Ideologia e Política nas Ciências do Cérebro: O biologismo a serviço do estado – Steven Rose & Hilary Rose

STEVEN ROSE
Professor de Biologia na Universidade Aberta, Inglaterra.
Escreveu os livros The Chemistry of Life e The Conscious Brain.
Como pesquisador, trabalha com os mecanismos cerebrais relacionados à aprendizagem e ao desenvolvimento.

HILARY ROSE
Professora de Estudos Sociais Aplicados, na Universidade
de Bradford. Escreveu os livros The Housing Problem e Doctors, Patients and Pathology.

O biologismo é a tentativa de situar a causa da atual estrutura da sociedade humana, e das relações dos indivíduos dentro dela, no caráter biológico do animal homem. Para o biologismo, toda a riqueza da experiência humana e as várias formas históricas das relações humanas representam simplesmente o produto de estruturas biológicas subjacentes; as sociedades humanas são governadas pelas mesmas leis das sociedades de primatas e o modo pelo qual um indivíduo responde a seu ambiente é determinados pelas propriedades inatas da moléculas de DNA encontradas no cérebro ou nas células germinativas. Em outras palavras, a condição humana é reduzida à biologia, que por sua vez não passa de um caso especial das leis da química e, portanto, da física.

Como modelo teórico, o biologismo é uma forma do reducionismo que se constitui no paradigma dominante da ciência ocidental contemporânea. Como filosofia, as premissas do reducionismo são de que: a) as ciências se organizam em ordem hierárquica, variando de disciplinas situadas em posição superior, como a Economia e a Sociologia, até as de posição mais baixa como a Biologia, a Química e, na base de todas, a Física de partículas; e que b) os fatos das ciências de posição superior podem ser reduzidos numa correspondência de um para um, aos fatos e, portanto, às leis adequadas às ciências de posição basal; em última análise, a Sociologia pode ser explicada e resumida por determinadas leis físicas. Para apreciar o significado do reducionismo como filosofia, é necessário, também, reconhecer que, como abordagem experimental, o reducionismo situou-se no coração do método científico desde a emergência da Física moderna com Galileu e Newton. Como método experimental, o reducionismo é simplesmente uma técnica para explicar as propriedades de sistemas-modelos simplificados, mantendo constantes todos – exceto um dos parâmetros – e fazendo este último variar sistematicamente. Isso torna mais acessíveis os problemas experimentais sob investigação e tem sido a chave do sucesso da “revolução biológica” nas duas últimas décadas: como instrumento, permanece válido. Os problemas só aparecem quando o instrumento é elevado a princípio filosófico, ignorando que, para o esclarecimento completo de um fato ou processo, ele deve ser retirado do vácuo no qual o reducionismo o mantém e recolocado no mundo real com o qual se encontra, na verdade, em constante interação[1].

Em um certo nível de análise, foi o sucesso do reducionismo como instrumento na revolução biológica, na decifração do código genético e no estudo da química da célula, que levou à fácil aceitação de suas premissas filosóficas. Desse modo, encontramos biologistas moleculares como Jacques Monod, autor de Acaso e Necessidade, argumentando que a longo prazo toda a Biologia, e portanto todas as ciências “superiores”, devem derivar-se do estudo das propriedades das macromoléculas que compõem a célula (como o DNA) e suas interações, e podem ser melhor compreendidas através do estudo da química e da organização da bactéria intestinal escherichia coli ou – de modo ainda mais reduzido – do bacteriófago, o vírus que a “parasita”.

Expor a ideologia reducionista tornou-se muito complicado porque a maneira reducionista de pensar passou a ser tão dominante nos anos recentes que se transformou no que se pode descrever como a ideologia da própria ciência, que atribui ao reducionismo importância universal, superando todas as outras formas de conhecimento. A ideologia do reducionismo é, portanto, positivista. Mas possui também nuances éticas, pois considera que a racionalidade científica que ela representa fornece regras para o funcionamento adequado da sociedade humana. O único objetivo verdadeiro para a humanidade passa a ser, desse ponto de vista, a incorporação sistemática de todos os aspectos da existência humana num contexto definido pelas “leis da Física”: a racionalidade e objetividade do reducionismo a tudo substitui, fornecendo orientação própria para o progresso humano. A ciência, como produto social, transforma-se no objetivo e no método para toda a sociedade.

A oposição ao reducionismo provém, primariamente, do materialismo dialético, que argumenta que, embora os fatos de cada nível hierárquico apresentado pelas diferentes ciências devem corresponder a fatos em níveis inferiores ou superiores, eles não podem ser reduzidos, pela aplicação de leis ou relações causais, aos níveis inferiores: a Biologia não pode ser invocada para explicar a Sociologia; ao contrário, há uma interação dialética entre elas. Assim, apesar das vicissitudes do marxismo na União Soviética, tem havido uma tentativa constante em manter uma ciência não-reducionista, que obteve particular sucesso no caso da Neurobiologia.

Mas não será tudo isto meramente uma discussão superestrutural sobre epistemologia, sem relevância para a luta política séria ou os confrontos ideológicos principais? A resposta reside na situação atual do capitalismo – as forças e fraquezas particulares que tornaram necessário e possível recrutar a biologia reducionista como geradora de ideologias e tecnologias na sua luta pela sobrevivência. Para desenvolver tal raciocínio devemos examinar o papel atual da Biologia e do biologismo.

No que se refere às tecnologias, o papel principal da Biologia moderna (sem considerar a agricultura e algumas áreas da Medicina) está firmemente ancorado nos processos de controle social. As novas necessidades que geraram as tecnologias e suas respectivas ideologias podem ser situadas na natureza mutável da luta anti-imperialista, no plano internacional, e da luta de classes, no plano doméstico. A característica principal das guerras da última metade do século XX tem sido a luta de guerrilhas anti-imperialista. Tais lutas de libertação nacional envolvem essencialmente um povo em armas contra um exército (a mudança pode ser simbolizada pela estatística de que na I Guerra Mundial 90% das mortes foram soldados; ao passo que na guerra da Indochina, dos anos 60 e 70, pelo menos 90% das mortes foram de civis). Nessas lutas, o exército imperialista – altamente equipado, provido de tecnologia militar gerada por seus físicos e engenheiros – foi simplesmente derrotado pelas guerrilhas, peixe na lagoa dos camponeses. E mais: tais lutas não estão mais confinadas ao Terceiro Mundo, mas ocorrem também nos países centrais; na Inglaterra e nos Estados Unidos a guerrilha urbana tornou-se um aspecto característico da paisagem. A Física contribuiu com essas guerras através de armas de fragmentação, detetores noturnos, sensores eletrônicos e computadores, mas os métodos biológicos adquiriram importância crescente; a campanha de destruição química das colheitas no Vietnã foi um exemplo, e mesmo entre nós, onde a propriedade é sacrossanta e a destruição em grande escala é inaceitável, a pressão para o desenvolvimento de métodos de controle e manipulação da população, tanto em bases gerais, multitudinárias, como dirigidas a indivíduos específicos, tornou-se muito forte. A emergência dessas tecnologias é muito dependente da área de interface entre a Biologia, as Ciências Sociais e as chamadas ciências do comportamento – campo mais conhecido como “Neurobiologia” – que gerou e continua gerando desenvolvimentos baseados no extenso uso de drogas, técnicas de modificação do comportamento e – com maior dificuldade – o uso da psicocirurgia e das manipulações do cérebro do comportamento através da estimulação elétrica.

Ao mesmo tempo, o segundo papel, diretamente ideológico, do biologismo como legitimador da ordem social apresentou grande ressurgência recentemente. Não é a primeira vez que o biologismo desempenhou esse papel. No século XIX, os teóricos burgueses adaptaram as ideias evolucionistas de modo a legitimar o modo capitalista de produção e suas relações sociais como correspondentes ao funcionamento inexorável das “leis de ferro” da Biologia. Tanto a estrutura de classes, no plano nacional, como a expansão imperialista, internacionalmente, foram justificadas sob a denominação de darwinismo social. No atual período de crise social, quando as mais tradicionais ideologias legitimadoras do capitalismo ficaram expostas e se enfraqueceram, quando não foram destruídas, a importância do biologismo é novamente “provar” que o capitalismo e o imperialismo derivam da “agressividade inata do homem”, que toda a experiência humana pode-se resumir a categorias de estímulo e resposta, reforço e punição, e que o sucesso ou fracasso dos indivíduos numa sociedade competitiva, ou sua capacidade de revoltar-se contra o estado, é o resultado da natureza química ou anatômica do cérebro. Essa “prova” tanto justifica a opressão como, contestando suas lutas com racionalidade científica, desvaloriza, divide e desmoraliza os oprimidos É esse papel ideológico, ao lado das respectivas tecnologias, que constitui a importância atual do biologismo não só no plano superestrutural mas em todas as dimensões da luta social.

Para combater tanto as tecnologias como a ideologia do reducionismo biológico devemos examinar seus argumentos. Nesse sentido, devemos reconhecer que a ideologia, autoproclamando-se ciência, cria ela mesma sistemas de paradigmas dentro dos quais se fazem inumeráveis pesquisas aparentemente “objetivas”, e se produzem revistas especializadas e livros populares. Cada uma das tecnologias de opressão – seja de modificação de comportamento por condicionamento, de técnicas psicométricas ou manipulação química do cérebro – derivam frequentemente de um estranho abastardamento da ciência; sua linha de raciocínio se estabelece dentro de um sistema aparentemente científico, mas na realidade ideológico. Resulta disso que determinadas tecnologias frequentemente são consideradas como abusos de uma ciência aética, ou encaradas como símbolos do papel inevitavelmente opressivo de uma racionalidade científica da qual a única saída é o refúgio na irracionalidade.

A análise marxista rejeita essas duas interpretações parciais; devemos em vez disso vincular diretamente as tecnologias com a ideologia que as justifica, e mostrar sua coerência e função social. Pela análise das ideologias e das tecnologias como produtos de um biologismo que reaparece, não queremos dizer que as tecnologias não “funcionem” – as drogas ou a psicocirurgia realmente “pacificam” pessoas, mesmo às custas de tomá-las verdadeiros vegetais. Essa é a força peculiar do biologismo: a ideologia, ocupando território das ciências naturais, pode realmente gerar eficientes tecnologias de opressão. O que nos interessa é demonstrar a coerência ideológica das muitas formas de biologismo que hoje competem com a Biologia na área da Neurobiologia. Para isso, nas próximas seções, descrevemos as muitas formas que o biologismo pode tomar, e as tecnologias que dele resultam. Em termos de análise, separamos tais formas em tipos variantes de reducionismo, do reducionismo molecular e genético ao behaviorismo, passando pelo reducionismo evolutivo. Uma área inteira foi deixada para outro artigo, a do racismo científico, uma forma de reducionismo genético.

REDUCIONISMO MOLECULAR

O reducionismo molecular pode ser melhor avaliado através da explicação da loucura. Qual é a causa da esquizofrenia? Deve ser encarada – como argumentaria a escola da “psiquiatria ortomolecular” – como resultado da ausência de certas substâncias essenciais no cérebro, ou da presença de metabolitos anormais devidos a distúrbios genéticos? Assim, seu tratamento pode ser conseguido por modificações dietéticas ou pelo desenvolvimento de drogas que, de algum modo, antagonizem os metabolitos anormais. Segundo a liderança de cientista como Osmond e Smythies[2] essa escola argumenta enfaticamente que existe uma causa orgânica, localizada no cérebro, para esse comportamento individual anômalo. Essa opinião tem longa história, pois em todos os estágios no desenvolvimento da Bioquímica, a molécula da moda tendia a ser considerada causa da esquizofrenia, desde o aminoácido glutamato na década de 50, passando por uma anormalidade no metabolismo energético na década de 60, até a atenção que atualmente se dispensa ao problema do açúcar galactose na dieta. Qualquer que seja a causa bioquímica primária, essa teoria admite um defeito genético subjacente, uma propensão à esquizofrenia. Embora a ideia original de que a “doença” se deveria a um defeito em um único gene esteja hoje em dia relativamente desfavorecida por comparação com os efeitos multigênicos mais complexos, nas últimas décadas todo o aparato clássico dos bioquímicos clínicos tem sido utilizado na busca de substâncias estranhas indicadoras de anormalidade no cérebro, sangue, urina e suor de esquizofrênicos, assim como o aparato dos geneticistas de populações humanas procurando gêmeos idênticos e não idênticos para avaliações de hereditariedade. Em ambos os casos, pouco sucesso se obteve em descobrir a substância patogênica[3].

Os componentes ideológicos incluídos no paradigma reducionista são claros: a visão da esquizofrenia como defeito inato recusa admitir a crítica das estruturas sociais, como a família[4] e as formas de trabalho alienado, encorajando ao mesmo tempo uma concepção terapêutica manipuladora. Isso é ainda mais claro quando examinamos ambas as formas de pensamento, a bioquímica e a social, aplicadas a distúrbios afetivos como a depressão. Aqueles que defendem uma causa bioquímica para a depressão, como o psiquiatra Sargent[5], buscam o tratamento através de drogas antidepressivas; o tratamento é considerado eficaz se é capaz de ajustar o indivíduo deprimido (por exemplo, uma mulher após o parto, ou próxima à menopausa) a um papel social aceitável, como o de uma boa mãe ou dona-de-casa. A estabilidade e adequação da ordem social são consideradas dados naturais nessa situação, e a tarefa do psicofarmacologista e do clínico é o de adaptá-lo a esses dados; não surpreende portanto saber que 50 milhões de pacientes tenham sido tratados com clorpromazina na primeira década de sua utilização, ou que 12 milhões de prescrições de barbitúricos e 16 milhões de tranquilizantes sejam feitas por ano na Inglaterra. Note-se que não estamos argumentando que as drogas não “funcionem”, já que realmente afetam as respostas e o desempenho individual, frequentemente, mas não sempre no sentido previsto ou esperado (pelo clínico). No entanto, mesmo aqui há algumas dificuldades, pois uma consequência da concepção reducionista é que ela supõe que as drogas tenham uma única zona de ação; efeitos diversos dos desejados são considerados “efeitos colaterais”, devendo ser eliminados. A complexidade da interação das drogas com o comportamento, claramente salientada mesmo no caso de uma substância muito menos controvertida, a L-Dopa, usada no tratamento de uma desordem motora aparentemente mais simples, o parkinsonismo, tende a ser desacredita pelos reducionistas.

Mas este é apenas um aspecto relativamente marginal; a questão essencial é que a ideologia refletida no modelo reducionista da causa da esquizofrenia e da depressão, sobre o qual se baseia um vasto programa de pesquisa e desenvolvimento em todos os níveis, das universidades às farmácias, também se expressa no plano da ação social, encarando essencialmente os indivíduos como objetos que podem ser manipulados para adquirir padrões sociais aceitáveis. Compare-se a descrição que se encontra nos trabalhos usuais de pesquisa clínica sobre o comportamento de pacientes expostos a determinadas drogas, com a detalhada descrição efetuada pelo Dr. Oliver Sacks de pacientes tratados com L-Dopa, como se encontra no seu livro Awakenings[6]. Para cada um de seus vinte pacientes Sacks fornece uma descrição dos efeitos da droga, a partir de minuciosa observação do comportamento associado às diferentes doses e aos diferentes momentos de ingestão da droga, assim como das histórias pessoais e relações dos pacientes. No trabalho há uma ênfase constante na integração de todos os efeitos da droga numa situação individual complexa. O modelo de Sacks é claramente dialético: verdadeiramente científico e não ideológico. A busca de uma racionalidade biológica para os problemas de ordem social atingiu novas dimensões em anos recentes com o desenvolvimento de um novo conceito clínico, o de “disfunção cerebral mínima”, categoria praticamente ignorada há alguns anos, e que recentemente mereceu um simpósio exclusivo da Academia de Ciências de Nova Iorque[7]. A disfunção cerebral mínima é essencialmente uma síndrome comportamental; isto é, invoca-se o conceito de disfunção cerebral para explicar um padrão determinado de comportamento socialmente reprovado, embora nenhuma anormalidade possa ser realmente detectada através de técnicas fisiológicas. Em geral, considera-se a disfunção cerebral mínima como uma doença da infância, conceito derivado, por extensão, da ideia de “hipercinesia”, um estado patológico que caracterizaria uma criança hiperativa. Na Inglaterra, estima-se a existência de poucas centenas de crianças hipercinéticas. Grande parte delas são mantidas em instituições especializadas; são descritas como incapazes de permanecer sentadas em contenção forçada. Nos Estados Unidos o diagnóstico de hipercinesia tornou-se muito mais amplo, cobrindo um grande grupo de crianças que apresentam “distúrbios de comportamento” na escola, aprendendo mal, sendo desatentas em classe e desrespeitosas para com a autoridade. Dentre os sinais diagnósticos da disfunção cerebral mínima, de acordo com Wender, estão a “agressividade social… o hábito de brincar com crianças menores e, no caso de meninos, o hábito de brincar com meninas”. Para todos esses padrões de comportamento propõe-se o tratamento com a anfetamina, ou uma droga semelhante, a ritalina. Na verdade, Wender se mostra eufórico com os efeitos do tratamento com a ritalina, chegando a afirmar que as crianças com disfunção cerebral mínima devem ser encaradas como vítimas de “hipoanfetaminose”. Sob efeito da droga, “as crianças frequentemente começam a falar e comportam-se de modo coerente com os anseios de seus pais, anteriormente ignorados”. Um menino de oito anos inteligente referiu-se às d-anfetaminas como as “pílulas mágicas que fazem com que eu seja um bom menino e que as pessoas gostem de mim”. A criança medicada se transforma de um “demônio agitado” a um ser “quieto e compassivo”, com “melhor comportamento em classe, maior participação em grupo e melhores atitudes para com a autoridade”. E mais: a ritalina é mais barata que as “caras terapias não orgânicas”[8].[9]      

Não há dúvida de que a ritalina é atualmente receitada em doses diárias de 5-40 miligramas, e com base em avaliações escolares, a 250.000 crianças norte-americanas. Este caso representa na realidade o grande sucesso de um programa reducionista de pesquisa e desenvolvimento, que descarta qualquer explicação alternativa para a desatenção em classe e o desrespeito para com a autoridade, por parte de crianças em idade escolar; nem mesmo são considerados outros fatores biológicos como a desnutrição, que aparentemente poderiam ter as mesmas consequências, para não falar na possibilidade de que a desatenção em classe possa refletir um ensino deficiente ou um programa educacional irrelevante, ou que o desrespeito pela autoridade possa significar uma resposta à opressão, socialmente mais adequada que a subserviência.

A Bioquímica não é a única disciplina neurológica, cujo reducionismo tem um significado tanto ideológico como diretamente social. A fisiologia e a anatomia também apresentaram tendências semelhantes. Em anos recentes tornou-se cada vez mais claro que a atividade elétrica de células de determinadas regiões cerebrais está associada a padrões específicos de comportamento de tal modo que, por exemplo, quando certas células nervosas do hipotálamo, uma região profunda do cérebro, são eletricamente estimuladas por eletródios implantados no gato ou no rato, esses animais, dependendo das células estimuladas, podem apresentar fome, sede, saciedade, raiva, medo, comportamento sexual ou prazer. A remoção cirúrgica dessas regiões provoca o efeito comportamental oposto ao da estimulação. A intepretação reducionista dessas experiências admite que o disparo de determinadas células do hipotálamo causa a raiva, o comportamento sexual e assim por diante e, como no caso dos bioquímicos, as tecnologias sociais que surgiram  dessa interpretação, principalmente nas mãos de Delgado nos Estados Unidos e na Espanha[10] se concentraram na experimentação humana na qual pacientes esquizofrênicos e “de baixo QI” foram submetidos à implantação permanente de eletródios no hipotálamo, remotamente controlados pelo médico/experimentador. A passagem de corrente elétrica através dos eletródios associa-se com alterações emocionais características nos pacientes. Também neste caso, a raiva, a excitação etc., do paciente, é encarada como consequência do funcionamento de determinadas células do cérebro; tais células podem ser manipuladas e, portanto, o paciente pode também ser manipulado, sem considerar as circunstâncias externas que poderiam afetar a emotividade do indivíduo. De acordo com Delgado, os estudos com eletródios implantados e sua utilização prática deverão se desenvolver substancialmente nos próximos anos.

Ainda mais revelador é o recente crescimento de popularidade de técnicas para a remoção ou a destruição de determinadas regiões cerebrais – a psicocirurgia – nos Estados Unidos, na Inglaterra, Japão e outros países[11].

Os defensores dessas técnicas argumentam que cada padrão comportamental está associado com a disfunção ou a hiperfunção de uma determinada região cerebral, de modo que a estratégia médica adequada é a sua remoção, abordagem cirúrgica que consiste na modificação da antiga lobotomia pré-frontal, de uso popularizado em esquizofrênicos na década de 50 mais recentemente em relativo declínio. As operações psicocirúrgicas têm aumentado rapidamente em número nos últimos anos, tanto na Inglaterra como nos Estados Unidos.

O aprofundamento do conhecimento a respeito dos centros hipotalâmicos e regiões relacionadas ao sistema límbico (parte do cérebro associada à raiva, ao medo e a respostas emocionais do mesmo tipo) levou a uma considerável ramificação dessas técnicas. A remoção cirúrgica dessas regiões cerebrais tem sido proposta e praticada para tratar indivíduos que sofrem de “problemas de comportamento” sem qualquer disfunção cerebral clara de natureza “orgânica”. A psicocirurgia é encarada como pacificadora, destinada a produzir indivíduos melhores ajustados, mais fáceis de manter em instituições ou no lar. Nos Estados Unidos os grupos mais comuns de pacientes são trabalhadores negros, homens e mulheres. Um livro de dois psicocirurgiões, Vernon Mark e Frank Ervin[12], descreve as circunstâncias da revolta que ocorreu em algumas cidades americanas terminando por indagar se não haveria casos de anormalidades cerebrais nos militantes dos guetos passíveis de cura através de cirurgia. Sua estimativa é a de que entre 5 e 10% dos americanos podem ser candidatos a esse tipo de tratamento.

Esta discussão tampouco é puramente teórica, a pesquisa psicocirúrgica tem sido apoiada por entidades policiais e correcionais nos Estados Unidos. Embora a proposição de operar um prisioneiro tenha sido considerada ilegal por um tribunal de Detroit no início dos anos 70, apesar do consentimento do preso, o número de operações realizadas aparentemente continua a aumentar. Uma indicação de candidatos a tais operações foi feita em uma troca de correspondência entre o diretor de uma Agência Correcional e de Relações Humanas (sic) de Sacramento, e o diretor de Hospitais e Clínica do centro Médico da Universidade da Califórnia, em 1971[13]. O diretor da Agência pede uma investigação clínica de alguns prisioneiros selecionados “que apresentaram comportamento agressivo e destrutivo, possivelmente como resultado de severa doença neurológica”, com vistas a realizar “procedimentos cirúrgicos e diagnósticos… para localizar os centros cerebrais que podem ter sido previamente lesados e que constituiriam focos de episódios de comportamento violento”, para subsequente remoção cirúrgica.

Uma carta adicional descreve um possível candidato para esse tratamento, cujas infrações aos regulamentos da prisão incluem problemas de “respeito para com os guardas”, “recusa ao trabalho” e “militância”; esse indivíduo teve que ser transferido de prisão várias vezes em virtude de “sua sofisticação” e “teve que ser advertido várias vezes… para deixar de treinar e ensinar caratê e judô. Foi transferido… em virtude de crescente militância, capacidade de liderança e ódio declarado à sociedade branca… foi identificado como um dos vários líderes da greve trabalhista de abril de 1971… Também evidente na mesma época foi uma avalanche de literatura revolucionária”. A esse pedido, o diretor de Hospitais e Clínicas responde concordando com a aplicação do tratamento, que incluiria a implantação de eletródios “a preço acessível. Atualmente isso significaria aproximadamente 1000 dólares por paciente por uma internação de sete dias”.

Evidentemente, tais casos são daqueles aos quais se aplicaria a expressão “animais perigosos: mordem quando atacados”. Novamente, o slogan reducionista é o posto daquele encontrado num muro do Oxford College: “não reajuste a sua mente: o erro é da realidade”. 

Nesses exemplos de reducionismo molecular vemos um amálgama de todas as características da penetração ideológica na ciência, discutidas acima. Os paradigmas de pesquisa não se resumem a indicar as etapas experimentais percorridas, como a busca de metabolitos anormais ou de determinados “centros” no cérebro, mas têm um significado ideológico, tanto na determinação de direções ao desenvolvimento científico, quanto na elaboração de um arcabouço de justificação científica para determinados interesses sociais. Mas não fornecem apenas apoio ideológico à ordem social existente (é o seu cérebro que é deficiente, se você é desajustado), mas também fornecem um conjunto de tecnologias sociais que ajudam a manter precisamente a mesma ordem social.*[14]

DETERMINISMO GENÉTICO

O determinismo genético representa um paradigma específico dentro do amplo espectro do reducionismo molecular. Seu programa de pesquisa baseia-se na premissa de que todas as características comportamentais do homem podem ser analisadas como resultantes da soma algébrica de dois componentes: uma contribuição da genética, e uma contribuição do ambiente, incluindo m parâmetro separado resultante da interação entre ambas. Desse pressuposto segue-se a crença de que se possam planejar experiências que respondam à seguinte questão: “quanto contribui o ambiente e quanto a genética para as diferenças de comportamento entre indivíduo ou entre populações” Note-se que essa questão, com a admissão implícita de que as características de comportamento podem ser separadas e reduzidas a componentes elementares que se somam é, por si só, arquetipicamente reducionista.

Embora a análise genética de determinados padrões de comportamento tenha sido tentada em animais, é com os homens que se relaciona a maior parte dos trabalhos. Os estudos genéticos têm sido realizados em quadros clínicos como a esquizofrenia e outros distúrbios mentais e tem havido tentativas de estudar a base genética da criminalidade (por exemplo, a atenção que se concedeu a uma possível relação entre um determinado defeito genético encontrado em certos indivíduos do sexo masculino, a anomalia cromossômica XYY, e uma propensão ao crime violento). Essa relação foi primeiro questionada há alguns anos na Inglaterra, e aparentemente entrou em declínio[15], mas recentemente reapareceu como objeto de intenso programa de pesquisa em Boston, Massachusetts, no qual os pais de meninos portadores do cromossomo anormal na ocasião do nascimento eram advertidos que seus filhos poderiam se desenvolver anormalmente![16][17]

Entretanto, não houve apenas uma discussão a respeito da existência de genes para a criminalidade, mas também um reaparecimento do argumento de que existem genes para o baixo QI. Já que este é o exemplo mais importante do biologismo a ele dedicamos um capítulo específico; entretanto, ele deve ser visto como um elemento-chave para o quadro geral de uma Neurobiologia penetrada pela ideologia.

REDUCIONISMO EVOLUTIVO

Dentre as várias linhas reducionistas existentes dentro do determinismo genético, algumas talvez pertençam mais corretamente ao grupo de paradigmas que classificamos como “reducionismo evolutivo”. Os exemplos mais claros e proeminentes desse paradigma são fornecidos pela Etologia, o estudo do comportamento e das relações sociais dos animais, estudados tanto quanto possível em ambiente natural sem as restrições das condições de laboratório. O desenvolvimento da Etologia, a partir da esterilidade de grande parte da psicologia de laboratório (ver adiante) certamente forneceu uma nova abordagem à compreensão dos padrões de comportamento e das relações entre indivíduos de uma espécie, o que enriqueceu a compreensão das complexidades do comportamento social. Entretanto, com ela manifestaram-se também alguns modelos reducionistas óbvios, vulgarmente ideológicos, exemplificados tipicamente pelo livro de Desmond Morris, O Macaco nu[18], no qual se argumenta que a conduta humana pode ser melhor interpretada, prevista e controlada à luz dos estudos de outros primatas. Embora o livro de Morris, ou no caso também o livro de Robert Ardrey, Territorial Imperative[19] – no qual se defende o caráter inato da agressividade humana e a compulsão do homem em possuir “território” – sejam largamente criticados por etologistas profissionais por se orientar ao público leigo e não ao profissional, mesmo assim influem na determinação da pesquisa em Etologia e áreas conexas, possuindo legiões de seguidores nos campos da Antropologia e da Sociologia, que trabalham para demonstrar como a sociedade capitalista empresarial de hoje é o resultado biológico direto (inevitável) do passado caçador do homem e de seus ancestrais não humanos[20].

O que fica particularmente evidente nessas exposições jornalísticas da Etologia é a clareza com que se articulam alguns dos dogmas centrais das principais autoridades em Etologia. Assim, a agressividade inata do homem é admitida diretamente por pesquisadores como Lorenz e Eibl-Eibesfeld[21], e a exposição de Ardrey da territorialidade no homem baseia-se em estudos experimentais sobre a territorialidade nos galináceos vermelhos das regiões desérticas da Escócia, extrapoladas ao mundo humano[22].

Os paradigmas reducionistas, pelos quais um modo de operação é elevado por mão invisível à categoria de princípio teórico, são como as mudanças de objetivos nas organizações: um tipo de mudança de explicação ocorre, de tal modo que a pesquisa que pode fornecer uma elegante explicação de certos aspectos do comportamento animal passa a ser considerada teoria global de toda a condição humana[23]. Não chega a ser surpreendente, portanto, que ao considerarmos os seres humanos conjuntos reprimidos de instintos agressivos, a formulação das políticas sociais se volte mais para o controle do que para a libertação. Assim, uma legitimação baseada na Etologia, destinada à conservação da ordem social, pode ser fornecida pelos estudos de hierarquia de dominância (“ordenações de bicadas”*[24]); a estratificação social não é associada a sociedades e culturas específicas, mas reflete uma necessidade geneticamente determinada. As limitações desse tipo particular de abordagem etológica foram apontadas, por exemplo, por Patrick Bateson[25], que assinalou que os estudos de ordenações de bicadas e hierarquias de dominância não só se relacionam apenas a uma dada espécie examinada em certa condições mas, além disso, mesmo em um grupo, a hierarquia não é por si só rigidamente ordenada, mas se relaciona precisamente a um determinado tipo de situação experimental; em outras circunstâncias, podem ocorrer ordens inteiramente diferentes, de modo a gerar diferentes hierarquias entre, por exemplo, atividades de alimentação e atividades sexuais.

As análises reducionistas das hierarquias, mesmo nas espécies não humanas, devem ser substituídas por análises dialéticas que levem em conta as circunstâncias ambientais dos indivíduos e sua experiência passada. Mas uma Etologia reducionista, por definição, é aquela que se apropria de um conjunto de análises lineares recortadas de situações particulares, e depois extrai da riqueza dos dados experimentais o conceito linear e simplista de uma ordenação hierárquica ou hierarquia de dominância. Embora as crenças sociais e políticas desses etologistas transpareçam de seus escritos, há poucas áreas da Neurobiologia contemporânea nas quais seja tão nítida a ideologia como no trabalho de etologistas como Konrad Lorenz, na juventude um membro remunerado do Partido Nazista, hoje um prêmio Nobel e autor de seu próprio manual contemporâneo para a sobrevivência humana, Os 8 Pecados Mortais do Homem Civilizado (sic)[26].

A esse respeito, a Etologia reducionista das décadas de 60 e 70 teve e ainda tem o mesmo papel que o darwinismo, sob a forma de darwinismo social, desempenhou no século XIX[27]. Nessa época, o capitalismo vitoriano foi interpretado como coerente com as rígidas leis da Biologia; a luta pela vida e a sobrevivência do mais forte exigia uma economia de laissez-faire no plano interno, e legitimava o imperialismo e colonialismo, no plano internacional. Hoje, o capitalismo empresarial, as burocracias e a estratificação social, assim como os conflitos sociais de todos os tipos, do fanatismo futebolístico, as guerras entre Nações-Estados, passando pelas lutas de classes e as guerras de libertação nacional, são encaradas como resultados inevitáveis da evolução do homem a partir dos primatas. Tais explicações ignoram as dimensões inteiramente novas para o comportamento humano geradas pela capacidade humana de comunicação, existência social, e acima de tudo, pela produção. As análises econômicas e sociais dos conflitos ou das estruturas socias ficam, nesses casos, em segundo plano, pela atuação inexorável da evolução.

REDUCIONISMO “BEHAVIORISTA”

Nosso último exemplo é retirado da poderosa escola psicológica conhecida como behaviorismo; neste caso, o contexto ao qual deve ser reduzido todo o comportamento humano é o de reforço e punição, as chamadas “contingências de reforço”. A teoria behaviorista é, ao mesmo tempo, extremamente ambientalista e altamente reducionista. É quase uma questão de fé considerar que todos os aspectos do comportamento humano ou animal possam ser, e sejam, modelados por determinadas combinações de estímulos de reforço ou punição. Ao mesmo tempo, entretanto, ela acredita ser capaz de reduzir todos os aspectos da atividade humana a um sistema de “comportamentos emitidos”. O que é importante para o behaviorismo é o que é mensurável; eventos que ocorrem no cérebro e que são inobserváveis (variáveis intervenientes) têm pequena importância. O modelo animal para o comportamento humano adotado pelo behaviorista é o de um rato ou um pombo numa caixa provida de uma alavanca que pode ser acionada para a obtenção de reforço; na verdade, o conceito chave do behaviorismo é o de “reforço”. Essa abordagem do comportamento humano é um tipo clássico de reducionismo, em que todos os aspectos da atividade humana, do ato de escrever um artigo acadêmico até o auto sacrifício altruístico em situação de guerra ou luta[28], passando pela linha de produção numa fábrica, são definidos como comportamentos emitidos sob forma de respostas automáticas a padrões anteriores de reforço individual. A escola behaviorista é claramente distinta dos demais paradigmas psicológicos, publicando suas revistas próprias e encarando como seu mentor B. F. Skinner. Isso torna, portanto, interessante examinar a posição behaviorista sobre o comportamento humano contida no livro de Skinner Além da Liberdade e da Dignidade[29], no qual se argumenta que toda atividade é englobada naqueles conceitos. Esse tipo de reducionismo apresenta as piores características quando Skinner analisa a relação da cultura com os indivíduos, considerando-a um modo de controlá-los e manipulá-los. Ele não é capaz de perceber que as contradições entre os indivíduos são parte integrante da estrutura geral da sociedade, que não é a cultura como abstração reificada que controla os indivíduos, mas sim que ela é um produto da competição das classes e grupos sociais. Pais e professores manipulam e controlam as crianças, como Skinner afirma; mas se ignora que os mesmos pais e professores são por sua vez manipulados e controlados.

Por causa disso, apesar da ênfase de Skinner na possibilidade de planejar uma cultura, seu conceito de sociedade possui um caráter estático e a-histórico. Em nenhuma parte apresenta uma visão da cultura do futuro; em vez disso, ressalta a “neutralidade ética” de suas técnicas, presumivelmente aplicáveis em iguais condições no fascismo, na democracia liberal ou no socialismo. Simultaneamente, comete o estranho erro de afirmar que “nenhuma teoria muda seu objetivo”. No entanto, anotável característica dos homens e sua sociedade é a de serem efetivamente transformados pelas teorias, precisamente porque as teorias modificam a consciência humana. Na verdade, a concepção a-histórica de Skinner adquire adeptos apenas na atmosfera gerada por uma sociedade como a que Marcuse caracterizou como portadora de tolerância repressiva, e por isso a posição de Skinner é irreversivelmente conservadora, sendo profundamente ideológica sua ênfase no reforço como conceito unificador para a compreensão do comportamento humano.

COMBATER O BIOLOGISMO

Através desta análise do reducionismo nas ciências do cérebro, tentamos demonstrar que o reducionismo é mais do que simplesmente “ciência de má qualidade”, no sentido anglo-saxão de possuir uma teoria deficiente e experiências mal concebidas. Tentamos também demonstrar que ele é uma ciência de má qualidade por ser ideológica, isto é, porque seus programas de pesquisa e seus paradigmas organizadores são penetrados daquelas “ideias orientadoras” que exprimem interesses de classe, e que as tecnologias que geram são essencialmente destinadas a defender esses interesses, servindo para protegê-los tanto fisicamente, pela manipulação e “pacificação” de contestadores potenciais, como ideologicamente pela apresentação de uma justificativa biológica para a ordem social.

Como se pode combater o biologismo? Existem aqueles que, particularmente os adeptos da chamada cultura alternativa, respondem a essa forma de opressão afastando-se das tecnologias e das “ciências” que as geram. Desapontados com a desumanidade da ciência, alguns setores jovens voltam-se outra vez para a irracionalidade como a explicação para o sofrimento e a alegria dos homens. À medida que cresce na Europa o risco de fascismo, o apoio ao irracionalismo aparentemente inocente faz o crescer o perigo. Como escreveu Horkheimer durante uma onda de irracionalismo no passado, “a negação filosófica da ciência é um conforto para o indivíduo, mas uma mentira para a sociedade”[30].

A questão é que, apesar de a ciência ter perdido terreno para a ideologia, particularmente no campo da Neurobiologia, abandoná-la pelo cientificismo é o caminho da derrota, o caminho que garantirá o fortalecimento justamente do sistema que gera o Biologismo. Nem é suficiente simplesmente “expor a ideologia” no abrigo da “pesquisa antiburguesa” ou em conferências eruditas para públicos estudantis. Em vez disso, o caminho reside em ligar a luta superestrutural com a luta nos locais de trabalho, nos lares e nas ruas. Fortes movimentos de resistência surgiram e crescem contra o brutal pessimismo do Biologismo. Campanhas de pais e escolares desenvolveram-se na Inglaterra contra, por exemplo, o ESN-labelling, particularmente de crianças negras, e contra a ritalina nos Estados Unidos. O crescente movimento de prisioneiros nos Estados Unidos utilizou formas legais e extralegais de luta contra a psicocirurgia e contra os programas de mudança de comportamento para grandes massas, que fazem parte da estratégia de “impor a lei” nos Estados Unidos. As campanhas contra o racismo na Inglaterra e nos Estados Unidos não se limitaram às lutas de fábrica ou às disputas acadêmicas de “geneticistas contra ambientalistas”, mas identificaram o racismo científico como um dos principais inimigos a combater em todos os níveis. A questão é que essas lutas, para serem bem-sucedidas, não podem ignorar a teoria para o desenvolvimento da prática.

(Transcrito por Felipe Andrade a partir da Tradução do inglês pelo prof. Roberto Lent.)


[1] Rose, S. The Conscious Brain. London, Weidenfeld & Nicholson, 1973.

[2] Osmond, H. e Smithies, J. R., “Schizofrenia, a New Approach”. In: J. Ment. Sci., 1972, 98: 309-315.

[3] Iversen, L. L. e Rose, S. P. R., Biochemistry and Mental Disorder. London, The Biochemical Society, 1974.

[4] Entretanto, uma teoria causal da loucura que localiza o problema exclusivamente na família (como descrevem Laing, R. D. e Esteson, A., Sanity, Madness and The Family, Harmondsworth, Penguin, 1970), apesar de abrir caminho à crítica de uma determinada estrutural social opressiva, é limitada por excluir a análise teórica tanto das demais formações sociais como a própria Biologia humana.

[5] Sargent, W., The Unquiet Mind. London, Heinemann, 1967.

[6] Sacks, O., Awakenings. London, Duckworth, 1973.

[7] De la Cruz, F. F., Fox, B. H. e Roberts, R. H., “Minimal Brain Disfunction”. In: Ann. N. Y. Acad, Sci, 1973, p. 205.

[8] Wender, P. H., Minimal Brain Disfunction in Children. New York, Wiley, 1971, p. 20, 90-1, 94 e 131.

[9] Na Inglaterra, a prescrição de anfetamina é geralmente desencorajada pelo BMA. Estudiosos de quadrinhos infantis da Inglaterra podem notar a forte semelhança da criança hipercinética de Wender com o personagem Billy Whizz, da revista semanal Beano.

[10] Delgado, J. M. R., Physical Control of the Mind: Towards a Psychocivillized Society. New York, Harper & Row, 1971.

[11] Breggin, P. R., U.S. Congressional Record H. R. Washington, 1972, 118 (26).

[12] Marx, V. e Ervin, F., Violence and the Brain. New York, Harper & Row, 1970.

[13] Opton, E. M., Documentos que circularam na Conferência de Inverno sobre Pesquisa do Cérebro. Vail, Colorado, 1973.

[14] Dois filmes recentemente exibidos no Brasil descrevem situações como as descritas acima: Um Estranho no Ninho e Laranja Mecânica. (N. do T.)

[15] Penrose, L. S., The Social Impact of Modern Biology. Fuller, W. (org.), London, Routledge & Kegan Paul, 1971.

[16] Este programa foi interrompido em 1975 após intensa ação política do grupo de Boston no movimento Ciência para o Povo.

[17] Beckwith, J. e King, J., “The XXY Syndrome: a Dangerous Myth.” In: New Scientist, 1974, 64: 474-476.

[18] Morris, D., O Macaco Nu. São Paulo, Edibolso, 1973.

[19] Ardrey, R., The Territorial Imperative. New York, Dell, 1971.

[20] Ver, por exemplo, Tiger, L. e Fox, R., The Imperial Animal. London, Secker & Warburg, 1972.

[21] Eibl-Eibesfeldt, I., Ethology, the Biology of Behaviour. New York, Holt, Rinehart & Winston, 1970.

[22] Wynne-Edwards, V. C., Animal Dispersion in Relation to Social Behaviour. London, Oliver & Boyd, 1962.

[23] Atualmente agraciada com um novo título reducionista: “Sociobiologia”.

[24] Hierarquias de comportamento agressivo (bicadas) descritas inicialmente em aves. (N. do T.)

[25] Bateson, P. P. G., Are Hierarchies Necessary? London, Brain Research Association, 1974.

[26] Lorenz, K., Civilized Man’s 8 Deadly Sins. London, Methuen, 1974.

[27] Hofstadter, R., Social Darwinism in American Thought. Boston, Beacon Press, 1955.

[28] A Sociobiologia, por sua vez, busca uma explicação “genética” para o altruísmo com o argumento de que o auto sacrifício de um indivíduo em defesa de parentes preserva alguns dos genes individuais para a posteridade – possuindo desse modo vantagem seletiva (desde que você salve apenas seus parentes!).

[29] Skinner, B. F., Beyond Freedom and Dignity. London, Cape, 1972.

[30] Horkheimer, M., The Eclipse of Reason. New York, Columbia University Press, 1947.

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será publicado.


*