A Propósito do Partido Comunista – Anton Pannekoek

Anton Pannekoek sob o pseudônimo de J. Harper. I.C.C. Vol. I. n.º 7 – Junho de 1936. Fonte: https://www.aaap.be/Pages/Pannekoek-en-1936-On-The-Communist-Party.html.

Textos suplementares para melhor entendimento do texto de Pannekoek:

Biografia de Anton Pannekoek (1873-1960) – Paul Mattick
Anton Pannekoek e os Partidos Políticos – Renato Dias
Pannekoek: Das Organizações Burocráticas à Auto-organização – Nildo Viana

I

Durante a Primeira Guerra Mundial, em todos os países, pequenos grupos emergiram convencidos de que a revolução proletária nasceria das dificuldades que o capitalismo então conhecia, e prontos a assumir-lhe a direção. Eles iriam tomar o nome de comunistas, – designação que não era empregue desde 1848 – a fim de se demarcarem dos partidos socialistas tradicionais. Entre esses grupos encontrava-se o partido bolchevique, cujo centro estava então na Suíça. Todos se uniram no fim da guerra contra os partidos socialistas que apoiavam a política beligerante dos governos capitalistas e que representavam a fração submetida da classe operária. Os partidos comunistas aglomeraram assim os elementos mais jovens e mais combativos da classe operária.

Contrariamente à teoria segundo a qual a revolução não podia ter lugar senão num país capitalista próspero, os comunistas declararam que o marasmo econômico desencadearia a revolução e mobilizaria as forças da classe operária.

Eles refutaram ainda o ponto de vista social-democrata que queria que um parlamento escolhido por sufrágio universal constituísse uma justa representação da sociedade e a base de um regime socialista. Afirmaram, a partir de Marx e Engels, que a classe operária não podia atingir o seu objetivo senão ocupando ela própria o poder e instaurando a sua ditadura, recusando à classe capitalista toda a participação no governo.

Opostamente ao parlamentarismo, pediram a criação de sovietes – ou conselhos operários – que se inspiravam no modelo russo.

Em Novembro de 1918, um poderoso movimento comunista apareceu na Alemanha vencida. Composto por spartakistas e outros grupos que se tinham constituído clandestinamente durante a guerra, foi esmagado no mês de Janeiro seguinte pelas forças contrarrevolucionárias do governo socialista alemão. Assim eliminado o desenvolvimento de um partido comunista alemão, poderoso e independente, animado do espírito de um proletariado avançado. Foi, pois, ao Partido Comunista Russo que coube a tarefa de dirigir os grupos de obediência comunista que formavam através do Mundo. A III Internacional, dirigida a partir de Moscou, reuniu todos esses grupos. A Rússia encontrou-se assim no centro da revolução mundial, os interesses da União Soviética tornaram-se os dos operários comunistas do mundo inteiro e as ideias do bolchevismo russo foram retomados pelos partidos comunistas dos países capitalistas.

A Rússia atacada pelos governos capitalistas da Europa e da América, replicou-lhes chamando a classe operária ao combate em nome da revolução mundial – uma revolução que deveria ter lugar de imediato, e não num futuro longínquo. Se o proletariado não podia ser ganho para o comunismo, era preciso pelo menos que ele se opusesse à política dos governos capitalistas: os partidos comunistas entraram pois nos parlamentos e nos sindicatos a fim de os transformar em órgãos de oposição.

O apelo à revolução mundial constitui o grande grito de reunião. Ele foi ouvido em todos os cantos do mundo, na Europa, Ásia, América por todos os povos oprimidos, e os trabalhadores sublevaram-se, guiados pelo exemplo russo, conscientes de que a guerra tinha abalado o capitalismo até aos seus fundamentos e que as crises econômicas apenas o podiam enfraquecer ainda mais. Eles representavam apenas uma minoria, mas a massa dos trabalhadores velava e prestava atenção, com simpatia, ao que se passava na Rússia. Se ela hesitava ainda, é que os seus dirigentes falavam dos russos como um povo atrasado, e que a imprensa capitalista denunciava as atrocidades do regime soviético, cujo afundamento rápido e inevitável predizia. Essas colunas indicam até que ponto o exemplo russo foi receado e detestado nas sociedades capitalistas.

Uma revolução comunista era possível fazer? A classe operária podia tomar o poder e triunfar do capitalismo na Inglaterra, França e América? Certamente que não, porque não era suficientemente poderosa. Somente a Alemanha podia, na época, encarar uma tal possibilidade.

Que teria sido possível fazer então? A revolução comunista, a vitória do proletariado, não pode realizar-se em alguns anos, mas no final de um longo período de sublevações e lutas. A crise do capitalismo durante a guerra não foi senão o ponto de partida desse período, e é então que a tarefa do partido comunista seria de construir, passo a passo, a força da classe operária. O caminho pode parecer longo mas não há outro.

Ora, não era assim que os dirigentes bolcheviques entendiam a revolução mundial. Queriam-na imediatamente. Se eles tinham conseguido na Rússia, por que não poderia ocorrer nos outros países? Os trabalhadores estrangeiros apenas tinham que seguir o exemplo dos seus camaradas russos. Ainda que a classe operária contasse pouco mais que um milhão de trabalhadores numa produção de cem milhões de habitantes, cerca de dez mil revolucionários, agrupados num partido poderosamente organizado, tinham sabido tomar o poder e ganhar o apoio das massas defendendo um programa que servia os seus interesses.

Os bolcheviques calculavam que todos os partidos comunistas existentes no mundo, que eram compostos por frações mais conscientes, avançadas e capazes da classe operária, dirigidos por homens inteligentes, poderiam do mesmo modo chegar ao poder, se apenas a massa dos trabalhadores os quisesse seguir. Os governos capitalistas não se apoiavam, eles também em minorias?

Que o conjunto da classe operária decida apoiar o Partido e votar por ele, e ele meterá mãos à obra. Porque ele representa a primeira linha. A sua tarefa é atacar e abater os governos capitalistas, substituí-los e aplicar, uma vez no poder, os ideais comunistas como a Rússia o soube fazer.

Quanto à ditadura do proletariado, ela é representada naturalmente pela ditadura do partido comunista, como é o caso da Rússia.

Fazei como nós! Tal foi o conselho, o apelo, a diretiva do partido bolchevique a todos os partidos comunistas do Mundo inteiro, palavra de ordem que se apoiava na teoria segundo a qual a situação dos países capitalistas era a mesma que reinava na Rússia pré-revolucionária. Ora, não existia nenhum ponto comum. A Rússia encontrava-se nos princípios do capitalismo, apenas no primeiro estágio da industrialização, enquanto que os países capitalistas avançados estavam no fim da era do capitalismo industrial. A Rússia devia elevar-se do estágio de barbárie primitiva até ao nível de produção atingido pelos países desenvolvidos. Esse objetivo não podia ser atingido senão por intermédio de um partido que dirigisse o povo e organizasse um capitalismo de Estado. Pelo contrário, a América e a Europa deviam converter-se a uma produção de tipo comunista, o que não pode ser obtido senão através de um esforço coletivo do conjunto da classe operária unida.

A classe operária russa apenas constituía uma fraca minoria na população que se compunha quase inteiramente de camponeses primitivos. Na Inglaterra, Alemanha, França e América, o proletariado representava mais da metade da população. Na Rússia somente existia um pequeno número de capitalistas, sem grande poder ou influência. Na Inglaterra, Alemanha, França e América a classe capitalista é mais forte que nunca.

Ao declarar que eles (isto é, os partidos) eram capazes de vencer a classe capitalista, os dirigentes do Partido Comunista mostraram subestimar o poder do inimigo. Ao proporem a Rússia como modelo a seguir, não somente pelo heroísmo e espírito combativo de que tinha dado provas, mais ainda pelos seus métodos e objetivos, mostraram à luz do dia a sua incapacidade de ver a diferença que existe entre o regime czarista russo e a dominação capitalista dos países da Europa e América.

A classe capitalista que controla inteiramente a economia e detém um poder financeiro e intelectual considerável não se deixará destruir por uma minoria. Nenhum partido no Mundo é suficientemente poderoso para a destruir. Somente a classe operária pode um dia esperar abatê-la.

Porque o capitalismo constitui antes de tudo uma força econômica, ele não pode ser abalado senão por uma outra potência econômica, no caso, a classe operária em ação.

Pode parecer utópico, à primeira vista, colocar a esperança de uma revolução na unidade dos trabalhadores. As massas não têm uma consciência de classe muito desenvolvida; elas ignoram tudo sobre a revolução social; não se interessam muito pela revolução. Preocupam-se mais pelos seus interesses pessoais que pela solidariedade de classe; estão submetidas e receosas, em busca de prazeres fúteis. Existirá uma grande diferença entre essas massas indiferentes e o povo russo, por exemplo? Poder-se-á apostar preferencialmente num tal povo que numa minoria comunista entusiasta, enérgica, pronta ao sacrifício e movida por uma forte consciência de classe? A questão não teria interesse se se encarasse, como o faz o partido comunista, a possibilidade de uma revolução para amanhã.

A verdadeira revolução proletária será determinada pelo mundo capitalista existente, a verdadeira revolução comunista virá da consciência de classe do proletariado.

O proletariado da Europa e América possui certas particularidades que fazem dele uma verdadeira força. Ele é o descendente de uma classe média de artesãos e camponeses que durante séculos cultivaram os seus próprios campos ou possuíram as próprias oficinas. Esses homens livres, que não tinham que dar contas a ninguém, aprenderam a trabalhar por e para si próprios, e adquiriram qualidades de independência e habilidade que os operários modernos herdaram. Sob a férula do capitalismo, esses trabalhadores conheceram posteriormente o reino da máquina, a disciplina do trabalho coletivo. Depois de uma primeira fase de depressão, aprenderam, na luta permanente, a solidariedade e a unidade de classe.

Esses novos ideais representam a base sobre a qual se desenvolverá o poder da classe revolucionária. Centenas de milhões de trabalhadores, tanto na Europa como na América, possuem essas qualidades. Que eles tenham apenas começado a sua obra não significa que sejam incapazes de a realizar. Ninguém lhes pode dizer como agir; deverão encontrar a sua própria via através de experiências que serão muitas vezes dolorosas. Eles possuem a vontade e a capacidade de descobrir essa via e de construir a unidade de classe em que surgirá uma humanidade nova.

Esses trabalhadores não constituem uma massa neutra e indiferente da qual uma minoria revolucionária pode ignorar, quando procura derrubar a minoria capitalista no poder. A revolução não se pode fazer sem eles e, quando passarem à ação, mostrarão que não são daqueles que um partido pode obrigar à obediência.

Evidentemente, o partido compõe-se, em geral, dos melhores elementos da classe que representa. Os seus chefes encarnam os grandes objetivos; os seus nomes são admirados, detestados ou venerados conforme os casos. Eles estão nas primeiras linhas, se bem que cada derrota lhes seja fatal e signifiquem, por consequência, a morte do partido. Conscientes desse perigo, os dirigentes secundários, os burocratas do partido, renunciam muitas vezes à luta suprema. Pelo contrário, se a classe operária pode sofrer reveses, ela nunca será vencida. As suas forças são indomáveis, as suas raízes firmemente ligadas à terra. Tal como a erva que se sega, ela cresce sempre mais resistente. Depois de ter suportado um combate, os trabalhadores esgotados podem renunciar por um tempo à luta, mas as suas forças nunca descressem. Pelo contrário, se o partido os segue na sua retirada, ele nunca poderá restabelecer-se porque será constrangido a repudiar os seus princípios. Num processo de luta de classes, o partido e os seus dirigentes apenas têm forças limitadas que esgotam inteiramente para o bem ou para o mal da causa que defendem. As reservas da classe operária são ilimitadas.

A função dos partidos apenas pode ser temporária: num primeiro tempo, indicam a via a seguir e exprimem os desejos das classes que representam. Mas à medida que aumenta e se intensifica a luta de classes, ver-se-ão progressivamente ultrapassados pelos objetivos mais radicais e ideais mais elevados dos trabalhadores. Todo o partido que se esforça por manter a classe a um nível inferior deve ser condenado. A teoria segundo a qual o partido domina a classe e deve constantemente conservar essa posição significa, na prática, a repressão e, em último lugar, a derrota da classe.

Mostraremos como esta teoria, aplicada pelo Partido Comunista, apenas conheceu um sucesso efêmero.

II

Os princípios que regem o Partido Comunista e lhe determinam a prática são os seguintes: o Partido deve aceder à ditadura, conquistar o poder, fazer a revolução e, tendo-o feito, libertar os trabalhadores; quanto aos operários, a sua tarefa é de seguir e apoiar o Partido afim de o conduzir à vitória.

O primeiro objetivo do Partido é, pois, de obter a adesão massiva dos trabalhadores, e não fazer deles combatentes independentes, capazes de encontrarem a sua via e de a prosseguir.

Para atingir este objetivo, o Partido recorre à ação parlamentar. Depois de ter declarado que o parlamentarismo em nada podia servir a revolução, faz dele o seu principal instrumento de combate. Assim nasceu o “parlamentarismo revolucionário” que consiste em demostrar ao parlamento a inutilidade do parlamentarismo. Na realidade, o partido comunista desejaria simplesmente adquirir os votos dos trabalhadores que estavam até aí fiéis ao partido socialista. Numerosos trabalhadores, desiludidos pela política capitalista da social-democracia e partidários da revolução foram assim conquistados pelos grandes discursos e as críticas virulentas que o partido comunista pronunciava contra o capitalismo. Acreditaram que o Partido lhes mostrava uma via nova e que apenas continuando a votar e a seguir os seus dirigentes – que agora seriam melhores – acabariam por ser libertados. Os célebres revolucionários que tinham fundado o Estado dos trabalhadores na Rússia asseguraram-lhes que essa via era a boa.

O sindicalismo representa outro meio pelo qual o partido comunista tentou reunir a massa dos trabalhadores. Aí, ainda, o Partido, depois de ter denunciado a inutilidade dos sindicatos no processo revolucionário, pediu aos seus membros para aderirem a eles a fim de ganhar os sindicatos para o comunismo. Não se tratava, de resto, de transformar os sindicalizados em militantes revolucionários que possuiriam uma forte consciência de classe, mas simplesmente substituir os velhos dirigentes “corrompidos” pelos membros do partido comunista. Assim, o Partido controlaria esta vasta máquina da classe dirigente que são os sindicatos e tomaria a direção dos poderosos exércitos dos sindicalizados. Os antigos dirigentes não iriam, contudo, ceder, facilmente, os seus lugares: excluíram os comunistas das suas organizações. Assim foram criados novos sindicatos “vermelhos”.

As greves são a escola do comunismo. Diretamente confrontados com o poder capitalista, os trabalhadores em greve compreendem o poder da classe dirigente. Diante da união das forças do inimigo tomam consciência que não poderão vencer senão solidários e unidos. O seu desejo de compreender encontra-se aumentado, e o que aprenderem é sem dúvida a mais importante lição: só o comunismo poderá libertá-los.

O partido comunista soube utilizar esta verdade para as suas necessidades pessoais, cada vez que se encontrou implicado numa greve. Para ele, importa tomar as rédeas das mãos dos dirigentes sindicais pouco inclinados a se baterem realmente. Ele não hesitou em declarar que os trabalhadores deviam dirigir-se a si próprios pois que, enquanto que representante da classe operária, cabia-lhe a sua direção. Ele reclamou em seu benefício todos os sucessos obtidos pela classe operária. Longe de procurar educar as massas na sua ação revolucionária, apenas se preocupou em aumentar a sua influência sobre elas.

A lição natural – “o comunismo é a salvação da classe operária” – foi substituída por uma lição artificial – “o partido comunista é o salvador”. Depois de ter captado a energia dos grevistas, através dos seus discursos revolucionários, o partido comunista orientou essas formas em direção aos seus próprios propósitos. Disso resultaram querelas que, na maior parte das vezes, fizeram mal à causa dos trabalhadores.

A luta contínua devia fazer-se contra o partido social-democrata, cujos dirigentes foram denunciados nestes termos tão saborosos como “cúmplices do capitalismo” e “traidores da classe operária”. Uma crítica séria, que teria demonstrado como a social-democracia se afastou da luta de classes, teria aberto os olhos de numerosos trabalhadores. Mas a decoração devia mudar subitamente, e os comunistas ofereceram a esses “traidores” uma aliança na luta comum contra o capitalismo. É o que se chamou pomposamente “a unidade reencontrada da classe operária”. Unidade que não podia ser outra coisa senão a colaboração temporária de dois grupos rivais de dirigentes, cada um procurando conservar, ou ganhar, partidários dóceis.

A classe operária não é a única a quem será feito o apelo quando um partido deseja engrossar as suas fileiras. Todas as classes exploradas que vivem em condições miseráveis sob os regimes capitalistas apenas podem aclamar os novos e melhores patrões que lhes prometem a liberdade. O partido comunista fez exatamente o que tinha feito, antes dele, o partido socialista: dirigiu a sua propaganda a todos os infelizes.

A Rússia devia dar o exemplo. Embora ele fosse o partido dos operários, o partido bolchevique não conquistou o poder senão graças à sua aliança com os camponeses. Uma vez no poder, encontrou-se ameaçado pelo espírito capitalista que sobrevivia entre os camponeses ricos, e fez apelo aos camponeses pobres para que eles se unissem aos trabalhadores. No seguimento disto os partidos comunistas da América e da Europa, imitando como sempre as palavras de ordem russas, iam dirigir-se pelo seu lado aos operários e aos camponeses pobres. Eles esqueceram que os camponeses pobres dos países desenvolvidos permaneciam muito ligados à propriedade privada e que se pudessem deixar-se seduzir por promessas, seriam aqueles aliados pouco seguros, prontos a desertar desde que houvesse o mínimo de descontentamento.

Ao longo de todo o processo revolucionário, a classe operária não poderá contar senão com as suas próprias forças. Acontecer-lhe-á muitas vezes ser apoiada pelas outras classes exploradas da sociedade, mas nunca essas classes terão uma função determinante porque elas não possuem este poder inato que a solidariedade e o controle da produção conferem à classe operária. Mesmo na revolta, essas classes permanecerão inconstantes e pouco seguras. O mais que se pode fazer é tentar impedir que elas se tornem instrumentos nas mãos dos capitalistas. Ora isso não pode fazer-se com promessas. Os partidos podem viver de promessas e de programas, mas as classes sociais são movidas por paixões e por sentimentos bem mais profundos. Só a luta corajosa dos trabalhadores contra o capitalismo pode despertar o seu respeito e confiança, e só nessa altura elas podem ser atingidas.

O mesmo não se passa quando o partido comunista tem em mente, unicamente, a conquista pessoal do poder. Todos os deserdados que tiveram razões para se queixarem do regime capitalista tornar-se-ão excelentes partidários desse partido. O seu desespero de não saberem como sair do seu atoleiro, faz deles perfeitos adeptos de um Partido que promete libertá-los. Se podem sublevar-se nos momentos de cólera, são incapazes de conduzir uma luta contínua. O grave período de perturbações que afeta o Mundo desde há alguns anos aumentou o número dos desempregados fazendo-os tomar consciência da necessidade de uma revolução mundial imediata. Eles vieram engrossar as fileiras do partido comunista que pensou poder apoiar-se neste exército para se arrogar o poder supremo.

O partido comunista nada fez para aumentar as forças da classe operária. Não ajudou os trabalhadores na procura da coerência, e da unidade. Limitou-se a fazer deles partidários entusiastas, mas cegos e, por consequência, fanáticos; a fazer deles sujeitos obedientes do partido no poder.

O seu objetivo não foi forjar uma classe operária poderosa, mas fortalecer as forças do partido. E isto porque em lugar de se apoiar nas condições existentes nos países capitalistas desenvolvidos da Europa e da América, inspirou-se no exemplo da Rússia primitiva.

Se um partido, desejoso de obter partidários, se mostra impotente para despertar o espírito revolucionário daqueles a quem se dirige, não hesitará, se for pouco preocupado com a natureza dos meios empregues para alcançar os seus fins, em dirigir-se aos seus instintos reacionários. O nacionalismo é, sem dúvida, o sentimento mais forte que o capitalismo pôde despertar e utilizar contra a revolução. Quando em 1923, as tropas francesas invadiram a região do Reno e uma vaga de nacionalismo se levantou em toda a Alemanha, o partido comunista não hesitou em jogar a cartada chauvinista para tentar rivalizar com os partidos capitalistas. Chegou mesmo a propor ao Reichstag que as forças armadas comunistas, os “guardas vermelhos”, se aliassem ao exército governamental alemão, o Reichweher. A política internacional não foi estranha e esta atitude. A Rússia, que na época era hostil aos governos ocidentais vitoriosos, procurava uma aliança com a Alemanha. O Partido Comunista Alemão foi portanto constrangido a colocar-se ao lado do seu próprio governo capitalista.

Tal foi a característica principal de todos os partidos comunistas que foram filiados na III Internacional: dirigidos por Moscou, por chefes comunistas russos, foram instrumentos da política estrangeira russa. A Rússia era a “pátria de todos os trabalhadores”, o centro da revolução comunista mundial. Os interesses da Rússia não podiam ser outros que os de todos os trabalhadores comunistas através do mundo. Os dirigentes russos fizeram claramente saber que, cada vez que um governo capitalista era aliado da Rússia, os trabalhadores desse país deviam apoiar o seu governo. A luta de classes, entre capitalistas e trabalhadores devia dobrar-se às necessidades temporárias da política externa russa.

Esta dependência material e espiritual face à Rússia foi a verdadeira razão da fraqueza do partido comunista. Todas as ambiguidades que se encontram na evolução do regime soviético refletiram-se nas tomadas de posição do partido comunista. Os dirigentes russos explicaram aos seus vassalos que a construção de uma sociedade industrial submetidas às leis do capitalismo de Estado equivalia a construir uma sociedade comunista. De tal modo que cada nova fábrica ou central elétrica é aclamada pela imprensa comunista como um triunfo do Partido. A fim de incitar os russos à perseverança, os jornais soviéticos espalharam o boato segundo o qual o capitalismo estava prestes a sucumbir à revolução mundial e que, ciumento dos sucessos do comunismo, pensava numa guerra contra a Rússia. Esses rumores foram retomados pelo conjunto da imprensa comunista mundial, no mesmo momento em que a Rússia assinava tratados comerciais com esses países capitalistas. Cada vez que a Rússia concluía uma aliança com um governo capitalista ou se misturava em querelas diplomáticas, a imprensa comunista assegurava uma capitulação do mundo capitalista diante do comunismo[1].E essa imprensa nunca cessou de colocar os interesses do “comunismo” russo antes dos do proletariado mundial.

A Rússia é o exemplo supremo; e, para seguir o exemplo russo, o partido comunista deverá dominar a classe. Os dirigentes dos Partido Comunista Russo dominam porque concentram todos os elementos do poder nas suas mãos. O mesmo se passa com todos os dirigentes comunistas através do mundo. Os membros do Partido devem ser disciplinados. Moscou e o Komintern (Comissão Executiva da III Internacional) representam os dirigentes supremos; eles podem revogar e substituir, à sua vontade, os dirigentes comunistas de outros países.

Não surpreende que os trabalhadores e os membros de partidos comunistas de outros países emitam por vezes dúvidas sobre o bom fundamento dos métodos russos. Contudo, toda a oposição foi sempre vencida e excluída do Partido. Nenhuma opinião independente foi jamais autorizada: o partido comunista exige obediência.

Depois da revolução, os russos constituíram um “exército vermelho” para defender a sua liberdade ameaçada pelos “exércitos brancos”. Do mesmo modo o Partido Comunista Alemão organizou, por sua vez, uma “guarda vermelha”, batalhões de jovens comunistas armados, para lutar contra os nacionalistas armados.

A “guarda vermelha” não era unicamente um exército de trabalhadores que combatia o capitalismo; era também um exército contra todos os adversários do partido comunista. Cada vez que trabalhadores tomavam a palavra, numa reunião, para criticar a política do Partido, eram imediatamente reduzidos ao silêncio pelos guardas vermelhos a um sinal dos dirigentes. Os métodos utilizados para com os camaradas contestatários não serviam para os esclarecer, mas para lhes partir a cabeça. Os elementos mais jovens e mais combativos foram assim transformados em rufias em vez de verdadeiros comunistas. Esses jovens guardas vermelhos, que nada aprenderam senão a atacar os inimigos dos seus dirigentes, por sua vez, mudaram de cor: e tornaram-se perfeitos nacionalistas.

Aureolado pela glória da revolução russa, o partido comunista soube, através dos seus brilhantes discursos, reunir, sob a sua bandeira, os mais ardentes jovens trabalhadores. O seu entusiasmo foi posto ao serviço de disputas artificiais e cisões políticas inúteis; a revolução perdeu muito aí. Os melhores elementos, desiludidos com a política do Partido, tentaram encontrar uma outra via, fundando grupos separados.

Se se olhar para o passado, pode-se dizer que a Primeira Guerra Mundial, ao exacerbar a opressão do regime capitalista, despertou o espírito revolucionário dos trabalhadores de todos os países. O mais fraco dos governos, a Rússia bárbara, caiu ao primeiro golpe. Como um brilhante meteoro, a revolução russa iluminou a terra. Mas os trabalhadores tinham necessidade de uma outra revolução. Depois de os ter enchido de esperança e energia, a perturbadora luz da revolução russa cegou os trabalhadores, de tal modo que eles deixaram de ver a estrada a seguir. Necessitam hoje de tomar forças e desviar os seus olhos para a aurora da sua própria revolução.

O partido comunista, quanto a ele, não se poderá restabelecer. A Rússia fez a paz com as nações capitalistas e toma lugar entre elas com o seu próprio sistema econômico. O partido comunista, intrinsecamente ligado à Rússia, está condenado a viver de simulacros de combate. Os grupos de oposição separaram-se explicando a degenerescência do partido comunista pelos erros de tática e pela culpa de certos dirigentes, a fim de não incriminarem os princípios comunistas. Em vão, porque a derrota do partido comunista está inscrita nos seus próprios princípios.


[1] Cf. os jornais maoístas depois da visita de Nixon a Pequim. (N.T.F.)

O presente texto foi retirado do seguinte site: https://www.marxists.org/portugues/pannekoe/1936/mes/proposito.htm.
A revisão foi feita por Ana Bombassaro.