[Nota do Crítica Desapiedada]: Bernhard Reichenbach [pseudônimo: Johannes Seemann] (1888-1975) foi membro do KAPD (Partido Comunista Operário da Alemanha) e escreveu um conhecido ensaio sobre a história dessa organização. Este ensaio está disponível até o momento somente em alemão e pode ser acessado em: Zur Geschichte der K(ommunistischen) A(rbeiter)-P(artei) D(eutschlands). A entrevista disponibilizada aqui apresenta um breve relato da experiência de Reichenbach naquela organização. Boa leitura!
Bernard Reichenbach: O KAPD em retrospectiva – Uma entrevista com um membro do Partido Comunista Operário da Alemanha[1]
Ontem e hoje: um veterano do KAPD conversa com um jovem revolucionário alemão
Em outubro de 1919, em seu Congresso de Heidelberg, ocorreu um racha nas fileiras do Partido Comunista Alemão (KPD), cujo congresso de fundação havia ocorrido em Berlim menos de um ano antes. Surgiu um novo grupo, o KAPD (Kommunistische Arbeiterpartei Deutschlands). O novo grupo era diferente do KPD em sua atitude crítica em relação ao parlamentarismo, em sua recusa a subordinar os interesses da classe trabalhadora alemã àqueles do Estado russo, em sua insistência no poder operário direto, exercido através dos Conselhos Operários em vez de através do regime político do Partido. Por um breve momento após sua fundação, o novo Partido foi um “membro associado” (sem direito ao voto) da Internacional Comunista, mas as relações foram cortadas em 1921.
Estamos felizes em publicar nas páginas que seguem trechos de duas entrevistas entre Bernard Reichenbach[2] (membro fundador e um dos poucos sobreviventes do KAPD) e um ativista da atual oposição extraparlamentar de esquerda alemã, que foram gravadas recentemente por membros da North London Solidarity. (Não endossamos necessariamente todas as opiniões expressas nesta entrevista, mas sentimos que a informação factual que contém interessará aos nossos leitores.)
Não é necessário explicar o interesse da atual oposição extraparlamentar de esquerda alemã no passado revolucionário da Alemanha. Entre 1918 e 1921, os Conselhos Operários eram um fato estabelecido da vida política alemã e como foram criados por um proletariado maduro em um país industrial avançado, tanto suas conquistas como suas limitações ainda têm alguma relevância hoje.
Os Conselhos Operários Alemães
P. Entre 1920 e 1923, o KAPD atuou como uma oposição extraparlamentar. Você considera isso essencial?
R. Sim. Ela ensina as pessoas a atuarem de acordo com sua iniciativa política, independentemente de quaisquer representantes.
P. Na época, isso se expressava não só como oposição extraparlamentar, mas como oposição antiparlamentar. Você considerava essencial que a classe trabalhadora deveria lutar contra as instituições parlamentares?
R. Com certeza. Você deve se lembrar de que no final de 1918 havia uma situação revolucionária na Alemanha. Achávamos que a participação na atividade parlamentar era uma traição. O parlamento, entre outras coisas, era considerado responsável pela guerra. Durante 1919, quase toda a política de esquerda ocorreu no interior dos Conselhos Operários, não nos sindicatos ou no Parlamento. Os Conselhos eram instituições extraparlamentares e potencialmente antiparlamentares. O problema era que nestes Conselhos os Social-Democratas estavam em maioria. Eles apresentavam demandas economicistas em vez de políticas, e reformistas em vez de revolucionárias. Os social-democratas, no entanto, não impunham estas visões. Sua maioria refletia a vontade da ampla massa de trabalhadores dentro dos Conselhos e isso até mesmo durante uma situação revolucionária.
P. Um leninista argumentaria que o que faltava era um partido de liderança que teria exposto as políticas dos Social-Democratas no que diz respeito à guerra e que foi a ausência de tal partido que impediu os revolucionários de levarem a situação revolucionária a um desfecho.
R. As condições na Alemanha eram consideravelmente diferentes daquelas na Rússia. A Rússia estava saindo de séculos de um regime autocrata. Toda a atmosfera social estava madura para uma mudança fundamental. A Alemanha tinha uma tradição de instituições parlamentares, uma tradição de governo por representantes eleitos. Nessas circunstâncias, a revolução é muito mais difícil porque aparece como uma coerção contra representantes eleitos democraticamente. Depois de todos os anos de uma maioria burguesa no parlamento, a vitória dos Social-Democratas apareceu[3] como uma vitória decisiva da Esquerda. É verdade que a arena decisiva da luta pelo poder político estava dentro dos Conselhos Operários, porém, pelos motivos mencionados antes, qualquer ação contra o governo eleito parecia[4] fora de questão, especialmente enquanto aquele governo tinha uma maioria dentro dos Conselhos.
P. Qual era a atividade real dos Conselhos, vis-à-vis os sindicatos e Partidos?
R. Conselhos independentes, baseados em fábricas[5] em vez de categorias, como fora comum anteriormente, surgiram simultaneamente por toda a Alemanha. Isto foi, em certa medida, resultado do caos econômico. Quando uma fábrica entrava em inatividade em virtude da falta de combustível ou de matérias-primas, não havia ninguém a quem pedir ajuda. O governo, os partidos, sindicatos e capitalistas não podiam fazer nada para resolver problemas básicos de transporte, combustível, matérias-primas, etc. Resoluções, declarações, ordens e até mesmo o papel-moeda eram pouco úteis. Nessa circunstância, trabalhadores formariam um Conselho e se empenhariam em resolver estes problemas sozinhos. Nós, do KAPD, acreditávamos que os sindicatos eram um obstáculo para a criação da nova sociedade e que o principal era encorajar os trabalhadores a tomarem ação direta, independentemente dos sindicatos.
P. Qual era sua atitude para com os membros do sindicato, ao contrário daquela para com a liderança sindical?
R. Nós explicamos continuamente a eles que era essencial se organizar com base nos locais de trabalho, não categorias, e estabelecer uma Federação Nacional de Comitês de Trabalho.
P. Quantos partidos revolucionários existiam naquele momento?
R. Em 1920 havia 5 partidos que buscavam uma reconstrução socialista da sociedade – e todos se reivindicavam marxistas: o SPD [Sozialdemokratische Partei Deutschlands; Partido Social-Democrata da Alemanha], o USPD [Unabhängige Sozialdemokratische Partei Deutschlands; Partido Social-Democrata Independente da Alemanha], o USPD-Linke [de Esquerda]), o KPD e o KAPD. Além estes, havia vários grupos anarquistas. A classe trabalhadora estava dividida por seu conflito mútuo e mostrava pouca ação unida vis-à-vis à burguesia.
P. Quais eram as diferenças, no nível de ação, entre os membros de seu partido e do KPD em seus locais de trabalho?
R. O KPD, na época, atuava organizacional e taticamente exatamente da mesma maneira que os social-democratas; as únicas diferenças eram os slogans. Nós defendíamos a ação direta dos trabalhadores.
P. As diferenças já haviam surgido, naquela época, no interior do KPD entre aqueles que defendiam o regime do Partido e aqueles que defendiam o regime dos Conselhos?
R. Isso variava muito de fábrica para fábrica. Falando em termos gerais, era a atmosfera social e prática disseminada dos Conselhos Operários operar como instituições reconhecidas, quase naturais.
P. Como eram as relações entre os membros dos partidos rivais em seus locais de trabalho?
R. Isso também variava de profissão para profissão. Um único indivíduo em uma função chave criava uma atmosfera que podia decidir a questão. Havia com muita frequência uma cooperação excelente entre os membros de todos os partidos. Você podia, quase sempre, identificar um trabalhador em um papel de liderança, que era respeitado por todo mundo em virtude de sua capacidade como líder. Em outros lugares, haveria conflito acrimonioso e incessante.
P. Você pode descrever em detalhes como as coisas eram organizadas dentro de uma fábrica?
R. Não com precisão. Primeiro, eu não era um trabalhador profissional, mas um ativista pago do Partido. Segundo, ainda que fosse membro da administração em fábrica de Berlim em 1920, minha experiência lá é de pouca relevância geral porque a fábrica era propriedade de seus trabalhadores e, portanto, quase não havia nenhum atrito entre a administração e o Conselho. Era nas fábricas de propriedade privada que os Conselhos entravam em conflito com a administração. Rachas ocorriam nas fileiras dos Conselhos a respeito da questão da política para com a administração: digamos, entre aqueles que aceitavam as visões dos Social-Democratas e aqueles que insistiam na administração dos trabalhadores.
Moscou, 1921
P. Você pode nos contar alguma coisa sobre a atividade da Terceira Internacional?
R. Em 1921, eu participei como observador das sessões em Moscou. Fiquei no Hotel Lux. Nós encontrávamos uma vez por semana, com Zinoviev como Presidente. A delegação russa era a mais forte, tanto em número como em influência. Eles dominavam as reuniões com mão de ferro. A delegação alemã era a segunda maior. A enorme influência de Lenin era resultado, em grande medida, de sua forte personalidade. Os outros camaradas russos não eram seus lacaios. Ele os arrastava consigo, senão pela força de seu argumento, pela força de sua personalidade. Para os revolucionários europeus, Stalin era virtualmente desconhecido e eu nunca ouvi seu nome ser mencionado. As pessoas costumavam discutir bastante sobre o que esta ou aquela pessoa havia feito ou dito em tal situação no passado. Durante minha estadia de seis meses, eu não ouvi o nome de Stalin ser mencionado nenhuma vez sequer.
Encontrei Lenin em 1921 em seu cômodo no Kremlin. Tivemos uma longa discussão sobre a situação alemã. Havia um grande mapa da Rússia na parede e estava claro que Lenin estava muito sobrecarregado. Ele me explicou que enquanto partido no poder eles tinham de administrar um país enorme como a Rússia e ele mal tinha tempo para se familiarizar com detalhes da atividade revolucionária no Ocidente. Contei-lhe nossas críticas à política do KPD, que era considerado um partido irmão dos bolcheviques. Critiquei a política deles e a dele com relação à insurreição de março de 1921. Ele disse que acatava a análise de Trotsky nas questões europeias e a análise de Radek sobre a Alemanha, sem entrar em detalhes. Isso significava que assim que entrássemos em conflito com Radek, veríamos Lenin se alinhar quase que imediatamente contra nós, a despeito do fato de que muitas vezes não era ele quem formulava a linha bolchevique nessa questão. As coisas eram parecidas no que diz respeito à França.
P. E quanto a discussões com outros camaradas russos?
R. Havia muitas destas discussões, especialmente com membros da Oposição Operária. Alguns dias antes do começo do Terceiro Congresso da Internacional Comunista, Alexandra Kollontai, que era à época uma proeminente membra da Oposição Operária, veio a meu quarto e me disse que ia atacar Lenin depois de ele fazer um discurso sobre a NEP. Ela afirmou que talvez fosse presa depois e me perguntou se eu poderia guardar com segurança o texto de seu discurso sobre a Oposição Operária. Disse que guardaria e, como estávamos enviando um mensageiro a nosso Comitê Executivo em Berlim, dei o texto a ele.
A sessão durante a qual ela apresentou seu famoso discurso da Oposição Operária (que estava contido no texto que ela havia me dado) foi uma das experiências mais memoráveis da minha vida. Lenin, Trotsky, Radek, Zinoviev, Bukharin e outros sentaram na plataforma. Ela virou as costas a eles, de frente para o público, que incluía militantes revolucionários de todo o mundo. Falou primeiro em alemão fluente, que era a língua oficial da Internacional. Quando terminou, repetiu tudo em francês em benefício dos camaradas franceses. Ela provavelmente não confiava no intérprete. Por fim, repetiu todo o discurso em russo. Quando terminou, instaurou-se o silêncio. Lenin não disse uma única palavra, embora tenha feito anotações o tempo todo. Trotsky respondeu em nome da plataforma. Tentou minimizar a coisa toda, dizendo que ela era “frouxa” e sensível demais para o negócio duro da revolução, que exigia uma mão de ferro. Nenhum dos oradores lidou diretamente com os argumentos ou fatos que ela expôs. A linha era minimizar a crítica ao reduzi-la a uma questão da personalidade dela.
Por detrás das cortinas, Trotsky a pegou pela mão. Ela cedeu, capitulando, à disciplina do Partido. Uns dias depois ela veio a mim e queria seu manuscrito de volta. Eu não pude, é claro, devolvê-lo a ela. Depois, meus camaradas em Berlim traduziram o manuscrito para o alemão e o publicaram com o título “Alexandra Kollontai ‘Die Arbeiter Opposition in Russland” [Alexandra Kollontai: A Oposição Operária na Rússia].
Quando voltei de Moscou a Berlim, o KAPD decidiu que não tinha motivos para permanecer como membro associado da Terceira Internacional.
P. Qual foi a atitude de Lenin e Trotsky em relação a seu Partido?
R. Foi crítica – embora, num primeiro momento, fraternal. Eles queriam muito que nós nos filiássemos ao KPD e abríssemos mão de nossa organização independente. Mas a política do KPD, dirigida pelos russos, tornava isso impossível. Era óbvio, como eu disse, que o KPD havia se tornado uma ferramenta da política externa russa.
P. O que você pode nos dizer sobre a insurreição de 1921?
R. Na época eu estava na Rússia. O levante (a assim chamada “Ação de Março”) havia sido realizado pelas organizações locais do KPD e do KAPD; o primeiro em resposta a uma instrução do emissário russo Béla Kun (o líder exilado da efêmera República Soviética Húngara de 1919). Num primeiro momento, a Ação de Março foi aprovada por Lenin. Porém, depois de seu fracasso, no entanto, ele mudou de ideia, principalmente sob influência de Clara Zetkin, membra do Comitê Central do KPD. Paul Levi, outro membro do Comitê Central que renunciou à liderança do Partido, denunciou o levante como um “putsch[6]”. Ele o fez num panfleto que foi condenado por Lenin e Trotsky, ainda que concordassem com sua crítica. As políticas de Paul Levi foram continuadas.
P. Você acredita que havia uma conexão entre a Nova Política Econômica (NEP) de 1921 e a política da Terceira Internacional com relação à Ação de Março?
R. É possível discernir alguns fatores comuns. A NEP era considerada por Lenin uma fortificação da Revolução na Rússia; ele considerava que o processo revolucionário havia se encerrado. Os bolcheviques tinham esperado uma revolução vitoriosa na Europa Ocidental. Isto malogrou em se materializar, criando, assim, uma relação ambígua entre eles como partido no poder e os regimes capitalistas na Europa. Por um lado, eles desejavam relações interestado normais, o que lhes garantiria fronteiras pacíficas. Por outro lado, a luta revolucionária dentro dos países capitalistas enfraqueceu seus regimes. Assim que os bolcheviques se desiludiram com a revolução no Ocidente, eles começaram a considerar os movimentos revolucionários como ferramentas auxiliares da política externa russa. Esta atitude não começou com Stalin, mas com Lenin e Trotsky, já em 1921. Neste ano, o Comissário do Povo do Comércio Exterior, Leonid Krasin, avisou em uma entrevista com o Rote Fahne [Bandeira Vermelha] (o jornal diário do KPD) que uma greve particular interferiria com entregas de máquinas que estavam sendo fabricadas para a URSS.
Em Retrospectiva
P. Por que o KAPD se desfez em 1923?
R. Na verdade, o Partido não se desfez em 1923. Quando a “Ação de Março” fracassou (e depois a insurreição de 1923 também), só restaram algumas centenas de ativistas. Originalmente, éramos um partido de militantes industriais com apenas alguns funcionários pagos. Quando a atividade industrial destes militantes diminuiu, nosso partido simplesmente deixou de existir. Não foi uma questão de tomar uma decisão política. Quando nossos militantes deixaram de ser ativos, tudo que restou foi reconhecer a situação e retirar as conclusões apropriadas. Nós, os ativistas mais jovens, decidimos entrar em outros partidos políticos, simplesmente porque este era o único lugar em que podíamos encontrar trabalhadores com consciência política e tentar conquistá-los.
Nós fracassamos por uma série de motivos. Primeiro, durante nosso melhor período, em 1921, totalizávamos apenas 30 mil, o que era muito pequeno diante de um proletariado de muitos milhões. Segundo, nós superestimamos o potencial revolucionário dos trabalhadores e do papel do fator econômico como iniciador da atividade revolucionária. Neste sentido, nossos adversários políticos Ebert e Scheidemann do Partido Social-Democrata tiveram um entendimento mais realista quando concluíram que uma luta pela melhoria econômica pode ser contida por meio de reformas e não precisa levar à revolução. Talvez tenhamos errado em nossa análise da sociedade ao considerar que ela girava em torno principalmente do eixo econômico, ainda que nos anos 20 este fosse com certeza o fator principal.
P. Você se considerava marxista nessa época?
R. Sim. Eu e a maioria dos meus camaradas nos considerávamos pessoas que colocavam as ideias de Marx em prática, de acordo com nossa interpretação delas. Obviamente, todos que se definem marxistas serão criticados por outros marxistas pela falta de autenticidade de sua interpretação. Em geral, nossa tendência de enfatizar demais o papel dos “fatores objetivos” tinha origem em nossa interpretação das ideias de Marx e contribuiu para nosso fracasso. Acho que a ênfase de Marx no fator econômico como a principal motivação para a atividade revolucionária não é válida sempre e em todos os lugares, ao passo que suas ideias sociológicas estavam corretas no momento.
P. Supondo que sua análise da sociedade era válida no momento, como você acabou de dizer, onde então você situa suas falhas?
R. Uma análise social válida é uma coisa, aplicá-la na realidade é outra. É preciso distinguir entre as teorias do KAPD e a prática por meio da qual se tentou aplicá-las (embora as duas estejam, obviamente, inter-relacionadas). Até 1923, a atividade revolucionária da classe trabalhadora foi disseminada por toda a Alemanha na esteira do colapso do regime do Kaiser e de suas instituições políticas, sociais, econômicas e ideológicas. Mas, depois das derrotas das insurreições de março de 1921 e depois de 1923, ficou evidente que, ao passo que a classe trabalhadora exibe iniciativa revolucionária independente e está pronta para sacrificar muitas coisas pela criação de uma nova ordem social, ela não sustenta este tipo de atividade durante os períodos prolongados entre uma crise política/econômica e a próxima.
P. Você acha que a não-materialização de nenhuma revolução na Alemanha foi um produto dos fatores objetivos ou que isso se deveu ao fracasso do fator subjetivo, revolucionário?
R. É impossível dar uma resposta definitiva a essa pergunta. Fatores objetivos podem criar condições para uma revolução, mas sua realização depende do fator subjetivo. Por causa de nossa interpretação da teoria de Marx, nós consideramos o fator subjetivo como de menor importância quando comparado aos fatores objetivos. Sofremos de uma tendência a basear toda nossa atividade no “determinismo econômico”.
P. O Lukács não criticou esta tendência em 1924?
R. Criticou. Por outro lado, Lenin também nos atacou do outro lado (em seu famoso Esquerdismo: Doença Infantil do Comunismo?), nos acusando de “aventureirismo”, querendo dizer que dependíamos demais do fator subjetivo. Gorter, um de nossos co-pensadores holandeses, escreveu uma excelente resposta.
P. Quem era Anton Pannekoek?
R. Ele era um astrônomo holandês que, antes da I Guerra Mundial, editou um jornal revolucionário em Bremen. Karl Radek, que depois se tornaria o especialista bolchevique no que dizia respeito à Alemanha, aprendeu dele sua teoria revolucionária enquanto trabalhava no jornal. Em 1917, Pannekoek e Herman Gorter defenderam a Revolução Russa. Quando os russos instituíram um “Escritório da Europa Ocidental” da Internacional Comunista em 1919, Pannekoek e Gorter estavam entre aqueles que foram colocados no comando.
Sua crítica posterior dos bolcheviques dizia respeito principalmente a sua análise das políticas da e dirigidas à classe trabalhadora e dos e aos movimentos revolucionários na Europa Ocidental e à sua falta de compreensão dos trabalhadores no Ocidente industrializado. Eles ressaltaram que o que era adequado às condições russas não era necessariamente aplicável às condições inteiramente diferentes no Ocidente. Realizaram uma crítica muito detalhada e fraterna das políticas de Lenin, às quais Lenin nunca respondeu em espécie. Em vez disso, declarou: “A história decidirá quem estava correto!”.
P. Qual sua visão atual no que concerne a possibilidade de desenvolvimentos revolucionários na Alemanha, França, etc.?
R. Se você pensa a revolução nos termos marxistas tradicionais (isto é, como expressa nas palavras do Manifesto Comunista: “a guerra de classes do proletariado”), eu não consigo ver nenhum desenvolvimento. Mas se você pensa na APO (Außerparlamentarische Opposition [Oposição Extra-Parlamentar]) se desenvolvendo até a APA (Außerparlamentarische Aktion [Ação Extra-Parlamentar]), a qual busca aumentar a iniciativa e a participação das pessoas – não só nas instituições atuais da democracia política e industrial, mas em todos os níveis da sociedade – então a militância da geração mais jovem te deixará mais otimista do que em qualquer momento desde 1945. Neste contexto, acho particularmente significativo o que tem ocorrido recentemente nos países industriais modernos, como EUA, Alemanha, França, Itália e até mesmo na Grã-Bretanha.
[1] Tradução da entrevista de Bernard Reichenbach publicada em inglês no jornal Solidarity: For Workers’ Power, vol. 6, número 2, 13 de novembro de 1969. [N. T.]
[2] Reichenbach foi membro do CEIC (Comitê Executivo da Internacional Comunista) e delegado do KAPD para o Terceiro Congresso (1921) da Internacional. Ele foi responsável por tirar o texto de Kollontai sobre a Oposição Operária da Rússia.
Estas duas entrevistas – que se estendem por um período de umas 4 horas – foram gravadas em fita e lidam com muitos aspectos interessantes da movimento da classe trabalhadora alemã no final da I Guerra Mundial e no período imediato do pós-guerra.
[3] Creio que se trate aqui de uma tradução equivocada de scheinen [parecer] para o inglês, porém, como não tive acesso ao original, mantive como no inglês. [N. T.]
[4] Aqui havia obviamente um equívoco na tradução de scheinen para o inglês, já que appeared out of question não faz sentido. [N. T.]
[5] Creio se tratar aqui de uma tradução imprecisa de Betriebe, empresas ou locais de trabalho; o fato de mais adiante na entrevista o termo local de trabalho [places of work] aparecer sugere que houve aqui um equívoco. [N. T.]
[6] Golpe de Estado. [N. T.]
Traduzido por Thiago Papageorgiou.
Por favor, qual o nome desse texto do Lukács que o entrevistador cita?
Olá Hugo. Bem provável que o livro citado seja História de Consciência de Classe
Obrigado. Pela data, deve ser, mas pelo que pesquisei há textos anteriores do Lukács (de 1920), que tratam mais especificamente do debate sobre a participação ou não dos comunistas no parlamento.