Carta a Sylvia Pankhurst – Anton Pannekoek

Carta de Anton Pannekoek a Sylvia Pankhurst
(publicada no jornal Workers’ Dreadnought em 30.9.1922)

Querida camarada,

Li com muita satisfação seu artigo sobre o programa do partido comunista irlandês, e penso que você está perfeitamente correta em chamá-lo de um programa não-comunista. Certamente, a essência do pensamento comunista é que a grande transformação da sociedade do capitalismo ao comunismo somente pode ser realizada pelos esforços comuns dos trabalhadores por eles mesmos, todos agindo a partir do lugar que ocupam no processo de produção.

A ideia de que algum poder exterior, o Estado, pode realizar para os trabalhadores por decretos e por leis é uma ideia social-democrata. Não, apenas os sociais democratas de mente estreita acreditam nessa ideia; a maioria dos sociais democratas mais antigos sabe muito bem que a força principal da transformação deve vir de baixo.

O Estado não é um ser sobrenatural; é o espaço organizado dos políticos, dos líderes e dos gestores sustentados pelas forças armadas. Pensar que o Estado pode estabelecer o comunismo por meios legislativos significa pensar que este pequeno espaço dos gestores e de seus financiadores, a seu critério, pode salvar a massa dos trabalhadores da escravidão – trabalhadores que nada têm a fazer além de neles votar. A experiência da Alemanha provou que colocar líderes trabalhistas à frente do Estado é simplesmente uma mudança de governantes, o que não pode trazer nenhuma revolução real.

Por outro lado, os primeiros anos da revolução na Rússia mostraram que após os trabalhadores assumirem o poder nos locais de trabalho, nas forças armadas, e nas terras, por meio de seus comitês, a revolução poderia ser realizada pela tomada do poder de Estado isto é, toda esta atividade foi centralizada, unida e organizada por órgãos centrais, e formou-se um corpo uno e forte contra os ataques do capitalismo.

O programa do partido comunista da Irlanda não é comunista somente porque apela ao Estado para tudo, mas também porque exige deste Estado somente reformas. Não teria sido comunista nos meios e nos métodos, e apesar de tudo teria sido comunista em suas diretivas se tivesse adotado medidas para a abolição da exploração capitalista e para introdução da propriedade comunista. Mas mesmo isto não faz. Supõe um poder de Estado governado pelos trabalhadores – esperar estas medidas de um Estado governado por capitalistas seria puro absurdo – enquanto a empresa privada ainda domina o campo econômico; mas não emprega este poder do Estado para atacar e destruir as empresas privadas, mas apenas para reformá-las no sentido de tornar as condições menos intoleráveis para os trabalhadores. As raízes deste modelo de programa provavelmente devem ser buscadas nas condições russas, onde o partido comunista tenta manter sua dominação política ao mesmo tempo em que deve permitir a continuidade das empresas capitalistas. Mas também podemos encontrar suas raízes em nossas próprias condições europeias ocidentais. Tenta combinar os interesses da classe trabalhadora por reformas com os interesses da pequena burguesia; por meio da propriedade estatal dos bancos, das estradas de ferro, e das grandes indústrias, promete libertar as pequenas empresas da esmagadora dominação da grande finança e da indústria pesada. Esta é a razão pela qual não proclama a abolição da propriedade privada: deseja comer de dois bolos; ao mesmo tempo, não tenta conquistar os trabalhadores somente pelo grande ideal do comunismo e da revolução – aos quais neste momento a grande massa é indiferente – que exigem grandes dores e esforços. Tenta também ganhar a pequena burguesia e a classe média dos trabalhadores a curto prazo – sem elevar suas consciências ao nível da grande perspectiva comunista, superando assim sua tacanha mentalidade burguesa – mas, pelo contrário, fisgando-as com o programa próprio de um mundinho capitalista, completamente de acordo com seus pensamentos tradicionais.

Isto nada mais é do que o “Socialismo Nova Zelândia” de vinte anos atrás, inventado pelos burgueses reformistas que queriam a ajuda da pequena classe trabalhadora contra os financistas estrangeiros, e resultou no estrangulamento da luta de classes e da liberdade de movimento dos trabalhadores.

Na Irlanda isto tem suas raízes no atraso econômico do país, com seu pequeno proletariado, sua grande massa de pequenos burgueses e de pequenos proprietários de terra além dos trabalhadores que sonham em se tornar pequenos proprietários. Tenta dar-lhes um programa comum, que, naturalmente, não pode ser comunista.

Talvez se possa dizer que, como o comunismo ainda não é possível em tal país, este programa de uma sociedade reformada de pequenas empresas controladas pela classe trabalhadora é preferível a qualquer outro e o melhor caminho possível a ser seguido. Mas a ideia de uma sociedade estável baseada numa pacifica colaboração de classes é uma ilusão. Você já demonstrou isso em seu artigo sobre o controle operário.

A mesma impossibilidade pode ser vista considerando o desemprego. “Manutenção integral de todos os subsídios para os desempregados sindicalizados” é o que se reivindica. De onde o estado retiraria os fundos necessários a este programa? Os fundos devem advir de produção, do lucro das indústrias estatais ou dos impostos cobrados das pequenas empresas. Naturalmente estes capitalistas não estariam satisfeitos em pagar aos desempregados tais benefícios. Tentariam diminuí-los, a fim de restaurar a pressão do desemprego nos salários. Reside aqui o natural e fundamental antagonismo das classes, a principal oposição de seus interesses, a impossibilidade de combinar pacificamente seus esforços. Enquanto as empresas privadas existirem, devem tentar manter-se contra a concorrência diminuindo os custos de produção, ou irão à ruína. Não podem se contentar em garantir uma vida estável aos trabalhadores.

Em 1848, em Paris, este pagamento aos desempregados foi a principal causa dos comerciantes e outros pequenos burgueses se enfurecerem contra os “vagabundos” e esmagarem a revolta proletária no massacre de junho. Mas também de um ponto de vista comunista, permitir isso aos trabalhadores desempregados pagando a eles um subsídio não está correto. O comunismo significa a produção abundante de bens, tornar ociosas as pessoas que desejam trabalhar é espoliar os recursos da comunidade. Uma sociedade comunista não permitirá desempregados, mas deixá-los-á produzir bens para a comunidade, consequentemente para si e os demais para aumentar a riqueza geral.

Assim, o propalado programa comunista não é o programa de comunistas que querem mostrar aos trabalhadores o difícil, mas único caminho real para a liberdade; é o programa de políticos desejosos em ganhar a grande massa formada por várias classes pobres, por meio de um programa reformista que se traduz na coalizão de trabalhadores, camponeses e pequenos burgueses.

O que você diz sobre os resultados da coalizão nos estados da Europa Central e do Leste, mostra que tal coalizão utiliza a força do proletariado para promover a formação de uma numerosa classe de pequenos proprietários de terra, extremamente hostil a qualquer comunismo, consequentemente obstaculiza o caminho para o comunismo. Para piorar, povoa as mentes dos trabalhadores com ilusões e desvia seus olhos do único caminho para a liberdade: o caminho da luta de classes, de uma clara consciência de classe e da confiança em seu próprio poder.

Muito sinceramente seu,

Anton Pannekoek.

Publicado originalmente em UFSC. Referência: PANNEKOEK, Anton. Anton Pannekoek’s Letter to Sylvia Pankhurst. Tradução Claus Henrique Bianco de Castro e José Carlos Mendonça. Disponível em: http://libcom.org/library/communism-vs-reforms-sylvia-pankhurst-2. Acesso em: 18 ago. 2010.