“O Partido e a Classe Operária” de Pannekoek – Paul Mattick

Original in English: Pannekoek’s “The Party and the Working Class”

[Nota do Crítica Desapiedada]: O presente texto de Paul Mattick é uma resposta à crítica de Frank Maitland ao artigo de Pannekoek. O texto de Pannekoek foi originalmente publicado na International Council Correspondence no ano de 1936 e posteriormente republicado na revista Solidarity da APCF (Anti-Parliamentary Communist Federation – Federação Comunista Antiparlamentar), como parte de uma discussão em torno do tema “Partido e Classe Trabalhadora”. Naquela ocasião, o Solidarity publicou o texto de Mattick cinco anos depois para dar continuidade ao raciocínio de Pannekoek, reforçando a perspectiva de dois autores que pertenciam à tendência política comunista de conselhos. Mas houve também pequenas diferenças entre os artigos de Mattick e Pannekoek. De acordo com Mark Shipway, Mattick mostrou uma posição ainda mais crítica aos partidos do que o colega holandês, recusando completamente o papel dessas organizações na luta da classe trabalhadora. Seguindo essa ideia, a organização política Wildcat coloca que Mattick assumiu uma posição “antipartidária” mais “extrema” do que Pannekoek, e defendeu a ideia de que os partidos políticos não são apenas desnecessários, como também reacionários.
Seguindo as trilhas desse debate histórico, o Portal Crítica Desapiedada disponibiliza pela primeira vez em português o artigo de Paul Mattick, o que complementa o artigo de Pannekoek e em conjunto apresenta as teses de dois autores comunistas de conselhos que discutiram a relação “Partido e Classe Trabalhadora” naquele contexto (1930-1940). Ao final desta breve introdução, inserimos um trecho traduzido para o português do livro Anti-Parliamentary Communism, de Mark Shipway, que fornece um balanço com todas as posições do debate, conforme as publicações que saíram na revista Solidarity.
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Mark Shipway, The Second World War (Anti Parliamentary Communism: the movement for workers’ councils in Britain, 1917-45)
O papel que os partidos políticos poderiam desempenhar no surgimento da consciência revolucionária foi o tema de um importante debate no Solidarity durante a guerra.
A primeira contribuição para a discussão foi um artigo intitulado “O Partido e a Classe Operária”, publicado originalmente na International Council Correspondence em setembro de 1936. A Anti-Parliamentary Communist Federation (APCF) atribuiu o artigo a Paul Mattick, mas seu autor foi, na verdade, Anton Pannekoek. Pannekoek argumentou contra a concepção tradicional do partido como “uma organização que visa a liderar e controlar a classe trabalhadora”. Ele não se opunha a que os revolucionários se unissem para
formar organizações distintas do restante da classe trabalhadora, mas esses seriam “partidos em um sentido totalmente diferente dos atuais”, já que seu objetivo não seria “tomar o poder para si”. Em vez disso, eles atuariam como grupos de propaganda – “órgãos de autoesclarecimento da classe trabalhadora por meio dos quais os trabalhadores encontram seu caminho para a liberdade”. A luta revolucionária propriamente dita, no entanto, seria “a tarefa das próprias massas trabalhadoras… A luta é tão grande, o inimigo é tão poderoso que somente as massas como um todo podem alcançar a vitória”.

Em resposta a Pannekoek na edição seguinte do Solidarity, Frank Maitland assumiu um ponto de vista oposto. Embora Pannekoek tenha afirmado que “a crença nos partidos é a principal razão da impotência da classe trabalhadora”, Maitland argumentou que o partido tinha um papel indispensável a desempenhar na luta de classes como portador da consciência dos trabalhadores:
a grande massa de proletários vive e se envolve na luta de classes, sem estar consciente da luta, sem entendê-la … A luta de classes por si só não educará e organizará as massas… Ainda resta à minoria consciente esclarecer as massas… Um partido é necessário como o cérebro da classe, o aparato sensorial, de pensamento e de direção da classe, de dezenas e centenas de milhões de pessoas.

Embora rejeitasse “a concepção social-democrata de um partido parlamentar e a ideia comunista de uma ditadura partidária”, Maitland sustentava que a solução para a questão do partido não era “livrar-se do partido” (como Pannekoek havia argumentado), mas “lutar pelo controle do partido por parte da classe trabalhadora, em oposição ao controle da classe trabalhadora pelo partido”.
Paul Mattick foi o próximo a entrar no debate, aparentemente para defender a posição de Pannekoek contra Maitland. Ao fazer isso, entretanto, Mattick foi muito mais longe do que Pannekoek, negando totalmente o papel do partido. Tomando como ponto de partida “os partidos como eles realmente existiram”, em vez da “concepção de Maitland sobre o que um partido deveria ser”, Mattick apontou que os partidos “não serviram à classe trabalhadora, nem foram uma ferramenta para acabar com o domínio de classe”. A fonte “decisiva e determinante” da consciência revolucionária não seriam os partidos políticos, mas “a luta de classe real”: A “consciência” de se rebelar contra e mudar a sociedade não é desenvolvida pela “propaganda” de minorias conscientes, mas pela propaganda real e direta dos acontecimentos. O crescente caos social põe em risco a vida habitual de massas cada vez maiores de pessoas e muda suas ideologias.
Depois de terem sido publicados no Solidarity, os artigos de Pannekoek, Maitland e Mattick também foram publicados no Modern Socialism, um periódico editado em Nova York por Abraham Ziegler. Os comentários de Ziegler sobre o debate foram devidamente impressos no Solidarity. Essa parece ter sido a contribuição final. Ziegler rejeitou o apoio de Maitland a um “partido de “direção” leninista” que “guiaria [os trabalhadores] à vitória”, e também discordou da visão de Pannekoek e Mattick de que a consciência revolucionária era um produto mais ou menos espontâneo da luta de classes. Por outro lado, Ziegler concordou com Pannekoek sobre a conveniência de os partidos atuarem como grupos “sem poder e sem liderança” “no interesse do esclarecimento da classe trabalhadora”. Além disso, ele também citou a opinião de Kautsky e Lênin de que a consciência revolucionária tinha de ser introduzida na luta de classes de fora, por membros radicais da intelligentsia burguesa. Essa síntese de posições foi encontrada na concepção de Daniel De Leon sobre o partido “como um professor, não como um líder da classe trabalhadora”. Como uma “organização propagandística educacional”, o partido tinha um papel essencial a desempenhar nas lutas da classe trabalhadora.
Os pontos de vista da APCF sobre o assunto evitavam qualquer um dos extremos. Algumas das declarações do grupo, como a seguinte, sugerem que, assim como Mattick, eles acreditavam que as organizações revolucionárias tinham pouco a contribuir para o surgimento da consciência de classe: “A miséria relativa deve, necessariamente, tornar-se absoluta no capitalismo em declínio. Isso causará uma indisposição cada vez maior para tolerar o capitalismo; uma disposição para RESISTIR às suas invasões e, finalmente, uma revolução contra ele. O socialismo virá em seguida.” Conforme a crença de Mattick de que o aumento do caos social mudaria as ideias das pessoas, esse argumento implicava que a consciência revolucionária era economicamente determinada e inevitável, e não deixava nenhum papel útil para a intervenção de grupos organizados.
Em outras ocasiões, entretanto, a revista Solidarity também expressou o ponto de vista oposto. No final de 1942, por exemplo, observou que “a transparência e a compreensão política não se desenvolvem simultaneamente com o despertar da consciência de classe… a espontaneidade da ação e o fervor revolucionário nem sempre incorporam o conhecimento necessário da estratégia e das táticas proletárias”. Seguindo a direção de Maitland, a APCF argumentou que “aqueles trabalhadores já conscientes e politicamente avançados” tinham o dever de “se unir em uma unidade comum” para “dar uma orientação clara e diretiva às aspirações sociais de seus colegas trabalhadores menos avançados politicamente “.
Mesmo assim, essa visão não buscava negar completamente a importância das experiências dos próprios trabalhadores, uma vez que a intervenção de grupos organizados só seria eficaz se as ideias revolucionárias que eles apresentavam pudessem ser testadas contra a realidade e reconhecidas como corretas: “a propaganda não é o único fator que faz com que os trabalhadores percebam a oposição de seus interesses aos da classe dominante. O antagonismo de classe surge não por causa da propaganda, mas porque realmente existe uma divergência de interesses econômicos. Em relação à propaganda, os trabalhadores comparam o que é dito com o que é feito.” Em outras palavras, não se tratava de os trabalhadores aprenderem seja com a experiência ou com a propaganda; na prática, ambas as fontes tinham contribuições positivas a fazer.
De todos os participantes do debate, a APCF foi a que mais se aproximou da posição de Pannekoek. Do mesmo modo que Pannekoek, a APCF rejeitou “a concepção ortodoxa de partido”, ou seja, a ideia de partidos como minorias em busca de poder. No entanto, a APCF ainda acreditava que, como um grupo revolucionário organizado, tinha um papel importante a desempenhar na luta de classes: “É nossa missão educar, agitar e entusiasmar; talvez até mesmo inspirar. Teremos prazer em prestar serviços como propagandistas, consultores ou delegados. Mas NÃO procuramos mandar ou controlar. Em última análise, a única garantia contra um partido que tomasse o poder e exercesse uma ditadura sobre a classe trabalhadora seria que grupos como a APCF “semeassem o máximo possível de propaganda socialista”, de modo que as pessoas da classe trabalhadora ficassem “o mais imunes possível ao perigo de vários tipos de Führers, que, com a promessa de resolver os problemas que, em última análise, eles mesmos devem resolver, apenas mudariam a forma de escravidão”.
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Wildcat, Part Four: Party and Class (Class War On The Home Front! – Revolutionary Opposition to the Second World War)
Lista de textos publicados na revista Solidarity sobre a discussão “Partido e Classe Trabalhadora”
The Party and the Working Class (1936) – Anton Pannekoek (Partido e Classe Operária)
Leadership (1938) – James Kennedy (A Direção)
The Party and the Working Class (Fevereiro-Abril de 1941) – Frank Maitland
Our Reply (Fevereiro-Abril de 1941) – APCF
The Party and the Working Class (Agosto-Setembro de 1941) – Paul Mattick (“O Partido e a Classe Operária” de Pannekoek)
Do the Workers Need a Party? (Fevereiro-Abril de 1942) – Abraham Zeigler
For Workers Councils (Outubro-Novembro de 1942) – Frank Maitland
Where We Stand (Outubro-Novembro de 1942) – APCF/WRL


“O Partido e a Classe Operária” de Pannekoek[1]

Nosso costume de omitir nomes levou a um mal-entendido. O artigo “O Partido e a Classe Operária” que, depois de ter sido publicado na Council Correspondence [Correspondência Conselhista], reimpresso pela APCF [Anti-Parliamentary Communist Federation; Federação Comunista Antiparlamentar] e discutido no Solidarity [Solidariedade] (nº 34-36) por Frank Maitland, foi escrito por Pannekoek. No momento, este não está em posição de responder à crítica de Maitland. Como sou de certa maneira responsável pelo conteúdo da Council Correponsdence, tentarei responder a alguns dos questionamentos de Maitland.

Os problemas suscitados não podem ser abordados de uma maneira abstrata e em termos gerais, porém apenas especificamente em relação a situações históricas concretas. Quando Pannekoek disse que a “fé nos partidos” é a principal causa da impotência da classe trabalhadora, ele falou de partidos como eles já existiram de fato. É óbvio que não serviram à classe trabalhadora nem foram uma ferramenta para acabar com a dominação de classe. Na Rússia, o partido se tornou uma nova instituição dominante e exploradora. Na Europa Ocidental, os partidos foram abolidos pelo fascismo e se provaram, assim, incapazes ou de emancipar os trabalhadores ou de se elevarem a posições de poder. (Os partidos fascistas não podem ser considerados instrumentos projetados para acabar com a exploração do trabalho). Nos Estados Unidos, os partidos servem não aos trabalhadores, mas aos capitalistas. Os partidos cumpriram toda sorte de funções, mas nenhuma ligada às necessidades reais dos trabalhadores.

Maitland não questiona estes fatos. Como os cristãos que rejeitam críticas com o argumento de que o cristianismo nunca foi seriamente tentado, Maitland argumenta que “o problema não é de um partido ou de nenhum partido, mas de qual tipo de partido”. Mesmo que seja verdade que até então todos os partidos fracassaram, ele acha que isso não prova que um novo partido, sua “concepção do partido”, também fracassará. Está claro que uma “concepção de um partido” não pode fracassar meramente porque partidos reais fracassaram. Mas então “concepções” não têm importância. O partido do qual ele fala não existe. Seus argumentos precisam ser provados na prática; mas essa prática não existe. Todos os partidos que até agora funcionaram começaram a partir da concepção de Maitland do que um partido deve ser. Isto não os impediu de violarem esta concepção ao longo de sua história.

O partido que “Lenin se esforçou em criar”, por exemplo, e o partido que de fato criou foram duas coisas diferentes, pois Lenin e seu partido eram apenas partes da história; não podiam forçar a história em suas próprias concepções. Há outras forças na sociedade além das concepções que dão forma aos eventos. Maitland pode estar correto ao dizer que a “derrocada atual da Internacional Comunista não demonstra que a concepção leniniana do partido estava incorreta”, mas a derrocada com certeza demonstra que, independente de sua concepção, o partido estava “incorreto” se medido de acordo com as ideias de Maitland e as necessidades da classe trabalhadora internacional.

O partido, sustenta Maitland, “é uma criação histórica, que não pode ser jogada fora”. Infelizmente, isto era verdade no passado; no entanto, a história demonstrou que partidos não eram o que deveriam ser. Eles são a criação histórica do capitalismo liberal e, neste ambiente em particular, serviram – por um tempo – às necessidades dos trabalhadores, mas apenas por acaso. Estavam principalmente envolvidos no fortalecimento do interesse de grupo e na influência social do partido. Tornaram-se instituições capitalistas, participando da exploração do trabalho e lutando com outros grupos capitalistas pelo controle das posições de poder. Por causa das condições de crise geral, da concentração de capital e da centralização do poder político, o aparato estatal se tornou o centro de poder social mais importante. Um partido que obtivesse controle do Estado – legal ou ilegalmente – poderia se transformar em uma nova classe dominante. Isto é o que os partidos fizeram ou tentaram fazer. Em todos os lugares em que o partido foi bem-sucedido, ele não serviu aos trabalhadores. Aconteceu exatamente o contrário: os trabalhadores serviram ao partido. O capitalismo é, também, uma “criação histórica”. Se o “partido não pode ser jogado fora, pois é uma criação histórica”, como é que Maitland vai abolir o capitalismo agora que este é idêntico ao Estado monopartidário? Na realidade, ambos devem ser “jogados fora”; hoje, acabar com o capitalismo implica acabar com o partido.

Para Maitland, “o partido deve ser o aparato material para integrar a minoria consciente e a massa inconsciente”. No entanto, a massa está “inconsciente” pelo mesmo motivo pelo qual ela se encontra impotente. A minoria “consciente” não seria capaz de alterar uma situação sem mudar a outra. Ela não pode levar “consciência” às massas salvo se levá-las ao poder. Se a consciência e o poder dependem do partido, toda a questão da luta de classes assume um caráter religioso. Se as pessoas que constituem o partido são pessoas “boas”, darão às massas poder e consciência; se forem pessoas “ruins”, se forem pessoas “más”, reterão os dois. Fica excluída a hipótese de uma “integração” envolvida aqui, resta apenas uma questão de “ética”. Logo, podemos confiar não só em concepções abstratas no que diz respeito àquilo que um partido deve ser, mas também na boa vontade dos homens. Em suma, devemos confiar em nossos líderes. O que os partidos podem dar, no entanto, eles também podem retirar. Nas condições como elas são, a “consciência” da minoria ou é insignificante ou está ligada a uma posição de poder na sociedade. Aumentar a “consciência” é, logo, aumentar o poder do grupo que a incorpora. Não surge nenhuma “integração” entre “líderes” e “liderados”; em vez disso, a diferença existente entre eles se amplia continuamente. O grupo consciente defende sua posição enquanto grupo consciente; pode defender esta posição apenas contra a massa “inconsciente”. A “integração” da minoria consciente e da massa inconsciente é somente uma descrição da exploração de muitos por poucos que soa mais agradável.

O fato de Maitland enxergar o partido como o “instrumento material” que coordena o pensamento e a ação revela que ele ainda está com a cabeça no passado. É por isso que ele defende o partido do futuro. O aparato material (reuniões, jornais, livros, cinema, rádio, etc.) do qual Maitland fala deixou, entrementes, de estar à disposição desses partidos como ele os concebe. Chegou ao fim o estágio de desenvolvimento capitalista no qual partidos podiam crescer como qualquer outro negócio e utilizar os instrumentos de propaganda em benefício próprio. Na sociedade atual, o desenvolvimento das organizações do trabalho não pode mais seguir caminhos tradicionais. Não é mais possível surgir um partido que “desenvolve a consciência de classe nas massas”. Os meios de propaganda estão centralizados nas mãos da classe ou do partido dominante e estão a serviço deste. Não podem ser usados para depô-los. Se os trabalhadores não forem capazes de desenvolver métodos de luta para além do controle dos grupos dominantes, eles não serão capazes de se emancipar. Um partido não é uma arma contra as classes dominantes; eles sequer existem em sociedades fascistas. Contra o poder atual da combinação Estado-partido-capital, somente a “ação consciente de toda a massa de pessoas” ajudará. Enquanto a massa permanecer “inconsciente”, enquanto ela precisar do “cérebro” de um partido, esta massa permanecerá impotente, pois esse “cérebro” não se desenvolverá.

Contudo, não há motivo para se desesperar. Podemos suscitar outra questão: o que é esta “consciência” que os partidos supostamente têm de levar aos trabalhadores? E o que é essa “inconsciência” que exige o apoio de um “cérebro” separado – do partido – às massas? Esse tipo de consciência que encontramos em partidos é realmente necessário para mudar a sociedade? O que até então é muito perigoso para as massas e suas necessidades é exatamente esta “consciência” que predomina nas organizações partidárias. A “consciência” da qual fala Maitland, como foi vivida na prática, não tem absolutamente nada a ver com uma “consciência” necessária para se rebelar contra o presente e para organizar uma nova sociedade. A falta desse tipo de consciência que é nutrida pelos partidos não é de maneira alguma uma falta no que diz respeito às necessidades práticas da classe trabalhadora.

A tarefa dos trabalhadores é essencialmente simples. Consiste em reconhecer que todos os grupos dominantes que existiam anteriormente impediram o desenvolvimento de uma produção e distribuição verdadeiramente sociais; ao reconhecer a necessidade de eliminar produção e distribuição como determinadas pelo lucro e pelo poder necessita de grupos especiais na sociedade que controlem os meios de produção e as outras fontes de poder social. A produção tem que ser deslocada para que possa atender às reais necessidades das pessoas; tem que se tornar uma produção para o consumo. Quando se reconhece estas coisas, os trabalhadores têm que agir de acordo com elas para realizar suas necessidades e desejos. Não é necessária muita filosofia, sociologia, ciência econômica ou ciência política para reconhecer estas coisas simples e para agir de acordo com o reconhecimento. A luta de classes real é aqui decisiva e determinante. Porém, no campo prático das atividades revolucionárias e sociais, a minoria “consciente” não está mais bem informada do que a maioria “inconsciente”. Na verdade, o contrário é que é verdade. Isto foi provado em todas as lutas revolucionárias reais. Qualquer organização fabril, ademais, terá mais capacidade do que um partido de fora de organizar sua produção. Há inteligência que não pertence a um partido suficiente no mundo para coordenar a produção e distribuição sociais sem a ajuda ou a interferência de partidos especializados em campos ideológicos. O partido é um elemento estranho na produção social assim como a classe capitalista era um terceiro fator desnecessário aos dois necessários para levar adiante a vida social: os meios de produção e o trabalho. O fato de partidos participarem nas lutas de classe indica que essas lutas de classe não tendem a um objetivo socialista. O socialismo, por fim, não significa nada mais do que a eliminação desse terceiro fator que se encontra entre os meios de produção e o trabalho. A “consciência” desenvolvida por partidos é a “consciência” de um grupo explorador lutando pela posse do poder social. Para que difundisse uma “consciência socialista”, teria primeiro de tudo de eliminar o conceito de partido e os próprios partidos.

A “consciência” de se rebelar contra e mudar a sociedade não é desenvolvida pela “propaganda” de minorias conscientes, mas pela propaganda real e direta dos eventos. O crescente caos social põe em perigo a vida habitual de massas cada vez maiores de pessoas e muda suas ideologias. Enquanto minorias atuarem como grupos separados no interior da massa, a massa não será revolucionária, tampouco o será a minoria. Suas “concepções revolucionárias” continuam podendo servir apenas a funções capitalistas. Se as massas se tornarem revolucionárias, a distinção entre minoria consciente e maioria inconsciente desaparece, bem como a função capitalista da aparente “consciência revolucionária” da minoria. A divisão entre uma minoria consciente e uma maioria inconsciente é ela mesma histórica. É da mesma ordem da divisão entre trabalhadores e patrões.

Assim como a diferença entre trabalhadores e patrões tende a desaparecer na esteira das condições de crise insolúveis e no processo de nivelamento social ligado a isto, a distinção entre minoria consciente e maioria inconsciente também desaparecerá. Em lugares em que esta distinção não desaparecer, teremos uma sociedade fascista.

“Integração” só pode significar ajudar a eliminar a distinção entre a minoria consciente e a massa inconsciente. No interior das classes e da sociedade continuará a haver diferenças entre as pessoas. Algumas serão mais enérgicas que outras, algumas mais inteligentes que outras, etc. Continuará existindo uma divisão do trabalho. O fato de estas diferenças reais terem se congelado em diferenças entre capital e trabalho e em diferenças entre partido e massa se deve meramente a relações de produção específicas historicamente condicionadas, ao modo de produção capitalista. Deve se acabar com esta distinção, no que diz respeito à atividade social, a fim de se acabar com o capitalismo. Se enxerga-se a necessidade de “integração”, é necessário abordar o problema de uma maneira bastante diferente de Maitland. A “integração” tem de ocorrer não de cima para baixo – em que o partido leva consciência à classe –, mas de baixo para cima, em que a classe mantém toda sua inteligência e energia para si mesma e não se isola e não a capitaliza, assim, em organizações separadas.

A produção é social. Todas as pessoas, independente de quem são ou do que fazem, são, em uma sociedade socialmente determinada[2] e são igualmente importantes. Sua integração de fato, e não a “integração ideológica” por meio da tradicional relação partido-massa, é necessária. Porém, esta integração real, a solidariedade humana que é necessária para pôr fim à miséria do mundo, deve ser fomentada agora. Esta só pode ser desenvolvida pela destruição das forças que atuam contra si. A solidariedade de classe e a ação de classe não podem surgir com, mas apenas contra, grupos e interesses partidários.

Heinrich Franz Schelhasse, Alex, 6 a.m. to work (part of a triptych), 1922.

Obs. à tradução – Crítica Desapiedada: o artigo em inglês é intitulado “The Party and the Working Class”, com a palavra “working class” aludindo à classe trabalhadora. No entanto, optamos aqui por seguir as traduções consagradas e a expressão “working class” foi traduzida para classe operária, em consonância com outras interpretações do texto e do pensamento de Pannekoek, como uma tradução para o português que pode ser vista aqui. É desta maneira que o título do artigo em português se justifica. Boa leitura.

[1] Tradução do artigo Pannekoek’s “The Party and the Working Class”, de Paul Mattick, publicado originalmente em 1941, em inglês, e disponível aqui. [N. T.]

[2] A redundância está presente no original. Creio que se trate de um lapso ou de Mattick ou da edição. [N. T.]

Traduzido por Thiago Papageorgiou.

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