Original in French: Virus, le monde d’aujourd’hui
[Nota do Crítica Desapiedada]: Confiram também: Dossiê: Capitalismo e Pandemia
Até os primeiros dias de 2020, quando ouvia-se falar de um “vírus”, era primeiramente por meio do seu computador que pensava o ocidental (o asiático estava, sem dúvidas, melhor informado). Certamente, ninguém ignorava o sentido médico da palavra, mas o tal vírus continuava longe (ebola), relativamente silencioso, apesar dos três milhões de mortos anuais da AIDS, até banalizados (gripe de inverno, causa de “apenas” 10.000 mortes na França anualmente, na maioria idosos e portadores de doenças crônicas). E se pegassem a doença, a medicina fazia milagres. Ela tinha até abolido o espaço: de Nova Iorque, um cirurgião operava uma paciente em Estrasburgo. Naquela época, eram as máquinas que terminavam doentes.
Até os primeiros dias de 2020.
1 – Doença de civilização
1. Morremos como vivemos
Doença contagiosa a uma velocidade de difusão muito superior àquela da gripe, a covid-19 provoca menos casos graves, mas a sua gravidade é extrema, sobretudo entre as pessoas em situação de risco (principalmente as com mais de 65 anos), e ela impõe uma taxa de hospitalização “massiva” de doentes em perigo mortal. Disto vem a necessidade (percebida na França muito tarde) de realizar testes em massa.
Epidemias ou pandemias não esperaram a época contemporânea.
No Império Romano, a peste faria quase 10 milhões de vítimas entre 166 a 189 d.C. No dia seguinte à Primeira Guerra Mundial, atribuiu-se à gripe “espanhola” entre 20 a 100 milhões de mortos (dos quais entre 150.000 a 250.000 na França). Ao mesmo tempo, o tifo, causado por uma bactéria, matava 3 milhões de russos durante a guerra civil. Em 1957-1958, a gripe “asiática” é a origem da morte de aproximadamente 3 a 4 milhões de pessoas no mundo (15.000 a 20.000 na França). A “de Hong Kong” teria causado, no mundo todo, 1 milhão de mortos entre o verão de 1968 e a primavera de 1970, dos quais 31.000 na França.
Muitas estatísticas, portanto, por vezes bem incertas (entre 20 milhões e 100, a diferença é enorme), sempre impressionantes, e que remetem frequentemente a episódios esquecidos da memória coletiva: antes de fevereiro de 2020, quem se lembrava na França dos mortos de 1968-1970? Na época, o Estado não tinha tomado medidas gerais de saúde pública e a imprensa ignorava ou minimizava a epidemia.
A covid-19 é acompanhada por um dilúvio de estatísticas ainda menos compreensíveis, pois seus critérios variam. Tudo muda conforme se muda o número de mortos total após o começo da epidemia ou do dia, as contaminações, a alta do número de contaminações comparada a uma determinada data, a taxa de transmissão, as hospitalizações ou os leitos ocupados em cuidado intensivo. Na França, a multiplicação de testes (em menor número nos primeiros meses) aumenta a estatística de contaminações, enquanto o número de mortos cotidiano diminui. Quanto menos um país testa, menos ele identifica casos, o que não significa menos doentes nem menos mortos.
Agora, se espera que todos saibam a diferença entre morbidade, mortalidade e letalidade. Ainda, é necessário distinguir entre taxa de letalidade aparente e real. Apenas o segundo dá a relação entre número de mortos por casos efetivamente testados positivos; o primeiro se baseia unicamente na estimativa dos que foram infectados.
Por mais que essa contabilidade seja interessante, mas inevitavelmente incompleta, ela dá apenas um aspecto da pandemia: sua amplitude (provavelmente um milhão de mortos no mundo em 2020). Isso não diz quase nada das causas sociais e seus efeitos. Como qualquer doença grave, a covid-19 pode matar pessoas enfraquecidas, seja pela idade, ou por outra doença, e/ou por um modo de vida enfraquecedor: má alimentação, poluições atmosférica e química – a do ar mataria entre 7 e 9 milhões de pessoas no mundo, de 48.000 a 67.000 na França –, sedentarismo, isolamento, velhice fora do trabalho, sendo assim excluído da sociedade – todos fatores contribuindo com diabetes e o câncer… um terreno favorável à covid. Dos 31.000 mortos registrados na França ao fim de agosto de 2020, pelo menos 7.500 seriam devidos a uma comorbidade (ligada em um quarto dos casos à hipertensão arterial, e em um terço, a uma patologia cardíaca).
Fatores diversos e não mensuráveis se unem para criar um excesso de mortalidade, com uma dimensão de classe: por exemplo, os pobres comem mais junk food, e a obesidade é mais frequente entre eles. E a tuberculose (1,5 milhões de mortos no mundo em 2014) reapareceu com a pauperização e superpopulação urbana. Quando se está doente, é melhor ser rico… e, em geral, branco. “Enquanto um branco tem um resfriado, um negro pega uma pneumonia”, é o que se diz nos Estados Unidos. Sem esquecer, no caso atual, o custo humano do confinamento: desemprego, angústia, depressão, isolamento para quem mora em asilo…
A civilização capitalista não criou a covid-19, mas ela favorece a sua difusão, pela circulação cada dia maior de humanos e suas mercadorias, uma urbanização mundial acelerada frequentemente insalubre e a degradação de dispositivos de segurança social nos países ditos desenvolvidos. (Voltaremos ao §2)
“Governar é prevenir”: regra que a sociedade capitalista não ignora, mas que aplica de acordo com sua própria lógica. Enquanto prevenir gera um obstáculo à concorrência entre empresas, à pesquisa do custo de produção animal, ao lucro e aos interesses a curto prazo da classe dominante, a prevenção passa para segundo plano. O princípio de precaução jamais será uma prioridade em uma sociedade que, no máximo, é capaz de gerir uma crise sanitária e, pior ainda, de preveni-la.
No nosso mundo, apenas o que é mensurável é “científico”: os fatores ao mesmo tempo sociais e ambientais que têm um grande papel na propagação de doenças, e que são dificilmente quantificáveis, acabam por escapar às estatísticas.
De qualquer forma, o modo de vida ocidental não parece uma vantagem.
1.2 / Cronologia de uma gestão por expedientes
“É preciso começar redizendo, com o risco de deixar pessoas chocadas atualmente, que a pandemia de Covid-19 deveria ter continuado o que ela é: uma pandemia um pouco mais viral e letal que a gripe sazonal, da qual os efeitos são amenos na grande maioria da população, mas muito graves em uma pequena fração. No lugar disso, o desmantelamento do sistema de saúde europeu e americano, que já ocorre há mais de dez anos, transformou esse vírus em uma catástrofe inédita da história da humanidade que ameaça a totalidade dos nossos sistemas econômicos. […] Seria relativamente fácil de parar a pandemia praticando uma detecção sistemática das pessoas infectadas desde a aparição dos primeiros casos, traçando seus deslocamentos e colocando em quarentena focalizada o (tão pequeno) número de pessoas afetadas. […] A técnica de testes de detecção não é nada complicada, ela requer apenas organização e material que sabemos produzir. […] Isso ao mesmo tempo em que se distribui massivamente máscaras para toda a população suscetível de ser contaminada, a fim de reduzir ainda mais os riscos de disseminação.” (Gaël Giraud, 24 de março de 2020)
Certamente não é o que estamos vivendo.
Por que um terráqueo a cada três se encontra confinado durante semanas e ainda arrisca continuar assim se os Estados acharem novamente necessário?
Se é verdade que a internacionalização do capitalismo o torna vulnerável, isso não basta para explicar a paralisia parcial da economia mundial: pois, por que paramos de produzir e de deixar circular? Por que a luta contra o contágio tomou a forma de um fechamento de populações, com fechamento forçado de uma parte das empresas?
Primeiro tempo: aviso
“Ao começo de 2018, durante uma reunião da Organização Mundial da Saúde […], um grupo de especialistas […] inventa o termo ‘doença x’. Eles previram que a próxima pandemia seria causada por um novo agente patogênico desconhecido, que ainda não tinha entrado em contato com a população humana. A doença x viria provavelmente de um vírus de origem animal e surgiria de algum lugar no planeta onde o desenvolvimento econômico favorece a interação entre humanos e animais. A doença x seria provavelmente confundida com outras doenças no começo da pandemia, e se propagaria rapidamente e silenciosamente […], se aproveitando das redes de viagem e de comércio […]. A doença x teria uma taxa de mortalidade mais alta que uma gripe sazonal.” (Michael Roberts, 15 de março de 2020)
Segundo tempo: negação
Menos de dois anos depois, quando vieram todas as características dessa doença x, os Estados começaram por minimizar ou negar o problema.
“Enquanto, em 31 de dezembro de 2019, as autoridades de Taiwan avisavam a OMS dos perigos do vírus que se transmite com muita facilidade, a direção da OMS contesta a gravidade da situação e se torna porta-voz da China. Em 14 de janeiro […], a OMS nega o fato de que o vírus é contagioso entre os humanos. A pandemia que resultou, portanto, ficou por muito tempo invisível em diferentes países atingidos, da Ásia e da Europa, que em geral a detectaram após muitas semanas de atraso. Em 30 de janeiro, o diretor da OMS […] se desloca na China, onde ele afirma que a situação está sob controle e parabeniza as autoridades chinesas […]. Assim, ele desaconselha quaisquer restrições em relação aos deslocamentos e viagens, enquanto Taiwan já estava fechada e com vigilância depois de um mês.” (Jean-Paul Sardon, 28 de abril de 2020)
Privilegiando os interesses econômicos, os Estados não fizeram medidas de proteção, como instaurar controles sanitários nos pontos de entrada dos seus territórios.
Na França, no domingo de 14 de março de 2020, o bom cidadão foi chamado a sair para votar nas eleições municipais.
Terceiro tempo: a gestão sanitária tem prioridade perante a economia
Frente à amplitude da pandemia, os governantes não podiam se abster de reagir, mas apenas de acordo com suas lógicas e com os meios que são os seus. Em um país como a França, o evento mostra a que ponto a pseudoabundância esconde uma falta real: a “sétima potência econômica mundial” tem falta de enfermeiros, leitos de hospital, testes, meios de proteção… Em março de 2020, o confinamento generalizado – levando à interrupção parcial das produções e comércio – se mostrou como o único meio disponível para limitar temporariamente uma doença que não conhecíamos muito bem a periculosidade.
Na França, na terça-feira de 16 de março, o bom cidadão foi forçado a ficar em casa, sob pena de multa.
Quarto tempo: de volta ao business – quase – as usual
Ao fim de quase dois meses, a pandemia, longe de ter acabado e até mais mortal em alguns países, parecia administrável, sem que as sociedades ficassem desestabilizadas. Além disso, se constatou que a grande maioria dos mortos já tinham passado da idade de trabalhar (na França, entre 1º de maio e 28 de agosto, 90% dos mortos tinham mais de 65 anos) e que, para os trabalhadores, a probabilidade de morrer de covid era ínfima: assim, era urgente os enviar de volta à oficina ou ao escritório – prometendo a eles, claro, proteções mais adequadas. Tudo isso mitigando restrições e interdições na vida cotidiana (apesar de frequentemente as agravar em outros países).
1.3 / “Bem, a guerra.” (a marquesa de Merteuil, Choderlos de Laclos, Les Liaisons dangereuses, 1782)
Governos e instituições se proclamam em guerra contra um “inimigo invisível”. Levemos isso ao pé da letra.
Se um país ganha ou perde uma guerra, o custo não é de se ignorar para as suas classes dirigentes, e por vezes se revela exorbitante: elas podem perder tudo ou parte da sua riqueza ou do seu poder. Mas, a racionalidade de um conflito não se entende nem se mede em libras esterlinas ou dólares. Um Estado não entra em guerra para ganhar dinheiro, e o que o determina não é uma lógica de empresa: ele resulta de forças e de (des)equilíbrios sociais e políticos, tanto dentro quanto fora do país. A decisão tomada será finalmente de acordo com o interesse das classes dominantes, da maneira que elas o conceberem. As elites dirigentes de quatro impérios (alemão, austríaco, russo e otomano), desaparecidas após 1918, tinham se lançado em 1914 em uma guerra da qual esperavam sair mais fortes. Em um grau muito menor, os invasores do Iraque em 2003 não tinham previsto o Estado Islâmico.
Os governantes sabem há décadas as causas e efeitos de um aquecimento global, contra o qual só tomam medidas paliativas. Por que agiriam de forma diferente perante a uma pandemia? Incapazes de tomar precauções para as pessoas idosas que já sofrem de doenças graves, de testar em massa, de colocar em fechamento de 14 dias ou em quarentena todos os indivíduos infectados, e de hospitalizar em boas condições os casos extremos, sobrou o que seria para eles uma solução a menos pior e a mais fácil: instaurar uma forma de “bloqueio social”.
Frente a uma crise que não podem nem querem tratar das causas (e elas são parte disso), as classes dominantes a administram sem deixar por um instante de fazer o máximo para assegurar o seu poder. As respostas variaram ao extremo, da Alemanha ao Brasil, com sanções podendo ir de seis meses de prisão na França a sete anos na Rússia. Mas, em todos os casos, a gestão da epidemia e o controle da população são uma coisa só: na França, as florestas estavam interditas durante o confinamento, pois, esses espaços amplos, apesar de favorecerem o “distanciamento físico”, acabam tornando a vigilância mais difícil. O preço a se pagar pelas classes dominantes (risco de descrédito político, perda de produção e assim de lucro) não era pouco, mas secundário se comparado com o imperativo da manutenção simultânea da ordem social, política e sanitária.
E até a Coreia do Sul e Taiwan, que praticaram massivamente a testagem e distribuíram máscaras, limitando assim o confinamento aos casos comprovados, tiveram que desacelerar suas economias fortemente exportadoras enquanto o resto do mundo se fechava. E ainda a Alemanha, apesar de um confinamento bem diferente do da França, por exemplo, foi forçada a limitar suas atividades comerciais.
O resultado? Um salto de fé bem racional: um grande número de países injetou em si uma dose (forte, mas provisória, assim esperam) de repouso forçado antes de começar de novo mais saudáveis e mais belos.
Mas, no romance de Laclos, a marquesa beligerante termina muito mal.
2 / CADA UM DE ACORDO COM O SEU CAPITALISMO
Se é verdade que o governo francês trata a sua população como crianças e o governo alemão como adultos, somos confrontados pela oposição entre o caráter extremamente preventivo do sistema de saúde do outro lado do Reno, comparado com o de uma França, que não pode ser nada mais do que reativa.
Sob governos de direita e de esquerda, entre 1993 e 2018, a França suprimiu 100.000 leitos de hospital e tinha, no começo da crise, a capacidade de testar apenas 3.000 pessoas por dia.
A Alemanha podia testar 50.000. Esse país está longe de ser um paraíso do bem-estar social: o trabalho precário é institucionalizado, a taxa de pobreza se aproxima da do Reino Unido, e lá também os hospitais sofrem com restrições de rentabilidade. Entretanto, a Alemanha desfruta do capitalismo mais sólido da União Europeia, calcado na sua potência exportadora, que assegura uma melhor reprodução da sociedade – e da força de trabalho – e permite evitar cortar muito os orçamentos sociais, particularmente as despesas de saúde.
Com a França não possuindo esses trunfos (a indústria conta por 15% do PIB, contra 25% na Alemanha), ela tinha no começo da crise 7.000 leitos de cuidado intensivo (aumentados para 10.000 em seguida), contra 25.000 na Alemanha. A “gestão” empresarial faz funcionar hospitais com fluxo intenso: como em uma usina têxtil ou um supermercado, guardar a cada momento só o estritamente necessário (um leito desocupado por 24h é dinheiro jogado fora), ter um leque de desempregados disponíveis e, se precisar, contratar pessoal em tempo integral, com contrato e sem “estatuto”. Em setembro de 2019, meses antes da crise, se instauravam os bed managers, encarregados de “facilitar o fluxo de entrada e saída de pacientes em diferentes serviços”. O resultado é uma medicina de ponta por vezes menos capaz de enfrentar uma epidemia do que um país pobre da África.
Uma vez que perdemos a detecção e que faltam os meios humanos e materiais, o confinamento e o toque de recolher tomam o lugar da proteção. Não seria, portanto, absurdo que o Estado adotasse uma retórica guerreira e tentasse suscitar uma união sagrada após ter sido longamente abalado, no ano anterior, pela grave crise social dos Coletes Amarelos. Ao “conselho de defesa” contra o terrorismo se somam o “conselho de defesa de covid”, o “conselho ecológico”… da mesma maneira que a defesa civil organizada pelo Estado salva vidas durante um bombardeio devido à guerra causada por esse mesmo Estado.
Se a Coreia do Sul e Taiwan agiram de outra forma, é certamente porque passaram por epidemias graves recentes, mas também por não terem buscado sistematicamente o “menos Estado possível”: sem serviço público eficaz, sem sociedade capitalista estável. Em 2017, o número de leitos de hospital para cada 1.000 habitantes na Coreia do Sul era de 12,27 (3,18 na Itália). As despesas de educação e saúde não são apenas um custo, mas um investimento necessário ao conjunto do capital, ou este garante mal a reprodução do conjunto da sociedade da qual ele depende.
Assim, “ao economizar no sistema de saúde, um vírus um pouco mais agressivo e mortal que a gripe habitual é suficiente para se perder dez pontos de PIB. […] A integração entre Estado e iniciativa privada […] se tornou muito forte, até do ponto de vista, puramente capitalista, do seu funcionamento perfeito, [e] limita consideravelmente a eficácia e a reatividade da ação estatal”. (Il Lato Cattivo)
Incapazes de tratar as causas de uma crise que contribuíram com a criação, os governantes foram levados a causar medo ao mesmo tempo que asseguram, e o discurso alarmista consolida o controle da população, retransmitido por diversas forças: o poder central, a “comunidade científica” (da qual o caso Raoult ao menos tem mérito para mostrar os jogos de poder e as incoerências), bem como as mídias, a caixa de ressonância da sociedade.
3 / “SOU FORÇADO A ADMITIR QUE TUDO PERMANECE”…
…escrevia Hegel há 200 anos.
3.1 / Preservar o status quo
O capitalismo não é feito de objetos, de seres humanos, de máquinas, de centros comerciais e de cartões de crédito. Ele é a relação social que lidera o estivador, a vendedora, o cargueiro, a loja, a torre, a máquina-ferramenta e o caixa eletrônico, com um dinamismo nunca atingido pelos sistemas sociais anteriores. Por si mesma, a imobilização temporária de uma parte das atividades produtivas as interrompe sem abater o que as colocava – e logo as coloca – em movimento.
Mesmo parcialmente suspensa, a relação de produção capitalista não deixa de funcionar. A troca mercantil permanece, apesar disso e na base [existir] uma solidariedade onde não se “conta” o seu dinheiro e seu tempo. Para certos setores, o lucro deve e pode passar parcialmente a segundo plano, mas ele não desaparece. Empresas se endividam ou declaram falência, outras nascem (serviços online), ou prosperam (Amazon…). A maioria perde dinheiro e se adapta.
Enquanto a crise bancária e financeira de 2008 tinha parado uma parte da produção, imobilizando grupos de cargueiros nos estuários de grandes rios, dessa vez é a economia dita real que é diretamente atingida.
Todavia, dizer que a crise mostraria a realidade, pois provaria que a sociedade só funciona graças aos enfermeiros, aos garis, aos entregadores, aos garagistas… é dizer uma meia-verdade.
Contra o mito de uma economia do conhecimento, são na verdade os trabalhadores produtivos comuns que fizeram a sociedade girar durante o confinamento: a crise confirma a centralidade do trabalho… porém, do trabalho assalariado. Na sociedade existente, garis e enfermeiros dependem de dinheiro tanto quanto os traders. Longe de desvelar sua falha, a crise atual revela a resiliência de um sistema social que ainda sabe se fazer indispensável. O dinheiro continua a mediação necessária das nossas vidas: aquele que perdeu seu trabalho não tem nada mais que suas economias, a ajuda familiar ou os auxílios públicos – tudo isso expresso em dinheiro. Mesmo a arte de se virar e a ajuda mútua não escapam: aqueles que fabricaram máscaras para seus vizinhos na maioria das vezes tiveram que comprar tecido ou até mais frequentemente, elásticos muito preciosos. E é emprestando para as empresas, e de forma fraca aos sujeitos privados, que os Estados intervêm.
Mas, “o que é chocante nesses programas colossais de auxílio é que eles empregam somas sem precedentes, […] essencialmente para manter o statu quo – ao menos em um primeiro momento”. (“Accouchement difficile – Chronique d’une crise en devenir”). O que se desenrola e vai se acentuar é um comércio livre moderado com um pequeno retorno do Estado: será dado menos dinheiro público ao setor privado sem contrapartida; e, por algumas produções ditas estratégicas, uma relocalização bem limitada, sem cessar as cadeias de valor internacional e os fluxos intensos.
3.2 / Três semanas ganhas para o planeta
No início de 2020, preparávamos um texto sobre ecologia, que aparecerá em breve neste blog. De qualquer forma, digamos que nenhuma das causas do aquecimento global não sairão reduzidas do tratamento de uma crise sanitária, que é um elemento da crise ambiental. Diferente da gripe “espanhola”, aliás, mais letal, a pandemia atual exprime a contradição entre o modo de produção capitalista e suas indispensáveis bases naturais. Poluição, deterioração da biodiversidade, desmatamento… estes persistirão e, por exemplo, a agricultura industrial continuará favorecendo a emergência de novos vírus e doenças perante as quais seremos vulneráveis.
Sem dúvidas, a desaceleração econômica em 2020 devido à pandemia terá recuado em três semanas o “dia de sobrecarga da Terra”, data em que a humanidade consome todos os recursos que os ecossistemas podem produzir em um ano. Mas, estaríamos enganados de esperar que essa desaceleração da produção se prolongue e favoreça para o amanhã uma “planificação” ou “bifurcação” ecológica. As crianças simplesmente comerão mais orgânicos na cantina, e seus pais comprarão mais legumes locais no Carrefour, habitarão uma ecovila, dirigirão um carro elétrico em uma cidade “carbono zero” em um território “com energia positiva para o crescimento verde”.
Não pararemos a urbanização do mundo; vamos esverdeá-la. Londres, metrópole “mundializada” típica, tendo monopolizado um terço da criação de empregos na Inglaterra entre 2008 e 2019, vegetalizará seus imóveis, interdirá os veículos a combustível fóssil, introduzirá ônibus e bondes elétricos, aumentará seu “cinturão verde” e multiplicará os jardins verdes dos seus cidadãos. Durante esse período, a alimentação do londrino não virá mais da região, nem mesmo do país, mas do mundo inteiro: se hoje na Grã-Bretanha um hectare de terra é 100 vezes mais rentável enquanto utilizado para a construção do que para a agricultura, só uma profunda agitação social poderia dar fim à lei do rendimento.
É ingênuo ficar espantado com o fato que os governantes querem financiar (vastamente) as empresas (aeronáutica e automóvel, particularmente) e ajudar (por um curto período de tempo, entretanto) os assalariados em desemprego parcial. A concorrência e o lucro obrigam; é normal subsidiar produções apesar do seu efeito negativo no meio ambiente. Em uma palavra, reduzir as consequências enquanto se alimenta as suas causas. Economiza-se energia aqui para se usar mais ali. Na França, o todo nuclear já era um todo elétrico: é sim o caminho tomado, por um “mix” misturando doses cada dia maiores de fósseis a uma produção crescente de renováveis… sem deixar o nuclear de lado. Utilizaremos menos embalagens plásticas, o que não impedirá o crescimento da produção global de plástico. Etc.
E isso na ilusão de um capitalismo leve, ou seja, menos poluente, mais digital. Mas, na realidade, o virtual pesa e muito: matérias-primas, combustível, fabricação, transporte, manutenção…
“O consumo mundial de energia cresce diariamente (+ 2,3% em 2018), e resulta ainda em mais de 80% de energias fósseis. A quantidade de energia necessária para produzir energia cresce igualmente, à medida em que são exploradas as reservas de pior qualidade ou hidrocarbonetos ditos ‘não convencionais’, como as areias de alcatrão. […] A “taxa de retorno energético” não para de cair. […] O simples ato de assistir vídeos online, que são armazenados no seio de gigantescas infraestruturas materiais, teria gerado em 2018 tanto gás de efeito estufa quanto em um país como a Espanha. […] Um projeto padrão de aprendizagem de máquinas emite hoje, durante o conjunto de seu ciclo de desenvolvimento, cerca de 284 toneladas equivalentes de CO2, ou seja, 5 vezes mais do que a emissão de um carro desde sua fabricação até ficar inutilizável. […] Os gigantes da tecnologia dificilmente têm algum interesse em instaurar os métodos mais sóbrios. Ainda mais, não têm nenhum interesse em que seus usuários adotem comportamentos ecológicos. A sua prosperidade futura precisa que cada um se habitue a ligar a tela falando com um alto-falante, mais do que apertar um interruptor estúpido. Agora, o custo ecológico dessas duas operações está longe de ser equivalente. A primeira precisa de um aparelho eletrônico sofisticado, munido de um assistente de voz que em seu desenvolvimento se consumiu matérias-primas, energia e trabalho em larga escala. Defender simultaneamente a ‘internet das coisas’ e a luta contra a crise climática não faz sentido: o aumento do número de objetos conectados simplesmente acelera a destruição do meio ambiente. E as redes 5G devem duplicar ou triplicar o consumo energético das operadoras de telefonia móvel nos próximos 5 anos.” (Sébastien Broca, “Le numérique carbure au charbon”)
Bilhões de objetos “comunicantes” estão prestes a invadir as nossas vidas. O “trem do progresso” retoma o seu curso em um momento suspenso. O aquecimento global prepara novas pandemias tropicais. Haverá outros coronavírus.
Mas, fiquemos tranquilos: o Google nos anuncia que “pesquisadores utilizam a inteligência artificial para reduzir a poluição do ar em Uganda.”
3.3 / Aceleração
Apesar do mundo ter desacelerado provisoriamente, suas tendências de base são fortificadas pela crise, como em outras circunstâncias pela guerra.
Junto às estatísticas jornalísticas dos contaminados e mortos, as mídias acrescentam as da perda de produção e preveem um colapso financeiro. Possível. Mas, entre 1929 e 1932 nos Estados Unidos, as ações na bolsa de valores tinham perdido 90% do valor, e a produção industrial caído em 52% entre 1929 e 1933: naquele ano, se contava nesse país 25% de desempregados e 2 milhões de desabrigados. O capitalismo, entretanto, não parou.
Sozinha e ao menos que quase toda a população do mundo seja eliminada, nenhuma epidemia gigantesca e devastadora dará fim ao capitalismo. Ela abalará o seu equilíbrio, rebaterá os quadros políticos, geopolíticos e sociais nos sentidos mais inesperados e opostos. A crise de 29 levou por sua vez ao New Deal, ao nazismo e aos fronts populares, com a URSS se reforçando do seu lado e a Suécia trazendo ao poder por décadas uma social-democracia reformadora.
“A reprodução de relações sociais capitalistas exige por vezes enormes sacrifícios em suas relações materiais (coisas e pessoas) […] pelo mesmo motivo, essas relações não se deixam nem serem modificadas de propósito nem desfeitas por um automatismo da história (um ‘colapso’, por exemplo).” (Il Lato Cattivo)
Com algumas devidas considerações, o reino do fluxo intenso e do “estoque zero” continua. A farmácia venderá certos medicamentos saídos de fábricas de Lyon ou de Madrid, mas o europeu comprará sempre um smartphone que vem da Ásia em um navio carregado com 2.000 contêineres, transportado depois por um caminhão ou uma caminhonete da UPS. Não é a partir de amanhã que o computador usado em Mers-les-Bains sairá das fábricas alemãs ou holandesas como daquelas de onde outrora vinham o equipamento de rádio e televisão para as massas, vendidos pela Grundig ou Philips.
Podemos prever um retorno bem parcial daquilo que chamamos de Estado social. Os burgueses foram longe demais nos cortes orçamentários, na privatização, na racionalização de serviços públicos levados a funcionar como empresas, o mercado-total e o menos-Estado-possível. O capitalismo supõe um espaço não capitalista, e um Estado funcionando com outras lógicas além das puramente mercantis.
Isso não afeta a dominação burguesa, principalmente seus setores financeiros e bancários. O coronavírus não parará o rumo em direção à redução das aposentadorias, à precarização, à individualização do mercado de trabalho e à regressão das proteções sociais.
3.4 / Existirá uma vida sem internet?
O coronavírus inaugurou a aprendizagem em larga escala da tele-existência. Ficar em casa voluntariamente e forçosamente mostrou a impossibilidade de uma vida “normal” hoje sem o meio digital. A Internet foi tanto uma das formas do Estado de impor o confinamento, quanto a das populações de suportarem isso. Acesso aos serviços públicos, ensino, relações familiares e amizades, sexualidade (sites de encontros e pornografia), lazer, compras, trabalho (apesar de que em um grau menor do que se diz), até a atividade política… graças ao confinamento, a evolução ante o todo-digital deu um salto adiante. A comunicação por smartphone e onipresença das telas: a sociedade de indivíduos se socializa à distância.
Após uns 30 anos, o computador se tornou indispensável para a circulação do capital e das mercadorias – começando pela força de trabalho. Com o capitalismo tendo colonizado a vida cotidiana, ele instaura também o digital no quarto, no carro, na geladeira, e se prepara para o implantar no próprio corpo. Aquilo que se apresentou como simplesmente “mais prático e rápido” se impõe agora como necessário, antes de se tornar obrigatório. O ser humano agora vive “online”. Em breve, ele provavelmente terá um assistente virtual capaz de conectar todos os seus dados pessoais, de comprar no seu lugar, de vigiar sua saúde o lembrando de tomar seus medicamentos, de cuidar da sua agenda, de encontrar uma pessoa que não se vê há muito tempo, e então de conhecer melhor do que ele as suas próprias necessidades.
O detox digital não conhecerá a forma do slow food.
Em menos de 15 anos, o “celulador”, como dizem os quebequenses, se tornou uma prótese vital para pelo menos 3 bilhões de humanos, tendo vendido 1,5 bilhões de unidades em 2019. Pela primeira vez, um utensílio de trabalho é igualmente o objeto indispensável para a vida afetiva, familiar, intelectual, etc., e também um instrumento privilegiado de controle social e político – portanto, policial. E sempre em nome do bem-estar coletivo: um local vigiado por câmeras é dito “sob vigilância de vídeo”. Uma palavra mágica, a “segurança”, se impõe frente ao delinquente como também ao terrorista e ao vírus, e a crise sanitária mostra até que ponto o Estado obtém a nossa submissão em nome da saúde. Se unindo ao reconhecimento facial (nesse quesito, a China é o futuro do mundo), a rádio-identificação é trazida para um futuro brilhante. Hoje mais reservado ao animal de estimação, o chip subcutâneo será implantado nos humanos, que terão consigo seu dossiê médico, sua ficha criminal, etc., e, levando em conta alguns rebeldes, os cidadãos modernos adotarão esse sistema como fizeram com os passaportes biométricos ou com a declaração para salário digitalizado.
Mesmo sem ficar feliz com isso, não há nada para se ficar surpreso. Para que o internauta possa “em alguns cliques” investigar as condições meteorológicas de Vilnius ou o nome real daquele que assinava como o “Barão Corvo”, foi necessário reunir e atualizar constantemente milhões de dados, aos quais essas pesquisas também deixarão seus rastros. Não se pode saber tudo de tudo sem fazer parte deste tudo e sem ser “rastreado” a cada instante.
4 / RESULTADOS E PERSPECTIVAS
4.1 / Distanciamento
Em Years and Years, série transmitida na primavera de 2019, a Inglaterra de 2029 é liderada por um governo autoritário (e até criminoso) que, no meio de uma epidemia transmitida pelos macacos, fecham distritos “sensíveis” atrás de fronteiras controladas pela polícia, interditando o acesso à noite. Um ano após o lançamento do filme, para três bilhões de pessoas essa política-ficção se tornava realidade: restrição dos deslocamentos, toque de recolher, onipresença policial. Mas, essa experiência “biopolítica” em escala global (e globalmente atingida com sucesso) manifestou visivelmente o que, essencialmente, já existia: com exceção dos asilos, o confinamento não nos colocou em mais “distanciamento social” uns dos outros do que antes. Nem menos. Enviados para casa, perdemos o controle das nossas vidas: mas, que vida era a que tínhamos em fevereiro de 2020? A liberdade de ir trabalhar, contanto que estejamos contratados, e aquela de ser budista ou marxista, desde que suas convicções remanesçam opiniões que não abalem os fundamentos da sociedade. Um comunista dos anos 1840 dizia que os proletários dependiam de causas para além de si mesmos. Em 2020, a aceitação massiva de uma atomização forçada manifestou a desunião que é o conjunto cotidiano de proletários, ainda mais em uma época da divisão das lutas e de identidades separadas. Uma epidemia e seu tratamento estatal não nos esmaga mais do que, por exemplo, a declaração de guerra em 14 de agosto que paralisou então quase todo o movimento operário e socialista.
No século XXI, diferentemente dos anos 1840, a vasta maioria da humanidade não tem outro meio de sobreviver do que se tornar assalariada – se for possível e com as condições impostas. Mas, esse destino comum não é suficiente para juntar e unificar: é necessário antes que as lutas sociais tenham começado a visar um objetivo comum. Contudo, se existem muitas lutas, sem dúvidas mais do que se imagina, e de uma variedade maior do que antes – conflitos de trabalho, “de gênero”, ecológicos… –, e mesmo se por vezes essas lutas são vitoriosas, elas continuam fragmentadas, incapazes de ir ao cerne do problema. A pandemia, a interrupção de uma parte da economia e o confinamento pararam as lutas, e assim também provocaram outras. Mas, simultaneidade não é sincronização, justaposição não é confluência, nem junção é sinônimo de superação. Até então, as resistências e rejeições se juntaram, no melhor dos casos, na exigência de reformas.
A luta pelo salário e condições de trabalho afeta a relação salário/lucro, mas não automaticamente (e, na verdade, raramente) o próprio assalariado. Do mesmo modo, deixar de arriscar a sua saúde por um patrão, reivindicar medidas de proteção, ou até exigir de ser pago sem ir trabalhar enquanto o perigo persistir não é suficiente para colocar em xeque a coexistência do burguês e do proletário. Existe pouca crítica do trabalho, e ainda menos do Estado enquanto Estado, escreviam os autores de “Quoi’quil en coûte. L’État, le virus et nous” em abril de 2020: a constatação continua válida.
É possível imaginar uma revolta ao fim da pandemia, com todas as críticas separadas se convergindo para atacar a estrutura fundamental, que não cria as outras opressões, mas que as mantêm e as reproduz: a relação capital/trabalho, burguesia/proletariado. As diversas lutas “precipitariam”, como dizemos na química, quando elementos heterogêneos até então dispersados se cristalizam em um bloco. A resistência passaria ao estado de assalto contra as bases dessa sociedade. As elites dirigentes seriam rejeitadas ainda mais porque a sua gestão da crise as colocou em descrédito e pôs contra elas vastas camadas da população. Se aproveitando da interrupção de uma parte das produções, os proletários tentariam transformar a sociedade, se insurgindo contra as forças do Estado, atacando a dominação burguesa, rompendo com a produtividade e a troca mercantil, separando o prejudicial do útil, lançando uma desacumulação (decrescimento), etc.
Não é impossível, mas nada hoje indica que as lutas multiformes tomam esse rumo. Os sinais visíveis mostram mais uma sobrevivência das divisões categoriais, identitárias, locais, nacionais, religiosas e, por vezes, a emergência de novas separações.
E não existe remédio para isso.
4.2 / Hipótese
O vírus e seu tratamento não mudam nada no fundo: eles mostram e acentuam as evoluções. Um evento histórico, mesmo que do tamanho da pandemia atual, não muda sozinho o curso da história. A covid suspende muitas coisas, mas não interrompe nem o capitalismo, nem a sua dominação, e nem existe uma certeza se ela modifica as suas formas atuais como aconteceu outrora na Primeira Guerra Mundial ou na Crise de 29.
Não vivemos nem o fim do mundo nem o fim de um mundo. A pandemia reforça a ordem existente: como de hábito, enquanto classe a burguesia faz prova de ter ótimas defesas de imunidade.
O capitalismo não tem fragilidade (verdadeira) além daquela em que ele se assenta: o proletário. Mais do que qualquer sistema, esse modo de produção se alimenta de crises superadas, até graves, pois ele é espantosamente impessoal e plástico, e se contenta com o seu essencial: a relação capital/trabalho, a empresa, a concorrência… a relação social capitalista é ao mesmo tempo “portadora da sua própria superação ou de sua reprodução a um nível superior”: de todas as relações “de exploração entre classes antagonistas” que existiram historicamente, ela “é a mais contraditória e, portanto, a mais dinâmica.” (Il Lato Cattivo, “Covid-19 et au-delà”, março de 2020)
Propomos uma “lei histórica” (que, como qualquer lei, admite ressalvas): na ausência de um movimento social pré-existente que seja radical (ou seja, com tendências de ir aos fundamentos da sociedade), uma catástrofe só pode favorecer o desencadeamento de protestos parciais, com intensidade variável, e obrigar a ordem estabelecida a evoluir, isto é, se fortalecer.
Do coronavírus todos saem se reafirmando. A mulher de esquerda conclui que é necessário ter verdadeiros serviços públicos; o neoliberal, que o Estado faz prova da sua incompetência; o eleitor de extrema-direita, que é necessário fechar as fronteiras; o ecologista a passos lentos, que é necessário multiplicá-los; o ecologista governamental, que precisamos reagrupar todas as forças políticas suscetíveis de trabalhar pelo clima; o trans-humanista, que é hora de ir na direção de uma humanidade aumentada; a pesquisadora, que a pesquisa precisa de mérito; o ativista, que é urgente impulsionar as lutas; o resignado, que tudo nos escapa, e o colapsologista, que é necessário se habituar ao pior… e o proletário? Ele se reafirma do quê? Em todo caso, ele pensa e pensará aquilo que seus atos e suas lutas o levarão a compreender.
Só nos colocamos questões (teóricas) as quais já começamos a produzir respostas (práticas).
Gilles Dauvé, 22 de setembro de 2020.
* Nota do Tradutor: as referências em francês e italiano no corpo do texto podem ser encontradas traduzidas na bibliografia (“Leituras”).
Leituras:
Michael Roberts, “It was the virus that did it” [Foi o vírus que o fez], The Next Recession, 15 de março de 2020.
E “Lockdown!”, The Next Recession, 24 de março de 2020.
Jean-Paul Sardon. “De la longue histoire des épidémies au Covid-19” [Sobre a longa história das pandemias até a Covid-19], Les Analyses de Population & Avenir, 2020.
Jean-François Toussaint e Andy Marc, “Sortir d’un confinement aveugle” [Sair de um confinamento cego], larecherche.fr, 22 de abril de 2020.
Gaël Giraud, “Dépister et fabriquer des masques, sinon le confinement n’aura servi à rien” [Detectar e fabricar máscaras, ou o confinamento não terá servido de nada], reporterre.net, 24 de março de 2020.
Giraud se ilude com a possibilidade de se criar hoje “um sistema de saúde pública digna do nome”, não dominado por “uma indústria médica em vias de privatização”.
Jean-Dominique Michel, Covid: Anatomie d’une crise [Covid: anatomia de uma crise], HumenSciences, 2020, 224 p.
Como Gaël Giraud, J.-D. Michel acredita ser possível no mundo atual um sistema de saúde que seria algo para além da indústria da doença.
Il Lato Cattivo [O lado ruim], “Covid-19 et au-delà” [Covid-19 e depois].
B.A. e R.F., “Accouchement difficile – Chronique d’une crise en devenir” [Parto difícil – crônica de uma crise em desenvolvimento], hicsalta-communisation.com
Raffaele Sciortino, “Géopolitique du virus” [Geopolítica do vírus], acta.zone, 29 de abril de 2020.
Sébastien Broca, “Le numérique carbure au charbon”[O digital carbura com carbono], Le Monde diplomatique, março de 2020.
Tristan Leoni e Céline Alkamar, “Quoi qu’il en coûte. L’Etat, le virus et nous” [Custe o que custar. O Estado, o vírus e nós].
Sobre as lutas atuais e as novas formas de reformismo: Tristan Leoni, “Abolir la police?” [Abolir a polícia?], setembro de 2020. [Em português: Abolir a Polícia? – Tristan Leoni]
Site de Pièces & Main d’œuvre, principalmente “Le virus à venir et le retour à l’anormal” [O vírus do porvir e o retorno ao anormal], e “Le virus de la contrainte” [O vírus da restrição].
Citação de Hegel: “Terei 50 anos. Vivi 30 anos em uma época eternamente agitada, cheia de temores e de esperança, e esperava que poderíamos um dia sair dos temores e da esperança: sou forçado a admitir que tudo permanece”. (Carta a Friedrich Creuzer, 30 de outubro de 1819)
https://www.worldometers.info/coronavirus/
https://feverstruggle.net/category/reports/
Traduzido por Breno Teles, a partir da versão disponível em: https://ddt21.noblogs.org/?page_id=2980. Revisado por Gabriel Teles. Uma tradução para o espanhol pode ser vista aqui: Gilles Dauvé: Virus, el mundo de hoy.
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