Original in German: Klassenkampf im Kriege
Publicado em: International Council Correspondence, Vol. II (1935-1936), N. 6 (maio 1936).
Segunda Guerra Mundial inevitável
A Primeira Guerra Mundial foi a consequência da ascensão do imperialismo alemão, que começou a ameaçar seriamente a posição de poder da Inglaterra e França. A indústria pesada alemã, com equipamentos mais modernos do que a inglesa, era uma concorrente perigosa no mercado mundial. Ao mesmo tempo, o imperialismo alemão estendeu seus tentáculos aos distritos de matéria-prima que até então Inglaterra e França haviam dominado. O famoso episódio no qual o cruzador “Panther” foi enviado para o Norte da África para se manifestar pelos interesses de mineração da empresa alemã Mannesmann no Marrocos foi um exemplo eloquente disso. No entanto, o poder do imperialismo alemão foi direcionado principalmente para a Ásia Menor (Ferrovia Bagdá, política dos Bálcãs, anexação da Bósnia e Herzegovina pela Áustria, etc.). Estes desenvolvimentos, após as guerras dos Bálcãs, resultaram enfim na Guerra Mundial[1].
Hoje, sinais semelhantes aparecem novamente e são crescentes os pressentimentos de uma nova guerra mundial. Outra guerra mundial é inevitável, pois ninguém pode conter o desenvolvimento das forças produtivas. O desenvolvimento das forças produtivas em países cada vez mais novos tem a certeza absoluta de resultar em seu aparecimento ao lado dos antigos como novas potências imperialistas e em disputas por seu lugar ao sol. Agora que os países asiáticos também foram arrastados para o círculo do capitalismo mundial, a produção de máquinas também foi introduzida lá. Não menos importante, pelo fato de terem começado com uma técnica e métodos produtivos em seu mais alto estágio de desenvolvimento, esses jovens países capitalistas atingem um enorme grau de poder econômico, político e militar. Eles exigem “sua parte” do mercado mundial e tentam garantir para si fontes de matéria-prima.
O Japão, não sem motivo chamado de Alemanha do Oriente, em muitos aspectos lembra a posição que a Alemanha ocupava antes de 1914. Além disso, não se deve esquecer que as condições semifeudais no interior do Japão possibilitam um grau de exploração da classe trabalhadora que parece impossível mesmo hoje nos antigos países capitalistas, de modo que a produção japonesa se tornou uma concorrente que não pode mais ser derrotada por meios econômicos (ver “Die Grundlagen des gelben Imperialismus” [Os Fundamentos do Imperialismo Amarelo], Rätekorrespondenz, nº 7[2]).
Então também não é surpreendente, portanto, que o Japão esteja anexando uma província chinesa após a outra, enquanto estende mais e mais seu domínio econômico sobre os territórios mais distantes das Índias inglesa e holandesa, da Austrália, etc. É bem-sabido, portanto, que as principais artérias do imperialismo inglês são afetadas por isso e, logo, geralmente se presume que os acontecimentos no leste da Ásia sejam apenas o prelúdio da nova guerra mundial.
O desenvolvimento da Rússia em um poder industrial e militar de primeira linha agrava ainda mais a tensão dessa situação. A Rússia também está tentando estender sua influência na China (China Soviética, levantes no Turquistão e conflito a respeito da Ferrovia da China Oriental, 1929). No processo, se utiliza inteligentemente a desintegração do Grande Império chinês, que não representa mais uma entidade única, tanto no sentido econômico como político.
A grande luta por uma nova redistribuição do mundo pode estourar a qualquer momento, logo, todos os países estão se armando em um ritmo febril. Esta grande luta muito provavelmente não se deixará ser adiada por mais tempo. Assim, não se pode perder de vista que ela não começará diretamente como uma guerra mundial, mas sim como um conflito entre dois países para o qual cada vez mais países serão arrastados. Portanto, todo conflito armado hoje entre dois países é, ao mesmo tempo, uma escaramuça avançada da Segunda Guerra Mundial.
A preparação ideológica da Segunda Guerra Mundial
Todos os países estão se preparando febrilmente para aperfeiçoar o armamento. Porém, não se trata apenas da produção de armas tangíveis, como tanques, gás venenoso, bombas, etc. Ainda mais importante é a preparação ideológica para a guerra, para que, acima de tudo, as amplas massas trabalhadoras participem dela com entusiasmo. Uma classe trabalhadora forçada a participar da guerra contra sua vontade significa resistência e insubordinação; e greves que colocam em risco a condução bem-sucedida da guerra irrompem com muita facilidade. A máquina militar, por melhor equipada que possa estar, só pode funcionar em caso de guerra se toda a classe trabalhadora, por meio de seu trabalho nas fábricas, a abastecer de todas as suas necessidades. É por isso que a classe dominante deve, acima de tudo, preparar a classe trabalhadora ideologicamente para a guerra. Uma propaganda sistemática, equipada com todos os meios de que dispõe a sociedade moderna, há muito tempo influencia o pensamento das massas trabalhadoras e despertou nelas a crença de que, em caso de uma guerra, elas lutarão em defesa de seus próprios interesses.
É claro que essa preparação ideológica não é feita proclamando abertamente que o conflito será sobre a redistribuição de mercados e fontes de matéria-prima. Os trabalhadores são chamados a defender “sua própria” cultura (nacional), como foi feito na Guerra Mundial de 1914. Naquela época o fantasma do tsarismo sangrento com seus cossacos semisselvagens levou milhões de trabalhadores alemães para os braços da guerra. Os trabalhadores franceses estavam nos braços dos militaristas. Os trabalhadores franceses foram instados a derrubar o domínio através da força prussiano e o monarquismo alemão, enquanto os trabalhadores ingleses e estadunidenses lutavam para levar as bênçãos da democracia ao mundo.
E hoje a mesma coisa acontece.
As condições econômicas desesperadoras na Europa Central forçaram uma união de todas as forças nacionais através da qual o capitalismo monopolista ganhou força para iniciar a luta por uma redistribuição do mundo. A forma governamental fascista, que alinha todo o capital e força de trabalho à nação, é por isso também a preparação desses países para a luta pela redistribuição do mundo que em breve começará. Nesse sentido, o fascismo e o nacional-socialismo conduzem sem dúvida à guerra. No entanto, isso também é verdade para as grandes potências do Ocidente, embora para elas seja uma questão de manter sua posição privilegiada. O que essas potências tomaram e roubaram ao longo dos anos, elas querem manter. Tanto as potências fascistas quanto as democráticas conduzem, por isso, de ambos os lados, à guerra. O capital nos países fascistas quer e deve estender sua zona de influência; o capital nos países democráticos não pode permitir isso e se dirige para a “guerra contra o fascismo”. Essa luta do capital entre os países “democráticos” e os “fascistas” está sendo habilmente camuflada como uma luta na qual as grandes massas trabalhadoras estarão diretamente interessadas.
Nos países fascistas, as grandes potências capitalistas do Ocidente são acusadas de exigir tributos de todo o mundo e todo o “povo” é reunido para lutar como um só pela saída da necessidade e da miséria e em direção a um futuro melhor. Nos países ocidentais, por outro lado, o fascismo e o nacional-socialismo aparecem como a tirania que suprime barbaramente toda opinião e, acima de tudo, rouba dos trabalhadores seus direitos políticos e suas organizações independentes. Portanto, a palavra de ordem “Contra o fascismo!” torna-se o grito de guerra de todos os partidários abertos e ocultos da classe dominante e serve para alistar as amplas massas populares no esforço de guerra.
Os trabalhadores revolucionários não serão enganados por tal propaganda. Eles sabem muito bem que o motivo da guerra não é o fascismo; que a vitória de um ou do outro não significa um futuro melhor para eles.
É indiferente para eles quem possa ser o vencedor nessa luta pela redistribuição do mundo. Eles sabem que terão que pagar a conta, não importa quem vença.
A situação dos trabalhadores nos países “democráticos” é geralmente mais confortável do que naqueles em que o fascismo governa. Mas isso não significa que a culpa seja do fascismo. Se os padrões de vida das grandes massas são mais altos em países como Inglaterra, França e Holanda do que na Alemanha, não deve se esquecer que o capital de lá tem maiores reservas, acumuladas por uma exploração quase desenfreada das colônias. Essa exploração das colônias ainda possibilita padrões relativamente bons para os trabalhadores da Europa Ocidental no momento.
O contraponto a isso é a miséria incomensurável das centenas de milhões da população das colônias. Aliás, as condições na indústria de carvão na Bélgica, por exemplo, mostram que lá também não pode se falar de uma vida boa (ver o primeiro artigo desta edição)[3]. Por outro lado, os padrões de vida nos países fascistas de hoje não caíram porque os fascistas chegaram ao poder, mas, pelo contrário, foi exatamente a piora das condições econômicas que levou os fascistas ao poder.
Uma nova guerra só traz mais miséria e uma exploração mais nítida para as massas trabalhadoras. Quem quer guerra contra o fascismo para deter o contínuo declínio do padrão de vida engana a si mesmo. Os trabalhadores não ganharão nada dando apoio a tal guerra.
Porém, a classe trabalhadora não deve defender os direitos políticos concedidos a ela pela democracia burguesa contra o fascismo? Pode sacrificar sem luta o que gerações de trabalhadores alcançaram e o que se tornou real apenas no final da [Primeira] Guerra: sufrágio livre e universal, direito de organização e reunião, liberdade de imprensa, ou seja, democracia burguesa também para a classe trabalhadora? Ninguém pode negar que o fascismo, quando destrói esses direitos adquiridos recentemente, confronta a classe trabalhadora como um inimigo. Mas aquele que conclui que, portanto, a classe trabalhadora nos países em que predomina a ordem democrática se unirá à sua burguesia na guerra contra os países fascistas engana não apenas a si mesmo, mas também especificamente à classe trabalhadora.
A classe dominante nos países democráticos não é menos inimiga da classe trabalhadora do que a classe dos senhores que comanda os países fascistas. Logo, se os trabalhadores creem ter em mãos com os direitos políticos da democracia burguesa um meio de poderem representar seus interesses nesta sociedade, um meio com o qual podem obter reconhecimento e que finalmente o usarão como trampolim para conquistar o poder político, então é uma ilusão. A classe trabalhadora nunca possuiu tal poder político. Muito pelo contrário, a classe trabalhadora só recebeu privilégios políticos quando as grandes organizações operárias garantiram que não abusaria destes direitos. Esses direitos não poderiam servir aos interesses da classe trabalhadora contra a classe dominante. Onde tais esforços foram feitos ainda assim, as organizações operárias reconhecidas se colocaram abertamente do lado da classe dominante. Essas organizações denunciaram tais ações como ilegais e declararam como selvagens as greves dos trabalhadores que desafiavam sua própria liderança mediadora. E então, os direitos políticos, o direito de reunião, a liberdade de imprensa e o direito de organização e o direito à greve também são abolidos pela ordem democrática. A força armada desfila nas ruas e demonstra o poder absoluto da classe proprietária.
Os direitos políticos, dos quais a classe trabalhadora só pode fazer uso através das organizações operárias reconhecidas, servem apenas para integrar a classe trabalhadora à ordem democrática. Os direitos políticos apenas se tornam um dever de submissão à liderança das organizações operárias e às ordens da classe dominante. Mas, quanto mais feroz se torna o antagonismo de classes, mais os trabalhadores são obrigados a lutar sem direitos políticos e contra as organizações operárias que os subordinam à “ordem” desses direitos.
A abolição geral dos direitos políticos e da democracia que ocorre quando as organizações operárias não estão mais em condições de manter em cheque a atividade da classe trabalhadora está a apenas um passo da situação atual.
Na Alemanha e na Itália, essas medidas da classe dominante já foram tomadas e a ditadura escancarada se tornou um fato, e nos países ainda democráticos, não há dúvida de que os mesmos métodos serão seguidos quando as amplas massas trabalhadoras não obedecerem mais às ordens das organizações operárias reconhecidas. Sob a dura realidade da intensificação da luta de classes, a ilusão de que os “direitos políticos” levam à emancipação da classe trabalhadora está desaparecendo mesmo nos países democráticos e na mesma medida em que os trabalhadores percebem o real caráter dos direitos políticos, eles também enfrentarão a ditadura indisfarçada da classe dominante. Neste aspecto, a burguesia é tão fascista aqui quanto lá e é com este fascismo com o qual a classe trabalhadora tem de lidar. É a sua própria burguesia que sujeita os trabalhadores aos interesses do capital – com “democracia” e “direitos políticos”, contanto que os trabalhadores possam ser incorporados por elas e com a ditadura sem disfarces quando a democracia falha.
A classe trabalhadora deve lutar contra o capitalismo sempre e em todos os lugares, independentemente de ele usar formas democráticas ou fascistas de governo. O trabalhador assalariado é explorado pelo capital tanto em uma democracia quanto sob o fascismo. Portanto, para nós, trabalhadores, é indiferente quem leva a melhor na guerra. Um trabalhador com consciência de classe não pode pensar em apoiar sua “própria” burguesia; ele tem apenas um inimigo, e este é a classe dominante que o oprime. Se as atividades de guerra de seu “próprio” país sofrem com isso, mesmo que a derrota militar de sua “própria” burguesia resultasse dessa atitude, ele não tem razão para adotar uma atitude conciliatória em relação à sua “própria” classe proprietária.
Os trabalhadores são uma classe oprimida em todo o mundo; se eles querem emancipar-se da escravidão assalariada e assumir para si o controle da produção, eles devem em todos os lugares e em todos os países lutar contra as classes proprietárias.
O “Movimento da Classe Trabalhadora” como Jingoísta
O assim chamado movimento da classe trabalhadora já assumiu para si o papel de conduzir os trabalhadores à guerra ao lado da “sua” burguesia nacional. Ao mesmo tempo, a classe proprietária nunca se cansa de enfatizar seu amor pela paz, enquanto, para supostamente “garantir” a paz, fortalece o seu arsenal. De forma similar, a social-democracia e o movimento sindical proclamam-se os campeões da paz, enquanto já preparam, na realidade, as massas para a guerra contra o fascismo.
A palavra de ordem burguesa “Quem quer a paz, deve preparar-se para a guerra” é interpretada pelo movimento sindical como: “Se queremos a paz, devemos nos preparar para a guerra contra a Alemanha e Itália fascistas”. Eles declaram o imperialismo dos países democráticos inimigo da classe trabalhadora (ainda hoje), mas o imperialismo fascista é seu inimigo mortal. E o próprio movimento operário, o partido social-democrata e as organizações sindicais com suas burocracias não enfrentam mais o Estado Democrático como um inimigo. O Estado os reconhece; sua função é a de mediador entre a burguesia e o proletariado na ordem democrática. O Estado Democrático forma a base de sua existência. Em contrapartida, uma vitória do imperialismo fascista ameaça sua existência. Ele suprime nos países derrotados a ordem democrática e com isso destrói também as organizações operárias que são por ela construídas e leva ao poder a organização partidária fascista que já existe hoje. Se o Estado democrático é subjugado por uma vitória do imperialismo fascista, o mesmo acontece com as organizações de trabalhadores que encontram sua existência na democracia. As classes continuam, elas se organizam de maneira fascista, nacional-socialista. A classe proprietária dos países democráticos pode fazer as pazes com o fascismo, ela pode se submeter ao fascismo mesmo sem se sujeitar à guerra, ela pode também se alinhar ao imperialismo fascista, pode se ligar ao imperialismo fascista, ela pode tornar sua a forma de governo fascista sobre o proletariado.
A burocracia das organizações operárias não pode fazer isso; ela está vinculada, para o bem ou para o mal, à democracia burguesa. É por isso que ela também não trai, ela não renega seus princípios quando convoca a guerra contra os países fascistas. Pelo contrário, ela defende esses princípios com a maior consistência quando quer preservar essa mesma condição prévia, a parceria[4] entre capital e trabalho, mesmo que através da guerra.
Desde o surgimento da Rússia como uma grande potência capitalista, as políticas da Terceira Internacional também foram modificadas. A Rússia segue uma política de alianças com outras potências capitalistas e as políticas da Terceira Internacional devem ser adequadas a essa política externa da Rússia.
A propaganda da Terceira Internacional, que há muito tempo já havia perdido seu caráter revolucionário, agora tinha de ser completamente ajustada a essa política de alianças da Rússia. Na França, que entrou em aliança com a Rússia, o Partido Comunista formou uma frente única com os social-democratas e juntou-se, portanto, à “frente nacional”. Também em outros países democráticos da Europa Ocidental, como Inglaterra, Holanda e Bélgica, essa frente única também está sendo visada. O leitmotiv desse esforço de adesão no interior da social-democracia é: “reunir todas as forças contra o fascismo”. Logo, assim escreve o Tribune (Partido Comunista da Holanda) de 2 de outubro de 1935: “O nazi-fascismo ameaça com sua filial, o ‘fascismo de Mussert[5]’ na Holanda a independência das massas populares dos Países Baixos […]. Qual a tarefa dos comunistas em uma situação assim? […] Os comunistas se colocarão na primeira fileira em defesa da independência nacional”.
Esta hemorragia nacionalista dos órgãos do P.C. Holandês está em total acordo com os modelos de Pieck[6] no 7º congresso da Terceira Internacional, que diz: “Caso o fascismo alemão ameace a independência de nações menores na Europa, sua guerra contra o fascismo será uma guerra justa que apoiaremos”.
Com isso, a Terceira Internacional aderiu inequivocamente à frente do “armamento ideológico”; cooperando com a preparação ideológica para a guerra, essencial para a condução de qualquer guerra moderna. A esse respeito, as condições diferem de 1914. Naquele momento, muitos trabalhadores não esperavam a cooperação da social-democracia e dos sindicatos com a burguesia. Assim como a guerra aconteceu “como um raio que caiu do céu límpido”, veio também a “traição” do movimento operário. Hoje, quando todos estão convencidos de que a guerra vai estourar a qualquer momento, ambas as frentes já estão ocupadas. Hoje não há dúvidas de que, como disse August Bebel[7] em 1912, “na hora do perigo, armas nos ombros”, para defender a pátria, mas sim que eles já estão trabalhando com sua propaganda diária para alistar as amplas massas trabalhadoras à frente nacional.
Independência Nacional e Leninismo
A questão da nacionalidade e, especialmente, a defesa da independência nacional desempenha um papel importante no movimento operário. Com Marx, dizemos: “Os trabalhadores não têm pátria!”. A nação é a estrutura organizacional dentro da qual a classe proprietária regula a exploração da classe oprimida. Mas a luta da classe trabalhadora almejava a abolição dessa exploração e, com isso, da própria classe proprietária, junto da sua organização nacional da exploração, igualmente hostil à classe dominante de uma nação estrangeira. Nesse conflito, os trabalhadores de todos os países, como camaradas de luta, enfrentam os exploradores de todas as nações, e seu objetivo é a organização comunista da produção em todo o mundo. Portanto, uma revolução proletária não pode ser interrompida nas fronteiras nacionais; ela esmaga, se tiver força para tal, todas as fronteiras nacionais para construir a comunidade mundial comunista. A revolução, ao invés de parar nas fronteiras nacionais, luta por sua abolição – não a defesa da independência nacional, mas a aniquilação mesma é o seu objetivo. A classe trabalhadora vitoriosa constrói a economia mundial comunista no lugar das várias nações em constante guerra entre si. Se essa economia mundial é organizada em distritos de produção, essas divisões não são cercadas por “fronteiras nacionais” porque tal organização não tem caráter explorador – os distritos não são antagônicos entre si.
O marxismo revolucionário há muito se expressou inequivocamente sobre essa questão. Restou a Lenin abandonar esse conceito e semear a confusão no campo dos trabalhadores com a teoria desde então conhecida como leninismo. O “leninismo” professa que as nações oprimidas que lutam pela independência nacional são aliadas do proletariado. A teoria, portanto, exige que os trabalhadores de países oprimidos ou ameaçados pelas potências imperialistas ajudem sua própria burguesia na luta contra o opressor estrangeiro. Assim, a Terceira Internacional exortou os trabalhadores na Lituânia a defender sua pátria contra a Polônia; o proletariado da Turquia foi instado a apoiar a classe dominante na defesa da independência nacional, enquanto a Rússia Soviética deu ajuda material ao fortalecimento econômico e militar a nação turca. A nação turca, por sua vez, mostrou sua “gratidão” suprimindo greves e outras formas da luta de classes com bárbara severidade.
De maneira similar, a guerra nacional de libertação na China foi saudada como revolucionária no sentido proletário e os trabalhadores chineses foram instados a reunir-se e apoiar o Kuomintang (Partido do Povo)[8].
O general burguês Chiang Kai Shek[9] foi homenageado pela Internacional Comunista como líder do “Exército Vermelho” chinês” e criou-se a impressão (em 1927) de que a revolução mundial tomaria seu curso a partir da China. Foi preciso pouco tempo para que essa ilusão espalhada pela Terceira Internacional fosse quebrada. A jovem burguesia chinesa aproveitou com inteligência o apoio das massas trabalhadoras em Cantão, Xangai, etc., enquanto a independência nacional contra o imperialismo inimigo da Inglaterra, EUA e Japão estava em jogo. No entanto, mal havia conseguido um pouco de independência quando se voltou contra esses mesmos trabalhadores. Sob as ordens do mesmo “general “vermelho”, Chiang Kai Shek, que a Terceira Internacional elogiara como herói, dezenas de milhares de trabalhadores foram executados, prisioneiros foram decapitados e foram enforcados em filas, sem consideração pelo serviço anterior prestado pelos trabalhadores à “nação” Chinesa. Tornou-se uma matança de trabalhadores em escala maior do que aquela realizada pela burguesia francesa após a derrota da Comuna de Paris. Os trabalhadores foram pegos completamente de surpresa. Eles não estavam preparados para isso. Os próprios comunistas não tinham apresentado Chiang Kai Shek como o general vermelho, o líder da revolução?
O presidente dos Estados Unidos, Wilson[10], deu à luz o gêmeo dessa teoria leninista, a saber, o “direito à autodeterminação dos povos”. Essa teoria serviu às grandes potências imperialistas que saíram vitoriosas da Guerra Mundial na divisão da Monarquia do Danúbio, para limitar o poder da Alemanha geograficamente e no que diz respeito às fontes de matérias-primas e para tornar independentes os países periféricos ao redor da Rússia. Seu objetivo era impedir que qualquer um desses países se tornasse grandes potências e o “direito à autodeterminação dos povos” as serviu bem nesse propósito.
A “independência nacional das nações oprimidas” do leninismo, onde foi realizada, teve o mesmo efeito que a “autodeterminação dos povos” de Wilson. Ambas servem para proteger a existência dos pequenos países independentes contra as grandes potências imperialistas, mas as interpretações diferem na aplicação da teoria a casos específicos. Então, onde possível, as grandes potências decidem de acordo com seus próprios interesses e a salvaguarda de seu próprio poder. A Rússia Soviética, portanto, se esforça para desenvolver forças que resistam às grandes potências imperialistas e conquistem independência, mas apenas para fortalecer sua própria posição de poder.
Assim, essa teoria, seja em sua forma wilsoniana ou leninista, desempenha um papel na busca pelo poder das classes dominantes nos novos países capitalistas, nos quais uma jovem burguesia luta pela autonomia política, bem como nas políticas dos países industriais modernos (incluindo a Rússia) que apoiam a “autonomia” ou “independência” nacionais onde corresponde aos seus interesses, mas as combatem e destroem onde entram em conflito com eles.
A Terceira Internacional não apenas defendeu a “independência nacional” da Turquia, Lituânia e China, mas no período de 1921 a 1925, a Alemanha foi incluída na lista de nações oprimidas pelos imperialistas, cujos interesses nacionais deveriam ser defendidos. O tratado militar secreto (Rapallo, 1922[11]) entre a Alemanha burguesa e a Rússia Soviética foi justificado por esses motivos. Esse tratado permitiu à burguesia alemã construir fábricas na Rússia para a produção de suprimentos de guerra que a Alemanha, conforme o Tratado de Versalhes, não poderia fazer dentro da própria Alemanha. Com a ajuda da Rússia, a burguesia alemã estava assim armada em sua luta de libertação contra os opressores imperialistas França e Inglaterra. O fato de que essa “emancipação nacional” da Alemanha finalmente assumiu a forma do regime nacional-socialista de Hitler, hostil à Rússia, reverteu atitude anterior da Terceira Internacional em relação ao país. A Alemanha aparece agora na propaganda como imperialismo fascista, como o a pior inimiga da independência nacional de pequenas nações cujas independências nacionais eram ameaçadas pelo fascismo de Hitler.
A teoria leninista da luta pela independência nacional causou estrago suficiente ao movimento revolucionário alemão desde 1921. O leninismo, como propagado pelo Partido Comunista Alemão, exigiu a cooperação com sua própria burguesia na resistência contra as sanções da entente e a ocupação do Ruhr pelas tropas francesas.
O Partido Comunista alegou ser o partido nacional da Alemanha e Clara Zetkin[12] ofereceu ao governo a assistência da Aliança dos Combatentes da Frente Vermelha (RFB)[13]. Tudo isso enquanto as massas em várias partes da Alemanha se revoltavam cada vez mais contra a burguesia.
E essa fase do leninismo ainda não foi superada. Em 1916, Lenin escreveu em “Contra a Corrente[14] “que as guerras de libertação nacional na Europa não são impossíveis. A primeira aplicação prática dessa teoria foi na luta nacional de emancipação da Alemanha “oprimida” e hoje ela reaparece na tática da Frente Única que lança os vários partidos comunistas na “luta pela independência nacional” dos países ameaçados pela agora “livre” Alemanha fascista. Lemos no A Tribuna da Holanda de 2 de outubro de 1935: “Mas Lenin já constatou – entre outras coisas, em sua discussão do folheto Junius de Rosa Luxemburgo[15] – que mesmo as futuras guerras nacionais não são impossíveis na Europa e nem toda guerra na Europa precisa ser imperialista. O Sétimo Congresso Mundial[16] da Internacional Comunista apresenta agora essa possibilidade de forma concreta. Por quê? Devido à vitória do fascismo alemão, a principal força motriz para a guerra, que ameaça a independência nacional de vários pequenos Estados. Estamos pensando em países como a Tchecoslováquia, os países Bálticos, a Áustria. Mas também na Holanda. O fascismo nazista com sua filial na Holanda, o fascismo de Mussert, ameaça a independência das massas holandesas”.
O Sétimo Congresso Mundial considerou provável que, em caso de guerra em defesa contra ataques fascistas, a resistência nacional burguesa assumisse o caráter de uma guerra nacional de libertação.
Embora não em primeiro lugar, a Holanda pode chegar a tal posição! Por isso, certamente deve-se contar com o fato de que a burguesa dos Países Baixos não é apenas a burguesia de uma pequena nação, mas também e acima de tudo a burguesia opressora e imperialista de um grande império colonial.
Qual é o dever dos comunistas em tal situação? O Sétimo Congresso Mundial respondeu:
“Os comunistas estarão nas fileiras de frente da luta pela independência nacional.” (destaques da Rätekorrespondenz)
Mais uma vez, a Terceira Internacional está sendo usada para lançar a classe trabalhadora revolucionária na luta pelos interesses da grande potência industrial que é a Rússia, e o leninismo fornece a teoria para justificar o fato de que a classe trabalhadora está sendo entregue à burguesia nacional e à loucura da guerra.
A Quarta Internacional (oposição trotskista) e o “Leninismo”
A Quarta Internacional, que já foi anunciada várias vezes, mas ainda não se tornou realidade, da qual Trotsky é o profeta que ainda está na perspectiva esperançosa de organização, afirma ser a autêntica representante do leninismo. Ela defende o apoio às nações oprimidas em sua luta pela libertação nacional. O “Unser Wort” [Nossa Palavra], setembro, 1935, nº 9, jornal quinzenal da IKB [Internationale Kommunistenbond; Liga Comunista Internacional], diz: “Um boicote internacional contra a Itália e seus aliados na guerra abissínia[17] deve ser organizado. […] Cada remessa, cada navio italiano no qual há mercadorias para a Itália deve ser parado”. E no nº 11 do mesmo jornal se diz: “O proletário só pode se emancipar se lutar simultaneamente pela emancipação das nações coloniais oprimidas. O proletariado, portanto, luta pela vitória da Abissínia e derrota da Itália. A única questão é se com ou contra sua própria burguesia […]. Devemos expor impiedosamente a fraude das sanções imperialistas e defender as ações proletárias revolucionárias contra a burguesia mundial. O proletariado, com sua própria organização, deve realizar o boicote não apenas contra a Guerra da Itália, mas também contra os preparativos de guerra da Grã-Bretanha. A greve dos trabalhadores dos transportes em todos os países imperialistas deve ser defendida e organizada”.
O “Neue Front” [Novo Fronte], novembro, n. 21, 1935, diz: “Antes de qualquer outra coisa, apoiamos a defesa determinada da Abissínia (ver a defesa da AIG na metade de agosto); mas também nos opusemos antes de tudo às sanções da Liga das Nações e defendemos as sanções da classe trabalhadora (ver o nº 17 da Neue Front e todo o surpreendente trabalho do ILP). […] Se as sanções forem deixadas nas mãos dos imperialistas, a classe trabalhadora perderá todo o controle dos desenvolvimentos futuros e ficará especialmente impotente diante do perigo da guerra que se desenvolve como consequência das sanções”.
Então, o “Nieuwe Fakkel” [Nova Chama], órgão do RSAP[18] na Holanda (que se afirmou a favor da IV Internacional), de setembro, n. 6, 1935, defende “os direitos do povo abissínio”, mas não em conjunto com o governo britânico, porque esse último “está preocupado apenas com o poder e prestígio do imperialismo inglês”.
Muito bem, eles querem ação independente da classe trabalhadora. No entanto, ignorando que tal ação na realidade se encaixa nos planos do governo inglês (ou da Liga das Nações e da Segunda e Terceira Internacionais), a pergunta que surge é: “Quais são afinal esses direitos peculiares, os direitos do povo abissínio?” Até onde sabemos, não existe “povo” para os trabalhadores revolucionários; povo só existe para a classe dominante. A “nação independente” consiste em classes que estão em contradição insuperável entre si. Apenas o burguês torna essas classes um “povo” para poder explorar melhor essas classes oprimidas para usá-la para suas ambições. Os “direitos de um povo” nunca foram nada senão os direitos da classe dominante.
E a Abissínia não é exceção a isso. Aliás, “independência” também é seu próprio sentido. Na superfície, a guerra ítalo-etíope aparece como um conflito no qual a Abissínia defende sua independência. Porém, na realidade, é um conflito travado dentro do capitalismo mundial, aqui entre Inglaterra e Itália. Como se sabe, as grandes potências dividiram a Abissínia há muito tempo, para a insatisfação da burguesia italiana. Ela exige a expansão de sua esfera de interesse e a livre disposição sobre os recursos minerais remanescentes. O que a casta exploradora feudal “quer” ou “não quer” da Abissínia é pouco importante.
Essa casta, que está interessada na manutenção dessas relações medievais de exploração, se submeteu inteiramente à Liga das Nações – nesse caso, França e Inglaterra. A Abissínia luta por sua independência nacional na medida em que deseja perpetuar as relações de exploração vigentes. Mas, nessa luta pela “independência nacional”, ela deve ser guiada pelos interesses das grandes potências. A Abissínia não é mais que uma peça no jogo de xadrez político que é movida pelas grandes potências. A Abissínia “independente”, portanto, não fez um único movimento independente em toda essa questão, mas desde o início permitiu que a Inglaterra ditasse sua posição. As negociações e conversas dos representantes da Abissínia na Liga das Nações, as trocas de notas com a Itália, tudo traz o carimbo de uma refinada democracia na qual o discurso serve para ocultar os pensamentos e que trai claramente a mão de uma diplomacia com experiência nisso. A Itália não está travando essa guerra contra uma “Abissínia independente”, mas sim contra a Inglaterra; uma guerra ainda travada provisoriamente em solo abissínio porque a Inglaterra deve, enquanto pode, conservar e preparar suas forças para os conflitos maiores que virão.
No conflito ítalo-etíope, os antagonismos imperialistas das grandes potências colidiram inevitavelmente. Até agora, esse conflito é apenas uma preliminar da incipiente Segunda Guerra Mundial; ele pode se tornar a faísca para incendiar o mundo inteiro. Mas não significa, de modo algum, que isso deve levar diretamente à Segunda Guerra Mundial.
As potências dominantes, é claro, tentarão evitar a conflagração mundial pelo maior tempo possível; pois, embora saibam por onde começam, ninguém pode dizer como terminará. Em última análise, não é a vontade das potências dominantes que decide, mas as necessidades da luta para manter sua dominação. É um dever ainda maior da propaganda revolucionária lutar contra a hegemonia ideológica da classe dominante para evitar a destruição completa da classe trabalhadora.
Porém, a Quarta Internacional, que sob a liderança de Trotsky ainda quer defender a Rússia Soviética, aceitou o leninismo como guia político. Mas o leninismo é uma teoria adaptada ao desenvolvimento da Rússia como uma grande potência industrial, e impulsiona os trabalhadores que a apoiam irresistivelmente para uma das frentes imperialistas.
Impedindo a Guerra
Quando se leva em conta a atitude das organizações dos trabalhadores sobre o problema da guerra, a imagem que se pinta sem dúvida não é edificante. Os partidos social-democratas e comunistas e os sindicatos já aderiram às frentes nacionais. A Quarta Internacional, entre outros, como o RSAP, na Holanda, adota uma atitude ambígua. Ela quer lutar contra o fascismo e pela “independência das nações oprimidas”, mas, ao mesmo tempo, também contra sua própria burguesia. Mas a ambiguidade nessa questão é uma impossibilidade; o resultado é ou a falência política total ou desempenhar um papel como o antigo SPD, mais tarde NCP [Nederlandsche Communistische Partij; Partido Comunista dos Países Baixos], na Holanda, durante o período de guerra que lutou tanto contra o imperialismo alemão como contra o inglês, mas que endossou o imperialismo inglês na política prática. (ver “Het Opportunisme in de NCP” [O Oportunismo no NCP], de Herman Gorter)
Além disso, ainda existem vários grupos, como pacifistas, idealistas revolucionários, anarquistas e marxistas de esquerda, etc., que, embora poucos em número, não se deixaram arrastar pelo redemoinho do nacionalismo e direcionaram suas energias para evitar a guerra.
A questão é apenas essa – a guerra pode ser “evitada”? Nós só podemos dar uma resposta após revisar o que a classe trabalhadora pode fazer, quais forças ela tem à sua disposição, quais são as possibilidades de luta ou de resistência e quais são objetivos assim buscados.
Nós perguntamos: as massas, quando a segunda guerra se tornar realidade, liderarão uma política independente? Elas, em oposição a todos os partidos políticos, sindicatos e ao governo, responderão à ordem de mobilização com a greve geral e a insurreição? Até agora, não há indicações disso. As massas teriam que assumir a luta contra o Estado e contra todo o assim chamado “movimento operário”, e teriam que continuar prosseguindo de forma independente sob sua própria direção, porque ninguém pode fazer isso por ela. É verdade que aqui e ali sinais de tal luta são visíveis, mas em vista das grandes forças que enfrentam quando eclode a guerra, isto significa muito pouco.
Este poder é gigante. Não se pode esquecer que a classe proprietária em todos os países concentra, por isso, todo o seu poder na guerra porque para ela é uma questão de existir ou não existir enquanto classe proprietária. Nesta questão vital, ela quer decidir por si mesma e, deste modo, não pode ser impedida por iniciativas pacifistas nem por trabalhadores rebeldes. É por isso que ela empregará toda sua força, mesmo antes do tempo, para sufocar toda tentativa de impedir a guerra; ela conterá toda tentativa com os meios incisivos. É por este motivo que a luta contra a guerra não pode ser liderada no sentido de que uma guerra será “evitada”; a luta em toda a sociedade precede a prevenção da guerra. Não se trata de “impedir a guerra”, mas sim de se a classe trabalhadora pode eliminar inteiramente a classe capitalista e estabelecer seu próprio controle sobre a sociedade.
A simples propaganda da greve geral como meio de evitar a guerra não conta com essa eventualidade. É claro que os círculos anarquistas incluem a palavra de ordem “Pela greve geral até a revolução social” à sua propaganda de greve geral. Mas, desta forma, a palavra de ordem é estéril, porque apresenta uma imagem completamente errônea do processo revolucionário. Pois a greve geral, tal como concebida pelos anarquistas, é uma ilusão. Sua concepção é de que todos os trabalhadores paralisam o trabalho como um homem. Na realidade, no entanto, a grande massa de trabalhadores segue hoje a liderança das organizações operárias reconhecidas e está sob o feitiço da ideologia nacionalista. Os opositores da guerra, no seu início, constituem apenas uma pequena minoria. A ilusão da greve geral e da revolução social que se seguirá colapsa então como um castelo de cartas. E o resultado é somente decepção e confusão entre os trabalhadores que depositaram nisso sua esperança.
É diferente quando a revolução social não é vista como um apêndice da greve geral, mas como um processo que ocorre ao longo do tempo, passando pela “paz” e pela guerra, até sua conclusão final. Esse processo é o processo de desenvolvimento do movimento das massas sob sua própria direção. O movimento operário oficial não se preocupa mais com a defesa dos interesses de classe dos trabalhadores, porque seu elemento essencial é a colaboração entre capital e trabalho, que só pode resultar em um agravamento das condições da classe trabalhadora. Os interesses de classe do proletariado só podem ser defendidos pela luta de classes mais incisiva contra a burguesia e o antigo movimento operário. Essa convicção está sendo lentamente quebrada. Os movimentos de massa dos últimos três anos na Espanha, França, Bélgica e Holanda demonstram isso. Entre os trabalhadores cresce a convicção de que toda relação amistosa com a burguesia deve ser destruída, de que a classe trabalhadora só pode se manter por meio de uma luta de classes implacável contra a classe proprietária.
Assim, o conflito entre a burguesia e o proletariado torna-se irreconciliável e o proletariado mundial encontra a sua unidade contra a burguesia mundial. Essa unidade surge das violentas lutas de classes em todos os países. As massas perdem suas antigas concepções nacionais que visam à cooperação com sua própria burguesia, abrindo caminho para novos objetivos: a derrubada da burguesia nacional, a destruição do capitalismo, a abolição do trabalho assalariado e o estabelecimento de uma economia mundial comunista planejada. Esse é o processo de desenvolvimento do movimento de massas. Essa é a gênese da revolução social mundial.
Embora o conceito de greve geral para impedir a guerra seja sem dúvida ilusório, ainda é possível que grandes grupos resistam à guerra. Tal resistência na forma de greves de massa, entre outras, embora não universal, pode ser de grande importância para a luta contra a guerra, mas não podem impedi-la. Tais greves de massa na eclosão da guerra são de grande valor para a luta futura das amplas massas porque mostram os métodos que elas mesmas terão por fim que adotar. Elas mostram por meio da ação que não foram desviadas de sua posição de classe pelo nacionalismo e que continuarão na luta de classes mesmo durante a guerra, elas mostram na prática quais são os pontos fracos da guerra e não deixam dúvidas de que, para elas, ainda se trata de derrubar sua própria burguesia. As greves de massa como ação contra a guerra são de caráter essencialmente político; não são apenas ações contra a guerra e contra a burguesia, mas também um apelo a toda a classe trabalhadora para seguir seu exemplo. Especialmente em tempos de guerra, quando todo tipo de propaganda entre as massas se tornou impossível, tais greves políticas de massa são indispensáveis para a luta de classes revolucionária. Elas são um chamado de união; elas são um exemplo; elas se tornam o programa da insurreição geral e da revolução proletária.
O Inimigo Está Dentro do País
O trabalhador revolucionário não conhece nenhuma pátria. A classe proprietária do mundo inteiro é sua inimiga, a burguesia francesa, a burguesia inglesa são suas inimigas, assim como sua própria burguesia. Mas se ele quer se emancipar enquanto classe da dominação burguesa, ele só pode fazê-lo lutando contra e derrubando diretamente a burguesia que o governa. O inimigo é a “própria” burguesia. Liebknecht cunhou a frase: “o inimigo está dentro de nosso próprio país”. Seria mais correto dizer: O inimigo imediato, o inimigo com o qual temos de lidar diretamente, está dentro de nosso país. Pois a burguesia de outros países não é menos sua inimiga que sua própria burguesia, o que quer dizer que a classe trabalhadora lá fora deve lidar diretamente com ela [sua própria burguesia].
Mas não nos iludamos. No início da guerra, grandes setores da classe trabalhadora não são revolucionários. Eles muito provavelmente sucumbiram à propaganda nacional, foram tomados pelo frenesi nacionalista. Eles querem a derrota do inimigo do país; a propaganda fará com que a burguesia estrangeira apareça como a inimiga. E como as greves em massa e outras ações contra sua própria burguesia, ao mesmo tempo, fortalecerão a burguesia estrangeira, porque a derrota de sua própria burguesia na guerra é, ao mesmo tempo, a vitória da burguesia estrangeira, um grande número de trabalhadores se voltará contra tais ações. Isso chegará ao ponto de mesmo os trabalhadores revolucionários que defendem a palavra de ordem “o inimigo está dentro de nosso próprio país” questionarem essa posição. É compreensível, como já discutimos, que o medo do imperialismo fascista seja maior que o do imperialismo democrático.
Isso já é evidente na atitude da Quarta Internacional de Trotsky em relação à guerra ítalo-etíope, quando pede a derrota da Itália em favor da vitória etíope. A influência desse medo nas políticas destes grupos será maior se seu próprio país democrático for ameaçado pelo inimigo fascista ou nacional-socialista. E quando o inimigo fascista é fortalecido ou levado à vitória pela luta contra a burguesia interna, podemos prever com segurança que esses grupos recuarão diante dessa consequência da luta de classes revolucionária. Mas os próprios trabalhadores enquanto classe não têm pátria nem posições especiais e nenhuma democracia burguesia com seus direitos para defender. Mas a guerra intensificará o sofrimento e a miséria até que sejam insuportáveis e, eventualmente, forçará as massas a resistirem a ela. Então fica claro que o inimigo imediato está dentro de seu próprio país. A resistência das massas trabalhadoras cresce e leva a movimentos de massa. Em seguida, porém, ficará evidente até que ponto o caráter essencial desse movimento de massas é entendido pelos trabalhadores, pois o curso desses movimentos não depende menos disso. Quanto mais os trabalhadores tiverem consciência de que os movimentos de massas, dirigidos e executados pelos próprios trabalhadores, não são meras ações de miséria e desespero, mas, ao mesmo tempo, contêm todos os elementos da sociedade comunista, mais diretamente revolucionários esses movimentos se tornarão. Eles então visam diretamente a derrubada da burguesia e a dominação dos conselhos operários.
Assim, a tarefa dos trabalhadores revolucionários, inseparável da tarefa da classe trabalhadora como um todo, é perfeitamente clara. Aquele que se libertou da fórmula mágica, a “greve geral como prelúdio à revolução social”, que rompeu com o “leninismo” e sua propagandeada defesa da “independência” das nações oprimidas, que percebe que impedir da guerra só é possível se a classe trabalhadora tomar o poder, e que é indiferente se a burguesia interna ou o “inimigo” são vencedores na guerra, para ele a tarefa está clara e simplesmente definida:
Os trabalhadores de todos os países, libertos do antigo movimento com suas ilusões democráticas e outras tantas, têm apenas um objetivo em vista: o desenvolvimento e o fortalecimento do movimento de massa independente dos trabalhadores em todo o mundo, tanto na “paz” quanto na guerra, até as amplas massas do proletariado se apoderarem de todas as funções sociais e, assim, construírem a sociedade comunista em todo o mundo.
[1] Ver: Erster Weltkrieg [Primeira Guerra Mundial]. [N. Fredo Corvo – F.C.]
[2] Rätekorrespondenz, nº 7, janeiro [= fevereiro] de 1935.
[3] Der Bergarbeiterstreik in Belgien [A Greve dos Mineiros na Bélgica), Rätekorrespondenz, nº 14, maio de 1935. Este artigo cita fragmentos de um informe oral de uma assembleia de trabalhadores, provavelmente feito por Cajo Brendel, que estava entre os mineiros do Borinage nesta época. [N. F. C.]
[4] Traduzo como parceria aqui o termo alemão Arbeitsgemeinschaft, que possui o sentido de um acordo comum, de uma formação de comunidade de interesses. [N. T.]
[5] Político holandês que fundou o movimento nacional-socialista na Holanda em 1931. [N. T.]
[6] Wilhelm Pieck, que mais tarde seria presidente da RDA. [N. F. C.]
[7] August Bebel (1840-1913), social-democrata alemão. [N. F. C.]
[8] Kuomintang, Partido Nacionalista da China fundado em 1912. [N. F. C.]
[9] Chiang Kai Shek (1887-1975), diretor-geral do Kuomintag a partir de 1925. [N. F. C.]
[10] Woodrow Wilson (1856-1924), politico estadunidense do Partido Democrata e presidente dos Estados Unidos de 1913 a 1921; ver também: Pannekoek, Das Wilsonsche Programm [O Programa de Wilson], Viena, Kommunistische Partei Deutsch-Österreichs (Verlags-Genossenschaft, “Neue Erde”, VII, Mariahilfestrasse, 74a, III/19, 1919). [N. F. C.]
[11] Tratado de Rapallo (1922), entre o Reich Alemão e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. [N. F. C.]
[12] Clara Zetkin (1857-1933), membra do Grupo Espartaquista, presidente sênior do Parlamento pelo KPD em 1932, exilada em 1933 na União Soviética; sua urna foi carregada pelo próprio Stalin pouco depois. [N. F. C.]
[13] Roter Frontkämpferbund. [N. T.]
[14] Lenin, Werke, Bd. 22 und Bd. 23.
[15] Artigo publicado em 1916, disponível em português aqui. [N. T.]
[16] O sétimo e ultimo congresso mundial de 25 de julho a 20 de agosto de 1935, no qual a “Teoria do Social-Fascismo” foi transposta em um pacto de ação com os mesmos social-democratas. [N. F. C.]
[17] Guerra Abissínia (1935-1936), na atual Etiópia. [N. F. C.]
[18] O Revolutionair-Socialistische Arbeiderspartij [Partido Operário Socialista Revolucionário] (RSAP) continuou durante a ocupação alemã como a Frente Marx-Lenin-Luxemburgo, que recusou, em sua maioria, a defender a União Soviética. Depois que Sneevliet e outros nove camaradas foram fuzilados pelos nazistas, o restante da Frente Marx-Lenin-Luxemburgo que continuou proletária-internacionalista aceitou camaradas do GIK [Gruppe Internationaler Kommunisten; Grupo de Comunistas Internacionalistas] depois de um racha com os trotskistas. [N. F. C.]
Traduzido por Marco Túlio Vieira, a partir da versão disponível em: http://aaap.be/Pages/International-Council-Correspondence-1936-06-Class-Struggle-In-War.html. Revisado por Thiago Papageorgiou.
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