A Doença Eleitoral – Maurício Tragtenberg

Artigo originalmente publicado no jornal Notícias Populares, 03/10/1982. O artigo compõe capítulo da coletânea “Autonomia Operária”, da Coleção Maurício Tragtenberg, publicada pela Editora da Unesp, 2011.
Mais publicações de Tragtenberg podem ser vistas em: Maurício Tragtenberg (1929-1998).

Aproxima-se a data das eleições. Não há candidato a cargo eleitoral que não se diga defensor dos trabalhadores. Aí se pergunta: como é que os trabalhadores brasileiros estão desempregados numa grande parte, outros vivendo de biscates, outros obrigados a aceitar trabalho ganhando metade do que ganharam antes, se aparentemente eles têm tantos “defensores”?

Nenhum candidato diz que é contra os trabalhadores, que fará conchavos com patrões para levar o trabalhador “na conversa”, dizendo ser seu “representante”. Nenhum diz que está aceitando o apoio econômico de empreiteiras de construção civil, empresas particulares de todo tipo oferecem “doações” em dinheiro ou espécie (carros para a campanha), gasolina e outros “apetrechos”. Tem cidadão comprando voto à custa de oferecer camisas para escolas de samba, bonés. Outros oferecem, além de dinheiro, sacos de cimento para o trabalhador concluir a construção de sua casa-embrião, como sucede em Lages (SC). O processo eleitoral está se transformando no maior “mercadão” do país.

E os partidos políticos? Do PDS há pouco que falar: é um grupo de pressão dos que atualmente nos governam, daí seus candidatos em sua propaganda eleitoral omitirem o nome do partido, tal vergonha e a impopularidade dessa legenda. A peso de ouro, o PDS procura juntar votos nas cidades do interior de São Paulo, Rio Grande do Sul, no Nordeste, usando a tradicional política do “favor” e de “votar no amigo, fulano de tal”.

O PMDB apresenta-se como grande “frente” que inclui desde Severo Gomes, patrão e dono de Cobertores Parahyba, especialista em assinar cassação de mandatos, a Orestes Quércia, que ganhou a taça no Senado quando lá esteve, como o senador mais “quieto” que por lá passou: não disse bolacha, nem a favor, nem contra. O senador Franco Montoro, que possivelmente será eleito governador e governará com os membros do antigo Partido Democrata Cristão, muito “cristão” porém pouco democrata, 72 horas após assumir o poder, se desvinculará do apoio que lhe dá o MR8 (Hora do Povo) e do partidão. Já declarou na Fiesp que tem esse apoio “contra a vontade”.

O senador eleito governador administrará a crise do sistema capitalista, os trabalhadores pagarão o custo dela através do arrocho de seus salários, aumento do desemprego, que é o que está “pintando no pedaço”, após a eleição. O PT poderia usar a campanha eleitoral para questionar o tipo de representação parlamentar, se é melhor para o trabalhador, sua validade e seus limites. Questionar o tipo de estrutura socioeconômica, que não garante ao trabalhador o pão de cada dia, marginalizando-o através do desemprego. Nada disso está sendo feito. Há uma “festividade” eleiçoeira em que cada candidato só pensa no voto, o resto é “conversa mole”. E o trabalhador da linha de produção, que moureja junto aos altos-fornos das siderúrgicas, fornos de vidro, na construção civil, nas linhas de montagem da indústria automobilística, só sabe de uma coisa: para defender-se só pode contar com a solidariedade de seus companheiros de trabalho, pois, como já se diz de há cem anos, “a libertação dos trabalhadores tem que ser obra dos próprios trabalhadores”, auto-organizados a partir de suas fábricas, oficinas, bancos e escritórios. O resto é reza para velar defunto.

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