Marxismo Autogestionário e Experiências Revolucionárias – Gabriel Teles

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A lição da prática demonstra que a autogestão é possível, mas encontra sérios obstáculos que surgem no próprio processo revolucionário. Portanto, a lição da prática não só nos coloca diante dos caminhos necessários para se realizar a revolução autogestionária como também nos revela a ameaça da contrarrevolução e das forças que encarnam essa ameaça. Daí a importância e a necessidade de analisarmos as experiências autogestionárias.
Lucien Rivière

O capitalismo contemporâneo apresenta-se como um imenso monstro com seus múltiplos tentáculos a nos envolver e dominar. Em sua aparência, parece impossível escapar de suas garras. Seria, então, inexorável a sua vitalidade? Estaria correto o filósofo Fukuyama (1992) que, no final da década de 1990, decretava o fim da história e anunciava que o capitalismo havia ganho o combate contra as utopias que ecoavam uma nova sociedade radicalmente distinta? Chegamos, enfim, ao esgotamento das energias utópicas colocadas por Habermas (1987)?

A resposta a essa pergunta está no âmago da possibilidade ou não de uma transformação social. Ou seja, a revolução social, mesmo após as diversas modificações da sociedade moderna, é um horizonte possível? De nossa perspectiva, a saída a essa pergunta é categórica: é não apenas possível, mas se revela como uma tendência histórica. É exatamente isso que as experiências revolucionárias, como a Comuna de Paris de 1871, a Revolução Russa de 1905 e 1917, a Revolução Alemã de 1918, a Revolução Portuguesa de 1974 e diversas outras demonstraram. Tais experiências também podem ser caracterizadas como ensaios práticos de uma nova sociedade fundada na autogestão social. São, portanto, experiências autogestionárias inacabadas, mas que apontaram para a transformação radical da sociedade.

O fundamento dessa resposta se dá por não partimos da aparência dos fenômenos que circundam e fazem parte do social, e sim da síntese das múltiplas determinações que é o concreto (MARX, 2011). Aqui nos deparamos com as contribuições da teoria revolucionária de nossos tempos e com a possibilidade de superar o reino das aparências e expressar a realidade concreta: o marxismo.

O marxismo, em linhas gerais, é a expressão teórica de uma classe social que possui, devido à sua condição de classe e à sua posição na divisão social do trabalho, a necessidade e a possibilidade de destruir a sociedade capitalista e, sobre seus escombros, construir uma nova, radicalmente distinta: o proletariado (KORSCH, 1977). Por esse caminho, é correta a assertiva de Sartre (1967) quando coloca, em seu livro Questão de Método, que o marxismo é a teoria revolucionária de nosso tempo e encontra-se, ainda, insuperável. Insuperável, pois, as circunstâncias e determinações que o engendraram não foram ainda superadas. Dessa forma, enquanto existir a sociedade capitalista, existirá o marxismo como o seu contraponto político e teórico.

O contraponto teórico do capitalismo contemporâneo é o marxismo autogestionário. Assim, o marxismo autogestionário não é nada mais do que o desenvolvimento histórico e teórico do próprio marxismo ao longo de sua história, desde o século XIX, com seu surgimento, na obra de Karl Marx e Friedrich Engels. O fundamento autogestionário da teoria marxista já estava esboçado na própria obra de Marx que, posteriormente, é atualizada e desenvolvida por diversos revolucionários ao longo da história, contribuindo para a luta revolucionária do proletariado. Contribuições estas ocorridas tanto no calor do momento, em épocas de intensificação da luta de classes (especialmente em períodos revolucionários), quanto em seus momentos de refluxo, desenvolvendo e aprofundando diversos elementos teóricos e políticos importantes para a luta proletária e das demais classes inferiores. Assim, o marxismo busca contribuir para a revolução proletária; é a sua expressão teórica.

Tendo em vista este debate, o objetivo do presente texto é demonstrar, mesmo que brevemente, a importância das experiências autogestionárias para o desenvolvimento do marxismo autogestionário e como esta teoria resgata e contribui para a própria análise dessas mesmas experiências. Para tanto, buscaremos discutir a respeito das experiências autogestionárias ao longo da história do capitalismo, seu valor para o desenvolvimento do marxismo no geral e, posteriormente, focalizaremos a sua importância para o marxismo autogestionário.

AUTOGESTÃO E EXPERIÊNCIAS AUTOGESTIONÁRIAS

A palavra experiência remete a uma variedade de definições, indo de sua compreensão mais imediata até a formulações filosóficas e científicas, que vai de Montaigne a Foucault (JAY, 2009). O que há em comum no interior dessa diversidade é que ela nos leva a pensá-la como “tentativa”, “ensaio”, “prova”. Assim, pensar uma experiência autogestionária é pensar em uma tentativa de instaurar a Autogestão Social; trata-se de seu ensaio prático, a prova de sua possibilidade e de sua tendência histórica. Se uma experiência (social) pode ser caracterizada como autogestionária, o que significa autogestão? Tal palavra foi utilizada para expressar diversos fenômenos sociais ao longo de sua história lexical. Há, portanto, uma luta do que seja autogestão. Uma rápida digressão acerca de sua história nos será útil.

A palavra surge na Iugoslávia, em servo-croata samoupravlje, junção de samo (auto) e upravlje (gestão), depois traduzida para o francês como autogestion (GUILLERM & BOURDET, 1976; MEISTER, 1970). O termo é introduzido na França para nomear a experiência iugoslava do final da década de 1950, cujo regime, liderado por Josip Broz Tito, se opunha parcialmente ao imperialismo do capitalismo estatal soviético. Assim, a palavra autogestão era empregada não apenas para se distinguir da burocracia soviética, mas também para delimitar a especificidade do regime titoísta, pautado na participação operária nas fábricas (controle operário) e pequenas propriedades privadas. Desse modo, durante o final da década de 1950 e início da década de 1960, a autogestão será entendida, na França, ainda nos termos expressos pela experiência iugoslava, como participação operária na cadeia produtiva, enquanto cogestão. Neste período o signo (autogestão) ainda não havia se encontrado com o seu significado (mudança radical da sociedade).

Mas é a partir do processo de radicalização da luta de classes no final do regime de acumulação conjugado[1], especialmente no contexto francês de 1968, que o termo autogestão começa a esboçar uma mudança em seu significado, sendo utilizado tanto por intelectuais quanto por militantes (estudantes e trabalhadores), destoando do significado inicialmente adotado na Iugoslávia.

É com a recusa do capitalismo estatal soviético, bem como dos partidos políticos e sindicatos ditos comunistas (de lastro leninista), que intelectuais e militantes que participaram (direta ou indiretamente) do Maio de 68[2] utilizarão o termo autogestão enquanto determinação fundamental de um processo de transformação social. Há uma ressignificação do termo, já que o pretenso “caráter autogestionário” do regime iugoslavo se pautava apenas na questão da participação operária (cogestão), e não do conjunto das relações sociais[3]. A autogestão, principal relação de produção daquilo que Marx (2011) chamou de “autogoverno dos produtores” (comunismo), torna-se antônimo de heterogestão, principal elemento das relações de produção capitalistas. Assim, a autogestão não significa uma questão de gestão no interior das relações de produção capitalistas, mas sim o núcleo de uma mudança radical; a sua determinação fundamental (GUILLERM & BOURDET, 1976). Comunismo e autogestão tornam-se sinônimos, e a escolha deste último para expressar essa mudança se dá pela deformação do primeira pelo pseudomarxismo (leninismo, socialdemocracia, etc.), especialmente após a experiência soviética e a bolchevização dos partidos comunistas.

Por esse ângulo, experiências autogestionárias (ou experiências revolucionárias) são todos aqueles acontecimentos históricos que expressaram ensaios práticos de autogestão ou que tiveram o objetivo de concretizá-lo (VIANA, 2018). Tais experiências foram inúmeras ao longo da história e expressaram momentos de radicalidade do proletariado (como classe autodeterminada), ruptura com as relações sociais derivadas das relações de produção capitalistas e o esboço de uma nova sociabilidade e modo de produção pautada na autogestão. Isto significa que o processo de transformação social pelo proletariado só pode ser efetivado se atingir a totalidade da sociedade – diferentemente das revoluções burguesas que inicialmente foram “econômicas” e depois políticas, ou seja, parciais[4].

A primeira grande experiência autogestionária foi a Comuna de Paris no ano de 1871. Foi a partir desta experiência que o proletariado demonstrou de forma concreta a sua força e capacidade de produzir, no processo de luta radicalizada, o embrião de uma nova sociedade, que apontava para abolição das classes sociais, do Estado, do capital e demais elementos da sociedade capitalista, em específico, e das sociedades classistas, no geral. É no esgotamento do regime de acumulação intensivo, no contexto de crise da acumulação de capital e guerra (Franco-Prussiana) que o proletariado autodeterminado emerge e demonstra a possibilidade da concretização da revolução proletária.

Desde a Comuna, por toda a extensão da história do capitalismo, diversas experiências autogestionárias arrebentaram em diversos países, nas mais variadas formas, com diversos níveis de amplitude, radicalidade e nas mais variáveis adversidades e desafios. A título de exemplo, citemos algumas, mesmo que sumariamente: a Comuna de Paris (1871); a Revolução Russa (1905 e 1917); a Revolução Alemã (1918-1921); a Revolução Húngara (1918); a Revolução Italiana (1919-1920); a Revolução Espanhola (1936-1939); a Revolução Portuguesa (1974); a Revolução Polonesa (1980), entre outras. E aqui nem entramos nas experiências menores, que apesar de não terem produzido um ensaio prático de autogestão, estabeleceram, nos conflitos de seu tempo e espaço, o projeto autogestionário, tal como a rebelião estudantil do maio de 1968 (em articulação com determinados setores do movimento operário); as lutas radicalizadas do movimento piqueteiro na Argentina no final da década de 90; os cordões industriais chilenos em oposição ao governo de Salvador Allende em 1973; os comitês de fábrica nas greves selvagens no contexto da ditadura militar brasileira; etc.

Como é perceptível, as experiências autogestionárias sempre estiveram presentes na história do capitalismo. Elas são a resposta proletária à dominação e exploração; é um momento simultâneo de destruição e criação: destruição do modo de produção capitalista e das formas sociais derivadas dessa sociedade; e a criação de novas relações sociais fundadas na autogestão social. No entanto, as experiências autogestionárias não se generalizaram e foram derrotadas em suas tentativas; são experiências inacabadas, já que a contrarrevolução fora vitoriosa (tanto pela burocracia estatal quanto pela burocracia civil, dependendo do contexto) ou se esbarraram em seus próprios limites. A vitória de uma experiência autogestionária é uma sociedade autogerida, o que ainda não se concretizou, afinal, continuamos no interior do capitalismo. A luta ainda perdura.

Resta-nos, agora, efetivar a análise da relação entre o marxismo e as experiências autogestionárias. Se estas experiências revolucionárias possuem como fundamental a classe proletária que efetiva a transformação social, o que a sua expressão teórica (ou seja, o marxismo) contribuiu, tanto no calor do momento quanto em suas análises posteriores? É o que executaremos no próximo tópico.

O DESENVOLVIMENTO DO MARXISMO E AS EXPERIÊNCIAS AUTOGESTIONÁRIAS

Como evidenciamos no início deste texto, o marxismo, tal qual como qualquer outro elemento ou fenômeno da realidade social, possui uma história ligada ao desenvolvimento mais amplo da sociedade. Se é de Korsch a melhor definição de marxismo (expressão teórica do proletariado), é também dele, pela primeira vez[5], em que há a efetivação de uma análise dialética da própria história do marxismo (KORSCH, 1977). A análise do desenvolvimento do marxismo só pode ser efetivada utilizando o materialismo histórico no próprio materialismo histórico. Em outras palavras, é uma análise marxista do marxismo. Este procedimento é radicalmente distinto e antagônico ao procedimento feito, por exemplo, por Kautsky (1980) e Lênin (1982), que buscaram fundamentar o marxismo a partir de seus aspectos formais, deslocados da realidade concreta e da luta de classes no interior do capitalismo.

Assim, o desenvolvimento do marxismo significa as suas metamorfoses ao longo da história, sendo desenvolvido, atualizado e aprofundado por diversos revolucionários ligados a essa expressão teórica (GOULDNER, 2014)[6]. Em nível geral, podemos falar em três grandes períodos do marxismo.

O primeiro é o próprio nascimento do marxismo, no contexto da segunda metade do século XIX, na obra de Karl Marx e Friedrich Engels, que se estende até o final deste século. Este é o momento da inauguração do materialismo histórico, do método dialético e principais princípios políticos do marxismo e da análise da essência do modo de produção capitalista. Assim, o eixo fundamental do marxismo é desenvolvido neste período histórico. Trata-se, então, do marxismo original.

Com a morte de Marx, a ambiguidade teórico-política de Engels e a ascensão hegemônica do partido social democrata na Alemanha, surge a primeira apropriação deformadora do marxismo em Kaustky e depois, por uma outra vertente, por Bernstein.  O marxismo, nesse período, especialmente nas duas últimas décadas do século XIX, torna-se periférico e o pseudomarxismo reina quase absoluto. Ele sobrevive a partir de indivíduos como Antônio Labriola na Itália e Makhaisky na Rússia; e de forma próxima, nas dissidências no interior da socialdemocracia, representadas pelos tribunistas holandeses (Holand-Host, Herman Gorter, Anton Pannekoek) que, posteriormente, muitos tornariam-se comunistas de conselhos, e Rosa Luxemburgo e os militantes que logo adiante formariam a Liga Spartacus.

O segundo período, no cenário de intensificação da luta de classes nas primeiras décadas do século XX e a emergência dos conselhos operários (soviets) no contexto revolucionário de alguns países, se dá com a emergência do comunismo de conselhos, representados por Anton Pannekoek, Otto Rühle, Herman Gorter, Paul Mattick, Helmutt Wagner e outros. Os comunistas de conselhos contribuíram para a recusa do pseudomarxismo (socialdemocracia e leninismo), a crítica ao capitalismo estatal (que era colocado como socialismo), a crítica às organizações burocráticas (partidos políticos, sindicatos, empresas estatais, etc.), a defesa da autoemancipação proletária e manutenção do marxismo autêntico, o papel atuante na experiência revolucionária alemã, entre outros elementos (MAIA, 2015; VIANA, 2015).

Por fim, o marxismo autogestionário, que surge no contexto da crise do esgotamento do capitalismo oligopolista transnacional (regime de acumulação conjugado) e a intensificação dos conflitos sociais no final da década de 60 (a rebelião estudantil no Maio de 68 como a mais importante e radical), inicia-se na década de 70 na França, especialmente nas obras de Yvon Bourdet e Allain Guillerm e possui importantes desdobramentos em outros países, tal como no Brasil (Maurício Tragtenberg, Nildo Viana, etc.). O marxismo autogestionário é, então, a expressão contemporânea do marxismo autêntico, atualizando e aprofundando diversos elementos colocados tanto pelo marxismo original de Marx, quanto pelo marxismo dos comunistas de conselhos. Aprofundaremos seus elementos e características fundamentais adiante.

Trata-se agora de evidenciar como o marxismo, em cada período histórico, analisou as experiências autogestionárias de seus tempos.

Marxismo Original e a Comuna de Paris

A Comuna de Paris, como já colocamos, foi a primeira grande experiência revolucionária no interior da sociedade capitalista. Ela emerge no contexto da formação do proletariado francês à luz do acelerado processo industrial e da intensa exploração das classes desprivilegiadas, que estava sob julgo do Estado bonapartista da segunda metade do século XIX. A detonação da revolução proletária comunarda se dá com a guerra franco-prussiana, em 1871, onde o exército alemão cerca a cidade de Paris e a população (especialmente as classes inferiores) opta pela resistência, expulsando a classe dominante local e a destruição do estado capitalista. O que nos interessa, sobre essa questão, é como o marxismo original de Marx analisou e assimilou esta experiência autogestionária[7].

A obra que Marx (1986) analisa a Comuna de Paris é o texto A Guerra Civil na França. Trata-se de um texto fundamental para o aprofundamento do pensamento de Marx e da consolidação da teoria da revolução proletária no marxismo. A experiência francesa de 1871, em Marx, significou a destruição do Estado e o esboço da abolição das relações de produção do modo de produção capitalista. Se antes desta experiência Marx só tinha utilizado o vislumbre racional (VIANA, 2017) para tratar do processo revolucionário, agora sua teoria ganha concreticidade com uma experiência histórica que ele chamará de “autogoverno dos produtores”.

Um dos principais elementos em que Marx extraí da Comuna de Paris é a impossibilidade do proletariado autodeterminado se apoderar da máquina estatal, já que este trata-se de um órgão fundamental para a reprodução do capitalismo. Assim, explicita a necessidade de abolição do Estado no processo revolucionário: “[…] a classe operária não pode limitar-se a apossar da máquina do Estado como se apresenta e servir-se dela para seus próprios fins” (MARX, 2011, p. 69). Além disso, ele evidencia como a experiência comunarda atinge a totalidade das relações sociais presentes em Paris, abolindo não apenas as instituições (especialmente o Estado), mas também transformando as relações sociais cotidianas, a educação, cultura, etc. Isto significa que não foi uma mera “Revolução Política”, tal como as revoluções burguesas passadas. A revolução proletária, devido as suas próprias condições e especificidades, deve ser uma revolução que atinge a totalidade das relações sociais.

A Comuna de Paris representou um dos momentos mais importantes e significativos para o movimento operário. Para o marxismo, sua expressão teórica, significou e atestou a concreticidade de sua teoria e contribuiu para o avanço de questões que ainda só estavam esboçadas na obra de Marx. Uma delas é a questão do Estado, que recebe uma nova reavaliação com a Comuna de Paris. Se no Manifesto Comunista (publicado em 1848) Marx fala em “estatização dos meios de produção”, com a experiência da Comuna de Paris de 1871 essa parte é reavaliada. Tal reformulação aparecerá no posfácio feito para uma nova edição do Manifesto:

Embora as condições tenham mudado muito nos últimos 25 anos, os princípios gerais expostos no Manifesto conservam ainda hoje, em seu conjunto, toda a sua exatidão. Certas partes deveriam ser retocadas. O próprio Manifesto explica que a aplicação desses princípios dependerá, sempre e em toda parte, das circunstâncias históricas existentes e que, por conseguinte, não se deve atribuir demasiada importância às medidas revolucionárias enumeradas no fim do segundo capítulo. Esse trecho, em mais de um aspecto, seria redigido atualmente de outro modo. Tendo em vista o desenvolvimento colossal da grande indústria nos últimos 25 anos e os progressos correspondentes da organização da classe operária em partido; tendo em vista, primeiro, a experiência da Revolução de Fevereiro e, depois, sobretudo, da Comuna de Paris, que pela primeira vez permitiu ao proletariado, durante dois meses, a posse do poder político, esse programa está agora envelhecido em alguns pontos. A Comuna demonstrou principalmente que “não basta que a classe operária se apodere da máquina do Estado existente para fazê-la servir a seus próprios fins” (MARX e ENGELS, 2006, p. 80).

Aqui podemos perceber a coerência que Marx estabelece com sua teoria da história (materialismo histórico). A ideia central dessa teoria é que a história de todas as sociedades classistas é marcada pela luta de classes. Assim, o comunismo só pode ser visto como uma tendência no interior da sociedade capitalista cujo gérmen é o proletariado e não as ideias criadas por pensadores ou reformadores do mundo. A sua reavaliação é fruto desse princípio, que dá primazia à realidade concreta e ao movimento real do proletariado autodeterminado em luta.

A Comuna de Paris, sem dúvidas, contribuiu para uma importante alteração na teoria da revolução proletária em Marx, que ainda o vislumbrava de forma abstrata. O caráter autogestionário (autogoverno dos produtores) do processo revolucionário do proletariado em que a Comuna esboçou pela primeira vez, é evidenciado e atestado em todas as outras grandes experiências autogestionárias.

Comunismo de Conselhos e as experiências autogestionárias do início do século XX (Revolução Russa, Alemã, Húngara, Italiana, etc.)

O comunismo de conselhos emerge num contexto de radicalização das lutas operárias do início do século XX, num processo de intensificação da luta de classes em nível geral no capitalismo de sua época. Os principais e mais destacados representantes do comunismo de conselhos foram Anton Pannekoek, Otto Rühle, Herman Gorter, Karl Korsch, Paul Mattick, Helmutt Wagner, entre outros. No entanto, estes militantes não “nasceram” conselhistas e suas atividades políticas apontam para uma maior radicalização à medida que as lutas igualmente se radicalizaram[8]. Assim, os comunistas de conselhos surgem na própria dinâmica das revoluções do início do século XX.

A Revolução Russa teve um papel fundamental nesse processo, pois foi a partir desta experiência que emergiu a primeira forma de organização autárquica revolucionária dos operários (auto-organização): os soviets (conselhos operários em russo). Tal organização surge, ainda que de forma embrionária, em 1905 (mas que só irá se generalizar na sociedade Russa com a Revolução de fevereiro em 1917). Os conselhos operários terão importância fundamental para o desenvolvimento das lutas proletárias posteriores, tanto na própria Rússia quanto no restante do mundo, especialmente na Europa. Com o agravamento da crise do regime de acumulação de capital intensivo e a emergência, consolidação e desenvolvimento dos sovietes em 1917[9], os conflitos na sociedade capitalista se intensificam e abre uma nova fase da luta de classes onde, em muitos países, ocorre a passagem das lutas cotidianas e autônomas para lutas autogestionárias (JENSEN, 2014). É nesse momento histórico, final da década de 1910 até o final da década de 1920, que ocorre diversos processos revolucionários em vários países (Rússia, Alemanha, Hungria, Itália, etc.).

No bojo dessas experiências, especialmente na Revolução Alemã, iniciada em 1918, é que começa a se desenvolver o comunismo de conselhos. Tal tendência surge em antagonismo ao chamado “comunismo” de partido, ligados ao bolchevismo e a social-democracia da época. Os comunistas de conselhos efetuam a crítica radical marxista às organizações e ideologias que se apresentavam como representantes do proletariado: os partidos políticos, sindicatos, a ideologia da vanguarda, etc. O que antes era uma divergência de tática[10] ou questões políticas específicas, torna-se um verdadeiro antagonismo: o bolchevismo, a experiência soviética pós outubro de 1917, os partidos comunistas, os sindicatos, a social-democracia, etc., se tornam nocivos ao movimento operário e devem ser combatidos. E foi exatamente o que fizeram, tanto no bojo das experiências revolucionárias (o fizeram diretamente na Revolução Alemã), quanto posteriormente, em momento de refluxo das lutas radicalizadas. Temos, nesse processo, a recusa do pseudomarxismo e suas proposições teóricas e políticas, o aprofundamento e resgate do marxismo autêntico e a defesa dos conselhos operários como organização autárquica revolucionária.

As contribuições do comunismo de conselhos para as experiências autogestionárias do início do século XX estão ligadas ao combate e recusa das organizações e ideologias burocráticas no bojo das próprias experiências revolucionárias e na busca pela hegemonia proletária na defesa dos conselhos operários e na articulação dessas organizações para criar condições de relações de produção autogeridas[11]. Esse processo pode ser visto, por exemplo, nos escritos de Otto Rühle, onde irá destacar a importância dos conselhos operários como órgãos de autolibertação proletária, uma nova maneira de gestão da sociedade comunista que ele chamou de sistema de conselhos (RÜHLE, 1975a) e na crítica aos partidos políticos que se colocavam como porta-vozes dos trabalhadores (RÜHLE, 1975b), na crítica radical que Wagner efetua sobre o bolchevismo (WAGNER, 2014), na teorização da emergência e desenvolvimento dos conselhos operários por Anton Pannekoek (1977), entre outras diversas contribuições.

Em síntese, é justamente pelo fato de estarem envolvidos diretamente na Revolução Alemã (que possuía relação com experiências autogestionárias de sua época) que possibilitaram atualizar, aprofundar e desenvolver alguns elementos da luta política no interior do marxismo[12] e contribuir para a luta revolucionária do proletariado nas primeiras décadas do século XX.

O marxismo, enquanto expressão teórica do movimento revolucionário do proletariado, se atualiza com as experiências autogestionárias além de buscar contribuir no próprio processo revolucionário dessas experiências. É o que podemos constatar não só na relação da Comuna de Paris com o Marxismo Original, mas também com as experiências revolucionárias (Revolução Russa, Alemã, Italiana, etc.) do início do século passado e o comunismo de conselhos. Trata-se, agora, de analisar a relação entre marxismo autogestionário e as experiências autogestionárias.

O MARXISMO AUTOGESTIONÁRIO E AS EXPERIÊNCIAS AUTOGESTIONÁRIAS

O significado histórico e político do marxismo autogestionário

O marxismo autogestionário é a manifestação contemporânea do marxismo autêntico. Trata-se, então, da atualização do marxismo para a contemporaneidade; o tempo presente, o regime de acumulação integral. Ele emerge após os conflitos do final da década de 1960, especialmente em França (Maio de 68), e se estrutura ao longo das décadas em diversos lugares no mundo. O elemento fundamental da caracterização e adjetivação do marxismo enquanto “autogestionário” se dá com a adequação linguística ocorrida, de forma acabada, após os conflitos de 1968, com a substituição do termo “comunismo” por “autogestão”. Como colocamos anteriormente, devido à hegemonia do pseudomarxismo, especialmente do leninismo, a palavra “comunismo” sofreu diversas deformações, perdendo o seu significado original colocado por Marx (autogoverno dos produtores) e se metamorfoseando para um dos elementos que justificavam o “socialismo real” (na verdade, um capitalismo de estado). Trata-se, então, de uma adequação no campo linguístico da episteme marxista (VIANA, 2019). Nesse sentido, a palavra “autogestão” é utilizada como alternativa para “comunismo” e este processo colabora tanto com a atualização do marxismo quanto a explicitação do caráter antagônico com o leninismo (TELES, 2019).

A primeira grande contribuição do marxismo autogestionário é, sem dúvidas, o resgate do caráter revolucionário do marxismo. Drena-se o pântano das deformações na análise da obra e pensamento de Marx e expressa o fundamento autogestionário de seu pensamento. Também é resgatado as contribuições do marxismo posterior à obra de Marx: individualmente as contribuições de Rosa Luxemburgo, Antônio Labriola, Jan Wacław Machajski, entre outros; além das contribuições mais estruturadas como a da corrente que melhor expressou o marxismo na primeira metade do século XX: o comunismo de conselhos. Assim, o universo teórico e político do marxismo é resgatado, utilizado pelo marxismo autogestionário, que vai desde o método dialético e a sua teoria da história, até as teorias mais específicas, como a teoria da consciência, do capitalismo, das classes sociais, a questão da organização revolucionária, etc. Com esse resgate, que abarca o conjunto mais expressivo das principais teses, conceitos e proposições políticas do marxismo, a manifestação contemporânea da teoria revolucionária do proletariado é enriquecida e contribui para o fortalecimento do bloco revolucionário e a fomentação de uma cultura contestadora.

A segunda grande contribuição é o combate radical e desapiedado contra o pseudomarxismo nas suas mais variadas vertentes (social-democracia, leninismo, eurocomunismo, etc.). Esse processo já era efetivado pelos comunistas de conselhos, mas ainda de forma rudimentar e não estruturada teoricamente (havendo variações entre os seus representantes em como caracterizar o pseudomarxismo). O marxismo autogestionário, no entanto, evidencia o caráter antagônico entre marxismo e pseudomarxismo (TELES, 2019). Não se trata, como querem alguns, de determinadas diferenças no interior de determinadas concordâncias (oposição), mas sim de um forte antagonismo, que expressa interesses de classes e projeto políticos distintos, tanto em nível teórico e metodológico, quanto em nível valorativo.

A terceira grande contribuição é a renovação e atualização do marxismo para o tempo presente, o aprofundamento de alguns aspectos da teoria marxista e a percepção de outros elementos que até então não estavam no horizonte analítico dos revolucionários do passado. Esse processo ocorre porque a sociedade capitalista, apesar de resguardar a sua determinação fundamental, sofre alterações e possui uma história marcadas por uma sucessão de regimes de acumulação. Assim, se podemos falar em história da Humanidade e suas diversas fases, igualmente podemos falar na história do capitalismo e suas fases que é apreendido conceitualmente a partir do conceito de regime de acumulação[13]. O regime de acumulação integral, ou seja, o capitalismo contemporâneo, trouxe diversos novos elementos que reforçaram a hegemonia burguesa, tais como nova forma estatal (neoliberalismo), uma nova forma assumida pelo processo de valorização (toyotismo) e determinada forma de exploração internacional (hiperimperialismo), além de uma nova renovação do paradigma hegemônico da episteme burguesa (subjetivismo).

Todos esses novos elementos do capitalismo são analisados e criticados pelo marxismo autogestionário, atualizando-o para a contemporaneidade. No entanto, não apenas o tempo presente é analisado, mas também o passado e a percepção sobre o seu significado histórico e político. Com o desenvolvimento da teoria revolucionária, elementos da sociedade que antes não estavam completamente desenvolvidos ou que, até então, não possuíam base para explicá-los, são alvos de análise e tornam perceptível aquilo que antes não estava. Este é o caso, por exemplo, do papel contrarrevolucionário da burocracia enquanto classe social e as implicações desse processo nas experiências autogestionárias (iremos aprofundar essa questão a seguir).

Em linhas gerais e de forma esquemática, essas são as três grandes contribuições do marxismo autogestionário. Conforme Viana (2015), podemos sintetizar em nove princípios fundamentais que dão estrutura a essa teoria:

  1. A história das sociedades classistas é a história da luta de classes;
  2. O proletariado é a classe revolucionária da sociedade capitalista;
  3. A autoemancipação proletária é a forma de realização da emancipação humana;
  4. A autogestão é a determinação fundamental da nova sociedade que emerge após o capitalismo;
  5. A revolução proletária só pode ser vitoriosa se abolir o Estado e o capital, sem a ideologia do “período de transição”, ou seja, uma revolução total (e não parcial, tal como ocorreu nas revoluções burguesas);
  6. Superar e criticar o reboquismo e o vanguardismo e construir uma estratégia revolucionária;
  7. A burocracia é uma classe social contrarrevolucionária e por isso deve ser combatida, assim como todas as organizações burocráticas (partidos, sindicatos, Estado, etc.);
  8. A luta cultural é uma das ações fundamentais a ser efetivada pelos grupos revolucionários;
  9.  É necessário que a estratégia revolucionária unifique meios e fins e coloque como fundamental o objetivo final (autogestão social) e este determina os meios.

Tais princípios permeiam ao longo de toda a história do marxismo, sendo alguns apenas desenvolvidos ou melhor explicitados contemporaneamente pelo marxismo autogestionário[14]. Resta-nos, agora, analisar como o marxismo autogestionário analisou e ajudou a resgatar as experiências autogestionárias, tema de nosso próximo tópico.

Marxismo autogestionário e experiências revolucionárias

O marxismo autogestionário não apenas buscou resgatar a história das grandes experiências revolucionárias e dos marxistas que as interpretaram e analisaram, mas também contribuiu com novas análises destes mesmos acontecimentos a partir de novos elementos que até então não estavam postos para os autores do passado. Assim, iremos apresentar a relação entre marxismo autogestionário e experiências autogestionárias relacionadas às três grandes contribuições que colocamos no tópico anterior, qual seja, o resgate do caráter revolucionário do marxismo, a crítica desapiedada ao pseudomarxismo e o desenvolvimento e adequação da teoria revolucionária contemporaneamente.

Os autogestionários resgataram toda a potencialidade revolucionária dos escritos de Marx e dos comunistas de conselhos. De Yvon Bourdet e Allain Guillerm, na França, até Nildo Viana, Brasil, temos um conjunto de militantes engajados que contribuíram para uma leitura revolucionária e não-dogmática do marxismo e dos escritos sobre as experiências autogestionárias. O que une as mais diversas análises desses autores é o núcleo autogestionário das revoluções proletárias e a forma como o marxismo apreendeu e contribuiu para essas experiências. A autogestão é, por esse ângulo, a determinação fundamental do processo revolucionário e a essência de uma nova sociedade (que o marxismo autogestionário denomina de Autogestão Social[15]):

A autogestão não é “uma ideia vaga’, um “ideal”. Tem fontes profundas na história da humanidade, na ação e no pensamento revolucionário do proletariado, embora a palavra autogestão seja muito recente, pelo menos em francês. Do slogan “povo, salva-te a ti mesmo”, ao de “autogoverno dos produtores associados”; do Enragé Varlet a Karl Marx, o movimento proletário tem reivindicado o que a palavra exprime: a gestão operário não somente das empresas, mas de toda a sociedade. A palavra de ordem da autogestão sintetiza, com efeito, os conceitos essenciais da luta do proletariado moderno (GUILLERM; BOURDET, 1976, p. 210).

O resgate dos escritos sobre as experiências revolucionárias não ocorre por mera vaidade intelectual ou algo semelhante. Trata-se de uma necessidade devido aos deformadores e simplificadores das contribuições de marxistas como Karl Marx, Anton Pannekoek, Karl Korsch, Otto Rühle e outros. O caso de Marx é mais emblemático ainda, um autor muito discutido, mal lido e amplamente deformado. Em vida, Marx analisou a Comuna de Paris e seus textos sofreram toneladas de deformações, servindo de pretexto para processos contrarrevolucionárias e justificativas burocráticas. A coletânea Escritos Revolucionários sobre a Comuna de Paris, organizado por Nildo Viana (2013), faz parte da luta cultural proposta pelo marxismo autogestionário em resgatar os escritos revolucionários sobre essa experiência revolucionária. Na introdução, o organizador já evidencia e justifica o motivo da publicação da coletânea:

Um texto revolucionário pode ser interpretado de forma não-revolucionária e assim ser deformado e, através dessa interpretação, não contribuir com o projeto revolucionário. O conteúdo real da obra é ofuscado por interpretações tendenciosas e mediado por outros intérpretes. O caso de Marx é exemplar, onde a leitura é geralmente mediada pela concepção leninista e assim fica bem distante do que o autor quis realmente dizer. […] Um texto revolucionário possui íntima relação com o projeto revolucionário, é sempre um tijolo a mais no edifício da teoria e prática revolucionária. E por isso tem que ser revolucionário também no sentido de romper com os dogmatismos, as leituras dogmáticas, as divisões de grupo, etc. (VIANA, 2013, p. 06-07).

Tal coletânea, que possui textos não apenas de marxistas (Marx, Nildo Viana, Karl Korsch e Marcos Vinicius da Conceição), possui também de anarquistas (Bakunin, Kropotkin, Saddi), situacionistas (Attila Kotányi, Guy Debord, Roaul Vaneigem) e comentários a respeito dessas análises, seus limites, avanços e contribuições para o processo revolucionário.

Ainda sobre a Comuna de Paris, temos o resgate dessa experiência e da interpretação de Marx por Santos (2015) e Marques (2015). Este último expõe o vínculo dessa experiência com o projeto autogestionário:

O significado histórico da Comuna de Paris de 1871 não ficou no passado, é parte do presente; deve ser lembrado enquanto o objetivo da classe que a gerou não seja efetivado. E seu objetivo continuará como um espectro a assombrar o capitalismo enquanto este existir, até o dia em que este venha ruir pelas mãos das classes exploradas e oprimidas e finalmente, como foi no dia 18 de março de 1871, possamos acordar em uma nova sociedade com o grito “Viva a Autogestão Social!” nos encontrando definitivamente com a liberdade. Em síntese, a Comuna deixou para a humanidade o projeto de uma nova sociedade pautada na autogestão social. A sua construção depende única e exclusivamente da luta revolucionária da classe operária. Isso impõe a aqueles que almejam a emancipação humana se inserir na luta e contribuir para que o proletariado inicie o mais rápido possível a sua missão histórica (MARQUES, 2015, p. 119-120).

Enfim, há um conjunto de autores e textos, ligados ao marxismo autogestionário, que analisa e resgata o pensamento de Marx e seu vínculo com o projeto autogestionário. Esse processo ocorre, também, com os comunistas de conselhos, que, apesar de serem aqueles militantes que continuaram e desenvolveram o marxismo na primeira metade do século XX, são marginalizados e poucos conhecidos[16] (especialmente em tempos de estabilidade no regime de acumulação). Assim, as deformações de seus escritos são menores[17], o que significa que o trabalho é mais de divulgação e resgate. Esse processo pode ser visto[18] na análise que Yvon Bourdet e Allain Guillerm faz da diferença entre as concepções de teoria e revolução em Lênin e Pannekoek (1976); a questão da organização proletária no processo revolucionário em Pannekoek feita por Marques (2011); o livro Comunismo de Conselhos e Autogestão Social de Maia (2015); a análise da teoria da revolução proletária em Otto Ruhle feita por Viana (2012), entre diversos outros. Estes textos contribuem para expressar a correspondência entre os comunistas de conselhos e o proletariado revolucionário das revoluções operárias no início do século XX (Russa, Alemã, Italiana, Húngara, etc.). Tal processo explicita e resgata o modo como o comunismo de conselhos tornou-se a forma mais acabada e desenvolvida do marxismo em seu período de atividade, sendo expressão teórica e política do proletariado autodeterminado que produziram os conselhos operários.

Como afirmou Pannekoek, os conselhos operários não são uma forma acabada, são um princípio. O comunismo de conselhos é a expressão teórica do movimento operário em sua forma mais desenvolvida, os conselhos operários. Os trabalhadores, durante todo o século 20, sempre que se organizaram em direção à abolição do modo de produção capitalista, encontraram nos conselhos operários sua expressão mais radical e revolucionária. A perspectiva que melhor expressou e compreendeu o movimento operário revolucionário e as possibilidades de constituição da sociedade autogerida foi o comunismo de conselhos (MAIA, 2015, p. 32).

Assim, além de assimilar as principais teses dos comunistas de conselhos, os autogestionários buscam divulgar e resgatar os seus escritos e ações revolucionárias que possuem uma importância fundamental para compreender a dinâmica dos blocos sociais no interior das revoluções inacabadas do século passado.

Outra contribuição do marxismo autogestionário é a efetivação da crítica desapiedada contra todo tipo de pseudomarxismo e a explicitação do caráter antagônico em relação a ele. Esse processo pode ser visto, amplamente, nos escritos que tratam das experiências revolucionárias. Um dos elementos que levam à derrota do movimento operário e do bloco revolucionário num processo revolucionário está relacionado à fragilidade destes[19] com a força, em determinados contextos, da contrarrevolução burocrática[20]. Assim, o marxismo autogestionário contribui não só com o resgate daqueles que contribuíram com a luta revolucionária, mas também daqueles que a destruíram. Este é o caso, por exemplo, do papel contrarrevolucionário do bolchevismo e dos partidos comunistas nas experiências revolucionárias do século XX, especialmente na Rússia, país onde a burocracia conseguiu êxito em suas ações e produziram uma nova manifestação do capitalismo: o capitalismo estatal.

Assim, o marxismo autogestionário, ancorado especialmente nos comunistas de conselhos (que participaram, diretamente ou indiretamente, dos conflitos da Revolução Russa, Alemã, etc.) e em outros autores e grupos próximos politicamente[21], explicitam e analisam os perigos das organizações burocráticas, tais como partidos políticos, sindicatos, etc., oriundos do bolchevismo, social-democracia, etc. Os livros A Revolução Russa e Reflexões sobre o socialismo  de Maurício Tragtenberg (2007, 2008), o texto O capitalismo de estado na URSS de Nildo Viana (1993), o texto A Revolução Russa e Contrarrevolução Bolchevique de Leonel dos Santos (2018), o texto As revoluções russa e alemã: a questão do Estado, dos partidos, dos sindicatos e dos conselhos operários de Lucas Maia (2017), o texto Período de Transição ou Contrarrevolução Burocrática? Crítica ao Leninismo e seus desdobramentos Históricos de Gabriel Teles e Aline Ferreira (2017), entre outros textos, contribuem para expressar a perspectiva proletária dos processos revolucionários e o perigo da contrarrevolução burocrática efetivada, também, pelo pseudomarxismo. Esse processo é sintetizado por Santos, ao tratar da Revolução Russa de 1917:

A Revolução Russa de 1917 é um dos acontecimentos mais importantes do século 20. A historiografia dominante se divide basicamente em duas versões do acontecimento. A primeira é a da perspectiva burguesa que visa relatar o episódio ligado geralmente à barbárie, “totalitarismo”, “ditadura bolchevista”, etc. A segunda, da perspectiva da burocracia bolchevique, bastante propagandeada devido à própria potência que iria se tornar a URSS, chamou o evento de “gloriosa revolução”, “vitória comunista”. Entretanto, existe uma terceira perspectiva que é marginalizada, ocultada e deformada. Trata-se da perspectiva proletária. Neste artigo será analisada a revolução sob a perspectiva proletária e a partir disso o papel do partido bolchevique como agente da contrarrevolução (SANTOS, 2018, p. 45).

Tal citação evidencia que uma análise que parta da perspectiva proletária deverá, também, explicitar os perigos da contrarrevolução burocrática, mostrando suas ações, desmascarando suas ideologias e combatendo suas justificativas para o controle e dominação sob o movimento operário.

Estudar, de uma perspectiva da classe proletária, as revoluções russa e alemã [isso é adequado para todas as experiências autogestionárias – GT], significa desvelar, tornar público, o perigo que representam para os trabalhadores, as organizações partidárias (de todas as bandeiras e cores ideológicas), os sindicatos (de todos os matizes) e o estado (com suas artimanhas parlamentares, perigo de ditaduras, mentiras democráticas etc.). O legado que nos deixaram estas revoluções é um importante laboratório a todo aquele que queira compreender melhor as derrotas do passado para edificar as lutas no futuro (MAIA, 2017, p. 77).

Por fim, a última grande contribuição do marxismo autogestionário é o desenvolvimento e/ou a adequação de determinados aspectos da teoria revolucionária. Sobre as experiências revolucionárias, uma nova adequação fundamental foi, ainda sobre a questão do pseudomarxismo, a percepção mais estruturada da burocracia enquanto classe social e como uma parte dela busca se autonomizar e tomar o poder de Estado para si (especialmente suas frações inferiores, próximas aos trabalhadores).

Em que pese os comunistas de conselhos terem, acertadamente, desmascarado o caráter contrarrevolucionário do bolchevismo com a tomada do poder de Estado em outubro de 1917 e execução do esvaziamento dos soviets na Rússia, eles não perceberam, de forma estruturada e conceitual, o caráter de classe do bolchevismo enquanto fração da burocracia civil. É por esse motivo que Pannekoek (2017), por exemplo, irá acusar o bolchevismo de “neoblanquismo”, perspectiva onde a tomada do poder de Estado é feita por uma “minoria revolucionária”[22]. Já Helmutt Wagner classificará o bolchevismo como “jacobinista”[23]. Dessa forma, não existia, nessa época, uma análise sistemática e unitária sobre o caráter de classe do bolchevismo e do leninismo, apesar de, em alguns textos, essa questão ficar implícita. Foi somente com a consolidação do marxismo autogestionário que ocorreu um processo de desenvolvimento da teoria das classes sociais[24] e a localização do leninismo (principal expoente do pseudomarxismo) como fração da classe burocrática.

A classe burocrática não é a classe proprietária na sociedade capitalista, à burguesia cabe este papel. A burocracia é uma classe auxiliar da burguesia. Isto significa que é uma classe oposta ao proletariado. Entretanto, pelo fato de ela não ser uma classe homogênea, mas sim estratificada, há em seu interior estratos que se aproximam do proletariado e outros que se aproximam da burguesia. Esta peculiaridade permitiu a ela, a partir de suas frações mais próximas do proletariado, expressar-se como representante da classe operária. Assim se explica o desenvolvimento dos partidos “operários” ou de “esquerda” e dos sindicatos (MAIA, 2015, p. 61).

É nesses estratos inferiores que podemos verificar a origem de classe do leninismo e dos interesses do bolchevismo em tomar o poder de Estado. É o que ocorreu na Rússia:

Ao tomar o poder estatal, a burocracia partidária se funde com a burocracia estatal e assim se metamorfoseia em burguesia de Estado, classe simultaneamente apropriadora de mais-valor e dirigente burocrática da sociedade como um todo, formando um capitalismo de Estado, tal como teorizado por diversos autores, sob formas distintas. Assim, a prática bolchevique afirma um regime ditatorial, na qual há a proibição das frações dissidentes dentro do partido e silenciamento das dissidências externas (anarquistas, marxistas, etc.), repressão física e política do proletariado, campesinato, etc., tal como no caso da Ucrânia e Kronstadt, esvaziamento dos conselhos operários, “sovietes” e burocratização da sociedade (VIANA, 2017, p.210).

Com estes elementos, torna-se claro o caráter de classe distinto e antagônico do leninismo em relação à perspectiva proletária. Tal percepção contribui não só para a análise concreta, que expressa a realidade de uma determinada realidade social, mas também demonstra a necessidade de combater as organizações burocráticas e suas ideologias legitimadoras. Ela serviu, em muitas experiências revolucionárias, como última trincheira da burguesia. Assim, uma das consequências desse antagonismo é a necessidade de crítica, combate e denúncia:

A segunda consequência do caráter antagônico entre marxismo autogestionário e leninismo é a necessidade da crítica e do combate as ideologias não só de Lênin, mas também de seus epígonos. […] Assim, é necessário resgatar não só as críticas ao leninismo já efetuadas por diversos marxistas ao longo da História, mas também desenvolvê-las, atualizá-las e contextualizá-las. O marxismo autogestionário, desde o seu surgimento no final da década de 60, desenvolve e executa tal combate […] A experiência soviética, desde a tomada do poder pelos bolcheviques em outubro de 1917, nos demonstra o quão nocivo pode ser o não combate e a não denúncia das medidas contrarrevolucionárias de organizações que se dizem contribuir com a luta proletária. O esvaziamento dos soviets (conselhos operários) ou o seu aparelhamento por sindicatos do partido bolchevique, o trabalho militar, a supressão e perseguição das dissidências e organizações revolucionárias críticas ao Estado Soviético, o esmagamento e o assassinato de trabalhadores, camponeses e revolucionários em Kronstadt e Makhno, são episódios e elementos importantes que precisam estar em nossa memória militante (TELES, 2019, p. 124-126).

Uma outra contribuição de atualização e desenvolvimento do marxismo autogestionário é a importância que é dada à luta cultural na dinâmica da luta de classes. O seu significado aponta para a luta de classes no plano cultural da sociedade. Dessa forma, a luta cultural é efetivada por todas as classes sociais e estas se digladiam para expressarem suas perspectivas políticas na busca de uma hegemonia cultural. Essa luta ocorre nas mais diversas formas: propaganda, teoria, manifestações artísticas, críticas etc., que são materializados em panfletos, livros, música, poesia, uso da internet, revistas, etc.

A luta cultural é uma forma de estratégia revolucionária indispensável no combate às ilusões sistematizadas pelos ideólogos, logo, possibilita o avanço da consciência revolucionária. A estratégia da luta cultural é essencial em período de refluxo da luta operária uma vez que cria a possibilidade da emergência de um processo revolucionário. Quando realizada fortalece o bloco revolucionário e auxilia a luta da classe proletária mantendo intacta a consciência revolucionária na esfera cultural; deixa evidente os fins a serem alcançados com a luta, qual seja, o de abolir o modo de produção capitalista e instituir a autogestão (MARQUES, 2019, p. 54).

A luta cultural proletária, efetivada pelo bloco revolucionário, possui uma importância crucial nas experiências revolucionárias, já que ela contribui e combate a luta cultural burguesa e burocrática, sendo que ambas buscam obliterar o avanço do proletariado enquanto classe autodeterminada e efetivar a generalização da autogestão no conjunto da sociedade. Assim, o marxismo autogestionário contribui demonstrando tal importância e como o bloco revolucionário efetivou esse processo de luta cultural nas experiências revolucionárias. Nildo Viana coloca, por exemplo, como a ausência de uma sólida luta cultural por parte do bloco revolucionário contribuiu para a não percepção do papel contrarrevolucionário do bolchevismo pré golpe de estado de outubro de 1917:

O bloco revolucionário era frágil e apesar de certa quantidade, lhe faltava maior capacidade teórica e estratégica, sendo que sua grande expressão até o golpe de outubro foi Makhaisky e seu grupo, sem maior força de intervenção. A debilidade do bloco revolucionário, incluindo sua ala semiproletária representada pelo anarquismo, foi outra determinação nesse processo, bem como sua luta cultural anterior ao desencadeamento do processo revolucionário, pois uma maior presença cultural ajudaria ao proletariado reunir os elementos de consciência necessária para evitar os perigos da burocracia (VIANA, 2018, p. 225).

O mesmo processo pode ser percebido, com algumas diferenças, no caso da Revolução Alemã, onde o bloco revolucionário era mais consolidado e forte (e esse processo contribuiu, entre outros elementos, para a formação das Uniões Operárias e a das Repúblicas de Conselhos), mas ainda não suficiente para combater a totalidade do grande prestígio que a social-democracia detinha no seio do movimento operário alemão. Assim, a percepção e a análise da importância da luta cultural é efetivada pelos autogestionários demonstrando a necessidade de seu desenvolvimento não só em períodos revolucionários, mas também em tempos de refluxos, sedimentando uma cultura contestadora que, posteriormente, com a intensificação da luta de classes, irá colaborar com o avanço da consciência do proletariado em luta de forma mais acelerada.

Há diversos outros elementos pontuais desenvolvidos ou atualizados pelo marxismo autogestionário em relação às experiências revolucionárias, mas nos limitaremos a essas duas que demonstram que o marxismo não só absorveu as lições destas experiências, bem como contribuiu para deixar mais claro os seus limites, possibilidades, contradições e avanços. Assim, a relação entre teoria e revolução é de suma importância para o êxito do projeto autogestionário e tal afirmativa pode ser verificada ao longo da história do marxismo.

O vínculo da teoria com a revolução ocorre antes da revolução. Ela começa por ser uma revolução teórica, que ultrapassa não apenas a consciência fenomenológica como também o mundo das ideologias e concepções dominantes[…] A ascensão de uma tende a reforçar a outra e uma é gerada externamente ao movimento revolucionário e portanto o seu foco deve ser no aspecto interno, pois é neste âmbito que pode fortalecer a luta e assim reforçar as condições externas e a tendência da revolução proletária. […] O desenvolvimento da consciência é uma das determinações desse processo e a produção e difusão da teoria é possui um significado importante nesse processo. Assim, é fundamental realizar uma luta fundada na fusão teoria-prática e produzir, divulgar, reforçar a teoria é uma de suas formas principais (BERGER, 2015, p. 11-12).

O marxismo autogestionário, logo, cumpre a sua missão histórica em ser a expressão teórica, contemporânea, do proletariado revolucionário. O resgate, a análise e o combate as deformações sobre as experiências autogestionárias torna-se elemento fundamental da luta cultural efetivada pelos revolucionários.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O itinerário do presente trabalho demonstrou, mesmo que brevemente, o vínculo entre o desenvolvimento do marxismo ao longo da história e as revoluções proletárias. Por esse caminho, demonstramos a importância das experiências revolucionárias para o progresso do marxismo autogestionário e como esta teoria resgata e contribui para a própria análise dessas mesmas experiências.

As experiências autogestionárias atestam a concreticidade da teoria marxista e demonstram que a emancipação humana, via revolução proletária, não é só possível como, graças a dinâmica da sociedade capitalista, é uma tendência histórica. No entanto, o “jogo” não está ganho. A transformação social, por mais que seja uma tendência, não implica em sua vitória automática. A burguesia e suas classes auxiliares são um grande obstáculo que lutam pela conservação da sociedade capitalista. Isto significa dizer que a luta de classes não se restringe apenas à luta operária, mas a totalidade das classes sociais, o que implica uma determinada dinâmica de correlação de forças.

Por esse ângulo, o bloco revolucionário tem um papel fundamental no processo de contribuir para acelerar o processo revolucionário e criar condições favoráveis à vitória da classe operária quando explodir uma situação revolucionária. Assim, a luta cultural torna-se uma arma indispensável para corroer a hegemonia burguesa e criar condições favoráveis para o proletariado chegar ao estágio autogestionário de suas lutas. Nesse processo, o resgate das experiências revolucionárias significa um momento importante que evidencia as dificuldades e desafios que o movimento operário teve em seu passado para não os repetir no futuro.

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[1] Um regime de acumulação pode ser definido como um determinado estágio do desenvolvimento capitalista, marcado por determinada forma de organização de trabalho, determinada forma estatal e determinada forma de exploração internacional (VIANA, 2009).

[2] Tal mudança de significado é perceptível nos panfletos, cartazes e demais materiais utilizados na luta cultural dos militantes, especialmente entre os estudantes no contexto do Maio de 68 francês, influenciados por uma cultura política libertária. A palavra, enfim, é socializada pelos militantes e interpretada, das diversas maneiras, pela totalidade da sociedade: meios de comunicação, partidos políticos, sindicatos, etc. Mas são alguns intelectuais, sobretudo vinculados a perspectiva marxista (e muitos deles participantes do maio de 68), que transformarão a autogestão não só em uma palavra de ordem política, mas em um conceito analítico, articulado a determinado universo conceitual que expressa a possibilidade de mudança social (TELES, 2018).

[3] Alguns autores avançaram na distinção da palavra autogestão com outros termos correlatos e que muitas vezes é confundido com autogestão, tais como cooperativismo, cogestão, controle operário, participação, etc. (VIANA 2014; FARIA, 2009; GUILLERM & BOURDET, 1976).

[4] Não desenvolveremos aqui a história e uma análise pormenorizada de cada experiência autogestionária, não só devido ao espaço, mas também por não ser o objetivo do texto. Ao longo do desenvolvimento de nossa argumentação iremos indicar as principais obras e contribuições que analisam, à luz da perspectiva do proletariado, essas experiências autogestionárias.

[5] A aplicação do materialismo histórico a ele próprio foi inicialmente indicada e esboçada por Antônio Labriola (1979) em La Concepción Materialista de la História, de 1896, Rosa Luxemburgo (2011) em Paralisia e progresso no marxismo, de 1903 e, finalmente, Georg Lukács em História e Consciência de Classe (2012), de 1923. Mas é somente em Korsch que este procedimento aparece com todas suas consequências teóricas e desdobramentos metodológicos.

[6] Como não é o nosso foco, não traremos aqui as apropriações deformadoras do marxismo, mas apenas do desenvolvimento do marxismo autêntico ao longo da história.

[7] Para uma descrição mais pormenorizadas dos fatos e acontecimentos desta experiência autogestionária, indicamos os trabalhos de Lissagaray (1995), Dunois (1968), Michel (1971) e Viana (2011).

[8] Muitos conselhistas, antes da constituição do comunismo de conselhos, eram militantes à esquerda de partidos políticos (partido social-democrata alemão, holandês, etc.).

[9] E aqui nos referimos ao período revolucionário da experiência russa em 1917, antes da tomada do poder do Estado pelos bolcheviques, que significou, na verdade, uma contrarrevolução com o processo de esvaziamento dos soviets, repressão a greves e a emergência do capitalismo estatal russo.

[10] Um exemplo desse tipo de crítica no interior dos representantes do comunismo de conselhos antes de sua formação, é o texto Carta Aberta ao companheiro Lênin, de Herman Gorter, escrita em 1920 (GORTER, 1981).

[11] Basta verificar as mais diversas organizações que os comunistas de conselhos participaram ou criaram no decorrer do processo revolucionário alemão: o partido comunista operário da Alemanha (KAPD), um não-partido apesar de carregar este nome; AUU (União Geral dos Trabalhadores), AUU-E (União Geral dos Trabalhadores Organização Unitária), etc.

[12] A questão política foi o âmbito mais desenvolvido pelos comunistas de conselhos, mas houveram outras importantes contribuições como o desenvolvimento e o resgate da dialética materialista por Korsch (1977) e a análise posterior do capitalismo por Mattick (1977; 2010).

[13] Um regime de acumulação expressa um determinado estágio do desenvolvimento capitalista, marcado por determinada forma de organização de trabalho, determinada forma estatal e determinada forma de exploração internacional (VIANA, 2009).

[14] Marx, por exemplo, apesar de ter percebido a burocracia enquanto classe social, não poderia, em seu tempo, analisar o papel nocivo e contrarrevolucionário da burocracia civil (partidária, sindical, etc.), já que ela ainda não estava desenvolvida como posteriormente estaria com o desenvolvimento da divisão social do trabalho.

[15] Marx chamou de Comunismo ou Autogoverno dos produtores. Alguns comunistas de conselhos chamaram de sistema de conselhos, etc.

[16] A assertiva de Mattick, sobre essa marginalização, é correta: “Nada prova de maneira mais peremptória o caráter revolucionário das teorias de Marx [e do marxismo em geral – GT] do que a dificuldade de assegurar a sua manutenção em períodos não-revolucionários”

[17] Mas ainda existe, especialmente com a criação dogmática de um “conselhismo” contemporâneo inexistente na realidade concreta, ou de análises deformadoras do significado revolucionário do comunismo de conselhos, como as de Martorano (2011) criticado adequadamente por Maia (2017).

[18] Aqui citamos apenas aqueles que diretamente tratam de experiências autogestionárias ou que possuem consequências para elas.

[19] Isso pode ocorrer por diversas questões: autoformação incipiente, fragilidade dos revolucionários, autolimitação, etc.

[20] A contrarrevolução não necessariamente é burocrática; ela pode vir, por exemplo, das próprias forças burguesas, como a repressão brutal a Comuna de Paris, onde não houve uma burocracia civil organizada (partidos políticos, sindicatos, etc.) o suficiente que pudesse desmantelar o processo revolucionário.

[21] Grupo Solidarity (especialmente a obra de Maurice Brinton), Internacional Situacionista, Socialismo ou Barbárie, etc.

[22] […] O que se representa aqui é a ditadura do partido, a ditadura neoblanquista da minoria absoluta.” (PANNEKOEK, 2017, s/p).

[23] “O princípio básico da política bolchevique – a conquista e o exercício do poder pela organização – é jacobino; a grandiosa perspectiva política e sua realização, através da tática da organização bolchevique de lutar pelo poder, é jacobina; a mobilização de todos os meios e forças da sociedade aptos para o derrocamento do oponente absolutista, combinada com a aplicação de todos os métodos que prometiam êxito, as manobras e os compromissos do partido bolchevique com qualquer força social que se possa usar, ainda que só por um instante e no setor menos importante… tudo isso é espírito jacobino. Finalizando, a concepção essencial da organização bolchevique é jacobina, pois consiste na criação duma organização estrita de revolucionários profissionais que é, e continuará sendo, a ferramenta dócil e militarmente disciplinada duma direção onipotente.” (WAGNER, 2014, p. 67).

[24] Compreendemos classes sociais como um conjunto de indivíduos que possuem um determinado modo de vida, interesses e lutas em comum contra outras classes sociais a partir de uma determinada atividade estabelecida na divisão social do trabalho, derivada pelo modo de produção dominante (MARX, 2010; MARX, 1986; MARX & ENGELS, 1992; VIANA, 2017).

Publicado originalmente em: O Marxismo Autogestionário. Goiânia: Edições Redelp, 2020.

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