Original in Dutch: De Groep van Internationale Communisten
Publicado em: Brendel, Cajo. “Die ‘Gruppe Internationale Kommunisten’ in Holland. Persönliche Erinnerungen aus den Jahren 1934-1939”, Jahrbuch Arbeiterbewegung, number two. Frankfurt: Fischer Verlag, 1974.
Lembranças pessoais dos anos 1934-1939[1]
O espirituoso trotskista holandês Henk Sneevliet[2] descreveu certa vez — com sua típica sagacidade — o Grupo Comunista Internacionalista como os “monges do marxismo”. Naturalmente, tratava‑se de uma caricatura, mas ao mesmo tempo era um achado apreciado pelas pessoas em torno do Grupo. E, como toda caricatura, ela também continha uma essência verdadeira. Sneevliet reprovava a postura do GIC; para o Grupo, porém, ela era inevitável.
Tratava-se, na verdade, de uma questão que, entre outras coisas, levou a um claro rompimento intelectual entre Sneevliet e o GIC. Sneevliet buscava em primeiro lugar, como líder de um movimento parlamentar intimamente ligado ao movimento sindical, influência política. Ele não conseguia conceber que um grupo dentro do movimento operário não buscasse isso de forma alguma e, em vez disso, se concentrasse em fazer o balanço teórico das experiências de luta passadas para relacioná-las com os desenvolvimentos atuais do capitalismo. Isso lhe parecia ainda mais incompreensível porque cada avaliação teórica desse grupo colocava em discussão a política socialista tradicional e, portanto, também as formas organizacionais a ela associadas.
Os Comunistas Internacionalistas não formaram apenas um grupo que atendia à necessidade de uma análise teórica do período revolucionário de 1917-1923; eles próprios também foram um produto desse período. Qualquer tentativa à la Sneevliet de retratar o Grupo como uma espécie de “círculo de estudos” ou de atribuir sua origem apenas a contradições dentro da social-democracia antes de 1914[3] ignora completamente a conexão entre sua atuação e a luta proletária após o fim da Primeira Guerra Mundial.
Na Alemanha (à qual vou me limitar, por comodidade, sem me ocupar minimamente das experiências russas, húngaras ou italianas) manifestaram‑se, em novembro de 1918, sentimentos antiparlamentares e antissindicais entre uma parcela considerável dos trabalhadores — sentimentos que, aliás, tinham origens anteriores. Os trabalhadores alemães haviam criado, com seus conselhos, um novo instrumento, em comparação ao qual as organizações tradicionais da classe operária se revelaram insuficientes e até mesmo inadequadas. No plano organizacional, isso levou, como se sabe, ao surgimento do Partido Comunista dos Trabalhadores da Alemanha (KAPD) e da União Geral dos Trabalhadores da Alemanha (AAU)[4]; no plano teórico, levou à tese expressa pela primeira vez por Otto Rühle: “a revolução não é assunto de partido”[5].
Não obstante, a prática do KAPD (e seu partido irmão holandês, o KAPN) ainda estava em total contradição com a lógica histórico-dialética de Rühle. Isso levou à sua saída. Pois, por mais que o partido enfatizasse suas diferenças em relação aos partidos tradicionais, como o SPD, USP, KPD[6] etc., sua estrutura organizacional ainda estava carregada com as tradições organizacionais do passado. Talvez fosse um “partido de um novo tipo”, mas ainda assim permanecia um partido. E era isso que queria ser. Sua história é, portanto, uma prova da importância da tese de Rühle. O KAPD queria apagar o passado, sem que — como a próxima revolução dos trabalhadores exigia — tivesse rompido fundamentalmente com ele. Por isso, foi esmagado entre duas pedras de moinho. Antes de desaparecer formalmente de cena, contradições internas já haviam levado à sua queda de fato[7].
O GIC, que surgiu de seus destroços, assumiu uma posição completamente diferente. Não foi o caso de o Grupo trocar a política socialista tradicional por estudo teórico e, assim, abrir mão da política tradicional. Não, eles se abstiveram disso desde o princípio. Eles superaram o KAPD e o KAPN porque não apenas acreditavam que a libertação da classe trabalhadora deveria ser obra dessa mesma classe, mas também estavam convencidos de que a classe trabalhadora não precisava de nenhuma vanguarda para isso — nem mesmo uma puramente teórica. Em vez disso, era necessário um novo movimento de trabalhadores que se distinguisse fundamentalmente do movimento trabalhista tradicional e se afastasse de suas formas políticas e hierarquia.
O GIC não podia reproduzir as contradições do KAP[8] e da AAU, nem se proclamar um novo movimento trabalhista, pois eles estavam bem cientes de que isso só poderia surgir ao longo de uma luta prolongada e pela experiência acumulada nela. A espirituosa zombaria de Sneevliet foi recebida pelo Grupo com tranquilidade, com a convicção de que ele — com seu partido e suas ideias sobre revolução — no final das contas partia de dogmas que nada tinham a ver com a luta de libertação da classe trabalhadora da Europa Ocidental.
Eu entrei em contato pela primeira vez com o GIC no início do verão de 1934. A crise que eclodiu em 1929 havia se espalhado pelo velho continente e continuava a se aprofundar. Os desempregados formavam filas nas repartições de auxílio‑desemprego[9]. Sua fé no capitalismo e na prosperidade se esvaía a cada dia, assim como suas possibilidades de subsistência. A consciência de estar fora do processo de trabalho dava a eles uma sensação esmagadora de impotência, que era ainda mais intensificada pelos acontecimentos na Europa Central. Em fevereiro de 1934, as armas de Dollfuss haviam esmagado a social-democracia austríaca. Exatamente um ano antes, a alemã havia sucumbido ingloriamente. A tomada de poder por Hitler estava um ano e meio atrás de nós. Do outro lado da fronteira leste da Holanda, o fascismo havia passado “como um terrível tanque sobre os crânios e colunas vertebrais” dos trabalhadores.
Eu conhecia o folheto de Trotski, que literalmente previa a catástrofe caso o KPD e seu mestre no Kremlin continuassem com sua política fatal e divisora dos trabalhadores[10]. Eu tinha, sem dúvida, vagas simpatias trotskistas naquela época. Em uma reunião aberta, entrei em uma discussão com um burocrata stalinista. Atrás de mim estavam, por acaso, um trabalhador metalúrgico e um trabalhador da indústria de laticínios. Mais tarde, eles me abordaram e se identificaram como adeptos do comunismo de conselhos. Posteriormente, descobri que um dos dois tinha contatos com o Grupo em questão.
Durante todo o verão e outono, eu ia quase todas as noites à sua residência. As discussões geralmente duravam até meia-noite e eram muito fundamentais. O que não era dito nessas noites, eu aprendia sozinho em casa a partir dos escritos do GIC que eram entregues a mim. Eu sentia como se tivesse sido transferido de uma creche política para uma espécie de ensino superior.
O GIC não dava nenhum valor a repetir cegamente o que os outros diziam, mas sim estimulava o pensamento independente. Não espalhava slogans, mas conhecimento sobre a visão marxista da sociedade. Isso não acontecia de forma alguma com um objetivo puramente científico e muito menos por mero acaso. As experiências da revolução bolchevique simplesmente forçaram o grupo a começar do zero com o estudo do marxismo. Tal estudo era considerado vital para a sobrevivência do movimento operário.
Dez anos antes, Gorter já havia caracterizado a Revolução Russa como uma revolução burguesa[11]. Essa caracterização foi continuamente testada e aprofundada pelo grupo. Justamente no momento em que me tornei membro do grupo, eles publicaram as “Teses sobre o bolchevismo”[12]. Logo seguiu-se uma tradução holandesa do já anteriormente publicado na Alemanha “Os Princípios Fundamentais da Produção e Distribuição comunista”[13], no qual a Revolução Russa — e a política econômica bolchevique em particular — foi novamente submetida a uma análise marxista fundamental.
Este trabalho teórico foi finalmente concluído e encerrado com uma consideração de princípios sobre as diferenças entre Rosa Luxemburgo e Lênin e com o “Lênin como Filósofo”[14], de J. Harper. O grupo já não escondia mais que o autor desse último trabalho não era ninguém menos que Anton Pannekoek[15]. Que as Teses eram de Alexander Schwab[16][17] — se não me engano — e o ensaio sobre Lenin e Luxemburgo, de Paul Mattick[18], descobri apenas muitos anos depois.
O escrito de Mattick não foi importante apenas porque expôs o contexto social dos princípios organizacionais leninistas, mas também porque abordou a diferença fundamental entre a revolução proletária e a burguesa. Quando Mattick destacou que Lênin “não conseguia imaginar uma revolução proletária sem uma consciência intelectual que transformasse a revolução em uma questão de intervenção consciente por ‘sábios’ ou pelos ‘revolucionários profissionais’ leninistas, rebaixando assim a revolução a uma revolução burguesa”, ele criticava ao mesmo tempo a “supervalorização do momento subjetivo e político” de Lênin, que, segundo ele, Lênin, “transformava a organização do socialismo em um ato político”[19].
Em oposição a essa interpretação da revolução proletária como um ato político, Mattick destacou seu caráter social. Ao contrário de Lênin, para quem a consciência política — que a classe trabalhadora não poderia desenvolver por si mesma — era uma condição para uma revolução puramente política, Mattick apontou que a revolução dos trabalhadores, segundo Marx, não necessita de tal consciência desenvolvida por uma vanguarda.
Dessa forma, Mattick apontou aos líderes políticos de todos os matizes que a revolução proletária era algo totalmente diferente da revolução burguesa do século XIX, com a qual eles ainda sonhavam. A questão de por que o GIC não seguia a política socialista tradicional e por que também não podia ser uma vanguarda no sentido tradicional foi respondida novamente de forma clara naquele texto.
Achei, naquela época, o alto nível teórico de tais exposições característico do GIC, que se distinguia claramente de todas as outras correntes do movimento operário tradicional. Ela também se destacava em outro aspecto, a saber, por suas opiniões sobre a crise. Em reuniões políticas da época e em todos os jornais e outras publicações de esquerda, a crise era naturalmente um fenômeno recorrente. Quer se tratasse de expressões de social-democratas, socialistas de esquerda, anarcossindicalistas, trotskistas ou stalinistas; a crise era interpretada — na esteira dos economistas burgueses — como uma consequência da superprodução ou (mais ou menos metafisicamente) considerada uma crise terminal do sistema, em que o desejo muitas vezes era pai do pensamento. Tanto uma visão quanto a outra levavam inevitavelmente ao total desprezo pela luta de classes proletária, fosse em sentido reformista ou fatalista.
Por outro lado, o GIC explicou a crise a partir das tendências inerentes à acumulação capitalista, uma explicação com a qual o grupo não apenas se opôs à “teoria da crise” reformista, mas também às ilusões às quais as massas se agarravam em sua impotência. Esse último, por exemplo, foi claramente o caso em seu escrito sobre as “Leis dinâmicas da vida econômica capitalista”[20], na qual também foi contestada com base em fatos econômicos a ilusão de que a crise resultava de superprodução.
Com tudo isso, não se pode dizer que o GIC tinha uma opinião unânime sobre a crise. Lembro-me vividamente de como, mesmo dentro do grupo, se discutia intensamente sobre crise e colapso e como essas discussões se refletiam em suas publicações. No centro estava o trabalho de Henryk Grossmann, “A lei da acumulação e do colapso do sistema capitalista”[21], que inicialmente gozava de grande prestígio dentro do grupo. Quando Pannekoek criticou o livro — tanto por escrito quanto em uma palestra — de forma muito incisiva, a avaliação dele se tornou mais diferenciada. Alguns consideraram o ataque de Pannekoek um erro, outros acharam-no muito pertinente. Outros ainda concordaram com a visão de Pannekoek em muitos aspectos, mas ainda assim consideraram a exposição de Grossmann “impressionante” e mantiveram que o trabalho era de “significado particularmente grande”. Henk Canne Meijer, que morreu em 1962 — e que, com razão, pode ser chamado de a alma do GIC[22] —, uma vez expressou isso para mim literalmente dessa maneira.
Em minha vida, encontrei pouquíssimas pessoas que, como ele, eram capazes de explicar os problemas mais difíceis de tal maneira que eles se tornassem realmente compreensíveis para todos. Canne Meijer era originalmente um metalúrgico, mas mais tarde tornou-se professor de escola primária. No grupo, ele se destacou por sua habilidade didática, da qual inúmeros camaradas colheram os frutos. De sua caneta fluíram, dentre outros, artigos esclarecedores que se baseavam na filosofia de Joseph Dietzgen e contribuíram significativamente para uma melhor compreensão do método marxista[23].
No entanto, seria incorreto concluir que o grupo se ocupava apenas de pesquisa teórica. O que o grupo adquiriu em termos teóricos foi aplicado na prática diariamente. Os acontecimentos diários exigiam isso continuamente. Na França, a partir de 1934, foi experimentada a política da Frente Popular, o que em 1936 levou ao poder o governo reformista de Léon Blum, que logo se mostrou hostil aos trabalhadores. Foram os anos da Guerra Civil Espanhola, das ocupações de fábricas na França, Bélgica e nas fábricas automotivas americanas; os anos dos processos de Moscou, das ambições de economia planejada de Roosevelt, das greves “selvagens”, do crescente declínio do movimento operário tradicional, do movimento Stakhanov, da conferência internacional sobre o padrão-ouro, da corrida armamentista rumo à Segunda Guerra Mundial.
Diante de todas essas questões, o GIC adotou reiteradamente a mesma posição fundamental de que a política de liderança dos partidos parlamentares e sindicatos deveria ser combatida e que, para a realização de uma sociedade comunista sem exploração ou trabalho assalariado — ou seja, uma associação de produtores livres e iguais — era necessário que os próprios trabalhadores assumissem o controle da produção e distribuição; que o slogan de luta não deveria ser nem Política de Frente Popular nem Economia Planejada, mas “Todo o poder aos Conselhos de Trabalhadores”. Assim estava também no cabeçalho de sua imprensa.
Nós não discutíamos apenas em salas de estar. Os “irmãos” também se aventuravam fora de seus “muros do mosteiro”: em reuniões abertas, em frente a prédios de jornais em postos de auxílio, onde os trabalhadores expressavam seu protesto contra a burocracia sindical ou discutiam se a União Soviética, apesar de todos os dados contraditórios, ainda era um Estado proletário. Lá, nossa afirmação de que o bolchevismo russo não tinha a ver com luta de classes proletária ou socialismo contribuía de modo essencial para o esclarecimento intelectual. Nossa contribuição, aliás, foi antes de tudo voltada para promover o pensamento e a ação independentes. Isso foi sistematicamente negligenciado pelos partidos e sindicatos. Guardei vários relatos de tais debates. Eles mostram inequivocamente o caráter principista dessa propaganda oral.
Pannekoek concluiu sua crítica a Grossmann com a afirmação de que o colapso do capitalismo significava a autolibertação do proletariado; que os próprios trabalhadores, como massa, deveriam travar a luta e, para isso, apropriar-se de novas formas de luta. As greves “selvagens” e os comitês que lideravam essas greves eram para o GIC essas novas formas de luta e organização. Elas surgiam na época em meio a quase todos os conflitos proletários e tinham sua própria história. Inicialmente, eram muito primitivas, mas à medida que o número de greves “selvagens” aumentava, elas necessariamente se destacavam cada vez mais como meios por meio das quais os trabalhadores podiam se defender contra a redução salarial ou a deterioração do ambiente de trabalho — como eles desejavam, mas exigiam em vão de seus “líderes”. Mesmo quando essas ações reiteradamente não tinham sucesso, ainda assim elas representavam uma forma de criação de poder que os sindicatos eram incapazes de alcançar. Quanto mais surgiam, melhor se organizavam e mais implacáveis se tornavam. E quanto mais essa forma de organização se mostrava uma garantia para uma “democracia proletária de baixo para cima”, mais as semelhanças com os conselhos do tempo da revolução penetravam nas massas.
O GIC acompanhou esse desenvolvimento minuciosamente, questionando repetidas vezes seu significado e associando essa ação dos trabalhadores o mais estreitamente possível com a ascensão inevitável de uma nova forma organizacional da classe proletária. Henk Canne Meijer dedicou seu ensaio dos anos trinta, “O surgimento de uma nova classe trabalhadora”[24], a esse tema. Esse escrito se destacou porque o autor não explicou a impotência do movimento operário por sua confusão, mas, ao contrário, atribuiu sua confusão à sua impotência. A linha principal de seu argumento – a saber, que o movimento operário do futuro se distinguiria do atual pela autoatividade de todos os membros da classe proletária – reapareceu em várias análises de greves e comentários sobre a luta diária.
As atividades do GIC abrangiam muitos campos. O grupo organizava cursos, principalmente nas manhãs de domingo. Além de seu serviço de imprensa mensal e seus inúmeros folhetos, também distribuía semanalmente em uma repartição de auxílio-desemprego de Amsterdã um pequeno jornal popular mimeografado e escrito do início ao fim na linguagem dos trabalhadores, chamado “Vozes Proletárias”, Proletenstemmen. O Proletenstemmen foi publicado ininterruptamente por mais de dois anos, com uma tiragem sempre crescente. Foi composto por um pequeno núcleo e despertou — não sem razão — a terrível ira dos stalinistas e reformistas, porque o jornal, com lógica simples e um sarcasmo brilhante, expunha as consequências devastadoras e o caráter antiproletário de sua política.
Os artigos eram principalmente escritos por um camarada de Amsterdã muito espirituoso e talentoso, que, como um panfletário nato, encontrava sem esforço e com precisão as expressões e exemplos que mais convenciam e permaneciam na memória.
O camarada de quem se fala aqui estava — obviamente, pode-se dizer — desempregado naquela época. Ele dedicava toda a sua energia e tempo ao Proletenstemmen. No mesmo posto de auxílio onde o folheto era distribuído na sexta-feira, ele próprio estava presente também em grande parte dos outros dias. Ele captava as discussões e assim obtinha informações de primeira mão, que tinham relação direta com a vida dos trabalhadores. Ele não deixava de fazer bom uso dessas informações ao escrever. A grande influência do jornal certamente se devia em grande parte a isso. O jornal contribuiu muito para a disseminação dos pontos de vista do GIC em um círculo mais amplo. Na minha opinião, isso se aplicava especialmente à série de artigos publicada no Proletenstemmen, “Os comitês de luta das greves selvagens”. Tratava-se realmente de uma transferência de experiências de luta, exatamente como o GIC tinha em vista.
Os esforços do camarada do Proletenstemmen foram, na verdade, uma resposta, embora não intencional, a uma questão que havia sido levantada no grupo alguns anos antes. No verão de 1935, camaradas em Haia, Leiden e Groningen acusaram o grupo de Amsterdã de não ter um programa prático adequado. Em uma “resolução”, eles afirmaram que o GIC apenas havia fornecido informações até então. Sua função no processo de desenvolvimento revolucionário tinha sido destilar teoricamente, a partir das experiências de revoluções anteriores, as condições para futuras revoluções. Na época em que o GIC estava principalmente envolvido nessa reorientação teórica, a organização ainda estava equilibrada. A forma organizacional era adequada para o trabalho teórico. Mas, como a resolução continuava, em vez de estudar os desenvolvimentos sociais, agora “a prática” se tornava importante. Isso resultou em uma situação de conflito, pois o grupo não estava organizacionalmente preparado para isso. O grupo tentava desenvolver fórmulas teóricas para o movimento operário (referindo-se, é claro, ao escrito de Canne Meijers), mas não compreendia suficientemente que a classe trabalhadora precisava dar seus passos na prática de forma completamente independente dos grupos de estudo.
Os autores da “resolução” concluíram, a partir de suas constatações, que o GIC estava, de fato, “morto”. Isso levou os Grupos de Haia, Leiden e Groningen a romperem com o grupo de Amsterdã[25]. Embora compartilhassem suas opiniões teóricas, como informaram, não podiam concordar com seus métodos práticos.
Isso mal teve consequências notáveis. As relações pessoais ficaram um pouco mais esparsas, mas permaneceram intactas. Assim como antes, os camaradas em Haia e Leiden vendiam as publicações do grupo de Amsterdã. Os amsterdameses deram de ombros e continuaram com seu trabalho. Não muito tempo depois, a publicação do Proletenstemmen anulou a crítica da resolução. Os camaradas de Haia fizeram o possível para imitá-la. No entanto, o que eles lançaram não podia ser comparado a Proletenstemmen. Faltava-lhes não apenas pessoas, mas também capacidade e conhecimento para isso.
Naquela época, eu estava entre aqueles responsáveis pela resolução. Quarenta anos depois, é difícil lembrar os antecedentes. Tenho uma vaga lembrança de conflitos pessoais, dos quais o GIC, naturalmente, não estava mais livre do que qualquer outro grupo. Na resolução, também há indícios disso.
Hoje releio isso com sentimentos muito mistos. O que realmente queríamos dizer quando exigimos que o GIC se preparasse para o “trabalho prático”, que até então o grupo “apenas havia formulado”, como afirmávamos? Temo — e com razão — que ainda não estava suficientemente claro para nós que o GIC, embora se diferenciasse fundamentalmente do antigo movimento operário, ao mesmo tempo não era nem poderia ser o novo movimento operário, já que seu surgimento só poderia ser entendido como um processo de longa duração.
Se era verdade que as experiências revolucionárias haviam provado que a libertação da classe trabalhadora só poderia ser obra da própria classe trabalhadora, então isso não deveria ser entendido apenas como o fato de que o socialismo não poderia ser realizado por um partido ou sindicato, mas também que essa libertação tampouco poderia ser obra do GIC. A acusação de falta de “trabalho prático” era, nesse sentido, tão injusta quanto a acusação de que o grupo se retirava para trás de “muros de convento”. Isso não acontecia. Eles estavam com os dois pés no mundo real.
O que talvez pudesse ser criticado era que eles viam a crescente autoconsciência dos trabalhadores mais como uma condição para a futura luta de classes do que como um efeito colateral dela. Essa era uma consideração à qual na época se dava pouca atenção, tanto dentro quanto fora do grupo de Amsterdã — até onde eu sei.
Seja como for, o GIC se absteve do “trabalho prático”; ele inevitavelmente teria resultado ao Grupo a imposição a si mesmo de exigências que um grupo não poderia cumprir. Se tivesse feito isso, toda a sua realização teórica teria sido completamente anulada. Sua atividade externa não foi de forma alguma limitada, como seus críticos afirmavam. Pelo contrário! No entanto, isso não tinha nada a ver com voluntarismo. Se o grupo realmente atuava dentro de certos limites, era apenas porque esses limites eram, naquele momento, simplesmente intransponíveis.
É preciso lembrar disso em um tempo em que tais limites ainda existem, embora muitos grupos tenham menos consciência deles do que o GIC tinha na época. A meu ver, é precisamente nisso que consiste seu significado para o movimento operário de amanhã.
Amersfoort, março de 1971
[1] Nota da Redação: Este texto foi originalmente publicado sob o título “Die ‘Gruppe Internationale Kommunisten’ in Holland. Persönliche Erinnerungen aus den Jahren 1934-1939” na segunda parte do Jahrbuch Arbeiterbewegung alemão (Fischer Taschenbuch Verlag: Frankfurt am Main, 1974). Em uma “Observação Preliminar da Redação”, é explicitamente apontado que as memórias cobrem apenas o período de 1934-1939, já que Brendel não era membro do grupo antes desse tempo. Em suas memórias, Brendel parte de um conhecimento prévio considerável sobre, entre outras coisas, a história do movimento operário alemão no final da Primeira Guerra Mundial. A redação, portanto, adicionou algumas notas explicativas ao texto. A menos que indicado de outra forma, as notas são do próprio Brendel.
[2] Henk Sneevliet (1883-1942) foi membro do Partido dos Trabalhadores Social-Democratas desde 1900. Ele era líder sindical e escritor. Em 1912, juntou-se ao SDP, mais à esquerda, fundado três anos antes. Em seguida, participou da luta anticolonial na Indonésia e foi um dos fundadores da Associação Social-Democrata das Índias. A partir de 1919, tornou-se bolchevique. Sob o nome de Maring, atuou como representante do Komintern na China e foi cofundador do partido comunista chinês. A partir de 1927, passou para o lado da oposição russa. Depois, fundou na Holanda o pequeno Partido Socialista Revolucionário, que se fundiu em 1935 com o Partido Socialista Independente, uma dissidência de esquerda da social-democracia. Por volta de 1937, surgiram divergências entre ele e Trotski, que depois não quis mais reconhecê-lo como representante do trotskismo na Holanda. Em 13 de abril de 1942, ele foi fuzilado por um comando dos ocupantes alemães devido à atividade revolucionária-socialista ilegal.
[3] Ver, como referência, Gottfried Mergner (ed.), Gruppe Internationale Kommunisten Hollands (Rohwolt: Reinbek, 1971), p. 8.
[4] Nota da Redação: O Partido Comunista dos Trabalhadores da Alemanha, Kommunistische Arbeiterpartei Deutschlands (KAPD) foi fundado em 1920 como uma cisão do Partido Comunista da Alemanha (KPD). No momento em que o KPD decidiu participar de eleições e se tornar ativo em sindicatos social-democratas, uma ruptura tornou-se inevitável. O KAPD era antiparlamentar e se via principalmente como uma organização de propaganda, em contraste com os social-democratas e comunistas que viam seu partido como organizações de vanguarda. Os membros da KAPD fundaram sua própria central sindical, a União Geral dos Trabalhadores da Alemanha, Allgemeine Arbeiterunion Deutschlands (AAUD). O Partido Comunista dos Trabalhadores dos Países Baixos, Kommunistische Arbeiderspartij Nederland (KAPN) era o partido irmão do KAPD. Para a história do KAPD e AAU(D), ver Marcel van der Linden, “On Council Communism” em Historical Materialism. Research in Critical Marxist Theory ano 12 (2004) nº 4, p. 27-50 e Hans Manfred Bock, Syndikalismus und Linkskommunismus von 1918 bis 1923. Ein Beitrag zur Sozial- und Ideengeschichte der frühen Weimarer Republik (Wissenschaftliche Buchgesellschaft: Darmstadt, 1993).
[5] Otto Rühle, Die Revolution ist keine Parteisache! (Die Aktion: Berlin-Wilmersdorf, 1920). Publicado como artigo em Die Aktion 17-18/1920 sob o título ‘Eine neue kommunistische Partei?’. Republicado em Fritz Kool (ed.), Die Linke gegen die Parteiherrschaft. Dokumente der Weltrevolution Bd. 3 (Walter-Verlag: Olten und Breisgrau, 1970).
Nota da Redação: Otto Rühle (1874-1943) foi um dos líderes do comunismo de conselhos alemão. Em seu panfleto – disponível em inglês no marxists.org – ele se opôs à ideia de que o KAPD era a principal organização dos comunistas de conselhos. O KAPD deveria ser dissolvido e a AAU deveria tomar seu lugar. Para Otto Rühle, veja Henry Jacoby e Ingrid Herbst, Otto Rühle zur Einführung (Junius Verlag: Hamburgo, 1985)
[6] Nota do Tradutor: Tratam-se do Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD), Partido Social-Democrata Independente da Alemanha (USP) e do já mencionado Partido Comunista da Alemanha (KPD).
[7] Nota da Redação: Brendel refere-se aqui à contínua luta de facções que acompanhou o declínio do KAPD. Após alguns anos, seu número de membros encolheu de algumas dezenas de milhares para algumas centenas.
[8] Nota do Tradutor: no original “De GIC kon de tegenstellingen van de KAP en de AAU niet reproduceren”. O autor provavelmente se esqueceu de inserir o “D” no KAP, formando KAPD, pois a discussão refere-se às antigas contradições, manifestadas nas duas principais organizações políticas antiparlamentares e antissindicalistas na Alemanha até então: o KAPD e a AAU.
[9] Nota do Tradutor: o trecho faz alusão à prática do “stempelen” e aos “stemplokalen”, postos aonde trabalhadores desempregados tinham que ir para receber um carimbo de qualificação para o auxílio‑desemprego.
[10] Leo Trotzki, Soll der Faschismus wirklich siegen? Wie wird der Nationalsozialismus zerschlagen? (Berlin-Neukölln, 1932). Nota da Redação: Publicado em holandês sob o título Zal het fascisme werkelijk overwinnen? Duitschland, de sleutel tot den internationalen toestand (Prometheus: Amsterdam, 1931).
[11] Nota da Redação: Herman Gorter (1864-1927) foi um poeta e socialista com muita influência sobre os comunistas de conselhos alemães. Brendel refere-se aqui à sua “Carta Aberta ao Camarada Lenin” (Bos: Amsterdã, 1921); reeditada por De Vlam: Amsterdã, 1978. Em alemão, este panfleto foi publicado sob o título Offener Brief an den Genossen Lenin. Eine Antwort auf Lenins Broschüre ‘Der Radikalismus, Eine Kinderkrankheit des Kommunismus’ (Verlag der Kommunistischen Arbeiter Partij: Berlim, 1921). Para Gorter, veja Herman de Liagre Böhl, Met al mijn bloed heb ik voor u geleefd. Herman Gorter 1864-1927 (Balans: Amsterdã, 1996)].
[12] Republicado na Kollektiv-Verlag: Berlim, 1975.
[13] Republicado na Rüdiger Blankertz Verlag: Berlim, 1970.
Nota da Redação: em holandês foi publicado com o título “Het radencommunisme. Grondbeginselen van communistische productie en distributie” (Boucher: Haia, 1969).
[14] Republicado na Europäische Verlagsanstalt: Frankfurt am Main, 1969.
Nota da Redação: Em holandês, publicado sob o título “Lenin als Filosoof. Een kritische beschouwing over de filosofische grondslagen van het leninisme” (De Vlam/Van Gennep: Amsterdã, 1973).
[15] Nota da Redação: Anton Pannekoek (1873-1960) foi um socialista e astrônomo holandês. Antes da Primeira Guerra Mundial, ele foi ativo por um tempo em Bremen e, após a guerra, teve grande influência sobre os socialistas radicais de lá. Para dados biográficos e bibliográficos sobre Anton Pannekoek, veja John Gerber, “Anton Pannekoek and the Socialism of Workers Self-Emancipation, 1873-1960” (Kluwer Academic Publishers: Dordrecht, 1989).
[16] Nota da Redação: Alexander Schwab (1887-1943) foi um comunista alemão que se manteve ativo durante a Primeira Guerra Mundial. Ele foi um dos cofundadores do KAPD, em que ocupou cargos de liderança por um tempo. Nos anos vinte, ele esteve inativo politicamente por algum tempo. Após a ascensão de Hitler ao poder, Schwab participou da resistência alemã. Em 1936, ele foi preso. Ele morreu sete anos depois, em cativeiro.
[17] Nota do Tradutor: o autor e a nota da redação designam a autoria do ensaio “Teses sobre o Bolchevismo” de modo equivocado. O autor desse ensaio foi Helmut Wagner. Cf. O Mito Fatal da Revolução Burguesa na Rússia, de Fredo Corvo.
[18] Nota da Redação: Paul Mattick é apresentado mais adiante no texto. Para mais bibliografia, veja Mergner, “Gruppe Internationale Kommunisten”, p. 209-211
[19] Paul Mattick, “Die Gegensätze zwischen Luxemburg und Lenin” em “Partei und Revolution” (Karin Kramer Verlag: Berlim 1970), 152-153.
Nota da Redação: Em holandês publicado sob o título “De tegenstellingen tusschen Luxemburg en Lenin” (Groepen van Internationale Communisten: Amsterdã, 1935).
[20] GIC, Bewegungsgesetze des kapitalistischen Wirtschaftslebens (Amsterdã, 1932).
[21] Henryk Grossmann, “Das Akkumulations- und Zusammenbruchsgesetz des kapitalischen Systems” (Hirschfeld: Leipzig, 1929). Republicado na Verlag Neue Kritik: Frankfurt am Main, 1967. Para as reações dentro do GIC, veja: Karl Korsch, Paul Mattick, Anton Pannekoek, “Zusammenbruchstheorie des Kapitalismus oder revolutionäres Subjekt” (Karin Kramer Verlag: Berlim, 1973).
[22] Como o antigo membro do GIC, Dr. Ben Seijes, fez em um esboço biográfico em Mergner, “Gruppe Internationale Kommunisten”, p. 209.
[23] Nota da Redação: Joseph Dietzgen (1828-1888) foi um filósofo operário e contemporâneo de Marx que queria desenvolver uma “teoria do conhecimento materialista”. Seu livro mais importante foi “A essência do trabalho intelectual humano”, “Het wezen van de menselijke hoofdarbeid” (Fortuijn: Amsterdã, 1903). Teve grande influência sobre Herman Gorter e Anton Pannekoek e, portanto, sobre o GIC, que republicou o livro em 1935. Para Dietzgen, veja Jasper Schaaf, “De dialectisch-materialistische filosofie van Joseph Dietzgen” (Kok Agora: Kampen 1993).
[24] Republicado em “Partei und Revolution”.
[25] Apenas um camarada de Leiden votou contra a resolução na época.
Traduzido por Vinícius Posansky.
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