Os trabalhadores, o parlamento e o comunismo – Anton Pannekoek

Os trabalhadores, o parlamento e o comunismo* [1]

Crise e pobreza

A sociedade está entrando em uma crise. O comércio e a indústria estão encolhendo constantemente, empresas estão abandonadas. Predomina o desemprego em um grau até então inimaginável. Milhões de trabalhadores ao redor do mundo não tem serviço, e isso já há anos, e estão tentando sobreviver com um seguro-desemprego demasiadamente limitado. A nova geração, que ainda está crescendo, não tem chance. Os Estados se isolam um do outro por detrás de tarifas protecionistas elevadas e destroem a circulação internacional. Os camponeses não encontram compradores para seus produtos. Em todos os lugares predomina a sensação de que algo está errado em nossa sociedade capitalista. Condições que outrora eram consideradas insuportáveis: a grande exploração, a perseguição perpétua, a constante e iminente insegurança, a perspectiva desoladora de permanecer para sempre proletário – agora isso parece quase uma condição ideal que se deseja de volta. Mas é bem improvável que estas condições retornem. Ainda que a crise passasse e a antiga azáfama retornasse – o que ninguém pode prever –, ainda assim tudo teria mudado. É bem provável que ocorra uma retomada nos jovens Estados da América e da Ásia e que a indústria recue por um tempo na Europa[2]. Ruína, pobreza mais profunda e a maior miséria parecem ser o futuro dos trabalhadores.

E por quê? A sociedade é mais rica do que nunca antes, mais rica por meio de sua capacidade de criar riquezas. A ciência e a técnica aplicadas permitem que a agricultura e a indústria produzam abundância para todos. Há 50 anos já foi calculado que, com base nas técnicas de então, uma jornada de trabalho de 5 horas diárias bastava para assegurar uma existência no nível das camadas médias superiores. E há pouco, um escritório de engenharia sob gestão do americano Scott calculou que com uma jornada de trabalho de 2 horas diárias a humanidade seria capaz de gerar uma renda mais do que suficiente para todos.

Se este é o caso, por que existe então a contradição entre a factual e a sempre ameaçadora e iminente pobreza e o potencial de abundância? A resposta: porque há um conflito entre a estrutura do trabalho e a forma de propriedade. As formas de propriedade não mais correspondem às formas do trabalho.

O conflito entre trabalho e propriedade

Antes, na época das pequenas empresas, o homem que trabalhava possuía o poder discricionário sobre as ferramentas que utilizava e, naturalmente, também sobre o produto que fabricava. O artesão era proprietário de seus equipamentos e vendia seu produto; o camponês era proprietário da terra e do gado e vendia o que ele próprio não consumia. A propriedade privada pertencia à pequena empresa.

O proprietário contratava serventes e artífices como ajudantes; ferramentas e produto, porém, permaneciam sua propriedade. Grandes máquinas tomam o lugar das ferramentas; o capitalista as adquiriu, contratou os trabalhadores a seu serviço e pagou como salário o mínimo fundamental. Ele ainda era proprietário das ferramentas e do produto; obtinha seu lucro a partir do mais-valor do produto que os trabalhadores, aos quais pagara, haviam criado e aumentava assim seu capital. Este crescimento das atividades dos trabalhadores aumentou enormemente na era da grande indústria, ao passo que os trabalhadores não recebiam mais do que aquilo que era necessário para sua subsistência, e às vezes nem isso.

As condições atuais parecem ser essas: a maior parte do produto é feita em fábricas por meio de organizações de técnicos, engenheiros e trabalhadores em cooperação que operam em conjunto todo o maquinário. (As próprias máquinas são produto de outros grupos de trabalhadores.) No entanto, o resultado final de seu trabalho, o produto, não é sua propriedade; obtêm da feitura apenas seu salário, o resto é dos capitalistas. Capitalistas são os acionários que em conjunto regulam a administração da fábrica, mas permanecem eles mesmos fora do processo de produção. Moram em outro lugar em suas mansões e não desempenham função alguma na produção, exceto pelo fato de embolsarem a maior parte da receita. São os parasitas da sociedade. Isso não é bizarro e absurdo? No entanto, é este o papel da propriedade privada desde que se tornou propriedade capitalista.

Mas fica ainda pior: estes acionistas são os donos, os senhores da fábrica, de sua propriedade. Logo, só permitem que trabalhem quando é possível lucrar com isto; não estão preocupados se as pessoas precisam dos produtos se elas não podem pagar o suficiente por eles. Quando não é possível lucrar, fecham tudo, como está acontecendo agora na crise econômica mundial. De um lado ficam as máquinas desativadas e inutilizadas, do outro ficam os trabalhadores, ávidos por colocá-las em movimento. Elas devem ser capazes de criar abundância para todos. Porém, os proprietários dos meios de produção não querem e impedem isso. Por esse motivo há privações e pobreza, a despeito das condições para riqueza: meios de produção excelentes e milhões de mãos dispostas estão a postos. Isso é absurdo? Este é o efeito do direito de propriedade herdado da era das pequenas empresas.

O conflito então consiste nisso: o trabalho se tornou comunitário, o direito de propriedade permaneceu individual. Daí surgiram a exploração e a crise como consequências inevitáveis.

Como resolver este conflito? Não é possível reverter o trabalho a sua forma anterior, despedaçar as máquinas e reconstruir as pequenas empresas. É por isso que o direito de propriedade deve ser posto em conformidade com o trabalho.

As ferramentas, as grandes máquinas e as fábricas atuais são operadas por meio da comunidade dos trabalhadores. Se esse é o caso, então a comunidade de trabalhadores também deve ter o poder de decisão sobre as ferramentas e os produtos. O caráter do trabalho é alterado, de um individual, como antes, para, hoje, um caráter coletivo e comum. Não são os parasitas externos, mas eles mesmos, os que realizam o trabalho, que devem poder decidir sobre o trabalho. Esta é a forma do comunismo que há de tomar o lugar do capitalismo.

A luta de classes

Como é possível fomentar esse desenvolvimento?

A sociedade não se modifica sozinha; os seres humanos é que devem fazê-lo.

Os capitalistas não têm motivo para desejar uma mudança e obviamente se opõem com toda força à reivindicação de renunciar a sua propriedade sobre os meios de produção. No entanto, os pequenos membros das camadas médias também são contra uma mudança, pois estão contando que podem aumentar seu patrimônio por meio de seus negócios. Ainda que elas próprias estejam postas sob enorme pressão pelo grande capital, se agarram, não obstante, a seu patrimônio, que as distingue dos proletários sem posses. Também para a maioria dos camponeses, o fato de serem donos de sua fazenda, por mais que esteja afundada em hipotecas, lhes dá a esperança de que ascenderão por meio do trabalho duro. Creem que o comunismo está de olho em suas pequenas posses sem imaginar como o capitalismo lidará com sua propriedade.

Somente a classe trabalhadora tem interesse imediato no comunismo. Só pode pôr um fim a sua pobreza e sua insegurança apenas por meio dele. Os trabalhadores podem alcançar este objetivo por meio da luta, por meio da luta da classe trabalhadora contra as classes possuidoras.

Os trabalhadores constituem a maioria e uma maioria seguramente sempre crescente nos países de grande indústria da Europa Ocidental e da América. Isto por si só lhes dá a segurança de que podem vencer esta luta. Além disso, são a classe mais indispensável; sem seu trabalho, a sociedade não pode existir por nenhum momento. Têm todo o aparato produtivo em mãos, não no sentido jurídico, mas factual. Se toda a classe trabalhadora utiliza seu poder unanimemente, o direito de classe dos capitalistas que se baseia apenas em documentos não tem poder algum contra ela. Os capitalistas dispõem de todo o poder que a posse de dinheiro lhes confere. Com isso, pagam todas as mentes brilhantes com as quais controlam, organizam e defendem sua sociedade. Compram, se necessário, tropas armadas a fim de oprimir os trabalhadores com a violência das armas. Buscam, por meio da imprensa, da escola, da Igreja, do rádio, do cinema, por meio de todos os meios e poderes espirituais[3], manter os trabalhadores dependentes. Além disso, seu poder mais distinto é a dominação política, seu poder sobre o Estado. O poder estatal é uma organização de funcionários públicos solidamente construída que governa o povo a partir de um único ponto, apoiado, caso necessário, por meio de tropas armadas, da polícia e do exército. Cada tentativa da classe trabalhadora de se defender das condições constituídas da exploração e da carência será reprimida energicamente pelo poder estatal. O Estado é como a sólida muralha de uma fortaleza que o capital erigiu ao redor de si. Se a classe trabalhadora quiser vencer a luta de classes e derrubar os capitalistas, então o poder estatal deve ser derrubado, ela deve conquistar o poder político.

O objetivo da classe trabalhadora é modificar o direito de propriedade, desatar os meios de produção da propriedade privada e torná-los propriedade social. O direito de propriedade deve ser regido por leis, e os códigos legais, assim como todas as leis, são determinados pelos órgãos políticos do Estado. Quem controla o Estado também determina o Direito e as leis. Por isso a classe trabalhadora deve se alçar à senhora do poder político. Conquistar o poder político é uma condição necessária para a mudança da propriedade com a qual se garantirá ao povo trabalhador liberdade e abundância.

Como os trabalhadores podem conquistar a dominação política?

Isso nos leva às eleições.

O parlamentarismo como meio de libertação

Os social-democratas compreendem o parlamentarismo, isto é, as eleições, como meio para os trabalhadores conquistarem a dominação.

Afinal, quem é o governo que exerce o poder político e aprova as leis? Em primeiro lugar, o parlamento, ambas as câmaras, consiste de representantes populares eleitos. Nos países da Europa Ocidental, primeiro na Inglaterra, depois na França por meio da Revolução Francesa, por fim nos outros países, a classe proprietária se assegurou o poder ao mesmo tempo em que tornou o parlamento eleito o real poder governamental.

O governo nomeado, os ministros, que estão à frente do Estado, da burocracia e do exército e que têm em mãos todo o instrumento de poder, não podem governar se o parlamento não quiser. Por isso dependem da maioria parlamentar. Desde então, os trabalhadores conquistaram, após uma longa luta, o sufrágio universal; a maioria do povo elege também a maioria do parlamento. Isso é democracia. Portanto, sempre que os trabalhadores são a maioria da população em um país, eles também podem eleger a maioria do parlamento se votarem bem e corretamente e não se deixarem enganar pelas belas promessas de seus inimigos. Para este fim, eles constituem um partido político próprio, um partido operário. Caso dê certo, são, então, senhores do governo e, deste modo, do Estado. Podem retificar o Direito e a lei segundo sua perspectiva e seus interesses. Deste modo, a classe trabalhadora, se utilizar apenas seu intelecto, pode se libertar por meio do voto.

O novo governo, que consiste de representantes dos trabalhadores, portanto, tem a tarefa de expropriar os empreendimentos capitalistas e transformá-los em empresas estatais (ou localmente em empreendimentos comunitários), a começar pelos grandes monopólios e bancos e continuando com as pequenas empresas. Nessas empresas não se produzirá mais em função do lucro, mas sim segundo a necessidade. Os órgãos estatais asseguram o controle central desta produção; os trabalhadores estão a serviço deste órgão da comunidade; sua subsistência é assegurada, crises e desemprego desaparecem. Em virtude de nenhum lucro ter de ser entregue aos capitalistas, os trabalhadores desfrutam de todo o rendimento, embora após a dedução dos custos administrativos e dos serviços públicos como educação, saúde, transporte e coisas do tipo. Uma vez que os melhores métodos de trabalho sempre são e se põe um fim à confusão improdutiva, com a qual tanto trabalho é desperdiçado atualmente, será possível, com uma breve jornada de trabalho, produzir abundância para todos.

Os líderes operários como libertadores

Fundamentalmente, isto também é bem simples. Os trabalhadores como maioria devem apenas depositar seus votos da maneira correta e o capitalismo será derrotado.

A cada quatro anos o trabalhador preenche uma cédula de votação. Não precisa fazer mais nada; seus representantes fazem o resto. Ele próprio não luta continuamente por seu direito; transfere sua luta a um terceiro, o qual deverá lutar por ele. O parlamentarismo é uma luta entre outros, os líderes. Quanto a estes outros, os deputados, o que importa agora é sua aptidão para a querela parlamentar; por isso são os líderes que realmente realizam o trabalho que sabem mais e por isso obviamente têm mais a dizer.

Estamos falando aqui da democracia, pois o sufrágio universal existe. Porém, esta democracia parlamentar não é um governo do próprio povo, mas por meio dos parlamentares. O povo é senhor apenas no dia das eleições; mas ai dele se não votar bem! Não pode mais dar palpites por 4 anos e os parlamentares podem fazer o que bem entenderem por 4 anos. Naturalmente, os senhores pensam que após 4 anos haverá um “dia do ajuste de contas”, mas se fiam nas feiras de propaganda[4], nas grandes palavras, nos formidáveis princípios e nos engenhosos discursos necessários para influenciar os eleitores que somente em casos realmente extremos haverá um ajuste de contas de fato. Mas então Piet será substituído por Klaas, que não é muito diferente de Piet[5]. Ademais: os eleitores em um bairro escolhem eles próprios o homem que vai a Haia como seu representante? Não há dúvidas: os diversos partidos políticos, grandes e pequenos, definem os candidatos dentre os quais os eleitores podem se decidir. Somente com grande esforço grupos de eleitores conseguem, às vezes, propor um candidato e elegê-lo; porém, no parlamento essa pessoa fica só e não tem influência nenhuma. No parlamento, os grandes partidos políticos jogam pelo poder.

A democracia parlamentar é uma farsa.

O parlamentarismo não é um instrumento dos trabalhadores para libertarem a si próprios; é um instrumento para se deixarem ser libertados. Por meio de outros, que dizem: nos eleja lhes daremos o socialismo. Por meio dos parlamentares, por meio dos líderes operários, por meio do partido socialista. Os trabalhadores votam, ou melhor, dão a missão aos líderes socialistas: nos libertem, implementem o socialismo e aniquilem o capitalismo. A maioria socialista no parlamento se põe a trabalhar, manda os até então ministros embora, nomeia novos, socialistas, promulga leis que são utilizadas para a socialização e reprime, entretanto, com apoio do Estado, toda oposição. Disso resulta o mais cansativo, a organização e o controle da produção social. É óbvio que social-democratas, que veem a luta dos trabalhadores sobretudo como uma luta de líderes, também não conseguem imaginar uma sociedade socialista senão como uma dirigida por líderes competentes. É necessária uma grande organização administrativa para assumir o comando da produção. Acima de tudo, se as coisas correrão bem dependerá de suas capacidades. Eles organizam e os trabalhadores obedecem e trabalham.

Os trabalhadores, portanto, não desempenham um papel nem na Revolução nem na construção do socialismo. Eles podem votar nos líderes que apoiam, aplaudir e fazer o que estes mandam. Os líderes fazem o trabalho essencial; por isso também devem – de forma democrática – deter o poder real. Os trabalhadores escolheram para si novos senhores em lugar dos antigos, bons senhores no lugar dos maus. Esses darão a nós o socialismo, a liberdade e a abundância.

É por isso que tudo é muito fácil. Tão fácil que você se pergunta se não é fácil demais para ser verdade.

E isso deve acontecer com muito pouco esforço! Em épocas anteriores os cidadãos tinham que lutar por isso com todas suas forças, arriscar a vida, encenar violentas revoluções a fim de conquistar o poder. Os trabalhadores, no entanto, precisam usar seu entendimento e fazer um X no lugar correto. Não precisam fazer mais nada por sua libertação. E isso quando encaram uma classe dominante mais poderosa em dinheiro e posses, em conhecimento e energia, em instrumentos de poder materiais e espirituais do que qualquer outra classe antes!

Alguém acredita que uma classe tão poderosa se permitiria ser expropriada com toda calma assim que os trabalhadores elegessem uma maioria socialista no parlamento? Todo trabalhador, mesmo que não faça ideia do que faz, sabe e compreende que a conquista do poder na sociedade só pode ser o resultado de uma longa e persistente luta, uma enorme exaustão de todas as forças e de duros sacrifícios, de que sua libertação é possível somente por meio da luta, da exaustão de forças e do autossacrifício.

É por isso que a libertação por meio do parlamento e das cédulas eleitorais é uma ilusão.

Mal se fala dos trabalhadores na conquista do poder parlamentar. Evidentemente, a burguesia também não está presente e não desempenha papel algum. São mencionados apenas os partidos políticos, os membros do parlamento e ministros. Essa concepção ingênua de uma revolução econômica que é mais avançada do que tudo que o mundo já viu pode surgir somente de pessoas cujo horizonte político é limitado. Porém, por detrás de toda essa afetação parlamentar e política estão as classes, está a burguesia e está a classe trabalhadora. E a luta destas duas classes determina o desenvolvimento social total.

A burguesia ainda está lá

Naturalmente, a classe possuidora garantiu desde o início que o parlamento não teria muito poder de decisão. A dominação da maioria parlamentar é mera aparência. Também há outras forças políticas além do parlamento. Uma maioria parlamentar pode obrigar um gabinete a renunciar. No entanto, não pode nomear um novo ministro. Isto é tarefa de um rei ou de um presidente. Reis e presidentes estão cercados por pessoas influentes, senhores aristocráticos, altos oficiais, políticos velhos e ilustres, capitalistas ricos; os novos ministros são nomeados a partir deste círculo e deste séquito. Eles representam um poder que atua por detrás das cenas e que é apoiado pela parcela mais rica e mais poderosa da burguesia.

Suponhamos que em caso de um conflito este círculo tenha de remover um “verdadeiro” democrata do parlamento: então as mãos do homem estarão atadas como ministro. Toda a turma dos burocratas superiores e inferiores que governam o povo e executam as leis, dentro e fora dos ministérios, permanece a mesma; alguns deles podem até mesmo não terem sido substituídos por causa das leis, como, por exemplo, os magistrados. Essa gente não altera seu rumo de repente apenas porque os ministros mudaram. Aliás, elas mesmas pertencem à burguesia e se sentem como parte da classe possuidora. Mesmo aquelas nos escalões inferiores, como guardas campestres ou funcionários de escritório, sentem-se como parte das autoridades, escolhidos para governar o povo. Alguém consegue acreditar que esse corpo de funcionários públicos se deixaria transformar de um dia para o outro em ferramenta do socialismo se um gabinete socialista viesse a formar o governo?

Uma maioria parlamentar de representantes social-democratas dos trabalhadores colidiria assim com uma estrutura que não pode derrotar com seus próprios meios.

Contra essa salvaguarda, com a qual a burguesia proveu a organização estatal, todos os votos, todos os discursos e todas as camarilhas partidárias são impotentes. Isso os próprios social-democratas sabem muito bem, o discurso da instauração de uma “democracia completa” só existe em seu programa. Isso só é possível pois dependem dos trabalhadores. Estes não devem, então, utilizar as urnas de votação, mas sim toda sua força contra a burguesia no campo de batalha.

No entanto, também pode acontecer de a classe possuidora considerar a crescente influência parlamentar dos trabalhadores perigosa demais; ela pode, então, revogar mais uma vez o sufrágio universal a fim de ainda dispor da maioria parlamentar. Não há absolutamente nada que se possa fazer absolutamente contra isso por meios parlamentares. Pode se ter certeza de que o medo dessas manifestações de massa dos trabalhadores já dissuadiu parcialmente a burguesia de tocar no sufrágio universal[6].

Há 25 anos se debateu intensamente na Alemanha sobre a supressão do direito ao voto ao Reichstag e a ele se contrapôs a greve geral. Atualmente, a burguesia tem à disposição um instrumento melhor do que a supressão do sufrágio, a saber, fechar o parlamento e substituí-lo por uma ditadura – como na Itália, na Alemanha e em outros países. As eleições parlamentares são completamente impotentes diante das forças reais na sociedade, da vontade de poder e dominação da burguesia. Nesta luta essencial pelo poder, contra essas mudanças substancialmente sociais, os próprios trabalhadores devem agir. O poder, que permanece inexplorado no ilusório parlamentarismo, o poder da classe trabalhadora em sua atuação enquanto massa mesma é o único que pode competir com a burguesia.

O uso do parlamento, ontem e hoje

Agora coloca-se a questão: se a ideia basilar da libertação por meio do parlamentarismo está equivocada, se apoiar no parlamento não foi, então, sempre a tática equivocada? A participação nas eleições não foi sempre um desperdício de energias? Decerto deve se ter em mente que a sociedade está mudando constantemente. O que é bom e adequado em um estágio de desenvolvimento pode ser equivocado e levar a erros em outro.  A sociedade capitalista mudou acentuadamente nos últimos 50 anos.

Quando o capitalismo surgiu, a burguesia consistia de um grande número de capitalistas moderadamente ricos que podiam tomar o poder apenas fortalecendo o parlamento contra príncipes e a nobreza. Foi também neste período que foi constituída a classe trabalhadora, em que artesãos e filhos de agricultores empobrecidos se mudaram do campo para a cidade sem terem um conceito das novas relações capitalistas. A fim de organizá-la, de despertar a consciência de classe e lhe transmitir a perspectiva dos trabalhadores, as eleições pareciam ser a essa altura um excelente meio. Isso a atraiu para as assembleias e para a correnteza da vida política pública, despertou seu interesse por questões sociais, aproximando-a, deste modo, do conceito de socialismo e da necessidade de organização. Onde os trabalhadores não tinham o direito ao voto, a luta pelo sufrágio universal operou neste sentido, de despertar as crescentes massas trabalhadoras nas zonas industriais para a luta contra o capitalismo.

Assim, a teoria em vigor era de que o socialismo e a libertação dos trabalhadores chegariam no longo prazo por meio das eleições. Na prática real, contudo, as eleições serviram para tornar o capitalismo um modo de viver tolerável e aceitável para os trabalhadores. No capitalismo ambos, capitalistas e trabalhadores, são necessários. Lutam um contra o outro em virtude de seus interesses contraditórios, mas com isso ambos cumprem seus papéis. Um capitalismo normal pode sobreviver apenas se os trabalhadores forem pessoas livres, capazes de defender seus interesses, dotados com os direitos e a liberdade de cidadãos livres, com direito de associação, direito à greve, liberdade de expressão e de assembleia, sufrágio, e de defender tudo isto. Sem tudo isto, e também sem um partido operário, que defenda dentro e fora do parlamento os interesses diretos dos trabalhadores, o capitalismo não está completo. Por isso a social-democracia é, assim como os sindicatos, um órgão indispensável da sociedade capitalista – o órgão por meio do qual todos os interesses que os trabalhadores têm no capitalismo são expressos de maneira regulada.

Quando se tornou órgão do capitalismo, a social-democracia não pode mais se livrar dessa base. Não pode ser ao mesmo tempo órgão do capitalismo e órgão da revolução. Ela fala naturalmente da revolução. Porém, se convocasse as massas trabalhadoras a ações revolucionárias, direcionadas contra o Estado, então o poder estatal dissolveria sua organização, confiscaria suas contas, prenderia seus líderes. Assim, sua existência e seu trabalhado seriam encerrados. No entanto, se surgiram sem sua influência e foram bem-sucedidas, então a social-democracia tentaria se colocar na liderança do movimento, controlá-lo e se redirecionaria um maior poder governamental para si mesma.

Ela só pode necessitar dos trabalhadores como eleitores. É por isso que seu maior objetivo é alcançar a maioria parlamentar por meio das eleições a fim de, então, formar o gabinete. No entanto, o quanto ela se entende como órgão do capitalismo a serviço dos interesses dos trabalhadores fica evidente em sua prática de permitir a ministros socialistas formarem governos com outros partidos contanto que ainda não tenha uma maioria. Assim, estes social-democratas devem ao mesmo tempo operar os negócios da classe possuidora e identificar os interesses do capitalismo. Neste momento, não são nada mais que políticos burgueses socialmente sensíveis. O partido socialista alemão fez ainda pior quando o poder caiu nas mãos dos trabalhadores na revolução de 1918. Derrotou, por intermédio de Noske e dos generais, a porção revolucionária dos trabalhadores, depois formou um governo “socialista”, mas então nada mais fez pela implantação do socialismo além de designar uma comissão que deveria debater quais grandes empresas estavam maduras para a nacionalização. Sob a proteção do governo socialista que manteve os trabalhadores de bom humor com discursos açucarados, o capital alemão pôde se renovar novamente e recuperar seu poder mais uma vez. Depois, mandaram os ministros socialistas de volta pra casa. Agora, os trabalhadores alemães desfrutam dos frutos deste trabalho. Antes, a social-democracia podia trabalhar no parlamento pelos interesses cotidianos dos trabalhadores. No entanto, o capitalismo também mudou nos últimos 50 anos de desenvolvimento. Nesta era o capital se tornou enormemente concentrado. Resta muito pouco da grande classe das camadas médias independentes. Monopólios, corporações e bancos enormes dominam a vida econômica. Estes grandes capitalistas podem defender e fazer cumprir seus interesses muito melhor por detrás das câmeras por meio de príncipes, presidentes e ministros do que no parlamento. Por isso o parlamento perde cada vez mais poder. Às vezes são até mesmo eliminados por completo e substituídos por uma ditadura; em outros lugares, decai a espaços de debate desimportantes para as quais somente os trabalhadores social-democratas olham com respeito.

As eleições parlamentares não são mais úteis nessas condições?

Ah, não, elas são bastante úteis – especificamente para o capital.

Ao passo que as eleições antes eram úteis aos trabalhadores, elas também eram ao mesmo tempo úteis para a burguesia, pois podia, assim, desenvolver o capitalismo calma e sossegadamente sem que rebentasse mediante os crescentes motins dos trabalhadores.

Hoje, uma vez que se tornaram insignificantes para os trabalhadores, as eleições preservaram, no entanto, sua utilidade para o capitalismo. Pois os trabalhadores, se vão votar e esperam algo disso, não desperdiçam suas reflexões em ações que afetariam realmente o capitalismo.

Trabalhadores que participam das eleições reconhecem isso: permitimos que nos façam de trouxas; o capitalismo pode ficar tranquilo, ele ainda está seguro.

O partido comunista

Falamos o tempo todo da social-democracia. Completamente distinto, porém, é o partido comunista, que repetidamente convoca, afinal, os trabalhadores à revolução e a intervenções. De fato, nisso ele se distingue da social-democracia pelo fato de utilizar palavras mais poderosas, de insultar os capitalistas e seus porta-vozes com palavras mais ásperas e de convocar para a revolução com palavrões retumbantes. Porém, não se diferencia verdadeiramente da social-democracia no objetivo e na prática. Depende também das eleições, com o mesmo resultado: se os trabalhadores lerem com aprovação como os comunistas do partido batem na burguesia dentro do parlamento, dirão: Como esses sujeitos são atrevidos! Precisamos deles, eles vão nos libertar! E então jogarão um voto vermelho na urna e esquecerão que eles próprios devem lutar contra o capitalismo.

O partido comunista quer levar a cabo a revolução dos trabalhadores nos países industrialmente avançados da Europa Ocidental exatamente como a revolução bolchevique na Rússia rural e no início da industrialização, naturalmente sob a liderança do partido. Na Rússia predomina o capitalismo de Estado. Lá, uma burocracia do partido e do Estado todo-poderosa controla e regula a indústria inteira. Os trabalhadores são comandados de cima para baixo, assim como o salário e a jornada de trabalho são determinados de cima. Esta dominação dos líderes do partido por sobre a classe trabalhadora e esta regulação da indústria por meio de uma organização de controle também é seu objetivo para a Europa Ocidental.

A ação direta das massas

Em épocas passadas também houve ações das massas trabalhadoras nas quais a força do parlamento não chegou longe o bastante. Por exemplo, há cerca de 50 anos nas manifestações de massa e na greve geral pela conquista do sufrágio universal na Bélgica. A social-democracia crê que essas ações são às vezes necessárias, ainda que sejam eventos excepcionais, uma espécie de tempestade purificadora, depois da qual o curso parlamentar normal pode ser retomado como habitual. Isso era possível pois as ações eram exitosas e a burguesia rapidamente cedia. Mas e se a burguesia não ceder, pois se trata de seu direito à dominação?

A classe trabalhadora pode então derrotar a burguesia por meio dessas ações de massa?

Naturalmente, nós não conseguimos prever eventos futuros com precisão.

Menos ainda dar conselhos a alguém sobre como os trabalhadores devem, então, agir. É possível deduzir até certo ponto quais forças estão em cena e que impacto têm apenas com base no que aconteceu em ações de massa até o momento e em revoluções anteriores.

Pressupomos aqui que os trabalhadores constituem a massa da população e que a classe possuidora representa uma minoria. No entanto, esta minoria se ampara no poder estatal. O poder estatal consiste de uma organização de funcionários, dispersos por toda a população, que é ela própria uma minoria, mas unida por uma organização rigorosa e animada por um espírito comum bem como liderada por uma vontade do centro da dominação; além disso, caso necessário, dispõe do poder armado da polícia e do exército. Deste modo, uma maioria da população de pessoas isoladas pode dominar sem unidade e elementos unificadores.

No entanto, se os trabalhadores marcham contra o governo como uma massa firmemente coesa em uma enorme manifestação, ele entende isso como uma revolta que atinge o núcleo de seu poder. Não pode permanecer indiferente e dizer: deixem marchar! Também não pode ficar feliz em ceder. Por isso busca destruir o novo poder com o seu poder. Decreta proibições, promulga leis restritivas novas, manda a polícia a campo. No entanto, a harmonia, a coesão, das massas na manifestação é tão grande que ela não se deixa dispersar; a essa altura, a autoridade já foi danificada. Apesar disso, o poder estatal ainda tem armas mais fortes: tem o exército. Contudo, a experiência demonstra que os soldados permanentes que são acionados contra as ações de massa, no entanto, vêm eles mesmos do povo, se tornam vacilantes e pouco confiáveis. Os trabalhadores também possuem armas mais fortes: greves de massa, por meio das quais perturbam toda a estrutura social. O governo não pode reprimir estas ações e assim será enquanto não tiver “reestabelecido a ordem”, perdendo, então, ainda mais autoridade. Além disto, por meio de bloqueios do trânsito, a conexão entre as autoridades locais e o governo central é interrompida. Portanto, cada prefeito deve agir sob sua própria responsabilidade; a unidade e a coesão firme de todo o poder estatal são, então, destruídas. Naturalmente, por outro lado, o governo busca juntamente com a classe possuidora quebrar a organização[7]e a unidade das massas trabalhadores declarando estado de sítio, por meio da prisão de líderes ou porta-vozes, do emprego da violência em um lugar, de promessas e concessões a outros e disseminando falsos relatos de fracassos a fim de enfraquecer a autoconfiança dos trabalhadores. E acima de tudo por meio da tradicional fragmentação dos trabalhadores em todo o tipo de associações, partidos, correntes e ideologias, por meio dos líderes dessas associações, ou então buscam semear desunião e desconfiança entre os trabalhadores. Por isso, cada ação depende de qual porção dos poderes em luta é a mais consolidada e é a mais forte internamente. Cada uma derrota a adversária com suas próprias forças.

Em sua primeira ação de massa – que pode surgir em parte de conflitos políticos, em parte de grandes greves, porém parcialmente também de emergências –, o poder dos trabalhadores ainda é pequeno. Às vezes podem anotar conquistas modestas, caso se trate de um objetivo limitado, mas frequentemente também sofrem derrotas. A fragmentação interna em muitas associações e partidos ainda tem influência, e a autoconfiança, o discernimento e a solidariedade ainda são insuficientes. Enquanto continuarem depositando sua confiança nos outros e acreditar que a social-democracia ou o partido comunista podem libertá-los por meio do parlamento, serão dissuadidos dos esforços e dos sacrifícios da ação direta. No final, contudo, terão de lutar de novo e de novo, forçados pela necessidade no capitalismo. E com cada experiência de luta aumentam sua força e sua coesão. Não subitamente, mas em uma série de movimentos de massa revolucionários a classe trabalhadora pode triunfar. Pois a condição essencial de sua vitória é se tornar uma força de luta sólida, inviolável em virtude de sua solidariedade de aço, a qual nenhuma das tentativas de repressão do poder estatal pode afetar.

Naturalmente isso não é fácil. O que é dito aqui em simples palavras sinópticas, necessitaria de um longo período – não sabemos quão longo – e de uma árdua luta para a qual gerações futuras olharão como a fase de transformação mais importante da história. Nunca antes nas revoluções passadas a classe emergente enfrentou um inimigo tão forte, preparado, mas também nunca possuiu tal força. A burguesia lutará ao máximo, pois para ela se trata de vida ou morte. Mesmo que um sistema de governo colapse, ela encontrará maneiras de estabelecer um novo. Frente à ameaça de greves de massa, ela organiza exércitos de fura-greves a fim de manter os setores chave em funcionamento. Se as tropas normais são pouco confiáveis, a burguesia constitui corpos de voluntários fanáticos com elementos pequeno-burgueses e subproletários e similares a quem falta consciência de classe a lutarem por ela. Utilizará armas ofensivas cruéis feitas da moderna tecnologia de guerra contra trabalhadores rebeldes. Caso os trabalhadores tentem transformar as fábricas ocupadas em pontos de apoio na luta, ela tentará continuar a gerir as fábricas com elementos “amarelos” obedientes[8]. Tudo isso pode lhe ser útil nesse caso excepcional. Porém, depois a coesão e a harmonia das massas trabalhadoras novamente se tornarão um grande poder. Pois sempre retiram novas forças do fato de que elas são os trabalhadores que carregam o mundo, seu mundo, do fato de que têm de conquistar sua liberdade, ao passo que os outros se tornaram supérfluos devido ao desenvolvimento, representam uma classe parasita que busca preservar artificialmente sua dominação. Não é possível outro fim senão a demolição e redução do poder estatal a pó, que sua autoridade desvaneça e que a antiga burguesia se torne impotente. Então a classe trabalhadora possui a dominação política, então conquistou o poder sobre a sociedade. Este é o estado de coisas que Marx denominou ditadura do proletariado.

Os conselhos operários

A luta revolucionária da classe trabalhadora é entendida principalmente como força essencialmente destrutiva, devastadora. Os órgãos da antiga autoridade da burguesia devem ser derrotados e, com isso, fenecer. Naturalmente, neste caso devem ser construídas novas instituições que satisfaçam a união e a harmonia dos trabalhadores. Uma vez que a unidade na ação produz um controle centralizado e a gestão enquanto representantes deve ser eleita democraticamente por todos, é um equívoco óbvio que desta maneira um novo poder estatal, governo e parlamento devem ser reimplementados pelos trabalhadores. Acima de tudo, a fim de promulgar as leis com as quais o novo direito de propriedade socialista será implementado. Assim se retorna, pelo que parece, aonde a social-democracia quer chegar.

Porém, isso é apenas aparente. Em primeiro lugar, não é verdade que novas formas de propriedade devem ser implementadas através de leis. Uma lei também pode registrar apenas como regra obrigatória algo que já se tornou em grande parte realidade. Durante a luta mesma os trabalhadores tomaram a posse dos meios de produção, das fábricas, pois precisavam delas para trabalhar a fim de produzir os itens essenciais. A regulamentação legal apenas decorre disso.

Também é inteiramente verdade que serão criados os órgãos vitoriosos da classe trabalhadora com os quais a unidade das ações será garantida. No entanto, esses órgãos terão um aspecto completamente diferente do parlamento ou do governo. Eles surgirão das necessidades sociais e começarão a se formar já na luta.

Em toda grande luta, por exemplo, em uma greve que abrange muitas fábricas, os trabalhadores têm de assegurar a unidade na ação ao mesmo tempo em que se comunicam constantemente. Pois a classe inteira não pode debater em uma assembleia, cada equipe de trabalhadores envia seu porta-voz. Em movimentos de massa que se estendem por áreas maiores isto se faz ainda mais necessário. Neste caso, as assembleias dos representantes das respectivas fábricas e oficinas se tornam os órgãos de gestão mais importantes. Estes são os conselhos operários. São completamente diferentes do parlamento, pois os conselhos sempre serão representantes dos grupos das empresas que os enviam e farão e dirão o que esses grupos pensam e querem e podem ser destituídos e substituídos por outros representantes a qualquer momento. Portanto, não têm nada de líderes independentes. Os próprios trabalhadores decidem a respeito de tudo e são eles próprios os responsáveis. Este é o começo da democracia operária, da verdadeira democracia, em oposição à falsa democracia do parlamentarismo.

Na medida em que o poder dos trabalhadores em movimentos revolucionários aumenta e o do aparato estatal burguês diminui, estes conselhos operários tomam tarefas sempre maiores e mais importantes. Com isso, devem sempre assumir formas diferentes que correspondem às exigências do momento atual: aqui, gestão de greve, ali, órgão para fornecimento ou produção de meios de subsistência, em outro lugar, órgão de regulação da aplicação da nova ordem. Então, na medida em que cresce o poder dos trabalhadores, suas instituições tornam-se mais e mais a autoridade de direito da sociedade, ao passo que a antiga classe possuidora, que através de sua oposição entravava a nova ordem, deve ser suprimida.

Os conselhos operários são os órgãos políticos da ditadura do proletariado. Da maneira com que são escolhidos, a burguesia permanece completamente excluída deles. Quem enxerga nisso uma violação contra a democracia, contra a igualdade de todos os seres humanos perante a lei, deve levar em consideração o fato de que a burguesia não tem mais o direito de existir e deve desaparecer – ao contrário do capitalismo, em que tanto burguesia quanto classe trabalhadora são necessárias e devem, por isso, reconhecer uma a outra. Na nova sociedade há apenas trabalhadores que juntos regulam seu trabalho e decidem quanto a este, na indústria e na agricultura, na pequena escala da fábrica bem como na larga escala do povo, do Estado e da humanidade, que tem de regular e organizar a cooperação da produção mundial.

Também é possível considerar uma certeza que uma libertação da humanidade do capitalismo pela via parlamentar, na qual os trabalhadores delegam sua luta a líderes, não é possível. Ela só é possível por meio das ações de massa dos próprios trabalhadores. Em suas tentativas de suprimir esses movimentos de massa, o poder estatal, enquanto órgão da classe dominante, eventualmente fenecerá em uma fase revolucionária. A vitoriosa classe trabalhadora constrói a nova sociedade comunista e organiza o trabalho segundo as disposições dos conselhos operários.

A libertação da classe trabalhadora só pode ser obra dos próprios trabalhadores.


* Tradução a partir da versão em alemão do ensaio Die Arbeiter, das Parlament und der Kommunismus (p. 419-432), de Anton Pannekoek, publicado em Pannekoek, Anton. Arbeiterräte. Texte zur sozialen Revolution. Bochum, Germinal, 2008. [n. t.]

[1] Anônimo, De Arbeiders, het Parlament en het Kommunisme. Publicado por: Grupo dos Comunistas Internacionalistas (GIC), Amsterdã, 1933. Em alguns exemplares, a Linksche Arbeiders Oppositie (LAO) [Oposição dos Trabalhadores de Esquerda) é listada como coeditora; o texto foi republicado no volume: Anton Pannekoek, Partij, Raden, Revolutie [Partido, Conselhos, Revolução]. Compilado e anotado por Jaap Kloosterman. Amsterdã, 1972, p. 63-80. O texto é precedido da seguinte observação preliminar editorial:
“Propósito
O desenvolvimento capitalista leva sempre a crises mais ferozes, as quais se expressam num desemprego invariavelmente maior e num abalo contínuo sempre mais profundo da economia. Deste modo, milhões de trabalhadores são desligados da produção e entregues à fome. Ao mesmo tempo, se agravam as oposições dos diferentes países capitalistas de modo tal que a concorrência, que se tornou guerra econômica, deve desembocar numa nova guerra mundial.
A gradual pauperização e a crescente insegurança da simples existência força a classe trabalhadora a lutar pelo modo de produção comunista. O Grupo dos Comunistas Internacionalistas convoca os trabalhadores nesta luta a tomar em suas próprias mãos a administração e a gestão da produção e da distribuição segundo normas sociais gerais válidas a fim de realizar a associação de produtores livres e iguais.
O Grupo de Comunistas Internacionalistas vê no desenvolvimento da autoconsciência dos trabalhadores a evolução essencial do movimento operário. Combatem, portanto, a política de chefes dos partidos parlamentares e dos sindicatos e levantam como palavra de ordem da luta: “Todo poder aos conselhos operários!”.”

[2] Com isso, o solo fértil do “aumento gradual da qualidade de vida” é arrasado e a pauperização das massas prossegue.

[3] Sigo aqui a sugestão de John Paul Gerber, que afirma em seu livro Anton Pannekoek and the Socialism of Workers’ Self Emancipation 1873-1960 que Pannekoek traduzia geistig especificamente como spiritual [espiritual] para significar uma “combinação de qualidades subjetivas, mentais, intelectuais, psicológicas e morais” (1989, p. 16).

[4] Em holandês, kermisreclame (arquivo disponível aqui, termo na página 6), traduzido para o alemão como Reklamekirmes. Pannekoek utiliza este neologismo para descrever uma espécie de comício. [n. t.]

[5] Pannekoek faz referência aqui a Zvarte Piet, uma assustadora criatura mítica tradicional dos Países Baixos, e a Sinterklaas, ou São Nicolau; no século XIX, graças à obra de Jan Schenkman, Piet foi associado a São Nicolau, tornando-se, a partir de então, seu ajudante, responsável por administrar os castigos às crianças malvadas, ao passo que Klaas as presenteava. A título de nota, Zvarte Piet – Pedro Negro ou Pedro, o Negro –, um jovem de rosto negro, é frequentemente interpretado com o uso de blackface. (As informações aqui contidas foram retiradas da página alemã da Wikipédia, uma vez que as informações estavam mais completas que as da página em português). [n. t.]

[6] Para outros, era a convicção de que o sufrágio universal como válvula de escape, por meio da qual seria possível dar vazão à insatisfação das massas, garantiria um desenvolvimento capitalista tranquilo.

[7] Quando se fala aqui de organização naturalmente não se fala, então, nunca no sentido de adesão a uma associação, mas apenas no sentido de uma união sólida e inquebrável na atuação.

[8] “Amarelo” descreve os trabalhadores e as organizações de trabalhadores que contestam a ideia da luta de classes e sua necessidade. Utilizado para alas da “Internacional Comunista” em favor da social-democracia, parcialmente também para os fura-greves, como no contexto atual.

Traduzido por Thiago Papageorgiou.

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