não seguiu a tradição do KAPD, mas aquela do movimento das Unionen [Uniões] alemãs. Ele não se via como um grupo holandês, mas como uma expressão do movimento Unionista alemão; era “uma parte do movimento de conselhos”, “uma parte viva do movimento Union alemão[4]”. Embora reconhecesse a contribuição do KAPD, ele rejeitava sua concepção do partido no domínio da propaganda. Sua atividade política externa era limitada a reuniões públicas, cujos temas estavam frequentemente muito afastados das questões de intervenção política. Recusando-se a lançar-se em polêmicas com a social-democracia e a 3ª Internacional, como o KAPD havia feito, ele considerou que sua tarefa principal era desenvolver as tendências antissindicais entre os trabalhadores.

A propaganda do GIC permaneceu muito geral e “economicista”: ela se restringia a discutir organizações fabris e a futura “economia comunista[5]”. Esta forma de atividade estava muito mais próxima daquela da AAU-E do que aquela da AAU [Allgemeine Arbeiter-Union] que, já que estava ligada ao KAPD, desenvolveu um tipo mais político de propaganda.

O GIC, que se declarava comunista de conselhos (Rätekommunist) ao invés de comunista de esquerda (Linkskommunist) – uma diferença notável – assumiu uma orientação conselhista tanto na teoria como na prática[6].

2. A imprensa do GIC

No começo, os comunistas internacionalistas se limitaram a distribuir as impressões e panfletos do comunismo de conselhos alemão, organizados nas Unionen. Mas eles haviam aparecido pela primeira vez como um grupo em 1926, lançando um panfleto do KAPD com seu próprio prefácio. Este panfleto, que havia causado um grande alarde na Alemanha, revelava como a Rússia vinha armando a Reichswehr [Defesa do Império] desde 1922[7]. Ele denunciava a passagem da Rússia de 1917 para o campo da contrarrevolução armada. Argumentava que “o caminho tomado pela Rússia da NEP, a saber, o caminho do leninismo, levava à defesa de pátrias capitalistas pelos proletários, que não têm pátria e, assim, ao crime de 4 de agosto de 1914 da Social-democracia[8]”. A publicação deste folheto do KAPD não implicava que havia uma concordância teórica com o último, especialmente na questão do partido, mas expressava certa solidariedade para com o movimento revolucionário alemão[9].

Foi apenas a partir de 1928 em diante que o GIC publicou sua própria mídia: Persmateriaal van de Groepen van Internationale Communisten (“material de imprensa do GIC”, ou PIC) em holandês e alemão. Além desta revista teórica, havia inúmeros panfletos, projetados para serem mais propagandísticos, mais contemporâneos e mais acessíveis aos trabalhadores[10]. Mais tarde, com o crescimento do desemprego, o GIC publicou um folheto de agitação distribuído entre os desempregados em Amsterdã: Proletenstemmen (“Vozes Proletárias”), de 1936 até a guerra. O tom era muito combativo e o conteúdo muito vivaz.

Como parte do movimento internacional do comunismo de conselhos, o GIC estava sempre preocupado em manter e até mesmo fortalecer seus contatos internacionais. Isto estava em claro contraste com a situação nos anos 1950, quando os grupos conselhistas holandeses se trancaram na Holanda, entrando em um estado de isolação que até mesmo os eventos de 1968 praticamente não penetraram. Entre 1927 e 1940, contudo, o GIC fez um esforço real por definição e reagrupamento em um nível internacional. Neste sentido, até 1933, o PIC também foi publicado em alemão a fim de contribuir com os debates internacionais dentro do movimento comunista de conselhos. Depois de 1933, quando os grupos alemães tiveram que entrar em ilegalidade total e tinham grande dificuldade de lançar suas publicações clandestinas, o GIC publicou o Proletarier[11], que deveria ser a revista teórica da KAU [Kommunistische Arbeiter-Union; União Operária Comunista], então Räte-Korrespondenz [Correspondência Conselhista] entre 1934 e 1937. Como a Correspondência Conselhista Internacional de Mattick nos Estados Unidos, este era um órgão real para discussão internacional entre o meio revolucionário. O abandono da Correspondência Conselhista em 1937 foi o sinal de que o GIC estava começando a se fechar na esfera falante de holandês (o que incluía a Bélgica). Sua substituição pela revista teórica holandesa Radencommunisme [Comunismo de Conselhos] expressou esta retirada dos trabalhos internacionais[12]. Os números panfletos lançados em holandês, frequentemente em edições de vários milhares[13] não podiam compensar a ausência de uma revista teórica em alemão. Na verdade, os folhetos do GIC não eram de modo algum “teoria pura”. Certamente, ele concedeu grande importância aos debates dentro do movimento conselhista internacional (sobre organizações fabris, a crise econômica e as teorias da crise e o período de transição). Ele também era propagandista, ainda que o GIC demonstrasse essa desconfiança para com a ideia do partido: o antiparlamentarismo, as greves selvagens e a luta antissindical, a denúncia da ideologia antifascista, do stalinismo e da social-democracia, a luta contra a guerra – estes eram temas políticos constantemente suscitados no PIC. A rejeição da política, entendida como “política partidária”, era mais uma característica do comunismo de conselhos do período após a 2ª Guerra Mundial, dos anos 1950 e 1960.

Um dos traços mais curiosos da imprensa do GIC foi a importância que ela deu ao movimento esperantista. Os membros do GIC dedicaram parte de seu tempo para aprender esperanto. O movimento esperantista foi certamente muito forte nos anos 1920 e 1930, particularmente na Holanda, mas ele tinha um tempero intelectual, a despeito das esperanças que alguns tinham em criar um “esperantismo proletário”. Esta ilusão foi generalizada entre os comunistas de conselho, que o viam como um veículo essencial para propagar suas ideias internacionalmente. Isto se expressou na enorme energia dedicada à tradução de textos para o esperanto. Havia a esperança um tanto ingênua de que, ao fazer propaganda em favor do esperanto, o “idioma mundial[14]”, seria possível encorajar “tendências internacionalistas” dentro do proletariado. Com isto em mente, entre 1936 e 1939 o GIC lançou uma resenha em esperanto: Klasbatalo (“Luta de Classes”), um órgão de teoria e discussão dos problemas que se opunham ao movimento operário. Esta tentativa logo fracassou[15].

3. Intervenção na Luta de Classes e a Audiência do GIC

É um fato pouco conhecido que a luta de classes na Holanda nos anos 1920 e 30 permaneceu em um nível elevado. Em 1920 houve 2,3 milhões dias de greve, ao contrário dos 400 mil por ano entre 1901 e 1918[16]. Naquele ano, as greves haviam sido particularmente poderosas nos portos e no setor de transportes. Em 1923 e 1924, houve uma grande greve têxtil em Twente. Em 1929, foi a vez dos trabalhadores agrícolas, que embarcaram na maior greve de sua história. Mas com a grande crise econômica, e até a guerra, foram os desempregados que estiveram no centro do palco social (quase 20% da população ativa da Holanda estava desempregada em 1936)[17]. A ação dos desempregados culminou em julho de 1934, com a revolta do bairro Jordaan em Amsterdã. Contudo, como em muitos países, o proletariado fabril permaneceu passivo neste momento, intimidado pela ameaça de demissões.

Nestas condições, como com o grupo de Mattick nos EUA, a intervenção dos comunistas de conselho foi dirigida, acima de tudo, aos centros de desempregados. Eles parecem ter tido uma recepção positiva, já que os membros do GIC eram frequentemente denunciados pelo Partido Comunista holandês como “trotskistas” e “fascistas” ao mesmo tempo, sobretudo nos anos 1930[18]. Fora do meio dos desempregados, a atividade do GIC permaneceu limitada. Seu pequeno número de militantes – mas, acima de tudo, uma atmosfera que era cada vez mais desfavorável ao desenvolvimento de ideias revolucionárias, a pressão proveniente da ameaça da guerra e a prevalência da ideologia antifascista – tudo isto condenou o comunismo de conselhos a um isolamento profundo. Este isolamento era análogo à experiência da esquerda comunista italiana na França e na Bélgica[19].

Mas a influência do comunismo de conselhos holandês não foi nem um pouco insignificante no meio político à esquerda do Partido Comunista na esfera falante de holandês. A publicação do GIC era lida amplamente no RSAP [Revolutionaire Socialistich Arbeiders Partij; Partido Operário Socialista Revolucionário] de Sneevliet, que via os comunistas de conselhos como os “monges do marxismo[20]”. O mesmo ocorria no meio anarquista, ainda que – assim como com o RSAP –, o GIC criticasse duramente o anarquismo, especialmente depois dos eventos na Espanha. Em 1933, os laços eram fortes o bastante para que uma conferência conjunta fosse realizada entre os grupos de comunistas de conselho e diversos grupos anarquistas; mas eles não duraram. Rejeitando o antifascismo e o pacifismo dos grupos anarquistas, o GIC rompeu qualquer ligação com eles em 1936-37. Porém, ele continuou sendo um ponto de referência para muitos libertários holandeses.

Mas a coisa mais impressionante foi a influência real que a corrente comunista de conselhos teve no próprio PC holandês, resultando na formação de uma oposição interna. Em dezembro de 1933, ela levou o nome de Communistische Partij, Oppositie [Partido Comunista, Oposição] (CPO). Composta por indivíduos excluídos do Partido Comunista ou por seus simpatizantes – e inclusive membros do PC! –, ela publicou a partir de janeiro de 1934 uma revista chamada De Vrije Tribune [A Tribuna Livre]. Este grupo – liderado pelo húngaro Richard André Manuel[21], um veterano da revolução húngara de 1919, J. Gans (1907-72) e, mais adiante, F. J. Goedhart (1904-90) – exigiu a reforma do partido. Como a corrente trotskista, ele demandava o reestabelecimento do “centralismo democrático” no partido, através da eleição de delegados e representantes do partido delegados para os congressos da Internacional Comunista. Para este fim, ele exigia um congresso extraordinário e a reintegração daqueles expulsos[22]. Politicamente, ele propunha combater o “oportunismo” do PCH e esperava por uma “frente unificada” com o SDAP e o OSP [Onafhankelijke Socialistische Partij; Partido Socialista Independente da Holanda], um racha deste último. No início, então, a CPO ficavam no meio do caminho entre o CPH e o socialismo de esquerda. Porém, os acontecimentos se deram muito rapidamente. Dentro do CPO, duas correntes se enfrentaram, uma liderada por Van Riel e Jacques Gans, que se deslocava rumo ao trotskismo e ao RSP, [Revolutionaire Socialistische Partij; Partido Socialista Revolucionário] de Sneevliet, e a outra, liderada por Goedhart, apoiada pela seção em Haia, que se deslocava na direção do comunismo de conselhos. O resulto foi a saída de Van Riel e de sua fração, que se anexou à trotskista Liga Comunista Internacional e se associou ao RSAP, que havia sido recém-formado em 31 de março de 1935 com base no OSP e no RSP. A maioria remanescente do CPO se declarou contra o parlamentarismo e a favor da luta contra os sindicatos. A influência do GIC era bastante clara, chegando ao ponto de ter publicado artigos do Persmateriaal[23]. Em seu congresso da páscoa de 1935, o CPO decidiu se dissolver a fim de marcar sua ruptura total com o CPH e a corrente socialista de esquerda. Em 15 de julho de 1935, a De Vrije Tribune se tornou o órgão da Verbond van Communisten (“Liga dos Comunistas”). Este novo grupo tinha uma orientação totalmente comunista de conselhos. Como o GIC, ele definiu a URSS como uma forma de capitalismo de Estado, sendo esta última uma tendência geral do capitalismo em crise. Antiparlamentar e antissindical, ele defendeu publicamente um “novo movimento operário” e a “autoatividade operária” com base em “novas organizações de classe”. Como o GIC, ele denunciou o antifascismo tanto quanto o fascismo. Ele via o PC e o RSAP de Sneevliet como um tipo de “social-democracia radical”. Pouco depois, a Verbond se dissolveu e a maioria de seus membros ingressou nos grupos comunistas de conselho “autônomos” ou, como Goedhart, se deslocou antes de 1939 para uma forma de “socialismo independente”.

A influência do GIC também foi sentida na Bélgica, onde, em 1935, contatos haviam sido feitos com a LCI [Ligue des Communistes Internationalistes; Liga dos Comunistas Internacionalistas – Bélgica] de Adhemar Hennaut[24].

4. O Funcionamento do GIC: Os Grupos Operários

A maior fraqueza dos comunistas de conselho holandeses – que tinha origem em sua concepção da função da organização revolucionária[25] – era seu modo de funcionamento. Este modo de funcionamento sem dúvida explica seu desaparecimento em 1940 e sua incapacidade de lidar com a clandestinidade durante o período da Ocupação.

Embora fosse mesmo um grupo político, o GIC se recusava a se reconhecer como tal. Sua existência marcou uma ruptura com a tradição organizacional da esquerda holandesa. Neste sentido, o GIC foi mais uma expressão da corrente “antiautoritária” alemã, agrupada ao redor da AAU-E de Rühle do que uma continuação do movimento ao redor de Gorter, que incorporava a tradição partidarista. Por causa de seu “antiautoritarismo”, o GIC se recusava a funcionar como uma organização política e foi este o caso a partir de seus primórdios em 1927. Suas reuniões não possuíam presidência, não havia tesoureiro, nenhum estatuto, nenhuma contribuição obrigatória, nenhuma votação, nenhuma diferença entre membros e simpatizantes. O modo de funcionamento era muito próximo daquele dos grupos anarquistas.

O Grupo de Comunistas Internacionalistas não possuía estatutos nem contribuições obrigatórias e suas reuniões “internas” erram abertas a todos os outros camaradas de outros grupos. Como resultado, ele nunca soube o número exato de membros no grupo. Nunca houve qualquer votação; isto era avaliado como desnecessário porque você tinha que evitar qualquer política partidária. Você discutia um problema e quando havia uma diferença importante de opinião, os diversos pontos de vista eram observados, e era isso. Uma decisão majoritária não tinha importância. A classe trabalhadora decidiria.[26]

Este modo de funcionamento, que correspondia àquele de um círculo de discussão, não estava isento de perigos. Ele condenou o GIC a se fechar em problemas puramente teóricos e quando problemas políticos eram colocados, como a questão espanhola[27], era muito difícil ver as demarcações de princípio entre a maioria e a minoria do grupo. Ao mesmo tempo, as divergências sobre a intervenção, que refletiam a oposição entre as tendências ativistas e as tendências mais teóricas, não podiam ser superadas por votações ou outros meios e frequentemente levavam a rachas um tanto confusos.

A hostilidade acentuada a qualquer ideia de atividades centralizadoras havia sido expressa a partir de 1927 com a formação de “grupos de trabalho”. Estes eram órgãos de grupos políticos que não ousavam admitir sê-los. Havia, assim, “grupos de trabalho” para contatos internacionais, para as mídias, para a preparação de discussões e para intervenção externa. Desta maneira, o GIC era não só uma federação de grupos locais, mas também uma federação de grupos de trabalho, cada um separado dos outros. Talvez isto tivesse feito sentido em um círculo de discussões, mas não em uma organização política. Não obstante, esta visão de trabalhar em pequenos círculos não foi teorizada de início: isso só aconteceu depois de 1935 e não sem encontrar duras críticas internas de dentro do movimento comunista de conselhos[28].

O resultado foi que cada grupo local queria funcionar autonomamente em relação ao GIC e da mesma maneira, organizando grupos de trabalho. Nos anos 1930 na Holanda havia, assim, toda uma grande variedade de grupos locais que tinham sua própria imprensa independente do GIC, mais uma quantidade de indivíduos que se recusavam a se chamar de grupo. Este foi o caso, por exemplo, com o grupo “conselhista” em Haia. Estes grupos defendiam as mesmas posições políticas, somente com pequenas discordâncias[29].

Paradoxalmente, o GIC só se reconheceu como uma fração política no movimento esperantista, onde ele formou sua própria fração comunista de conselhos esperantista[30]. Assim, o GIC só encontrou expressão como uma organização política em grupos educacionais apolíticos.

5. Os Militantes do GIC

Em um primeiro momento, o núcleo do grupo era composto inteiramente por professores de educação básica: Henk Canne Meijer, Theo Massen (1891-1974) e Piet Coerman (1890-1962), um antigo amigo de Gorter em Bussum. Outros elementos surgiram mais tarde: ou estudantes ou trabalhadores. A contribuição destes últimos, a maioria deles jovens e sem muita tradição política, foi prova de que as fontes de militância revolucionária não haviam secado. A adesão de trabalhadores, que trouxeram algum “sangue proletário” à organização, também provou que o GIC estava longe de ser uma mera confraria de intelectuais com um interesse acadêmico no marxismo.

Contudo, como qualquer grupo pequeno, o GIC ficou muito marcado por suas personalidades visíveis, o que deu certa cor à vida do grupo.

A alma do grupo era mesmo Henk Canne Meijer[31]. Ele era um ex-trabalhador de engenharia que havia se tornado professor, tanto para conseguir o tempo livre necessário para a atividade política como por qualquer vocação pedagógica. Ele era a prova viva das imensas capacidades teóricas e políticas existentes no movimento proletário, a prova viva de que a consciência política entre os trabalhadores não havia sido introduzida de fora por “intelectuais burgueses” como Lenin argumentara em O que fazer? Com uma mente mais teórica que prática, dotada de clareza e simplicidade, extremamente íntegra, Canne Meijer tinha certas das características típicas do autodidata. Um espírito enciclopédico o levou a se engajar no estudo de biologia e psicologia. Este tipo de atitude, mesclada com a pedagogia, foi particularmente forte durante certos períodos do movimento operário, especialmente entre autodidatas. Ao passo que esses traços talvez não causem grandes problemas em um pequeno círculo de discussão, o mesmo não vale para a uma organização política. Canne Meijer, mas também uma série de membros do GIC, tinha uma grande predisposição em ver a organização como um “grupo de estudos” cuja função era educar seus membros e a classe trabalhadora. Esta propensão, típica dos grupos comunistas de conselho, poderia ter aprisionado rapidamente o GIC em puro academicismo. Isso foi compensado pela presença de outros elementos que eram mais ativos e queriam intervir na luta de classes viva. Mas o GIC como um todo não se via de modo algum como um mero círculo de estudos acadêmicos sobre o marxismo, feliz em “educar” os elementos da classe trabalhadora que se aproximassem dele.

A formação do pequeno núcleo em torno de Canne Meijer em 1927 coincidiu com o retorno de Pannekoek à atividade política ou ao menos a uma determinada forma de atividade. Tendo permanecido em silêncio por seis anos, ele foi acordado de seu sono político pela crise do KAPD. Este silêncio contrastou fortemente com o contínuo envolvimento de Gorter na atividade política até sua morte, e isto apesar de graves doenças[32]. Pannekoek não podia ser realmente considerado um membro do GIC, já que ele participava apenas muito episodicamente das reuniões do grupo. Ele era, sobretudo, um colaborador assíduo e importante tanto do Persmateriaal (PIC) como da Räte-Korrespondenz, sem falar de seus inúmeros artigos para a Correspondência Conselhista Internacionalista (ICC) de Mattick. Suas contribuições sempre se destacaram em virtude de sua grande clareza teórica e sua ênfase em responder às questões postas pela luta de classes. O Pannekoek dos anos 1930 não era o mesmo que o Pannekoek dos anos 1920, que havia reconhecido a necessidade do partido. Crendo que a atividade política organizada era um resquício de um período que ele considerava que cujo momento já havia passado, ele estava contente em servir como o “mentor” do GIC no nível teórico, sem intervir em seus debates internos. Canne Meijer agia como um intermediário que o mantinha informado sobre a vida do grupo[33]. Esta atitude era completamente nova na história do movimento revolucionário e expressava uma rejeição implícita da atividade militante organizada. O “lugar de honra” concedido a Pannekoek o ajudou a manter toda a imprecisão em relação a quem era um membro do grupo. O GIC, assim, apareceu como um círculo de amigos, ampliado para incluir aqueles fora do círculo. Este não era somente o caso com o grupo holandês, já que o grupo de Mattick nos EUA – no final dos anos 1930 – tinha a mesma concepção, com Korsch ocupando uma função similar àquela de Pannekoek[34].

Outro elemento, muito representativo da vida política do GIC, Jan Appel, tinha mais atividades como militante no grupo. Appel, como Paul Mattick, era um daqueles trabalhadores revolucionários que havia deixado a Alemanha no meio dos anos 1920 tanto por motivos profissionais como políticos e que continuou suas atividades políticas no meio de emigrados alemães[35]. Mas esta atividade logo foi além dos confins deste meio. Como Paul Mattick, Jan Appel havia sido membro do KAPD. Ele fora um de seus fundadores, representando o partido no 3º Congresso da Internacional Comunista. Mas ele era mais um homem dos sindicatos, da AAU – ele foi editor da Klassenkampf em Düsseldorf, o órgão da AAU para a Westfália –, do que do KAPD, embora ele tivesse uma posição de liderança dentro deste último. Sua prisão entre 1923 e 1925 o retirou da vida política do KAPD. Porém, ela possibilitou que ele refletisse sobre a experiência russa. Esta reflexão daria luz aos Princípios Fundamentais da Produção e Distribuição Comunistas (os Grundprinzipien), que foi parcialmente escrito na prisão. Este livro se tornou a “bíblia” tanto do movimento das Unionen alemão como do GIC e revelou uma fixação nos problemas econômicos da revolução, ao invés dos problemas políticos. Nessa medida, Appel incorporou as concepções da AAU muito bem. Porém, ele incorporava ainda mais o espírito revolucionário militante do proletariado alemão, trazendo com ele toda a experiência de um grande movimento revolucionário, algo que os comunistas de conselho holandeses não possuíam em qualquer sentido concreto. Além de suas capacidades como editor – Appel era membro do comitê editorial – e suas habilidades de organização, ele trouxe, acima de tudo, o dinamismo de um militante proletário que havia sido educado na luta revolucionária, algo que frequentemente faltava aos militantes do GIC. Embora sofresse de muitas dificuldades materiais na Holanda (ele era um imigrante ilegal), especialmente depois que Hitler tomou o poder, ele teve um papel central no GIC, sobretudo no nível de trabalho internacional no que diz respeito à Alemanha e à Dinamarca.

Nós poderíamos mencionar uma série de outros militantes que deram sua vida ao GIC, alguns conhecidos, outros não[36]. Porém, isso correria o risco de ver o GIC como uma soma de personalidades ou de indivíduos. Diferentemente de muitos grupos “conselhistas”, o GIC se recusava a se apresentar desta maneira. Os artigos no PIC eram anônimos e a assinatura de Pannekoek nunca apareceu. Como o grupo comunista de esquerda italiano em torno da revista Bilan, o GIC queria aparecer como uma expressão anônima do proletariado. Mas embora o grupo tentasse manter seus militantes anônimos, isto não necessariamente significava que ele aparecia como um corpo coletivo. À exceção de panfletos, os textos nunca eram assinados no nome do GIC e era difícil saber se este ou aquele artigo representava uma opinião particular ou a visão do grupo como um todo. O princípio de anonimato não eliminava a concepção fragmentária da organização como uma soma de grupos de trabalho e de indivíduos.

Embora reduzido a um pequeno núcleo, a história do GIC vai bem além dos confins da Holanda, da mesma maneira que o impacto do grupo e da revista Correspondência Conselhista de Mattick não estava limitado aos Estados Unidos. Especialmente depois de 1933 e até a Segunda Guerra Mundial, o GIC constituiu um dos raros polos revolucionários à esquerda da corrente trotskista. Junto do grupo de Mattick e o Bilan, ele foi um dos poucos grupos a rejeitar qualquer participação na guerra por detrás da bandeira de “democracia” ou antifascismo. Foi um daqueles raros grupos que manteve as posições comunistas de esquerda que haviam sido defendidas nos anos 1920. Por fim, foi um dos poucos grupos a manter um pensamento marxista vivo, apesar de seu isolamento e a natureza desfavorável do período. Mais do que isso, foi capaz de enriquecer o quadro da teoria marxista em certos pontos, em particular a questão do capitalismo de Estado.

A despeito de sua fraqueza numérica, mas também apesar de fraquezas que provinham de uma concepção “conselhista” de prática e atividade revolucionária[37], o GIC foi uma corrente internacional de grande importância, que encontrou expressão em uma série de países. Como tal, ele constitui um elo importante na corrente comunista de esquerda internacional entre os anos 1920 e a tendência comunista de conselhos hoje.

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[1] Tradução do capítulo Introduction to Part 3: The  Group of International Communists: From Left-Communism to Council-Communism, de Philippe Bourrinet, retirado do livro The Dutch and German Communist Left (1900-68): ‘Neither Lenin nor Trotsky nor Stalin!’ ‘All Workers Must Think for Themselves!’, Leiden/Boston, Koninklijke Brill, 2017,  também de autoria de Bourrinet. Alteramos as menções de Bourrinet a outros capítulos deste mesmo livro no corpo do texto para notas de rodapé a fim de facilitar a leitura e posterior consulta; nestas notas, a referência aparece como Bourrinet (2017), seguida pelo número e nome do capítulo. Todos os colchetes com os significados dos acrônimos na primeira vez em que aparecem são inclusões nossas, assim como a tradução dos títulos de grupos, artigos e livros. [N. T.]

[2] Radencommunisme, “a review for the autonomous class-movement” [uma revista para o movimento de classe autônomo], produzida pelo Groep van Radencommunisten Nederland [Grupo de Comunistas de Conselho dos Países Baixos], nº 38, 1948. O grupo, composto por Canne Meijer, B. A. Sijes e outros, havia rachado com a Spartacusbond [Liga Espartaquista] em 1947.

[3] Ver Brendel, 1974.

[4] PIC, nº 6, 1928. Nesta edição, o GIC se declarou como o pupilo de Gorter e Pannekoek e se situou no “mesmo terreno que o KAPD e a AAU”. Ver também a intervenção de Canne Meijer no congresso de unificação da AAU e da AAU-E, em KAU [Kommunistische Arbeiter-Union],1932, p. 27-8.

[5] KAU, 1932, p. 27-8.

[6] Ver Bourrinet (2017), Capítulo 7, Towards a New Workers’ Movement? The Record of Council-Communism (1933-5) [Rumo a um Novo Movimento Operário? O Passado do Comunismo de Conselhos (1933-1935)].

[7] Von der Revolution zur Konterrevolution: Russland bewaffnet die Reichswehr [Da revolução à contrarrevolução: a Rússia arma a Defesa do Império]: ver KAPD (1927). Para denunciar o escândalo da íntima colaboração entre a Reichswehr e o Exército Vermelho (o chamado Granaten-Skandal [Escândalo da Granada]), o KAPD endereçou uma carta ao comitê central do KPD. Como esperado, o KPD não respondeu.

[8] KAPD (1927), p. 14.

[9] Diferentemente do GIC, o KAPD enfatizava veementemente a necessidade de um partido como o “cérebro” e a “bússola” da revolução.

[10] As impressões do GIC eram distribuídas gratuitamente, à exceção da revista teórica Radencommunisme, pela qual era necessário pagar entre 1938 e 1940. Mil cópias do Proletenstemmen eram emitidas gratuitamente toda semana. Em 1938, a produção mensal total da imprensa “conselhista” encontrava-se em 11 mil (carta de Canne Meijer a Mattick, 6 de janeiro de 1938, Collection Canne Meijer 100A).

[11] O periódico era publicado “oficialmente” em Amsterdã. Parece, de fato, que era publicado ilegalmente em Berlim.

[12] Havia um periódico chamado Internationaler Beobachter [Observador Internacional], produzido entre 1938 e 1939 em Amsterdã, mas esta publicação, apoiada pelo GIC, só tinha propósitos informativos e não é de interesse teórico.

[13] Ver Bourrinet (2017), Further Reading [Para Ler Mais].

[14] O Esperanto havia sido criado no final do século XIX pelo linguista polonês Zamenhof. Em 1921, o movimento esperantista foi fundado em Praga, sob o nome de União Mundial dos Sem-Nação (SAT), que continua a existir até hoje. Ele havia perdido sua neutralidade original: muitos membros da 3ª Internacional pertenciam a ele, mas saíram em 1930. Todos os que permaneceram eram anarquistas, trotskistas e social-democratas, simpatizantes do CPH [Communistische Partij Holland; Partido Comunista da Holanda] e comunistas de conselhos. Este interesse no movimento esperantista se compara ao interesse dos comunistas de conselho no movimento dos livres-pensadores (Freidenker), particularmente na Alemanha.

[15] Duzentas cópias de cada edição do Klasbatalo (1936-39) – “eldonatan de grupo de revoluciaj (proletaj) Esperantisoj”: “publicado pelo grupo de revolucionários (proletários) esperantistas” – foram produzidas e distribuídas, acima de tudo, no meio anarquista internacional. A tentativa de produzir uma revista comunista de conselhos em esperanto foi renovada pela Spartacusbond nos anos 1950: ver PIC, nº 6, março de 1937, “Esperanto in de klassen strijd” [O esperanto na luta de classes].

[16] Ver Cornelissen, Harmsen e de Jong (1965), p. 41-74, sobre a luta de classes na Holanda nos anos 1920.

[17] Ver AA. VV. (1961). Em 1935, havia meio milhão de desempregados, em oposição aos 18 mil em 1929.

[18] Assim, em 1938, o CPN, liderado por Paul de Groot (1899-1986), Daan Goulooze (1901-65) e Ko Beuzemaker (1902-44), conduziu uma violenta campanha de difamação contra o GIC e o Proletenstemmen, que estava sendo distribuído de graça nos centros de desempregados em Amsterdã. O GIC foi acusado de ser “fascista”. Ver o jornal diário do CPN, Volksdagblad [Diário Popular], 25 de abril de 1938, “Sluipend fascisme” [Fascismo sorrateiro].

[19] Ver Bourrinet (1980).

[20] Citado por Brendel (1974).

[21] Pseudônimo Van Riel.

[22] De Vrije Tribune, nº 1, janeiro de 1934.

[23] Sobre a história do CPO, ver Riethof (1970).
O programa “conselhista” da oposição foi publicado na De Vrije Tribune, nº 1, 15 de julho de 1935. O GIC mencionou o CPO, se opondo à orientação “leninista” da minoria e apoiando a maioria “conselhistas”: PIC, nº 3, março de 1935.
Ver também Maas (2002), a biografia de Jacques Gans – comunista, secretário da associação holandesa de escritores proletários Links Richten, trotskista, membro do RSP, escritor e romancista, jornalista em Paris, colunista do De Telegraaf – e o comunicado sobre Frans Goedhart no BWSA [Biografisch woordenboek van het socialisme en de arbeidersbeweging in Nederland; Dicionário biográfico do socialismo e do movimento operário na Holanda] (2001). Goedhart era jornalista. Durante a 2ª Guerra Mundial, ele foi um organizador importante do jornal socialista ilegal Het Parool (1941-1945). Ele foi um dos 23 suspeitos a ser levado a julgamento perante o magistrado alemão no primeiro julgamento do Parool em dezembro de 1942. Dezessete sentenças à morte foram proferidas e 13 trabalhadores do Het Parool foram executados por um pelotão de fuzilamento em fevereiro de 1943. Goedhart conseguiu obter uma comutação e fugiu de seu lager [campo de concentração] em agosto de 1943. Após a guerra, ele se tornou um membro do PvdA [Partij van de Arbeid; Partido do Trabalho] – e até 1970 também um membro do parlamento –, do qual ele por fim saiu. Um partidário da facção americana durante a Guerra Fria, ele foi membro do conselho de administração da Radio Free Europe, mas condenou as políticas americanas no sudeste asiático nos anos 1960.

[24] Através de Adhemar Hennaut (1899-1977), a Bilan publicou textos dos comunistas de conselho holandeses. Em apenas uma ocasião o GIC informou seus leitores da existência da Fração Italiana, publicando a crítica de Mitchell dos Grundprinzipien: ver PIC, nº 1, janeiro de 1937, “De Nederlandsche Internationale Communisten over het program der proletarische revolutie” [Os Comunistas Internacionalistas Holandeses sobre o programa da revolução proletária].

[25] Ver Bourrinet (2017), Capítulo 6, The Birth of GIC (1927-33) [O Nascimento do GIC (1927-1933)]. [N. T.]

[26] Radencommunisme, nº 3, citada pela ICO, nº 101, Paris, 1971.

[27] Ver Bourrinet (2017), Capítulo 8, Towards State-Capitalism: Fascism, Anti-Fascism, Democracy, Stalinism, Popular Fronts and the ‘Inevitable War’ (1933-9) [Rumo ao Capitalismo de Estado: Fascismo, Antifascismo, Democracia, Stalinismo, Frentes Populares e a “Guerra Inevitável” (1933-1939)].

[28] Ver Bourrinet (2017), Capítulo 9, The Dutch Internationalist Communists and the Events in Spain (1936-1937) [Os Comunistas Internacionalistas Holandeses e os Eventos na Espanha (1936-1937).

[29] Ver Bourrinet (2017), Capítulo 5, Gorter, the KAPD and the Foundation of the Communists Workers’ International (1921-7) [Gorter, O KAPD e a Fundação da Internacional Comunista Operária (1921-1927)].

[30] PIC, nº 13, setembro de 1937, “Esperanto als propagandamiddel” [Esperanto como meio de propaganda].

[31] Henk Canne Meijer (1890-1962) havia sido parte do NAS [Nationaal Arbeids Secretariat; Secretariado Nacional do Trabalho] – em 1917 ele dirigiu De jeugdige Werker [A juventude operária]. Ele representava a tendência de Berlin no KAPN. Entre 1944 e 1947, ele foi membro da Spartacusbond. Nos anos 1950, ele se tornou “um cético e se retirou de qualquer atividade política” (segundo um artigo – impreciso – de Marc Chirik, o líder da ICC, na International Review, da ICC, nº 37, 1984, “A lost socialist” [Um socialista perdido]). Não obstante, nos anos 1950, ele foi o mentor de Serge Bricianer, que introduziu o pensamento político de Anton Pannekoek na França.

[32] Esta diferença de atitude entre Gorter e Pannekoek também pôde ser observada na esquerda comunista italiana. Ao passo que Bordiga se retirou da atividade política entre 1929 e 1944, Damen continuou seu trabalho como militante; foi ele, e não Bordiga, quem foi o real fundador do Partido Comunista Internacionalista (PCInt), formado em 1943 no norte da Itália.

[33] Nós encontramos o mesmo comportamento com Bordiga após 1945; ele não era um membro formal do PCInt. Intervindo de vez em quando nas reuniões do partido, ele tinha intermediários como Bruno Maffi (1909-2003), charmosamente chamados pelos militantes de “escritores fantasmas” que explicavam os pensamentos do “mestre”. Mas, diferentemente dos textos de Bordiga, que não podiam ser criticados sob quaisquer circunstâncias, os textos de Pannekoek estavam sujeitos à reflexão e crítica dentro do GIC.

[34] Há um testemunho extremamente interessante e significativo de Henk Canne Meijer no que diz respeito às atividades de Pannekoek nas margens do GIC:
“Pannekoek sempre esteve ao nosso lado com todo o seu coração e ele participou de novo de nosso trabalho […] [Pannekoek] era um “teórico puro”; ele não era um lutador, como nós entendíamos. Ele só oferecia suas análises e conclusões; ele nunca buscou segui-las. Ele nunca participou da vida da organização. Ele não tinha tempo pra isso. Um de nós o repreendeu por se manter numa posição confortável assim, por ser um “homem de ciência” quando nossa tarefa era trazer a ciência para o homem. Ele oferecia suas análises e nós batíamos boca sobre elas. Ele era um homem extremamente modesto que não demonstrava o mínimo de arrogância e não se posicionava sobre questões se não estivesse totalmente seguro de seu julgamento. Nós frequentemente dizíamos: o Pannekoek diz: “pode ser isso, mas pode muito bem ser bastante diferente”. Na prática, nós não fizemos nenhum progresso desta maneira, já que independentemente do que acontecesse, nós tínhamos que tomar decisões, mas muito frequentemente nós não estávamos muito seguros de que elas haviam sido as decisões corretas. Esta era toda a diferença entre o ‘teórico puro’ e o lutador” (Carta de Canne Meijer a Paul Mattick, por volta de 1930; Coleção Canne Meijer, 100 A, IISG Amsterdam; citada por B. A. Sijes em Pannekoek (1982), p. 18-19).
Assim, em 1930, Pannekoek aparecia para os membros do GIC como um “bom companheiro de viagem” que recusava qualquer atividade militante concreta no grupo. Nos anos 1930, a atividade política de Pannekoek parecia estar em segundo plano em relação à sua atividade científica como astrônomo, na qual ele estava envolvido em tempo integral desde 1921. Nós devemos observar, contudo, que as visitas de Pannekoek ao exterior, como a viagem aos Estados Unidos em 1936, também foram usadas para estabelecer contato com o movimento comunista de conselhos. Pannekoek provavelmente encontrou Paul Mattick em 1936. De fato, a partir desta data, as contribuições do teórico holandês em língua inglesa à Correspondência Conselhista Internacional tornaram-se muito mais frequentes. As contribuições de Pannekoek ao movimento comunista de conselhos nos anos 1930 foram em grande número e poderiam facilmente preencher diversos volumes. Mas elas estiveram completamente situadas no nível de teoria marxista e nunca se envolveram em questões práticas organizacionais. Não parece que Mattick participou de qualquer uma das reuniões do GIC, salvo por uma ou duas vezes de maneira informal. Esta separação entre teoria e prática era completamente nova no movimento operário revolucionário. Ela não pode ser explicada somente pelo fato de que Pannekoek tinha tarefas tão pesadas no campo científico. Ela se baseou tanto na concepção de organização fluida do GIC como na ausência de laços com o proletariado em um período que era completamente desfavorável à atividade revolucionária.

[35] Jan Appel (1890-1985 – pseudônimos: Max Hempel, Jan Arndt, Jan Vos). Ativo no SPD [Sozialdemokratische Partei Deutschlands; Partido Social-Democrata da Alemanha] a partir de 1908. Ele cumpriu serviço militar de 1911 a 1913 e depois disso serviu como soldado na guerra. Em outubro de 1917 ele foi desmobilizado e enviado para trabalhar em Hamburgo como trabalhador dos estaleiros. Em outubro de 1918, ele chamou uma greve dos operários de armamentos – “Nosso slogan era: ‘Pela Paz!’”. Em novembro, ele participou como delegado revolucionário e trabalhador nas grandes greves de estaleiros navais em Hamburgo. Um Linksradikal [Radical de Esquerda] em 1917, ele se tornou membro da Spartakusbund em dezembro de 1918. Em janeiro de 1919, depois que Rosa Luxemburgo e Karl Liebeknecht foram mortos em Berlim, ele conheceu Ernst Thälmann do USPD [Unabhängige Sozialdemokratische Partei Deutschlands; Partido Social-Democrata Independente da Alemanha], o futuro presidente do stalinista KPD [Kommunistische Partei Deutschlands; Partido Comunista Alemão]. Em pouco tempo, ele defendeu a formação de organizações de fábrica (Betriebsorganisationen) – o que levou à fundação da Allgemeine Arbeiter Union Deutschlands [União Geral dos Trabalhadores da Alemanha], ou AAUD – e ele foi um dos principais propagandistas da AAU.  Ele foi presidente da Revolutionäre Obleute [Delegados Sindicais Revolucionários] e assumiu parcialmente o papel de presidente do diretório de Hamburgo do KPD. Ele estava com a oposição de Hamburgo, mas logo retirou seu apoio a ela. Por este motivo, ele foi um delegado do Congresso de Heidelberg do KPD em outubro de 1919. Ele foi um dos principais líderes operários do KAPD em abril de 1920. No mesmo mês, ele foi o segundo delegado a representar o KAPD no Comitê Executivo da Internacional Comunista (CEIC), então em sessão em Moscou – com Franz Jung, Willy Klahre (1893-1970), marinheiro e líder sindical em Cuxhaven, e Hermann Knüfken (1893-1976), ele sequestrou o barco de pesca Senator Schröder a fim de chegar a Murmansk. Depois de ter falado com Zinoviev em Leningrado, ele seguiu sua viagem a Moscou. Com Jung e Hermann Knüfken, ele foi recebido rapidamente pelo próprio Lenin. Segundo ele:
“Lenin, é claro, se opôs ao ponto de vista do KAPD e ao nosso. Durante o decorrer de uma segunda recepção, um pouquinho depois, ele nos deu sua resposta. Ele fez isso nos lendo trechos de seu panfleto Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo, escolhendo aquelas passagens que ele considerava relevante para nosso caso. Ele ficou com o manuscrito deste documento, que ainda não havia sido publicado, em suas mãos”.
Um ano depois, Appel, com outros quatro camaradas, discursou no 3º Congresso da Internacional Comunista de junho-julho de 1921 sob o pseudônimo Hempel. De acordo com seu testemunho de 1966:
“No 3º Congresso da Internacional Comunista em Moscou, deram a nós (o KAPD) toda a liberdade de expressar nosso ponto de vista a respeito do tipo de política que deveria guiar nosso trabalho. Mas os delegados dos outros países presentes não concordaram conosco. O principal conteúdo das decisões que foram adotadas neste congresso defendia que nós deveríamos continuar a cooperar com o KPD nos antigos sindicatos e nas assembleias democráticas e que nós deveríamos abandonar nosso slogan ‘Todo Poder aos Conselhos Operários’”.
Em 1920, ele teve um papel ativo na luta do Exército Vermelho do Ruhr: ele se tornou um dos editores do órgão Klassenkampf [Luta de Classes] do AAU em Düsseldorf. No final de 1921, ele foi contra a formação da KAI [Kommunistische Arbeiter-Internationale; Internacional Comunista Operária] e permaneceu no KAPD de Berlim. Ele foi preso em novembro de 1923 “por agressão armada” (expropriação) e foi condenado a dois anos de prisão por ter desviado o navio de pesca Senator Schröder e pirataria, um caso que durou três anos. Isto permitiu que ele lesse com profundidade O capital de Marx e escrevesse os Grundprinzipien. Quando ele saiu da prisão (em Düsseldorf), em dezembro de 1925, ele começou a se afastar do KAPD, mas não da AAU. Em abril de 1926, ele se mudou para a Holanda e trabalhou nos estaleiros navais em Zaandam (ao norte de Amsterdã). Ele se filiou ao GIC. Em 1933, o governo de Hitler exigiu sua extradição, então ele entrou na clandestinidade sob o nome Jan Vos. Durante a guerra e até 1948, ele esteve na Spartacusbond. Depois de um acidente que o obrigou a sair da clandestinidade em 1948, as autoridades descobriram que ele era “um estrangeiro alemão”. Porém:
“[…] exigiu-se um testemunho de mais de vinte cidadãos burgueses, bons e verdadeiros, a fim de me proteger de ser simplesmente empurrado para além da fronteira! O fato de eu ter sido ativo no movimento de resistência (verzet, ou oposição, em holandês) decidiu a questão em meu favor. Jan Appel apareceu mais uma vez, mas era necessário que ele se abstivesse por um tempo de toda atividade política”.
De fato, as autoridades holandesas o fizeram prometer se abster da atividade política. Isto não impediu, de modo algum, que ele permanecesse irrepreensivelmente leal a suas convicções revolucionárias. Em 1975, em Paris, ele participou do congresso de fundação da Corrente Comunista Internacional, da qual ele permaneceu um simpatizante distante até sua morte em 4 de maio de 1985, em Maastricht.
Ele foi casado com a holandesa Lea Berreklauw (1914-1997), a romancista, poeta e autora de programas de rádio e espetáculos musicais para crianças. Em 1982, Lea Appel Berreklauw publicou um romance sobre a história e a destruição pelos nazistas de um orfanato holandês-judaico para meninas em Amsterdã: Het brood der doden. Geschiednis em odergang van een joods meisjes-weeshuis [O pão dos mortos. História de um orfanato de meninas judeu]. Ver Halkes (1986) e van der Berg (2001).

[36] Cajo Brendel (1915-2007) foi membro do GIC por um ano, de 1934 a 1935; ele saiu para formar um grupo comunista de conselhos autônomo em Haia. Antes, ele havia sido brevemente um trotskista. B. A. Sijes, um estudante judeu voluntariamente proletarizado foi membro do GIC a partir de 1933, após abandonar a social-democracia. Outros, como os irmãos Piet e Bruun van Albada, foram membros do GIC a partir do começo dos anos 1930 e continuaram sua atividade política na Spartacusbond. Muito representativo de um proletariado combativo, o trabalhador Age van Agen (1896-1973) publicou a resenha Proletenstemmen, escrita para ser distribuída gratuitamente para os desempregados. Outros membros do GIC que vale a pena mencionar: Herman de Beer (1871-1936), J. L. Hobijn, Leo Hagen, Mien Dekker, B. Bianchetti (1906-1980). (Fontes: cartas de Cajo Brendel a Philippe Bourrinet, 2 de janeiro e 23 de fevereiro de 1981; http://www.aaap.be/Pages/Group-GIC.html).

[37] Ver Bourrinet (2017), Capítulo 7, Towards a New Workers’ Movement? The Record of Council-Communism (1933-5).

Traduzido por Thiago Papageorgiou.

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