Introdução à International Council Correspondence (ICC) – Paul Mattick

Original in English: Introduction

Introdução do Antonie Pannekoek Archives (A.A.A.P.)

Aqui estão reunidas referências a todas as publicações editadas pelo grupo International Council Correspondence em Chicago, Illinois, E.U.A., originalmente denominado “United Workers’ Party” (Partido Operário Unificado); o nome do partido foi descartado no início de 1936. O periódico era publicado em volumes cada vez maiores com artigos cada vez mais extensos, embora aparecesse com cada vez menos frequência, e foi interrompido em 1943.

Toda a série do periódico: International Council Correspondence; Living Marxism (International Council Correspondence); e New Essays, só que sem os panfletos, foi reeditada em 1970 em cinco volumes: na reprodução fotográfica de tamanho reduzido sem transcrições, edição, anotação ou fonte, pela ainda existente em 2015 Greenwood Reprint Corporation, de Westport, Connecticut, sob o título geral “New Essays”; com uma breve introdução no primeiro volume de autoria de Paul Mattick sênior (cf. abaixo).

Fonte (salvo indicação em contrário): coleção A.A.A.P.

Entre o grupo original em Chicago: Paul Mattick, Rudolf (Rüdiger) Raube, Carl Berreitter, Al Givens, Kristen Svanum, Allen Garman (editou ensaios de Paul Mattick), Frieda Mattick; mais tarde juntaram-se: Karl Korsch, Walter Auerbach (autor e co-autor com Paul Mattick), Fritz Henssler (negociou possíveis fusões com outros jornais) e o grupo de Nova York: Walter Boelke, Wendeling Thomas, Hans Schaper, Emmy Tetschner, Mary MacCollum. Living Marxism em Chicago nos anos 1930: Jake Faber, Emil Whie, Sam Moss, Dinsmore Wheeler (editou ensaios de Paul Mattick), Fairfiel Porter (colaborador financeiro), Ilse Mattick[1]. Um colaborador externo regular foi Anton Pannekoek. Por fim, havia também Jos. Wagner. Para uma introdução um tanto “sociólogica”, mas informativa a este grupo, cf.: The Council Communists between the New Deal and Fascism/Gabriella M. Bonacchi (1976).


Introdução – Paul Mattick

A seguinte introdução foi escrita pelo ex-editor de “International Council Correspondence”, “Living Marxism” e “New Essays”, Paul Mattick, para a reedição de 1970 da editora Greenwood.

Esta série de publicações, que apareceu durante os anos de 1934 a 1943 sob o título International Council Correspondence (Correspondência Conselhista Internacional), mais tarde renomeada Living Marxism (Marxismo Vivo) e, finalmente, New Essays (Novos Ensaios), expressava as ideias políticas de um grupo de trabalhadores americanos preocupados com a luta de classes proletária, as condições da depressão econômica e a guerra mundial. Autodenominando-se Comunistas de Conselhos, o grupo estava igualmente tão distante do partido socialista tradicional quanto do novo partido comunista e dos vários partidos de “oposição” que estes movimentos geraram. Rejeitava as ideologias e conceitos organizacionais dos partidos da Segunda e Terceira Internacionais, bem como os da natimorta “Quarta Internacional”. Com base na teoria marxista, o grupo aderiu ao princípio da autodeterminação da classe operária através do estabelecimento de conselhos operários para a conquista do poder político e a transformação do sistema capitalista em um sistema socialista de produção e distribuição. Portanto, poderia apenas ser considerada como uma organização de propaganda que defende o autogoverno da classe operária. Por conta da relativa obscuridade deste grupo e suas ideias, pode ser bom lidar brevemente com seus antecedentes.

As organizações operárias tendem a ver no seu crescimento estável e nas suas atividades diárias os principais ingredientes da mudança social. Foi, contudo, a massa desorganizada de operários na primeira das revoluções do século XX que determinou o caráter da revolução e trouxe à vida sua própria nova forma de organização nos conselhos de operários e soldados surgidos espontaneamente. O sistema de conselhos, ou sovietes, da Revolução Russa de 1905 desapareceu com o esmagamento da revolução, apenas para retornar com maior força na Revolução de fevereiro de 1917. Foram esses conselhos que inspiraram a formação de organizações espontâneas semelhantes na Revolução Alemã de 1918 e, em menor medida, nas insurreições sociais na Inglaterra, França, Itália e Hungria. Com o sistema de conselhos, surgiu uma forma de organização que podia guiar e coordenar a autoatividade de massas muito amplas, seja para fins limitados ou objetivos revolucionários, e que poderia fazê-lo independentemente das, em oposição às ou em colaboração com as organizações operárias existentes. Acima de tudo, a emergência do sistema de conselhos provou que as atividades espontâneas não precisam se dissipar em enxertos de massas amorfas, mas podem se transformar em estruturas organizacionais de uma natureza mais do que temporária.

Tanto na Rússia quanto na Alemanha o conteúdo real da revolução não era igual à sua forma revolucionária. Embora na Rússia houvesse principalmente um despreparo objetivo geral para uma transformação socialista, na Alemanha foi a falta de vontade subjetiva de instituir o socialismo por meios revolucionários que explica em grande medida os fracassos do movimento dos conselhos. A grande massa dos trabalhadores alemães confundiu a revolução política por uma revolução social. A força ideológica e organizacional da social-democracia havia deixado sua marca; a socialização da produção foi vista como uma questão governamental, não como tarefa dos próprios trabalhadores. Os conselhos operários, que haviam feito a revolução, abdicaram a favor da democracia política. Na Rússia, o slogan “Todo poder aos sovietes” fora promovido pelos bolcheviques por razões táticas e oportunistas. Contudo, uma vez no poder, o governo bolchevique desmantelou o sistema soviético para assegurar o seu próprio regime autoritário. Os sovietes russos provaram-se incapazes de impedir a transformação do soviete em uma ditadura do partido.

É evidente que a auto-organização operária não é nenhuma garantia contra políticas e ações contrárias aos interesses da classe proletária. Nesse caso, entretanto, elas são substituídas por formas tradicionais ou novas de controle, pelas antigas autoridades ou por aquelas recém-estabelecidas. A menos que os movimentos espontâneos, criando novas formas organizacionais de autodeterminação proletária, usurpem o controle sobre a sociedade e, com isso, sobre suas próprias vidas, eles estão fadados a desaparecer novamente no anonimato da mera potencialidade. Isto não é verdade, é claro, para a minoria de revolucionários conscientes que esperam e se preparam para novas lutas sociais e, para esse fim, se preocupam não apenas com a crítica da sociedade capitalista, mas também com a crítica dos meios necessários para pôr um fim a ela.

Isso explica a oposição de esquerda dentro do movimento comunista, que surgiu já em 1918 e dirigiu-se contra o oportunismo do partido bolchevique na sua empreitada de assegurar a existência do governo bolchevique. Ainda que as más experiências com o parlamentarismo burguês e com as práticas de colaboração de classes do sindicalismo tenham transformado os comunistas ocidentais em antiparlamentaristas e antissindicalistas e, portanto, em apoiadores do movimento dos conselhos, os bolcheviques insistiram em uma reversão das políticas e no retorno ao parlamentarismo e ao sindicalismo. Os partidos comunistas foram divididos e suas alas esquerdas foram excluídas da Internacional Comunista. O panfleto de Lênin, Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo (1920), foi escrito para destruir a influência da esquerda na Europa Ocidental.

Com o prestígio do sucesso a seu favor, e com os meios materiais disponíveis para dominar, influenciar ou destruir movimentos sociais rivais, os bolcheviques conseguiram reduzir o comunismo de esquerda à insignificância prática. Mas ele nunca foi completamente extinto e continuou a existir em pequenos grupos em uma série de países até os dias de hoje. Por um tempo, ele até ganhou alguma audiência nos Estados Unidos, onde a ausência de condições revolucionárias condenou o comunismo a existir de forma meramente ideológica. A formação de grupos de comunistas de conselhos tornou-se primeiramente possível aqui durante a Grande Depressão, que testemunhou o crescimento espontâneo de organizações dos sem-emprego e de conselhos dos desempregados.

Com o desaparecimento do movimento dos desempregados, o grupo dos comunistas de conselhos escolheu continuar a funcionar como uma organização educacional. Um racha no Proletarian Party (Partido Proletário) agregou à sua composição e tornou possível a publicação da Council Correspondence (Correspondência Conselhista). Na fundação do grupo, adotou-se o nome temporário de United Workers Party, logo mudado para Council Communists (Comunistas de Conselhos). Foi, talvez, devido ao caráter do grupo e suas intenções que ele falhou em atrair intelectuais para as suas fileiras. Com exceção de artigos traduzidos de fontes europeias, todo o material publicado em Council Correspondence era escrito por operários empregados ou desempregados. As contribuições não eram assinadas porque expressavam as opiniões do grupo, mesmo quando escritas por indivíduos. Não havia, evidentemente, dinheiro disponível para pagar a impressão e a revista era produzida por trabalho voluntário. Somente com um aumento no número de leitores, o que coincidiu com um declínio na quantidade de membros do grupo, é que se tornou tão possível quanto necessário imprimir a publicação. Em vista do reduzido número de membros, entretanto, ficava claro que Council Correspondence não promovia o crescimento da organização, mas era praticamente nada mais que um veículo para o esclarecimento das ideias do comunismo de conselhos. Por esta razão, foi decidida a mudança do nome para Living Marxism. Eventualmente, contudo, o declínio geral do radicalismo resultante da entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial fez com que o nome Living Marxism soasse um tanto quanto pretensioso, bem como um obstáculo na busca por uma maior circulação. Mudou-se então para New Essays, mas isso não produziu os efeitos esperados. Após algumas edições, tornou-se claro que um número suficiente de assinantes para tornar a revista financeiramente viável não estava próximo.

Ao longo da existência da International Council Correspondence, não foi feita qualquer tentativa de simplificar seu estilo ou conteúdo para adequá-los aos operários menos educados. A intenção era elevar seu nível de compreensão e familiarizá-los com as complexidades dos problemas sociais, econômicos e políticos. A revista também era escrita para operários politicamente avançados e para os próprios comunistas de conselhos, para aprimorar o conhecimento coletivo do grupo. Era um fórum de discussão, desembaraçado de qualquer ponto de vista dogmático específico e aberto a novas ideias que tivessem alguma relevância para o movimento dos conselhos. A revista conseguiu eventualmente atrair contribuições de autores socialistas que não eram associados ao grupo. E tinha à sua disposição, é claro, o trabalho de alguns acadêmicos, como por exemplo, Anton Pannekoek (escrevendo sob o pseudônimo J. Harper), um defensor dos conselhos operários desde a sua criação. Outros, como Otto Rühle, haviam sido ativos nos conselhos operários na Revolução Alemã. Foi Karl Korsch, contudo, que se tornou o colaborador acadêmico mais proeminente da Living Marxism, bem como teórico do movimento dos conselhos.

Como o desemprego em larga escala foi o aspecto mais importante dos anos de depressão, ele recebeu atenção especial na Council Correspondence – particularmente no que diz respeito às organizações de ajuda mútua e às ações diretas que tentavam aliviar as misérias dos desempregados. Especialmente ligado a isso, mas também por razões gerais, havia uma grande preocupação com as contradições inerentes ao sistema capitalista e seu desdobramento no curso de seu desenvolvimento. A natureza da crise capitalista era discutida mais intensamente, e em um nível teórico mais elevado, do que normalmente é a regra em periódicos operários, englobando como fazia as interpretações mais recentes da teoria econômica marxista e sua aplicação às condições vigentes. Os vários artigos dedicados a este assunto tornam sua leitura altamente gratificante ainda hoje, dado que eles não perderam nem sua atualidade nem sua validade.

Em termos políticos, a onda crescente do fascismo e, assim, a certeza de uma nova guerra mundial, ocuparam a maior parte do espaço na Council Correspondence – não apenas no que diz respeito ao cenário europeu, mas também às suas interligações com a Ásia e os Estados Unidos. Desde os seus primórdios, o “nacional-socialismo” alemão foi reconhecido como uma preparação para uma guerra para redividir o poder econômico em uma escala mundial favorecendo o capitalismo alemão. As reações ao imperialismo fascista foram consideradas igualmente determinadas por interesses capitalistas concorrentes. O fascismo e a guerra foram vistos como dirigidos contra a classe operária internacional, pois ambos tentaram resolver a crise por meios capitalistas de forma a manter o sistema capitalista enquanto tal.

A guerra civil antifascista na Espanha, que foi imediatamente um campo de testes para a Segunda Guerra Mundial, encontrou os comunistas de conselhos muito naturalmente – a despeito de sua orientação marxista – do lado dos anarcossindicalistas, muito embora as circunstâncias tenham compelido os últimos a sacrificarem seus próprios princípios à prolongada luta contra o inimigo fascista comum. Os ensaios dedicados à guerra civil eram de natureza crítica e, por essa razão, possuíam um alto grau de objetividade, o que tornava o fracasso do antifascismo – como mero movimento político – mais explícito. Não apenas as lutas político-militares, as intervenções estrangeiras e fricções dentro do campo antifascista foram adequadamente tratados, mas foi dada ainda mais atenção à efêmera coletivização da indústria e agricultura nos centros dominados pelos anarquistas na Espanha revolucionária.

Até onde o problema da economia coletiva foi abordado na literatura socialista do século XIX, quando o foi, fez-se em termos da nacionalização dos recursos produtivos e do controle governamental da produção e distribuição. Somente com a Revolução Russa é que este problema assumiu real importância, ainda que as condições socioeconômicas na Rússia não permitissem mais que uma economia controlada pelo Estado que mantinha todas as categorias econômicas essenciais da produção capitalista. Este sistema pode ser mais bem descrito como capitalismo de Estado. A despeito de suas diferenças em relação ao capitalismo de outrora, ele era, no que diz respeito à classe operária, apenas mais um sistema de exploração capitalista. O movimento dos conselhos não reconheceu sua economia planificada nem como uma economia planificada nem como uma transição para tal economia, e opôs-se a ela não meramente pela denúncia, mas pelo desenvolvimento de seu próprio conceito de uma sociedade socialista enquanto livre associação dos produtores em pleno domínio de todo o poder de decisão ligado ao processo de produção e distribuição.

A organização do socialismo era, então, um tema recorrente na Council Correspondence e na Living Marxism, pois as questões que levantava não podiam ser respondidas nem pela coletivização localizada da Espanha economicamente atrasada nem pela planificação centralizada do governo na Rússia igualmente atrasada. De modo geral, contudo, o capitalismo de Estado na Rússia era ou saudado ou celebrado como a realização do socialismo – ou, pelo menos, como a estrada que conduzia a ele –, e esta ilusão, apesar de auxiliar os interesses do Estado russo, era prejudicial para o movimento operário internacional. Era função do comunismo de conselhos, através de suas publicações, ajudar na destruição desta ilusão. Não havia mais a necessidade urgente de combater a social-democracia. Ela já havia, através de suas próprias práticas, demonstrado seu caráter não-socialista e estava agora em processo de desfazer-se também de sua ideologia socialista. Isso, entretanto, deu às atividades não menos contrarrevolucionárias do bolchevismo internacional uma auréola injustificada. Muito espaço era, por conseguinte, dado às análises tanto da teoria quanto da prática do bolchevismo, voltando aos seus críticos iniciais, como Rosa Luxemburgo, e fazendo avançar esta crítica, acompanhando a história do bolchevismo até a Segunda Guerra Mundial. Esta crítica era abrangente, filosófica, política, econômica e organizacional, e expressava desde cedo o que se tornaria, somente muito mais tarde, um reconhecimento mais amplamente aceito da verdadeira natureza do bolchevismo. A crítica do velho movimento operário, seja ele reformista ou revolucionário em suas táticas, não esgotou o repertório da Council Correspondence. Muitos de seus artigos e ensaios tratavam de questões de natureza acadêmica de interesse mais geral, indo desde problemas de psicologia, sociologia e literatura até itens como geopolítica, nacionalismo e imperialismo. Um bom número destes ensaios foi constantemente republicado por outras publicações e serviu a diferentes autores como material para suas próprias produções. Ainda assim, por alguns anos após a Segunda Guerra Mundial, as ideias propostas nas publicações do comunismo de conselhos pareciam ter se perdido completamente. Desde então, contudo, um novo interesse nos conselhos operários trouxe à existência uma grande biblioteca internacional dedicada ao tema e à sua história. Este novo interesse foi sem dúvida fomentado pela institucionalização dos conselhos operários, delegados de fábrica e comissões de trabalhadores em quase todas as nações da Europa Ocidental, pelos conselhos operários um tanto quanto castrados no “socialismo de mercado” iugoslavo e, por último, mas não menos importante, pelo seu surgimento enquanto organizações revolucionárias nas revoltas sociais recentes na Polônia e Hungria “comunistas”. Em vista desta situação, esta reedição da International Council Correspondence e suas sucessoras não é apenas de interesse histórico mas pode, em pequena escala, lançar alguma luz sobre as potencialidades de um futuro movimento operário.


[1] Os nomes foram fornecidos por Gary Roth, em e-mail de 14 de dezembro de 2015.

Traduzido por Alexandre Guerra, a partir da versão disponível em: http://aaap.be/Pages/International-Council-Correspondence.html. Revisado por Thiago Papageorgiou.

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