Ampliação do sistema educacional – Anton Pannekoek

Ampliação do sistema educacional[1][2]

Recentemente, quase toda a nossa imprensa chamou a atenção para um estudo sobre a “Organização e gestão de pequenas e grandes empresas nos Estados Unidos” [Organisatie en leiding van kleine en grote bedrijven in de Verenigde Staten], o qual foi elaborado por P. H. Bosboom e A. M. Groot[3]. Este estudo lida com a questão de quais fatores são responsáveis pela maior produtividade da indústria dos EUA em comparação à Europa. Este estudo também se refere ao melhor sistema educacional. “Uma escolarização obrigatória não de sete, mas de 13 anos constitui a base da qual o trabalhador depende na linha de produção[4]”.

Há alguns anos escrevi um memorando que lidava com o mesmo tema: a ampliação do sistema educacional e de ensino até os 18 anos de idade[5]. Ali, enfatizo a necessidade de uma aplicação cada vez mais intensa dos conhecimentos das ciências naturais à tecnologia, que não consiste apenas na pesquisa científica e no desenvolvimento de máquinas e métodos de trabalho cada vez melhores, mas também na capacidade de operar essas máquinas e aplicar os métodos de trabalho. Os trabalhadores que realizam o trabalho (no setor agrícola e na indústria) também devem entender o que fazem e por que o fazem. Isso impõe exigências novas e maiores à educação.

A educação em escolas secundárias, introduzida no século XIX como educação padrão para as massas, não era uma educação em práticas de trabalho. Ela permaneceu fora do trabalho produtivo e ensinava às crianças entre seis aos doze anos as habilidades que eram necessárias para o contato com outros seres humanos: ler, escrever, fazer contas e algumas outras coisas. Isso bastava, contanto que a formação profissional ocorresse nas pequenas empresas de família e que o trabalho nas fábricas consistisse, em sua maior parte, de trabalho manual insípido. Agora, no entanto, a tecnologia moderna impõe exigências maiores, cada vez maiores. Tentativas de atendê-las estão sendo feitas com a implementação de um sétimo ou oitavo ano escolar (ainda que a designação educação mínima ampliada já demonstre que tudo continua no mesmo âmbito) e por meio das Gewerbeschulen[6], escolas técnicas especiais, escolas de fábrica e cursos noturnos (que alcançavam apenas uma parcela dos jovens). Tudo servia somente para a satisfação das demandas mais urgentes. No entanto, isso demonstra que o antigo modelo – escola primária para a massa trabalhadora, escola intermediária para a educação dos gerentes operacionais independentes e da equipe de apoio (praticamente implementada por meio de uma pré-escola a uma escola secundária) e a escola secundária para a liderança intelectual da sociedade – agora está ultrapassado. O mundo o ultrapassou.

“É necessária uma base científica mais ampla para a grande maioria dos jovens que ingressam na vida profissional, o que significa praticamente o mesmo que para todas as outras pessoas. Uma nova forma superior é necessária para atendar as demandas futuras da sociedade. Também é possível expressar assim o fato de que a educação da nova geração deve alcançar o nível do Ensino Médio. Ou seja: que dos 12 aos 18 anos de idade deve se dedicar sobretudo à educação e à formação. Ou seja, novamente: que a educação no Ensino Médio deve ser a educação escolar geral[7]”.

Com essas palavras não se almeja nada que corresponda ao ensino profissionalizante atual. Este já consiste excessivamente no estudo de livros, em aprender e recitar lições e fazer cursos e muito pouco em trabalhos práticos. Isso se deve ao desvio de seus objetivos. Uma educação geral para jovens dos 12 ou 13 anos até os 18 anos, como pensamos aqui, se baseará em grande medida em trabalho prático e autônomo em que iniciativa e aproveitamento têm um papel. Ela se especializará em diversas escolas profissionalizantes – dentre as quais pode ser incluído o treinamento avançado para a escola secundária –, mas será diferente das escolas profissionalizantes de hoje em virtude de sua base científica mais ampla, a partir da qual se desenvolverá uma capacitação teórica minuciosa em conjunto com a educação prática. O trabalho prático se integrará ao processo social de trabalho em um grau cada vez maior com a idade.

Neste artigo serão indicadas algumas desvantagens que podem surgir: há intelecto suficiente disponível e é possível arcar com os custos? Ele também aborda se um aumento no nível geral de conhecimento e de informação, caso essa tendência se confirme, pode levar a classe trabalhadora a uma participação crescente na gestão da sociedade e dos locais de trabalho. Obviamente, uma elaboração detalhada não é possível aqui. Assim que a ideia fundamental tiver se enraizado, haverá educadores qualificados e experientes de sobra nos Países Baixos para esboçar as regras práticas para essa transformação da educação.

Na época da redação e publicação dessas reflexões, parecia que seriam apenas ideias para um futuro distante, talvez até mesmo uma utopia, e que só se realizaria em uma sociedade mais desenvolvida com grande prosperidade industrial. Porém, como P. H. Bosboom e Groot ressaltam em seu relatório que estes princípios já estariam sendo realizados nos EUA e deveriam ser considerados como um dos fundamentos essenciais do aumento da produtividade industrial, eles de repente fazem com que essa seja uma questão atual. “Muito daquilo que se vê nas empresas americanas se deve em seu âmago ao nível geral de instrução e desenvolvimento das pessoas que trabalham nessas empresas” (p. 69). Uma vez que agora todos os participantes consideram urgente o aumento da produtividade na Europa Ocidental, é preciso, por isso, dedicar especial atenção principalmente à escolarização obrigatória até os 18 anos de idade. Calcular as possibilidades práticas para tal será uma tarefa gratificante para os educadores, professores e governantes, que terão uma visão geral ampla. Os encargos financeiros, especialmente nos tempos de hoje, com bilhões em gastos militares, serão gigantescos. Mas ainda é verdade que é preciso investir para poder lucrar. Nos Estados Unidos, assim informa o relatório (p. 65), foi justamente a grande crise de 1930 que levou o sistema educacional a um nível superior, em vez de uma redução, pois, do contrário, os jovens ficariam à toa, sem emprego.

Para concluir, é necessário fazer uma única citação do relatório:

O sistema educacional normal de meninos e meninas nos Estados Unidos começa aos 5 anos de idade e é o seguinte: um ano de pré-escola [ou educação infantil] (chamada nos Estados Unidos de Kindergarten[8]), seis anos de ensino fundamental I (public school), três anos de ensino fundamental II (junior high school) e três anos de ensino médio (senior high school). No total, uma formação escolar de 13 anos. Todos são obrigados a frequentar a escola até os 17 anos de idade. Esta parte da formação escolar é grátis nas escolas públicas. Os livros também são gratuitos. [p. 61]
(…) também ficamos plenamente surpresos quando ouvimos que todos os professores das escolas na Filadélfia, de quem falamos antes, também devem ter uma formação universitária completa para o “Kindergarten”. [p. 63]
O estudo nas universidades públicas é gratuito.
Devem estar se perguntando quem paga por essa formação grátis. O contribuinte, pois aproximadamente metade dos impostos locais é investida no sistema educacional. O governo federal não sustenta o sistema educacional. [p. 65]
Os alunos medíocres e ruins são mantidos no sistema educacional normal: a gente quer mantê-los em todos os casos na comunidade. Eles aprendem um pouco menos e necessitam de um pouco de mais atenção. [p. 63]
Não existe nos Estados Unidos uma idolatria do diploma como nos Países Baixos. [p. 63]
Nos Estados Unidos, não conhecem a reprovação na transição de um ano escolar para o outro. Também não conseguem explicar para os americanos que isso existe nos Países Baixos. Nós também não sabemos a resposta para a constrangedora questão do porquê um aluno deve repetir tudo se vai mal em algumas matérias. [p. 63]

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Isso pode servir de justificativa e inspiração para todos aqueles que consideram necessárias uma transformação fundamental e uma ampliação de nosso sistema educacional.


[1] Anton Pannekoek, Verbreding van Onderwijs in: Wetenschap en Samenleving. Officieel Orgaan van het Verbond van Wetenschappelijke Onderzoekers. Maanblad gewijd aan de Ontwikkeling der Wetenschap en haar Betekenis voor Mens en Maatschappij. Waarin opgenomen het maandblad Atoom (Amsterdam), No. 10/October 1951 (5e Jaargang), p. 147-148. [n. e. a.]

[2] A tradução deste artigo foi realizada a partir da tradução para o alemão de Walter Delabar, “Erweiterung des Bildungssystems”, publicada em Anton Pannekoek, Arbeiterräte. Texte zur Soziale Revolution. Fernwald: Germinal Verlag, 2008, p. 680-682. [n. t.]

[3] P. H. Bloom & A. M. Groot, Organisatie en leiding van kleine en grote bedrijven in de Verenigde Staten. Studierapport, Uitgave: Contactgroep Opvoering Productiviteit., ‘s-Gravenhage o.J., 1951.

[4] W. J. v. d. Woestijne, “Het gemein van de Amerkaanse productiviteit” in: De Groene Amsterdamer. Onafhankelijk weekblad voor Nederland (Amsterdam, 27/7, Juli 1951, 75st Jaargang). [n. e. a.]

[5] Escrito em 1945 e parcialmente reproduzido na “De Groene Amsterdammer” de 22 de outubro de 1949 [ver o artigo “Bildung und Gesellschaft” de Pannekoek nas p. 660-664 deste volume [o artigo “Educação e Sociedade” foi traduzido e publicado por nós aqui]. [n. e. a.]

[6] As Gewerbeschulen eram um tipo de escola técnica adaptado às necessidades do setor manufatureiro, que formava principalmente técnicos em engenharia mecânica, e cujo currículo consistia majoritariamente de desenho, matemática, física e química. [n. t.]

[7] Pannekoek, Educação e sociedade. [n. t.]

[8] Não fica claro se os parênteses presentes nessa citação são dos autores do relatório, P. H. Bosboom e Groot, de Pannekoek ou da tradução alemã. [n. t.]

Traduzido por Thiago Papageorgiou