O Conceito de Liberdade em Erich Fromm – André de Melo Santos

[Nota do Crítica Desapiedada]: outros artigos que abordam o pensamento de Erich Fromm podem ser vistos em:
Erich Fromm e a Renovação da Psicanálise – Nildo Viana
Fromm Crítico de Freud – Nildo Viana

Erich Fromm foi um psicanalista que participou da formação da Escola de Frankfurt e desenvolveu um projeto que visava unir o materialismo histórico de Marx à psicanálise de Freud. Nesse sentido, ele se enquadra na corrente denominada freudo-marxista, que agrupou inúmeros pensadores, entre os quais se destacam, além de Fromm, Wilhelm Reich, Igor Caruso, Michael Schneider. Fromm desenvolveu, a partir de sua inspiração em Marx e Freud, diversos conceitos, bem como retomou outros, destes e outros autores. Dentre os conceitos abordados por ele, o de liberdade é um dos mais importantes em sua obra. Um dos elementos mais importantes em sua definição de liberdade é a distinção que ele faz entre “liberdade de” e a “liberdade para[1]”. O que Fromm coloca é que a existência humana e a liberdade são inseparáveis e a sociedade moderna que emancipou o homem da prisão que era a sociedade medieval, fez que esse homem se sentisse sozinho, algo que o autor denomina a ambiguidade da liberdade moderna. Para Fromm o anseio de liberdade é inseparável da existência humana.

Ao longo da história, o homem lutou contra a opressão, houve revoluções em nome da liberdade. A sociedade moderna nasce sob a bandeira da revolução francesa e da independência na América. Nessas lutas, se manifestava o ideal da liberdade. Como Fromm concebe a questão da liberdade? Qual a relação entre sociedade e liberdade? Como a liberdade da sociedade moderna se tornou, na linguagem de Fromm, um fardo para o homem? Buscaremos abordar, resumidamente, esses pontos.

Segundo Fromm, o renascimento e o surgimento do capitalismo são determinações para o surgimento da sociedade e do homem moderno, no contexto da desagregação da sociedade feudal. No feudalismo as classes sociais eram fixas, não existia mobilidade, e a Igreja exercia um amplo controle sobre a sociedade. Com o surgimento do capitalismo isto começou a mudar, e as antigas e sólidas estruturas foram ruindo até chegarmos à moderna sociedade capitalista. No capitalismo, ao contrário do feudalismo, existe a possibilidade da mobilidade social, ou seja, o indivíduo pode mudar de classe. No entanto, tal como no feudalismo, existe uma classe dominante que realiza o processo de dominação e exploração.

Do ponto de vista pessoal, o importante, segundo Fromm, é o aparecimento da noção de indivíduo. Isso ocorreu devido às mudanças históricas, tais como a emergência do capitalismo, algo novo na história, e do renascimento, que rompia com a hegemonia da Igreja e buscava inspiração na antiguidade clássica. O capitalismo institui o trabalho assalariado, que é diferente da servidão existente na sociedade feudal e, prometia uma sociedade mais justa no futuro, na qual o homem seria livre. Porém, ele seria livre para vender sua força de trabalho, o único meio de sobrevivência que restava aos trabalhadores desprovidos dos meios para produzir o seu sustento, e determinar os destinos de sua existência.

Essa explicação retoma a análise de Marx sobre o capitalismo. Nesse sentido, torna-se interessante ver o que este pensador colocou, pois tal concepção é resgatada por Fromm. Marx (1998) colocava que a sociedade capitalista é marcada pela contradição, pela luta de classes, uma luta entre uma classe exploradora e outra explorada, tal como no feudalismo, mas sob forma diferente. O trabalho assalariado esconde, sob a aparência de legitimidade, a extração de mais-valor, a forma especificamente capitalista de exploração. Consequentemente, a liberdade na sociedade capitalista não passa de uma ilusão, visto que a grande maioria da população vive explorada e, embora a sociedade capitalista tenha criado ao longo de sua existência ideologias, entendidas como falsa consciência sistematizada, que justificam a exploração dos trabalhadores e a manutenção da sociedade e através de ideias como as de “livre contrato”, “democracia”, apontam para a existência de uma liberdade ilusória como se fosse real. 

Regatar o conceito de liberdade em Fromm é a proposta desse trabalho, bem como realizar uma análise crítica do mesmo. O pensamento de Fromm se baseia nas teses extraídas da psicanálise e do marxismo. Do marxismo, ele retira a ideia, presente no materialismo histórico, segundo a qual a história teria sua dinâmica explicada pelo modo de produção, ou seja, pelas condições materiais de existência, que gerariam o que Marx denominou “superestrutura”, ou, em outras palavras, as formas de regularização (VIANA, 2007)[2]. O modo de produção, base material da sociedade, no entanto, se altera historicamente. A sucessão de modos de produção expressa a história da humanidade. Porém, o modo de produção muda radicalmente com a instituição das sociedades de classes. A partir do surgimento das sociedades de classes, a história de todas as sociedades existentes passou a se fundamentar na luta de classes, gerada devido ao processo de exploração de uma classe sobre a outra. A classe dominante para manter seu poder, cuja base é o trabalho alienado, cria ideologias visando justificar e legitimar o processo de exploração e dominação.

A grande contribuição do marxismo foi, segundo Fromm, desmascarar os mecanismos de reprodução da sociedade capitalista. Porém, era necessário também compreender como que essas ideologias se propagam na mentalidade dos indivíduos. Fromm também apela para a contribuição da psicanálise. Esta surgiu no fim do século XIX e, depois de um período de grande resistência, passou a ter grande aceitação nos meios acadêmicos. Freud, o fundador da psicanálise, teve como principal contribuição a conceito de inconsciente. Segundo Fromm (1980), Freud, ao fazer dessa descoberta o centro do seu sistema psicológico e ao investigar os fenômenos inconscientes detalhadamente, chegou a resultados surpreendentes. Basicamente, Freud lidou com a discrepância entre ser e pensar (FROMM, 1980, p. 25).

Segundo Fromm (1986), a psicologia pré-moderna buscava entender a alma humana com o objetivo de tornar as pessoas melhores. Assim vemos, desde a filosofia antiga, o debate sobre a ética e o comportamento humano. Na sociedade moderna, capitalista, a psicologia buscar tornar os homens bem sucedidos (FROMM, 1986). Nessa perspectiva, a psicologia está de acordo com a ideologia da sociedade capitalista segundo a qual para ser feliz o homem tem que possuir bens. Na psicologia moderna, duas correntes se destacam, segundo Fromm: o instintivismo e behaviorismo. A primeira defende que as ações humanas são motivadas por instintos, nascemos com eles, enquanto que a segunda, o behaviorismo, está preocupado com o comportamento humano, que poderia, segundo esta concepção, ser moldado a partir de estímulos ou punições. O behaviorismo é a ideologia mais adequada ao capitalismo, pois, nessa sociedade, o homem precisa ser controlado.

Outra interpretação é a da psicanálise freudiana. Esta, como foi dito anteriormente, surgiu no fim do século XIX e tinha por objetivo a compreensão racional das emoções humanas (FROMM, 1986). Alguns pontos são básicos para entender a psicanálise. O primeiro é o conceito central do inconsciente. Esse expressa a ideia de que existe um impulso ou uma motivação que guia a ação ou os sentimentos do homem e que não é racional. É mais fácil entender isso através de um exemplo: um policial que é muito agressivo no seu trabalho pode alegar que é necessário ser duro com os criminosos, mas, no entanto, ele pode ser sádico e sentir prazer em causar sofrimento ao outro, sendo esta a sua verdadeira motivação. Logo Freud constatou que os instintos reprimidos exerciam uma grande influência na vida psíquica do indivíduo. Para Freud, o homem precisa reprimir seus instintos para viver em sociedade, pois seguindo seus instintos, ou suas paixões, o homem seria antissocial. Por isso, a sociedade reprime estes instintos.

Fromm reconhece a importância de obra de Marx para explicar o comportamento humano e entender o problema da liberdade na sociedade moderna. Ele é geralmente vinculado ao “neofreudismo”, “culturalismo” (em psicanálise) ou, ainda, ao chamado “freudo-marxismo”. Essa última é mais adequada ao seu pensamento. A corrente freudo-marxista surgiu na Alemanha na primeira metade do século XX. Algumas tendências do freudo-marxismo estavam preocupadas com a ascensão do nazismo ao poder naquele país. Segundo Marx, a revolução proletária ocorreria nos países de capitalismo avançado, e com as tentativas fracassadas de revolução na Europa, como no caso da Alemanha, a ascensão do regime nazista fez surgir a necessidade de juntar as críticas da sociedade capitalista elaboradas pelo marxismo com as teorias psicanalíticas, para explicar esse fenômeno. Neste contexto começa a produção das principais obras que fundamentam o pensamento de Erich Fromm, que na sua obra O Medo à Liberdade, parte da tese de que o homem moderno não alcançou a liberdade na acepção positiva do seu eu individual.

Assim, a reflexão de Fromm, nessa obra e em algumas outras, se voltam para o problema da liberdade humana. Segundo Fromm, na sociedade medieval existia uma mentalidade fechada, articulada na qual o indivíduo estava integrado com o meio que lhe proporcionava uma relativa estabilidade. Diferente da sociedade capitalista na qual aparece o “indivíduo” emancipado, pois alterou-se a estrutura das classes, abolindo a ordem feudal. A partir daí a luta de classes passou a ser, como Marx (1998) identificou, entre a burguesia e o proletariado. Na sociedade moderna, ao contrário da feudal, o trabalho passa a ser livre, o trabalhador não é mais servo do senhor feudal. Contudo, essa liberdade do trabalhador é aparente e mascara a exploração que existe na base da sociedade capitalista. Desta forma, o trabalhador é livre para vender sua força de trabalho, pois é a única mercadoria que dispõe, e é obrigado a vendê-la para sobreviver uma vez que, como na sociedade feudal, na sociedade capitalista, existe uma classe detentora dos meios de produção. Segundo Fromm:

A liberdade não obstante de haver-lhe proporcionado independência e racionalidade, fez com que ele ficasse sozinho e, por conseguinte angustiado e impotente. Este isolamento é intolerável e as alternativas com que ele defronta são, seja escapar do peso dessa liberdade para novas dependências e para a submissão, seja progredir para a realização plena da liberdade positiva que se baseia na originalidade e individualidade do homem (1978, p. 10).

Assim para sobreviver, a classe explorada da sociedade capitalista, o proletariado, é obrigada a se submeter à exploração da burguesia. Isso a impede de conquistar a verdadeira liberdade. Para garantir a continuidade da sociedade capitalista e de sua hegemonia, a burguesia se utiliza de ideologias, sistemas de pensamento ilusório, para garantir que os explorados tenham essa situação de exploração como aceitável para a sua existência.

A questão que Fromm coloca é que dois aspectos da liberdade moderna afetam o homem. Se por um lado ele fica mais independente, por outro ele se sente sozinho, isolado. Visto que uma característica da sociedade capitalista é a competição social, bem como ampliação da exploração e outros processos que jogam as classes inferiores numa condição de pobreza, o que faz com que tenham medo à liberdade. Esta acaba, nas palavras de Fromm, se tornando um fardo pesado demais e que ele busca se livrar. Para Fromm a essência humana e a liberdade são inseparáveis. Por conseguinte, na sociedade capitalista o homem acaba por renunciar à sua essência.

Isso ocorre basicamente por dois mecanismos. Um é o autoritarismo, no qual o homem se submete a uma autoridade da qual ele não questiona. O exemplo da Alemanha nazista é bem claro de como essa submissão à autoridade exerce uma força poderosa na sociedade. O autoritarismo é reforçado pelo conformismo de autômatos, quando o indivíduo adota os padrões culturais de uma sociedade para ser aceito como uma pessoa “normal”. Desta forma ele age como a sociedade espera, não criticando as contradições existentes.

O que Fromm identifica como “liberdade de” é estar livre de algo como uma prisão, ou seja, algo do qual o indivíduo quer se livrar. A sociedade capitalista se forma a partir da desagregação da sociedade feudal. Esta última nos é apresentada nos livros de história como uma sociedade em que não existia liberdade. Já a sociedade que se apresenta como o triunfo da liberdade, a capitalista, a liberdade é exercida com restrições que geralmente são ocultas, o que dificulta a sua percepção pelos indivíduos que estão sendo explorados. Para exemplificar, podemos tomar o caso da democracia moderna, onde o Estado representa os interesses da classe dominante (VIANA, 2003), mas utiliza-se do processo democrático para promover as eleições que passam a ilusão de todas as classes participarem do processo eleitoral, ao mesmo tempo, criam-se mecanismos que restringem essa participação universal, afetando principalmente as classes inferiores que não tem recursos para fazer propaganda. A própria hegemonia exercida pelos meios oligopolistas de comunicação, dificulta a grupos que se opõem à sociedade capitalista poderem divulgar suas ideias. Junto a isso, a dominação da classe operária, a burocratização e corrupção de partidos políticos e de sindicatos obtendo privilégios do Estado e cargos na burocracia estatal, gera uma situação geral de conformismo, entre outros processos. Nesse contexto, o controle burocrático, a repressão estatal, a prisão, entre outros processos, apontam para a necessidade de luta pela “liberdade de”, ou seja, para se livrar dessas imposições no interior da sociedade capitalista.

Porém, Fromm apresenta uma outra forma de liberdade. Trata-se da “liberdade para”, que se diferencia da “liberdade de”. Assim, se a “liberdade de” tem um significado negativo, de se livrar de algo, a “liberdade para” tem um significado positivo. Para o autor, essa forma de liberdade significa a efetivação de suas potencialidades. Segundo Fromm:

Só podemos progredir na medida em que tenhamos incrementado nossos poderes humanos de razão, de amor, de relacionamento com o mundo como indivíduos; e na mesma medida podemos cortar os vínculos que nos prendem à mãe, ao pai, ao solo, ao sangue e aos ídolos. Nessa medida podemos tornar-nos independentes. Defino independência aqui no sentido que Marx a definiu, como do homem dever sua existência a si mesmo não apenas materialmente, mas também emocional e intelectualmente (apud, EVANS, 1966, p. 35).

Trata-se, portanto, de uma liberdade coincidente com o tipo de caráter de orientação produtiva, que vive em harmonia com os outros homens e que busca o bem estar individual e consequentemente o coletivo. Obviamente que os valores da sociedade capitalista vão contra o que Fromm entende como a natureza humana[3], uma vez que essa sociedade os corrompe na busca por sucesso e dinheiro.

Para o autor, a liberdade para pressupõe o caminho do que ele define como conscientização, para seguir a voz da razão, contra as paixões irracionais. Neste sentido, haveria conscientização, que segundo Fromm, significa que a pessoa torna seu aquilo que aprende, através da experiência, sentido por si mesma, observando outros e adquirindo uma convicção em vez de ter uma opinião irresponsável (1970b, p. 149).

Porém, diante das críticas que foram apresentadas pelo próprio autor, esse conceito de conscientização fica irrealizável na sociedade capitalista, uma vez que essa se esforça para dominar o homem. Existem exceções para alguns indivíduos, mas que dificilmente se aplicam a toda a sociedade. Por fim, a liberdade para esbarra nos fundamentos da sociedade capitalista que é a exploração do homem pelo homem, ou de uma classe sobre as outras.

Da forma como foi construído o conceito de liberdade para, ele se direciona para uma transformação social, ou seja, a superação do capitalismo. Contudo, em toda sua obra existe uma ambiguidade em relação a perspectiva revolucionária, mesmo que Fromm não perceba isso. Consequentemente, sua obra é alvo de críticas de outros autores defensores do pensamento crítico.

Segundo Viana (2008), Marcuse insere a obra de Fromm no que ele denomina a corrente culturalista da psicanálise[4], sem observar que Fromm durante sua vida teve momentos em que avançou na radicalidade como em obras que fez críticas ao suposto socialismo implantado na Rússia, que ele denominou, em certo momento de sua obra, como Capitalismo de Estado, um regime em que a exploração é conduzida pela burocracia estatal. Embora para muitos o que existia na Rússia após a revolução era um socialismo, na prática esse regime não aboliu a exploração de classe, a figura do capitalista era exercida pelo burocrata do Estado[5].

Para Slater (1978), os autores que se originaram da Escola de Frankfurt elaboraram críticas muito pertinentes sobre os mecanismos de organização e funcionamento da sociedade capitalista. Segundo Cleaver:

Apesar da originalidade e utilidade de sua pesquisa dos mecanismos da dominação capitalista, nas esferas econômica e cultural, e na verdade precisamente na formulação desses mecanismos como unilateralmente hegemônicos, os teóricos críticos continuaram cegos a capacidade que tem as lutas da classe operária de transformar e ameaçar a existência do capital. Seu conceito de dominação é tão completo que o dominado virtualmente desaparece como sujeito histórico ativo (1981, p. 55).

A impressão que fica é que apesar do instituto ter uma perspectiva crítica, faltava aos frankfurtianos uma perspectiva revolucionária, que é a questão fundamental para Marx. O ponto central da crítica da sociedade capitalista feita pelos frankfurtianos é a falta de uma perspectiva revolucionária. Embora se intitulassem marxistas, segundo Slater (1978) a falta de uma teoria econômica que compreendesse as transformações do capitalismo, levou a uma não compreensão de como o mesmo poderia criar condições de vida melhores para a classe trabalhadora, pelo menos nos países centrais de capitalismo avançado. Logo a teoria crítica foi desembocando num idealismo[6]. Ironicamente o idealismo foi um dos alvos centrais das críticas de Marx.

Para avançar na crítica apresentada por Slater, podemos retomar a teoria dos regimes de acumulação (VIANA, 2009) que analisa as transformações da sociedade capitalista. Segundo esse autor, um regime de acumulação representa um determinado estágio do desenvolvimento capitalista e é caracterizado por uma forma estatal, uma forma de organização do trabalho e uma forma de exploração internacional. No caso dos autores da Escola de Frankfurt, que iniciaram seus trabalhos na década de 1920, foram contemporâneos do regime de acumulação intensivo[7]. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, temos a implementação de um novo regime de acumulação, o conjugado. A chamada “teoria crítica” dos frankfurtianos foi produzida durante esse regime de acumulação, época em que temas como indústria cultural, cultura de massas, ganharam destaque. O regime de acumulação conjugado se caracterizava nos países imperialistas pelo Estado Integracionista, também conhecido como “do bem-estar social”, pela organização do trabalho baseada no fordismo e pelo imperialismo oligopolista transnacional. Na prática, é possível dizer que um trabalhador possuía determinados direitos sociais e assistência prestada pelo Estado, estabilidade e ganho razoável no emprego. Isso permitiu uma estabilidade econômica e política durante tal regime de acumulação. Esses e outros elementos, acompanhados da pouca ação radicalizada do movimento operário, levou alguns autores a defender a ideia da integração da classe operária no capitalismo. Entres os adeptos dessa concepção estavam os frankfurtianos.

Um outro aspecto do regime de acumulação conjugado, a exploração internacional através da expansão do capital oligopolista transnacional, fez com que esses autores não percebessem as transformações no capitalismo nos países capitalistas subordinados. Enquanto nos países imperialistas, o Estado integracionista e o fordismo possibilitavam melhores condições de vida para os trabalhadores, nos países subordinados foi implementada uma intensificação da exploração da classe operária. Essa exploração era comandada pelo capital transnacional, que, aliado com as burguesias locais, implementava uma industrialização nesses países.

Fromm em seus escritos percebia as contradições do capitalismo, mas em vários momentos de sua obra se deixou levar por essa ideologia da integração da classe operária. Tanto que em obras como Psicanálise da Sociedade Contemporânea ao criticar o “socialismo” e o supercapitalismo, propôs um socialismo comunitário que não era mais que um capitalismo reformado. Na mente de Fromm, ele estava propondo transformar o capitalismo em socialismo.

O regime de acumulação que sucedeu o regime de acumulação conjugado, foi o integral. Este instituiu o Estado neoliberal, implantou a reestruturação produtiva que precarizou as relações de trabalho com o Toyotismo e criou o hiperimperialismo. Essas transformações do capitalismo atestam que a liberdade para só possível se homem buscar transformar as relações sociais, ou seja, destruir o capitalismo. Para isso além de diagnosticar os mecanismos de dominação que a sociedade capitalista, é preciso lutar para transformar essa sociedade. Alguns diriam que isso é utopia, mas entendemos utopia como algo que leva à transformação concreta da realidade e não um sonho distante e irrealizável. Desta forma, fica evidente que uma avaliação do pensamento de Erich Fromm pressupõe compreender a sociedade em que vivemos, bem como sua dinâmica evolutiva, tal como demonstrado na teoria dos regimes de acumulação, pois assim podemos ter uma percepção mais ampla, que é o que faltou aos frankfurtianos em geral e isso se reproduziu também em sua obra.

Diante de tudo que foi exposto, podemos dizer que o conceito de liberdade em Erich Fromm – que diferencia em “liberdade de” e “liberdade para”, sendo a primeira condição para a segunda, que seria sua forma autêntica – ainda é válido tanto para criticar a sociedade capitalista como para apontar para a sua superação. As suas críticas sobre as condições de vida na sociedade capitalista, a patologia da normalidade nessa sociedade, a exploração do homem pelo homem, processos que resultam na alienação da natureza humana, são muito pertinentes ainda hoje, principalmente se recordarmos que o neoliberalismo e seu individualismo intensifica a competição social e gera mais problemas psíquicos.

Porém, devemos ter um olhar crítico e, partindo da perspectiva marxista, devemos estar atentos às ideologias e racionalizações elaboradas na sociedade capitalista e que estamos sujeitos a concordar. O conteúdo destas pode parecer verdadeiro, tal como a ideologia do Estado de “bem-estar social”. Essa ideologia gerou a concepção, defendida por muitos intelectuais, de que tal forma de Estado promoveria uma eternização do capitalismo. Porém, a suposta “integração da classe operária”, se revelou falsa.

Contudo, o autor devido ao seu humanismo abstrato, percebe as contradições, percebe o sofrimento dos explorados, bem como demonstra uma solidariedade com os trabalhadores, mas não percebe que o fundamental é lutar pela transformação social e que a superação dos conflitos e contradições dessa sociedade passam necessariamente pela superação da sociedade capitalista[8].

Fromm elabora uma crítica bem fundamentada dos aspectos psíquicos da sociedade capitalista, demonstrando que essa esmaga e corrompe os valores do homem e, apesar dessas críticas, Fromm não aponta para a questão fundamental, que é a transformação social. Assim, regatar o conceito de liberdade pensado por Fromm e avançar nos elementos em que ele não aprofundou, especialmente no que pensamos ser o essencial, é fundamental para ampliar essa discussão.

A obra de Fromm, fundada em uma concepção humanista abstrata[9], não percebe, por um lado, o significado do proletariado como classe revolucionária, e por outro, que a transformação social deve ser radical e total, não simplesmente alterando as relações existentes na sociedade atual, tal como ele propôs em Psicanálise da Sociedade Contemporânea (FROMM, 1974), obra em que apontou para uma alteração na relação entre capital e trabalho, ao lado de outras mudanças.

Fromm durante sua obra elabora críticas pertinentes sobre os mecanismos de dominação exercidos pela sociedade capitalista, de como a classe operária vive explorada e como que isso interfere na saúde mental dos indivíduos, mas não conseguiu ultrapassar tais limites anteriormente apontados. Faltou-lhe a percepção de que somente o fim do capitalismo – num sentido mais amplo e radical – pode permitir a realização plena da liberdade.

Referências

CLEAVER, Harry. Leitura Política de O Capital. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.

EVANS, Richard. Diálogo com Erich Fromm. Rio de Janeiro: Zahar, 1966.

FROMM, Erich. Análise do Homem. Rio de Janeiro: Zahar, 1974.

FROMM, Erich. Conceito Marxista do Homem. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.

FROMM, Erich. Grandezas e Limitações do Pensamento de Freud. Rio de Janeiro: Zahar, 1980.

FROMM, Erich. O Coração do Homem. Rio de Janeiro: Zahar, 1970b.

FROMM, Erich. O Medo à Liberdade. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

FROMM, Erich. Psicanálise da Sociedade Contemporânea. Rio de Janeiro: Zahar: 1974.

MARCUSE, Herbert. Eros e Civilização. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

MARX, Karl. Ideologia Alemã. São Paulo: Martin Claret, 2005.

MARX, Karl. Manifesto Comunista. São Paulo: Paz e Terra, 1998.

SLATER, Phil. Origem e Significado da Escola de Frankfurt. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

VIANA, Nildo. A Consciência da História. Ensaios sobre o Materialismo Histórico-Dialético. Rio de Janeiro: Achiamé, 2007a.

VIANA, Nildo. O Capitalismo na Era da Acumulação Integral. São Paulo: Ideias e Letras, 2009.

VIANA, Nildo. O Fim do Marxismo e Outros Ensaios. São Paulo: Giz Editorial, 2007b.

VIANA, Nildo. Universo Psíquico e Reprodução do Capital. Ensaios Freudo-Marxistas. São Paulo: Escuta, 2008.


[1] Esse conceito de liberdade foi elaborado por Ernst Bloch, Fromm (1979).

[2] Marx usou metaforicamente os termos infraestrutura e superestrutura, que correspondem ao modo de produção e às “formas jurídicas, políticas e ideológicas”, respectivamente. Viana (2007) questiona o uso do termo superestrutura, que era originalmente apenas uma metáfora, pois ele aparece como algo monolítico, e por isso usa “formas de regularização”, ou simplesmente “formas sociais”, pois são várias formas, tanto estatais como privadas.

[3] Fromm entende como natureza humana o potencial que todo homem tem para desenvolver os seus poderes, tanto do ponto de vista intelectual como do ponto de vista emocional. O que ocorre na sociedade capitalista é a corrupção dessa natureza, uma vez que o homem é socializado para competir com o outro, a buscar riquezas, e consequentemente ele se torna ganancioso, mesquinho e sem compaixão com o seu semelhante.

[4] Fromm em entrevista a Evans (1966) questiona esse rótulo de culturalista. Para ele não há tanta ênfase na questão cultural em sua obra como em Horney. Fromm enfatiza a estrutura social e a influência dessas na formação do homem na sociedade.

[5] Pannekoek (2007) desenvolve fortes críticas ao bolchevismo e ao Regime Soviético e defende tal tese.

[6] Segundo Slater (1978), o idealismo alemão usa a sociedade burguesa como modelo para sua exposição do conceito de universalidade; nesse sentido, sua teoria constitui uma nova justificativa para a escravidão social. Sendo assim, a conceituação idealista é uma fuga ideológica dos antagonismos de classe da sociedade capitalista: o trabalho transforma-se exclusivamente em trabalho intelectual.

[7] Esse regime se caracterizava pelo Estado liberal, taylorismo e imperialismo financeiro (VIANA, 2009).

[8] Slater (1978) coloca em sua obra sobre a Escola de Frankfurt, que embora originalmente tenha surgido com a perspectiva marxista, o instituto ao longo de sua evolução foi se afastando do materialismo histórico. Slater fala da degenerescência da teoria crítica no instituto. Em Fromm, vemos, ao longo de sua obra, uma crítica da sociedade capitalista, mas, ao mesmo tempo, não mostra uma concepção autenticamente revolucionária. Em algumas obras como Psicanálise da Sociedade Contemporânea, Fromm propõe um socialismo cuja transformação é tão moderada que pode, no fundo, ser considerado um “capitalismo reformado” mais do que uma nova sociedade, tal como proposta por Marx e alguns marxistas.

[9] Humanismo abstrato é assim chamado por não identificar a divisão de classes no interior da humanidade, tratando de um “ser humano” abstrato. Assim, o humanismo abstrato percebe o sofrimento humano, mas não compreende que o fundamental é lutar pela transformação social que criará condições justas para todos os seres humanos.

* Publicado originalmente em: Erich Fromm e os Dilemas Humanos na Sociedade Moderna. Edições Redelp: Goiânia, 2020.
Confira também: OS DILEMAS HUMANOS SEGUNDO ERICH FROMM ENTREVISTA COM ANDRÉ DE MELO SANTOS EDIÇÕES REDELP.

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será publicado.


*