A Necessidade Econômica do Imperialismo – Anton Pannekoek

Original in Dutch: De ekonomische noodzakelijkheid van het imperialisme

[Nota do Crítica Desapiedada]: Para conhecer mais a respeito da posição de Pannekoek sobre o imperialismo, confira o Prefácio do livro China: Estagnação do Crescimento, Aumento das Revoltas e Greves, de Fredo Corvo.

A título de introdução

Pannekoek é importante para uma crítica da teoria da decadência do capitalismo porque ele sempre se opôs à visão de que o capitalismo colapsaria automática e irreparavelmente. Em A Necessidade Econômica do Imperialismo (De Nieuwe Tijd, 1916), ele resume sua crítica da sustentação de Luxemburgo da saturação dos mercados através dos diagramas de reprodução de Marx. Não nos aprofundaremos mais nisso, mas salientamos que a teoria da decadência do ICC se baseia no argumento de Luxemburgo. Além disso, Pannekoek também derrubou a {tese da}[1] queda tendencial da taxa de lucro como uma sustentação teórica da teoria da crise de Grossmann e Mattick. Em vez de um colapso automático e irreparável do capitalismo e uma necessidade econômica do imperialismo, Pannekoek argumenta que as crises periódicas surgem do desequilíbrio entre os fatores econômicos inerentes ao capitalismo. Em vez de uma necessidade econômica do imperialismo, ele postula uma necessidade social e política que decorre do poder do grande capital. Pannekoek fala de um fim para o capitalismo em um então – em 1916 e 1946, respectivamente – futuro distante apenas à margem de suas reflexões: por meio da exaustão das condições “materiais” para a expansão da produção. Em 1916, estas são “quantidades ilimitadas” de matérias primas na natureza; em 1946, ele já fala dos “métodos brutamente ousados do capital – os quais em todos os continentes estão no processo de destruir a fertilidade da Terra[2]”. Não sem importância e inclusive bastante relevante à luz das crises ambientais e sanitárias atuais. A segunda condição material mencionada por Pannekoek e que o capitalismo não seria mais capaz de cumprir é aquele de uma força de trabalho em quantidades “suficientes” para expandir a produção.

(Fredo Corvo, janeiro de 2021)
(Última edição: 15 de março de 2021)


[1] Incluímos as palavras “teses da” no símbolo de conjunto para indicar um acréscimo que parece dar mais sentido à frase e preenche um possível lapso do autor na redação do texto. [Nota do Crítica Desapiedada]
[2] P. Aartsz (Anton Pannekoek), De arbeidersraden [Os conselhos operários], Amsterdã, 1946, p. 81.


Publicado originalmente em: De ekonomische noodzakelijkheid van het imperialisme, De Nieuwe Tijd, 1916.

A Necessidade Econômica do Imperialismo[1]

I
[A importância de uma teoria do imperialismo]

Quando se diz que o colapso do movimento operário socialista no surto da 1ª Guerra Mundial foi primeiramente resultado de uma falta de compreensão do imperialismo, isto parece superestimar fortemente o significado da visão teórica. Mas toda a história do movimento operário mostra como a visão teórica e a ação prática estão sempre intimamente conectadas. É claro, a teoria nas cabeças não é a força motriz primária que guia os movimentos sociais; nas condições materiais, na estrutura econômica, na conjuntura e nas relações de classe está a força que, a partir da profundeza do sentimento instintivo, incita as massas à ação. Mas deve se fazer uma distinção entre classe e partido. A história do partido socialista não é a história das ações de massa em si, é a parte consciente dela; o “partido” busca realizar, como um ato consciente e deliberado de organização aquilo que ele sabe a partir de sua visão que deve ser feito pela classe. Lá, ele cumpre sua tarefa em perfeição ideal, quando ele está sempre na vanguarda, quando ele não se permite confundir, quando ele mostra através de sua ação o caminho para as massas e também onde elas ou se resignam apaticamente ou creem equivocadamente em conquistar tudo de uma só tacada ou quando tomam o caminho errado. Isto seria possível se elas fossem guiadas por uma visão perfeitamente clara. Na realidade, falta muita coisa aqui: o partido também está sujeito à operação das mesmas influências inconscientes e seus interesses de partido mais estreitos podem colocá-lo contra os grandes interesses de classe. Porém, de qualquer modo: para suas [da classe] ações, está claro que a visão teórica é umas das forças motrizes mais importantes que determinam a prática.

A cadeia de causas e consequências na catástrofe atual do movimento operário também está clara o bastante. Primeiramente, no ânimo de massa foi o efeito disruptivo da prosperidade que baniu toda ação na cama silenciosa da luta parlamentar e da luta profissional organizada. Isto teve seu efeito sobre o partido como uma aversão a lutas maiores e a crença na melhoria e na reaproximação com a burguesia. O interesse do partido como uma organização contribuiu para o fato de que ele não se engajou numa luta de massas contra o poder do Estado. Neste ambiente, havia agora uma falta de visão teórica sobre o imperialismo. Consequentemente, faltava aos líderes toda a compreensão de que eles encaravam uma luta difícil e inevitável; utopias tolas foram propagadas como meios contra o militarismo; não havia absolutamente nenhuma preparação; e quando a guerra chegou, ela encontrou o partido despreparado para tomar ações vigorosas contra ela. Sua impotência conduziu grandes multidões para o lado da burguesia, fez com que sua facção de mentalidade imperialista tomasse a liderança e transformou a derrota numa catástrofe e numa destruição.

E também agora nós não vemos com menos força a importância da teoria. Os ex-social-democratas se opõem ferozmente um ao outro; o outro incita os trabalhadores a novas lutas irreconciliáveis contra o imperialismo, o outro os estimula a cooperar com a burguesia, o terceiro tenta responder a sua insatisfação incipiente através de uma aparência de oposição superficial. Cada um deles tenta conquistar as massas, isto é, primeiro de tudo, apenas os líderes entre as massas, ao provar que eles estão corretos; isto só é possível por meio da teoria. Na luta teórica sobre o significado e a essência do imperialismo, são forjadas as armas que devem servir na luta das diversas tendências no movimento operário. Uma posição teórica clara é necessária para mostrar o caminho para a luta prática; discussão teórica é necessária para que se enxergue onde está o erro fundamental das outras posições.

No entanto, há o fato curioso de que aparentemente as fronteiras entre as lutas teóricas e práticas não coincidem. Por um lado, vemos Rosa Luxemburgo, que concorda com os social-imperialistas extremos, os quais ela combate feroz e vigorosamente, na visão teórica de que o imperialismo é uma necessidade econômica para o capitalismo; seu ex-apoiador Lensch tornou-se, portanto, um dos defensores entusiasmados de solidariedade de guerra entre a burguesia e o proletariado, junto do centrista Cunow. Sua apresentação teórica não só foi desafiada por Otto Bauer, que está mais próximo de Kautsky, mas também pelo autor [deste artigo], que esteva a seu lado na luta prática contra o imperialismo. Tamanha confusão nas orientações teórico-práticas da luta prova, é claro, que em toda direção ainda há uma falta de clareza sobre as fundações teóricas sobre as quais suas táticas devem ser construídas.

II
[Rosa Luxemburgo e os esquemas de reprodução de Marx]

Em sua obra A Acumulação de Capital: Uma Contribuição à Explicação Econômica do Imperialismo, Rosa Luxemburgo parte dos diagramas nos quais Marx simplificou o processo de reprodução do capital. Ela havia descoberto que havia um erro nele, um problema que havia escapado à atenção de Marx e cuja solução, pelo contrário, fornecia uma explicação para o enorme ímpeto por expansão do capitalismo moderno. Nós demonstramos em uma discussão desta obra na Bremer Bürgerzeitung [Gazeta Cidadã de Bremen] de 29-30 de janeiro de 1913 e nós destacamos brevemente na Neue Zeit [Novo Tempo] de 28 de fevereiro que seus cálculos e seu raciocínio estão completamente equivocados. Pouco depois, Otto Bauer ressaltou o mesmo na Neue Zeit de uma maneira ligeiramente diferente. Nós teremos que explicar os pontos principais aqui novamente e não conseguiremos evitar completamente usar os esquemas de reprodução. Eles exercem a mesma influência no leitor habitual que as figuras geométricas exercem nos não matemáticos: ele crê que é acadêmico demais; e especialmente quando páginas de cálculos são construídas com base nestes esquemas, não há efeito convincente de autocompreensão, no máximo uma crença na autoridade. No entanto, qualquer um que se der ao trabalho de estuda estes esquemas em sua forma mais simples verá como as leis mais importantes do capitalismo são mostradas com eles. Então, aqui nós apresentamos os diagramas mais simples de Marx.

O valor do produto de uma empresa capitalista (por exemplo, no decorrer de um ano) pode ser dividido em três partes; uma parte é o valor das matérias primas e da depreciação das máquinas, o qual reaparece no valor do produto (Marx chama isto de capital constante, c); o restante, o novo valor acrescentado pelo trabalho, pode ser dividido em uma primeira parte, o valor que os próprios trabalhadores utilizaram para viver e que o capitalista lhes paga como salário (Marx chama isso de capital variável, v) e uma segunda parte, que é, então, a restante, o mais-valor, a partir da qual se forma o lucro do capitalista. Se toda a sociedade for capitalista, então tanto as matérias primas e as máquinas (na medida em que elas depreciam) bem como a comida dos trabalhadores devem estar à venda como produtos de empresas capitalistas. Se nós supusermos que o mais-valor é completamente consumido, então os meios de consumo também são comprados a partir disto. Porém, então, tudo também deveria e terá que estar correto, deverá haver uma proporção determinada entre todos os ramos de produção.

Se (na média em todas as empresas), por exemplo, a depreciação das máquinas for do valor do produto total, o valor das matérias primas a metade, o valor dos salários e do mais-valor for cada um , então também metade da produção deve consistir de matérias primas, a sexta parte da produção de máquinas, a terça parte da produção de meios de consumo. Então é possível comprar tudo que é necessário e todas as empresas podem vender seus produtos.

Marx distingue dois setores: o da produção de meios de produção (I) e o da produção de meios de consumo (II). Se o produto total é 9000, o valor das matérias primas e máquinas é 6000, o do salário é 1500, e o do mais-valor é 1500. Então deve ser possível comprar 3000 em meios de consumo e 6000 em meios de produção. Então nós temos:

No setor I, 4000 MdP + 1000 salários + 1000 mais-valor = 6000 meios de produção; no setor II, 2000 MdP + 500 salários + 500 mais-valor = 3000 meios de consumo.

Os capitalistas no setor I vendem um para o outro 4000 em meios de produção e para o outro grupo os outros 2000 que deles necessitam. Os capitalistas no setor II vendem 1000 de seus meios de consumo para os trabalhadores no setor I, 1000 para os capitalistas no setor I, 500 para os trabalhadores no setor II e 500 uns para os outros. Então, neste caso simples, esta deve ser esta a razão para que ninguém fique sem vender seus bens e para que todos consigam obter aquilo de que precisam. A produção capitalista é, então, um ciclo, uma repetição infindável, uma reprodução sempre na mesma escala do mesmo processo.

É claro que este é um caso tão abstrato que não ele não ocorre na prática. Por exemplo, a razão do valor dos meios de produção em relação aos salários não será a mesma nos dois setores; mas os números podem ser facilmente mudados de modo tal que isso será levado em conta. Mais importante é o fato de que os capitalistas não consomem todo seu mais-valor; uma parte dele é levantada a fim de expandir seu negócio ou de investir em novos empreendimentos. Consequentemente, a escala da produção capitalista se torna cada vez maior; a reprodução ocorre sobre uma base cada vez mais ampla, o ciclo está se expandindo constantemente. O que precisa ser modificado nas tabelas de produção? A maneira com que Marx lida com esta questão[2] é imperfeita e confusa; porém, é fácil ver que em todos os casos o tamanho do setor I em relação ao II deve ser maior que em nossa primeira suposição.

Se em cada setor da produção se sabe que a razão entre os salários mais o mais-valor e o valor dos meios de produção e se sabe qual parte do mais-valor cada uma delas é acumulada, é possível calcular a partir disso qual tamanho os dois setores deveriam ter. Supondo, por exemplo, que no setor I o salário é ¼ do valor dos meios de produção e no setor II a metade, que em ambos o mais-valor é igual ao salário e que os capitalistas no setor I acumulam metade e no setor II 30% de seu mais-valor, então se descobre que as massas de produtos nos setores I e II devem corresponder a 33/16. Mostra-se no esquema a seguir que este é o caso.

No setor I: 4400 MdP + 1100 salários + 1100 mais-valor = 6600 produto; no II, 1600 MdP + 800 salários + 800 mais-valor = 3200 produto.

Do mais-valor de 1100, 550 é consumido e 550 acumulado, investido como capital, isto é, 440 é marcado para os meios de produção e 110 para os salários; do mais-valor de 800, 560 é consumido e 240 acumulado, isto é, 160 é marcado para a compra de meios de produção e 80 para salários. Assim, são necessários 4400 + 440 (no I) + 1600 + 160 (no II) = 6600 em meios de produção e 1100 + 550 + 110 (no I) + 800 + 560 + 80 (no II) = 3200 meios de consumo: exatamente o tanto que foi produzido. No próximo ano, a produção acontece em uma escala 10% maior: todos os números são 10% maiores: a sociedade consumiu menos do que produziu.

I          4840 MdP + 1210 salários + 1210 mais-valor = 7260 produto.

II         1760 MdP + 880 salários + 880 mais-valor = 3520 produto.

É aqui que entra a crítica de Rosa Luxemburgo. Provavelmente confusa em virtude de um erro de cálculo, ela expressa suas dúvidas sobre se a vontade de acumular é suficiente.

Se a acumulação, isto é, a expansão da escala da produção realmente vai ocorrer, então mais uma condição é necessária para garantir que a acumulação pode de fato continuar e a produção se expandir: a demanda efetiva por mercadorias também deve crescer. De onde deve vir esta demanda que cresce constantemente, a qual forma, nos diagramas de Marx, a base da reprodução em uma escala sempre crescente?[3]

Aonde vão os produtos cujo valor representa a parte acumulada, isto é, a parte não consumida do mais-valor? O Setor I produz mais meios de produção. Quem precisa deles? O diagrama responde: o Setor II, para produzir mais meios de consumo.

Mas então, quem precisa destes meios de consumos a mais? O Setor I, é claro – responde o diagrama –, porque agora ele emprega um número maior de trabalhadores. Então nós estamos claramente andando em círculos. Do ponto de vista capitalista é absurdo produzir mais bens de consumo meramente a fim de manter mais trabalhadores e produzir, por isso, mais meios de produção a fim de manter este maior número de trabalhadores empregados é um absurdo[4].

Além disso, este esquema não leva em consideração a crescente produtividade do trabalho – Rosa Luxemburgo fornece um esquema deste tipo, no qual isto não é bem-sucedido e no qual há de um lado um déficit e do outro um excesso – e no qual todos os tipos de outros fatores não são levados em consideração. Em suma: os diagramas não se equilibram e mostram que em algum lugar deve haver uma demanda com poder de compra suficiente para que os setores entrem em equilíbrio.

Isto é: uma sociedade capitalista que produz em uma escala cada vez maior não pode existir por si só, sozinha no mundo. O mais-valor não seria realizado, o capital, portanto, não poderia ser acumulado, em virtude da falta de uma demanda por bens sempre em expansão. A produção capitalista em uma escala crescente é impensável sem um mundo a seu redor no qual ela venda seus produtos e que constitua, assim, a demanda necessária para equilibrar as agendas de produção. Este é o motivo econômico mais profundo para a expansão sem fim do capital; a expansão violenta do capitalismo através do mundo, isto é, a política do imperialismo encontra nisto sua necessidade econômica. É assim uma necessidade absoluta, como se fosse uma necessidade mecânica, uma lei coercitiva da reprodução capitalista, que compele a burguesia a tomar o caminho do imperialismo.

III
[Dois erros de Luxemburgo]

Esta é a lógica do pensamento da obra de Rosa Luxemburgo. Ela busca expor os fundamentos econômicos e a necessidade econômica do imperialismo. Mas é justamente neste ponto principal – a despeito de descrições de detalhes meritórias – que ela fracassa. Ela fornece dois motivos do por que uma sociedade capitalista não pode existir por si só. Destes, um deles se assenta sobre um erro de cálculo e o outro sobre um erro de raciocínio. Quanto ao primeiro, não é verdade que os diagramas não se equilibram; se se calcular bem, sempre se verifica que, até mesmo em casos mais complicados, parece que tais proporções podem ser escolhidas de modo que elas funcionem. A fim de demonstrar isso, nós elaboramos, na época, o caso de um aumento lento na produtividade do trabalho em nossa resenha na Bremer Bürgerzeitung[5].

É claro, em sua infinita complexidade, o capitalismo real nunca corresponde exatamente a um modelo de cálculos, mesmo que desenhado amplamente; na realidade, aqui se produz demais, ali de menos, e todo tipo de mercadorias ficam sem ser vendidas. Mas isso não é muito relevante aqui; a questão não é se coincidências práticas evitam que ele se equilibre, mas ele se equilibrar é teórica-necessariamente impossível. E nisto, a resposta afirmativa de Rosa Luxemburgo se verifica incorreta.

O segundo motivo pelo qual o capitalismo, a despeito de esquemas aritméticos equilibrados, não seria capaz de existir por si só sem vendas para fora está contido nas frases citadas da página 104. No entanto, há uma resposta para isso: o que a autora chama de um absurdo do ponto de vista capitalista – sempre produzir mais meios de consumo a fim de proporcionar meios de subsistência a mais trabalhadores, os quais podem então produzir cada vez mais meios de produção necessários para produzir mais meios de consumo – só parece ser um movimento sem propósito dando círculos porque a força motriz desse processo não é mencionada. Produzir cada vez mais meios de acrescentar cada vez mais valor, de fazer e acumular cada vez mais lucro; mas esse lucro acumulado só pode cumprir seu propósito se ele retornar constantemente ao turbilhão da produção. O objetivo do capital é o lucro, o objetivo do lucro é capital novo e maior: esta é a força motriz neste ciclo aparentemente sem rumo. Diga que isso é absurdo, mas essa é a vida, a essência do capitalismo; isso claramente demonstra que no capitalismo, a produção não é objetivo, mas sim o meio a serviço do objetivo maior, o lucro.

À pergunta de quem são os compradores dos produtos nos quais o mais-valor acumulado está contido, o diagrama fornece uma resposta imediata: todos os bens listados como produtos depois do sinal de = são em algum lugar antes do sinal de = listados como elementos necessários da produção que devem ser comprados. Uma sociedade capitalista pode existir sem a necessidade de compradores ou de mercados fora desta sociedade. Simplesmente se compra tudo um do outro.

[…] também deve haver uma reserva suficiente de recursos humanos para que não ocorra nenhuma escassez à medida que o número de trabalhadores continua a aumentar. É evidente que uma sociedade capitalista que já inclui todas as pessoas não pode se expandir mais.

Isto se aplica a uma produção que está sempre crescendo sob a acumulação bem como a uma produção que permanece no mesmo nível. É claro que isso pressupõe que as condições materiais para a expansão da produção existem. As matérias primas devem estar disponíveis em quantidades tão ilimitadas que nenhuma escassez possa ocorrer, pois senão a expansão adicional seria impossível; e também deve haver uma reserva suficiente de recursos humanos para quem, conforme o número de trabalhadores continue a aumentar, nenhuma escassez ocorra. Também é evidente que uma sociedade capitalista que já inclui todas as pessoas não pode se expandir mais. Teoricamente, isto exige que o capitalismo se expanda em direção a um mundo humano muito maior, do qual ele possa retirar os trabalhadores necessários, que anteriormente, enquanto produtores para seu próprio uso, não tinham nada a ver com o capitalismo. Estes são então incluídos no ciclo, como produtores e consumidores ao mesmo tempo[6].

A realidade é diferente desta imagem simples na qual o capitalismo está misturado com e cercado por uma área maior da pequena produção para o mercado. Ao passo que pessoas produzindo para seu próprio uso não significam nada para o capitalismo senão uma reserva para quaisquer trabalhadores necessários, os pequenos produtores estão envolvidos na troca de mercadorias com o capitalismo. Eles entregam bens (em sua maioria matérias primas) e recebem bens (majoritariamente meios de consumo). O capitalismo não se satisfaz. Esta não é uma necessidade econômica, teórica, como Rosa Luxemburgo achava que podia deduzir, mas simplesmente um fato prático baseado no surgimento histórico e no crescimento do capitalismo. Nos diagramas de produção, deve se acrescentar linhas para a produção e o consumo dos pequenos produtores: junto delas, o total da produção em cada esfera de produção deve corresponder ao total do consumo. Se o capitalismo está em expansão constante (porque relativamente mais meios de produção são produzidos e pagos com uma parcela do mais-valor que é assim acumulado), então a produção em pequena escala com a qual ele interage também deve se expandir – a qual é parcialmente compensada pelo fato de que, em todas as esferas de produção, a produção capitalista substitui a produção em pequena escala como aquela mais perfeita tecnicamente. É por isso que a expansão dos mercados deve ser trabalhada constantemente; é por isso que a expansão de mercados é um elemento básico tão importante no desenvolvimento.

Esta expansão do capitalismo não é um novo fenômeno; os elementos de seu crescimento: mais matérias primas, mais trabalhadores e mais vendas entre os pequenos produtores exigiam expansão incessante. O capitalismo sempre foi expansão, interna e externa. Internamente, na substituição da própria produção e da produção em pequena escala pela indústria, na penetração do capital na agricultura, na concentração de massas humanas em centros industriais; externamente no comércio mundial, que fornece e transporta matérias primas, na colonização ou na subjugação das áreas produtivas em outras partes do mundo, na penetração do capital na produção de matérias primas tropicais ou minerais, na abertura da grande reserva de raças de homens. Tudo isto também faz parte do imperialismo moderno, mas não é o imperialismo em si.

IV
[Confusão ubíqua sobre a necessidade do imperialismo]

Rosa Luxemburgo pensou em fornecer uma explicação econômica do imperialismo em sua obra. Se seus cálculos estivessem corretos, ela não teria explicado nada além da expansão que foi necessária para o capitalismo ao longo de todos seus séculos de existência; esta necessidade de expansão, contudo, deve ser interpretada diferentemente, como foi demonstrado acima. Ela queria mostrar, com suas reflexões e conclusões, a necessidade econômica do imperialismo. É, portanto, muito natural que, quando os utópicos sociais do núcleo do partido contestam e refutam seu argumento, a intenção e o sentido sejam de que o imperialismo não é necessário. Eles enfatizam que o imperialismo é a política da indústria “pesada” que produz meios de produção, a polícia dos cavalheiros dos cartéis e dos consórcios, ao contrário das outras indústrias, as quais produzem meios de consumo e que precisam de mercados pacíficos e são ameaçadas pela política imperialista da violência. O imperialismo não é, portanto, na opinião do núcleo do partido, necessário para o capitalismo como um todo, mas uma política unilateral de interesses de uma parte, de um grupo, à custa dos outros e, portanto, artificial. Portanto, deve ser possível prevenir esta política e substitui-la por uma política capitalista “natural” que esteja de acordo com os interesses dos outros grupos e seja muito mais de interesse dos trabalhadores. Logo, unir forças com grupos anti-imperialistas da burguesia a fim de alcançar a paz e o desarmamento.

Sobre o imperialismo: os imperialistas burgueses e seus apoiadores entre os social-democratas dizem: ele é necessário. […] Ele é uma fase necessária no desenvolvimento rumo ao socialismo; portanto, nós não devemos nos opor a ele; ele aumenta a produtividade do trabalho e leva a um maior desenvolvimento das forças produtivas; portanto, é necessário.

Então, a batalha das tendências gira em torno da questão de se o imperialismo é necessário ou não. Dizemos com Rosa Luxemburgo: é necessário. Do mesmo modo, os imperialistas burgueses e seus apoiadores entre os social-democratas dizem: é necessário. O que nós queremos dizer e o que eles querem dizer? Estes últimos dizem: é uma fase necessária no desenvolvimento rumo ao socialismo; portanto, não devemos nos opor a ele; ele aumenta a produtividade do trabalho e leva a um maior desenvolvimento das forças produtivas; portanto, é necessário. Por outro lado, a direção de Kautsky diz: ele não é necessário.

No final de seus artigos na Nieuwe Tijd de 1915, S. de Wolf diz:

Enquanto a classe capitalista detiver o poder político, os governantes de sua principal esfera de influência (isto é, a produção dos meios de produção) serão capazes de realizar sua política de interesses contra o melhor desenvolvimento das forças produtivas, isto é, contra – o que só é outra palavra para a mesma coisa – a “necessidade econômica”.

Aqui, como com os imperialistas sociais, a palavra “necessário” é usada no sentido de “desejável”; e a diferença está apenas no fato de que ele considera um capitalismo não imperialista mais desejável e útil com uma visão no futuro.

Não […] porque o capitalismo promoveu maior produtividade: os benefícios disto foram quase que exclusivamente para o capital. Nem por causa da concentração e do treinamento dos trabalhadores – nenhuma classe impõe sabidamente sobre si mesma fardos mais pesados e condições mais inescrupulosas apenas para se tornar ‘melhor’, isto é, mais adequada para sua tarefa futura.

A confusão no uso destes termos é uma herança da propaganda e do pensamento da 2ª Internacional. Seu grande avanço teórico em relação ao utopismo pequeno burguês da época de Owen, Louis Blanc e Lassalle estava no pronto reconhecimento da necessidade do desenvolvimento capitalista, o qual destruiu os pequenos negócios. Esta necessidade tinha diversos significados de uma só vez: significava que o fim dos pequenos negócios era inevitável; que isso era bom em virtude do enorme progresso na produtividade do trabalho; que era necessário como uma preparação para o socialismo, não só porque exigia um alto nível de produtividade do trabalho, mas também porque o capitalismo ao concentrar, organizar e treinar os trabalhadores na luta fabricava pessoas tais que elas podiam realizar o socialismo. Tudo isto estava contido no conceito de necessidade. Quando a mesma palavra é usada agora para a nova forma de desenvolvimento, o imperialismo, é compreensível que estes diferentes significados tenham sido impensadamente misturados; porém, é ainda mais necessário que nós os distingamos. E, então, olhando para aquele primeiro período capitalista, nós devemos dizer isso: se o socialismo não quis fazer nada pra ajudar os pequenos negócios contra a grande indústria, não foi – ainda que isto fosse dito às vezes na propaganda e às vezes tenha parecido assim para os socialistas em sua própria consciência – porque o capitalismo promoveu maior produtividade: os benefícios disto foram quase que exclusivamente para o capital. Nem por causa da concentração e do treinamento dos trabalhadores – nenhuma classe impõe sabidamente sobre si mesma fardos mais pesados e condições mais inescrupulosas apenas para se tornar “melhor”, isto é, mais adequada para sua tarefa futura. Era simples, pois este desenvolvimento era inevitável, pois não havia esperanças e era utópico querer interrompê-lo. Não se podia fazer nada contra isso; isso era irrefutável. Tudo mais era deliberação a fim de se acomodar isso. Se as massas pequeno-burguesas daquela época tivessem conseguido derrubar a dominação da burguesia, elas o teriam feito; um desenvolvimento rumo ao socialismo teria surgido disso de outra maneira; e os marxistas teriam dado boas-vindas a isto: veja sua atitude com relação à Comuna. Mas eles não podiam fazer isso: a burguesia era poderosa demais. Isto é expresso pela tese de que o desenvolvimento do capitalismo era necessário. Isso não implica uma apreciação do valor ou um desejo por maior produtividade, mas uma necessidade, uma incapacidade de fazer diferente.

Logo, este confuso uso ético do conceito de necessidade está fora de questão – também para o imperialismo. Se ele representa um modo de produção “superior” e aumenta a “produtividade” é algo que nos é indiferente aqui – nós deixamos esta afirmação para os imperialistas sociais e falamos dela só em termos de outras consequências e perspectivas futuras. É disso que os utópicos sociais duvidam. É isso que Rosa Luxemburgo queria provar. Mas se é possível provar a ela que o imperialismo não é economicamente necessário – no sentido de que sem a expansão imperialista o capitalismo não poderia existir –, os Utópicos Sociais não estão corretos? Ou há outra necessidade, também um imperativo, que não é tamanha necessidade econômica?

V
[Origens da “necessidade natural” do socialismo e da ênfase nas forças produtivas]

A questão teórica que surge aqui vai ao cerne da maneira materialista histórica de pensar, é a fonte dos eternos mal-entendidos entre os marxistas e seus adversários e também emergiu antes em outros pontos de conflito. O problema geral do que “necessidade” significa e pode significar em uma sociedade de homens teve no passado apenas um exemplo de aplicação: a afirmação dos marxistas de que o socialismo “necessariamente” (naturnotwendig[7]) tinha de surgir do capitalismo.

A questão é se o capitalismo se tornaria economicamente impossível por suas próprias forças, forçando, assim, as pessoas a mudarem para outro modo de produção. Esta linha de pensamento desempenhou um papel importante no começo do período parlamentar marxista. Assim, no “Catequismo” da social-democracia, na obra de Kautsky O Programa de Erfurt, nós encontramos um parágrafo intitulado “A sobreprodução crônica”…

Naturalmente, não estamos nos referindo à questão absurda, a qual é defendida constantemente por professores burgueses marxianos, de que o socialismo, na visão dos marxistas, viria “por si só” sem qualquer intervenção dos homens. A questão é se o capitalismo se tornaria economicamente impossível por suas próprias forças, forçando, assim, as pessoas a mudarem para outro modo de produção.

Esta linha de pensamento desempenhou um papel importante no começo do período parlamentar marxista. Assim, no “catequismo” da social-democracia, na obra de Kautsky O Programa de Erfurt[8], nós encontramos um parágrafo intitulado “A sobreprodução crônica”, no qual se lê:

Além das crises periódicas […] a sobreprodução (crônica) permanente e o permanente desperdício de energia estão se fortalecendo cada vez mais […] Desde há muito tempo a expansão dos mercados é lenta demais para as necessidades da produção capitalista; está se tornando cada vez mais destrutivo e cada vez mais impossível desenvolver completamente suas forças produtivas […]. Os períodos de boom estão ficando mais curtos e os períodos de crise estão ficando mais longos […].
Como resultado, a massa de meios de produção que ou não são suficientemente ou não são utilizados de modo algum, a massa de riqueza, a qual é desperdiçada inutilmente, a massa do trabalho, que deve permanecer inutilizada, crescem […]. A sociedade capitalista está começando a se sufocar em sua própria abundância; ela é cada vez menos capaz de tolerar o desenvolvimento completo das forças produtivas que ela criou. Cada vez mais as forças produtivas devem permanecer ociosas e cada vez mais produtos devem ser consumidos inutilmente para que ela não se torne um caos […]. Logo, a propriedade privada dos meios de produção altera sua natureza original para seu contrário não só para os pequenos produtores, mas para a sociedade como um todo. De uma força motriz do desenvolvimento social, ela se torna uma causa da estagnação social e da degeneração (Versumpfung) da bancarrota social.

Nestas frases, bem como na conclusão – “a propriedade privada deve arrastar consigo a sociedade ao abismo?” –, a ideia fundamental é expressa claramente: o capitalismo está se tornando economicamente impossível. Para além da consideração de que a situação do proletariado no capitalismo é insuportável, há um motivo muito mais convincente: as engrenagens da vida econômica não querem mais virar. Então, a máquina deve ser substituída por uma melhor. O socialismo é economicamente necessário, no sentido de que o antigo capitalismo não pode continuar a existir economicamente.

Por que esta visão pessimista, que corresponde tão pouco a nossa própria experiência do capitalismo? Ela é simplesmente um reflexo da situação econômica nos anos 1880 e 1890. Então, a longa depressão que havia começado em 1875 pesava por sobre a sociedade; então, o capitalismo parecia estar no fim da linha; e a expressão desta situação temporária foi elevada à teoria geral na obra de Kautsky e reimpressa nas últimas edições de seu livro. Porém, entrementes, a situação em si havia mudado completamente. Uma nova era de ouro começou em 1894; o capitalismo de repente mostrou uma nova e enorme vitalidade. Então também veio a nova teoria, que, virando para o outro lado, considerou esta nova situação como a única normal e duradoura: o revisionismo. Dentre os teóricos do revisionismo, portanto, nós devemos procurar a teoria oposta. Mais consistentemente, consistentemente ao ponto de ser absurda, nós a encontramos no economista russo Tugan-Baranovksy.

Tugan-Baranovsky se baseia no mesmo tipo de esquemas de produção, conforme nós mencionamos acima. Ao passo que Kautsky, Cunow e outros marxistas sempre apontam, quando falam das crises, para a falta de novos mercados suficientes – o que aparentemente é derivado da prática –, Tugan-Baranovsky aponta para os esquemas teóricos que demonstram que o capitalismo é inteiramente autossuficiente e não precisa de mercados externos. (Ele não considera a conexão com a produção em pequena escala). Mais do que isso: segundo ele, o capitalismo pode continuar a se expandir enormemente de maneira contínua sem que o uso de bens de consumo aumente, até mesmo quando este está caindo. Isto pode ser feito de modo que uma parte sempre crescente da produção sirva para a produção de novos meios de produção, os quais produzem, por sua vez, uma massa ainda mais gigantesca de meios de produção, os quais, por sua vez, fazem a mesma coisa, e assim em diante até o infinito, isto é, até que a oferta de ferro e carvão na Terra seja esgotada. Esta ideia absurda serve para Tugan-Baranovsky ilustrar a afirmação:

A queda relativa da demanda por meios de consumo não interfere com o processo produtivo do capital e não pode de modo algum causar o colapso do capitalismo e uma compulsão de se converter ao socialismo[9].

Isso expressa de forma abstrata e matemática a verdade de que desde 1894 o capitalismo se expandiu enormemente e que esta expansão se deve principalmente à indústria do ferro e do aço, isto é, à produção de meios de produção. Contra Kautsky, que enxerga na busca por mercados e nas crises a dependência da produção dos mercados internos, Tugan-Baranovsky diz que a produção independe da demanda por bens de consumo e que as crises são meramente perturbações acidentais das proporções corretas necessárias na produção. Logo, ele rejeita a necessidade econômica do socialismo: “a produção capitalista não contém elementos que a tornariam impossível em determinado estágio de desenvolvimento”. Ele é um socialista à sua própria maneira; para ele, o socialismo é uma necessidade ética, pois o capitalismo está em conflito com as fundações da moralidade, com o fato de que a humanidade é seu próprio objetivo e não pode ser utilizada como um meio para um fim alheio a si e que isto penetrará cada vez mais a consciência da humanidade.

Agora, qual destas duas visões está correta? A teoria radical do colapso, de que a crise crônica tornará a produção capitalista impossível, ou a teoria revisionista da evolução, que espera que o socialismo desperte da consciência moral da humanidade sob um capitalismo sempre próspero? Nenhuma das duas.

O marxismo ensina que o pensamento, a vontade e as ações dos seres humanos são determinados pelas condições econômicas sob as quais eles vivem. A situação geral na qual o capitalismo coloca os trabalhadores os incita a lutar por melhorias e desperta a ideia de um modo de produção socialista como o objetivo de sua luta. Não é sua consciência moral do valor humano – ainda que ela se misture aqui e ali, inconscientemente, com as outras queixas –, mas sim a miséria, a preocupação, as necessidades materiais e a incerteza da vida que os incita a lutar. O desenvolvimento capitalista desperta no proletariado o desejo pelo e a vontade do socialismo, assim como desperta na burguesia o desejo e a vontade de preservar o que já existe. Uma vontade se opõe à outra na luta de classes e a força decide. Porém, este desenvolvimento aumenta o poder dos trabalhadores: ele concentra e os organiza, aumenta sua percepção, sua autoconsciência, sua coesão, sua combatividade – e quando este poder finalmente excede aquele da classe dominante, o proletariado pode conquistar o poder político e realizar o socialismo.

O socialismo não será imposto pela grande e fantástica crise final, na qual a produção capitalista fica irremediavelmente presa para sempre; na verdade, ele é preparado e erigido pouco a pouco pelas crises temporárias reais, nas quais esta produção acaba presa toda vez. Cada crise dá uma sacudida nos trabalhadores, faz com que eles sintam a insustentabilidade mais fortemente, os força a uma resistência mais forte e desperta uma maior vontade de lutar. Estas crises não são perturbações acidentais, mas sim parte do próprio mecanismo da produção capitalista. Quando elas redundarem numa longa e desesperançada depressão, se iniciará uma era revolucionária com uma luta de classes feroz, a qual continuará a ter um efeito sobre as transformações políticas dos anos seguintes.

O elemento econômico da crise e do colapso não desempenha de maneira nenhuma um papel no advento do socialismo? Esta concepção revisionista estaria errada se Tugan-Baranovsky estivesse correto em suas considerações, se o capitalismo pudesse contar com um desabrochar ilimitado no qual crises só ocorressem como perturbações acidentais; logo, o crescimento da vontade socialista e do poder do proletariado seria muito mais lento. Mas sua teoria da harmonia é tão falsa quanto a teoria da catástrofe econômica final, a qual ele contesta como marxista. O socialismo não será imposto pela grande e fantástica crise final, na qual a produção capitalista fica irremediavelmente presa para sempre; mas ele é preparado e erigido pouco a pouco pelas crises temporárias reais, nas quais esta produção acaba presa toda vez. Cada crise dá uma sacudida nos trabalhadores, faz com que eles sintam a insustentabilidade mais fortemente, os força a uma resistência mais forte e desperta uma maior vontade de lutar. Estas crises não são perturbações acidentais, mas sim parte do próprio mecanismo da produção capitalista. Quando elas redundarem numa longa e desesperançada depressão, se iniciará uma era revolucionária com uma luta de classes feroz, a qual continuará a ter um efeito sobre as transformações políticas dos anos seguintes.

Esta exposição das relações familiares entre a ciência econômica e a política podem mostrar o que deve ser entendido por “necessidade” no desenvolvimento social. Necessidade social é bastante diferente de compulsão econômica; isso não é diferente daquilo que a natureza chama de causalidade, a conexão entre causa e efeito, o fato de que tudo ocorre segundo leis fixas. A confusão surge do fato de que a ideia de causalidade, de coerência causal na sociedade humana, a qual é a base do marxismo, ainda está longe de ser compreendida; a antiga visão de que um “dever” no mundo dos seres humanos só é conhecido como uma compulsão contra a vontade sempre volta à luz do dia.

As pessoas e os trabalhadores vão querer o socialismo não porque considerações éticas os convencerão disso e também não porque uma compulsão econômica os força a fazê-lo a despeito deles próprios, mas simplesmente porque as circunstâncias econômicas determinam sua vontade. E eles alcançarão o socialismo porque, como resultado do desenvolvimento econômico, sua vontade se torna em última instância mais forte, mais poderosa, do que a vontade e o poder da classe possuidora.

Portanto, quando nós falamos de uma necessidade social, nós não nos referimos a uma necessidade econômica que não deixa outra escolha, mas à conexão causal que existe entre as condições econômicas e a vontade e as ações dos seres humanos.

VI
[O capital corporativo une a burguesia]

Isto já responde a questão do que devemos entender pela necessidade do imperialismo. A fim de demonstrar esta necessidade aos utópicos sociais, não é de modo algum necessário argumentar que o capitalismo não pode continuar a existir sem expansão. Esta expansão, a abertura de outras partes do mundo como mercados, fornecedores de matérias primas e finalmente como reservas de trabalhadores existiu em todas as eras do capitalismo e está só agora assumindo um caráter cada vez mais intensamente gigantesco. O imperialismo é a forma particular de expansão da era na qual a produção de meios de produção se tornou o ramo mais importante e todo dominante da indústria. A dominação pelo ferro e pelo aço traz consigo uma política diferente da antiga dominação pela indústria têxtil. A mineração de ferro no Marrocos exige o grande empreendimento capitalista e isso exige a dominação política do governo francês no Marrocos. Exportar locomotivas, trilhos e canhões para a Turquia exige a construção de ferrovias e, portanto, controle político – mediado ou imediato – do capital alemão naqueles países, também para se conseguir excluir os concorrentes. Essa dominação política não pode ser obtida ou defendida de nenhuma outra maneira senão pelo desenvolvimento do poder, da coerção, do armamento, da força militar, da construção de frotas.

Por que este imperialismo é necessário? Não porque o capitalismo estaria economicamente arruinado, não seria capaz de continuar sem o imperialismo nem porque há grupinhos nobres feudais-militares, mas simplesmente porque os grandes capitalistas desejam esse imperialismo. Eles o querem porque é de seu interesse; porque eles ganham uma quantidade colossal de dinheiro dele. E podem fazê-lo porque eles são os mais poderosos e controlam todo o capitalismo.

Kautsky disse uma vez que o imperialismo era uma questão de poder. Isto está correto, porém não no sentido que ele pretendia. Ele disse: uma questão não de necessidade, mas de poder – e com isso ele queria dizer que os outros capitalistas que não tivessem interesse no imperialismo poderiam pôr um fim a ele assim que colocassem seu poder contra os imperialistas. Teoricamente isto era sem dúvida concebível; mas o fato de isso não ter ocorrido na prática, de que, pelo contrário, o imperialismo continuou a ganhar terreno já provava que havia falhas na teoria. De novo ele contrastou duas coisas que estavam interligadas aqui. Ele disse: o imperialismo não é necessário, mas uma questão de poder. Nós dizemos: o imperialismo é uma questão de poder e, portanto, necessário. O desenvolvimento do capitalismo fortaleceu e aumentou o poder dos grandes negócios, os quais querem o imperialismo, e reduziu progressivamente a resistência entre a burguesia – e até mesmo entre os trabalhadores! É por isso que o imperialismo é agora supremo, isto é, necessário.

Pois este poder e seu crescimento não são um acidente – nem o é o crescimento mais lento e mais futuro do poder do proletariado, do qual depende o socialismo. Eles estão radicados no desenvolvimento econômico do capitalismo moderno. Jaz aqui a principal culpa dos pacifistas e utópicos sociais do núcleo do partido, o fato de que eles não veem como o pensamento e a vontade da burguesia são determinados pelas relações econômicas modernas. Eles estão dizendo ano após ano para a burguesia que o imperialismo é tão burro, tão impraticável e tão não lucrativo que o desarmamento, a reforma social e a cooperação com os trabalhadores contra os magnatas do ferro e do aço seria algo muito mais sábio. A burguesia não escutou, seguiu seu próprio caminho e, assim, provou que a teoria estava errada.

Não alegaremos que os cálculos estavam equivocados e que, portanto, o imperialismo também é a política mais vantajosa para as massas burguesas. É difícil determinar isso. O que é certo é que forças econômicas poderosas, que são claramente visíveis, atraíram a maioria desta classe para o lado do imperialismo.

A fim de ressaltar o contraste entre o imperialismo e a antiga política de livre comércio, se refere corretamente à primeira política como a política de exportação dos magnatas do ferro e do aço. Porém, isso com certeza é muito reduzido e limitado. Os produtores de meios de consumo também têm um interesse nesta política. Eles podiam, com certeza, ter seu algodão, espelhos e óleo de Haarlem[10] negociados no litoral da África por alguns produtos primitivos dos negros. Porém, o poder de compra dos negros era extremamente pequeno. Mas quando ferrovias, portos, plantações e fábricas são construídas em seus países, estes mesmos negros são transformados de produtores para seu próprio uso em produtores de mercadorias e trabalhadores que recebem dinheiro para comprar bens de consumo europeus. Seu poder de compra aumenta extraordinariamente porque eles estão inclusos no circuito do capitalismo com a penetração da produção de mercadorias. Se a indústria “pesada” absorve a maior parte dos milhões, os produtores de bens de consumo vão ao mesmo tempo ver seu mercado se expandir e ganhar poder de compra.

No entanto, isso também vale para o mercado interno. No capitalismo, a prosperidade de cada grupo industrial está intimamente relacionada à prosperidade dos outros: isso segue, teoricamente, de sua coesão nos esquemas de produção, o que também prova sua queda e ascensão conjuntas entre a crise e a prosperidade. Quando a indústria pesada está crescendo, as indústrias de consumidores estão crescendo também, e vice-versa. Toda política que aumenta as possibilidades de exportação da primeira terá, portanto, um lado vantajoso para a última, o que é ainda mais surpreendente, já que as desvantagens – nas quais os interesses dos dois tipos de capitalistas entram em conflito – são, não obstante, inevitáveis por causa do grande poder político dos magnatas do ferro.

Além dessa solidariedade de interesses de longo alcance, existe a conexão pessoal através dos bancos. A política do ferro e do aço não seria tão predominantemente poderosa se ela não fosse também a política do capital bancário. Os gerentes da indústria do ferro e do aço são, em sua maioria, também os gerentes dos grandes bancos; seus interesses estão interligados de muitas maneiras. Estes bancos são os portadores da política de exportação de capital, ao financiar empreendimentos privados, ferrovias, plantações, ao emprestar do Estado e ao se candidatar a adjudicações.

…o desenvolvimento moderno real no qual todos estes capitalistas diferentes – a despeito do conflito mútuo – estão cada vez mais se tornando uma classe abrangente e totalmente dependente. Somente ao levar isso em consideração é que se torna claro por que a vontade do grande capital concentrado dos bancos e do aço também é a vontade da totalidade da burguesia.

Esta política é apenas o outro lado da política da indústria pesada; pois o capital é exportado principalmente na forma dos produtos ferro e aço. Porém, como uma política financeira, ela tem um círculo muito maior de partes interessadas. Os bancos investiram seu dinheiro e sua administração em incontáveis empreendimentos industriais dos tipos mais variados, os quais eles interligam em uma comunidade de interesses; todos os capitalistas que estão interessados nestes empreendimentos estão, desta forma, também interessados indiretamente em como são conduzidos os outros assuntos desta comunidade; quase todos os pequenos empreendedores se sentem dependentes em seus assuntos do grande capital financeiro que controla o todo da vida econômica. Além disso, o papel da burguesia possuidora de dinheiro – ao passo que os bancos estão se tornando cada vez mais os empreendedores e os donos de fábrica cada vez mais seus funcionários assalariados – está sendo cada vez mais reduzido aquele de beneficiários e especuladores em ações. As ações de todos os empreendimentos domésticos e internacionais, as quais os bancos preparam e financiam são colocadas no mercado; desta maneira, o grande público possuidor de dinheiro está interessado diretamente na política imperialista.

A oposição de interesses que alguns teóricos constroem entre a indústria dos meios de produção e as outras indústrias, como se elas fossem independentes uma da outra, parece muito inteligente no papel, mas está baseada em uma concepção completamente ultrapassada da estrutura do capitalismo. Não leva de modo algum em conta o desenvolvimento moderno real no qual todos estes capitalistas diferentes – a despeito do conflito mútuo – estão cada vez mais se tornando uma classe abrangente e totalmente dependente. Somente ao levar isso em consideração é que se torna claro por que a vontade do grande capital concentrado dos bancos e do aço também é a vontade das massas burguesas; por que contra o poder deste grande capital, que quer e tem de querer o imperialismo, não há nenhum outro poder de qualquer significância no mundo burguês; portanto, o porquê de o imperialismo ser necessário.

Mas, então, também está claro – o que os imperialistas sociais não veem – que o imperialismo é apenas necessário, isto é, inevitável, enquanto o poder do proletariado não for grande o bastante para superar o poder do capital. Assim que a vontade e o poder do proletariado se elevarem acima do poder da burguesia, será o fim do imperialismo, ele não será mais necessário.


[1] A tradução deste artigo foi feita com base na tradução para o inglês de Fredo Corvo. Nela, incluo as notas editoriais deste, indicadas como [Nota do editor], bem como aquilo que ele chamou de legendas, que estão destacadas em verso e não são mais do que pequenos trechos do artigo “Er komt een einde aan het kapitalisme. Maar hoe?” [O capitalismo está chegando ao fim. Mas como?] (Janeiro de 2021), e subtítulos à divisão original em seções (entre colchetes). Coqueteio aqui e ali com o original holandês através de um dicionário holandês-alemão, visto que na tradução para o inglês havia termos usados por Marx em O capital com traduções pouco ortodoxas e que complicariam a leitura, trechos ligeiramente confusos, além da omissão de um pequeno trecho no segundo parágrafo da seção V; parênteses com palavras em alemão são do próprio Pannekoek. [N. T.]

[2] O capital, livro II, São Paulo, Boitempo, 2014, p. 597-598.

[3] Luxemburgo, Die Akkumulation des Kapitals, Lepizig, Frantes Verlag, 1921, p. 104.

[4] Luxemburgo (1921), p. 104.

[5] Pannekoek, “Rosa Luxemburg, Die Akkumulation des Kapitals: Ein Beitrag zur ökonomischen Erklärung des Imperialismus  in- Bremer Bürgerzeitung, 29-30, janeiro de 1913, Feuilleton, nº 24-25. Reimpresso em: Proletarier, Zeitschrift für Kommunismus, [Ano 2/3?], [1923], [Nr. 2?, pdf at aaap.be, ver p. 13]. [Nota do editor]

[6] Bauer, em sua crítica da obra de Rosa Luxemburgo, toma o crescimento natural da população como a base da expansão da produção. Ao fazê-lo, ele necessária e artificialmente restringe a questão; praticamente, a expansão do capitalismo ocorre muito mais rapidamente do que o crescimento da população.

[7] Naturnotwendig, termo em alemão ressaltado entre parênteses aqui pelo próprio Pannekoek, nada mais é do que a junção de Natur, natureza ou caráter, e notwendig, necessário, ou seja, naturalmente necessário ou de caráter necessário. Na tradução, porém, sigo Pannekoek, que utiliza apenas o termo holandês noodzakelijk, análogo ao alemão notwendig. [N. T.]

[8] O título completo é Karl Kautsky Das Erfurter Programm in seinem grundsätzlichen Teil erlautert [O Programa de Erfurt explicado em sua parte fundamental]. Ver o capítulo 3, Die Kapitalistenklasse [A Classe Capitalista], § 9, Die chronische Überproduktion [A sobreprodução crônica], p. 98 et seq. [Stuttgart, Dietz, 1892]. Disponível no marxists.org [em alemão]. [Nota do editor]

[9] Pannekoek não fornece a fonte desta citação nem das próximas citações de Tugan-Baranovsky. [N. T.]

[10] Óleo de Haarlem (haarlemmerolie, em holandês), também chamado de medicamentum gratia probatum, é um suplemento alimentar. A poção é uma mistura de enxofre, ervas e óleo de terebintina. É produzido na cidade holandesa de Haarlem. Foi inventada em 1696 por Claes Tilly e foi comercializado como uma cura para muitos males (fonte: Wikipedia). [Nota do editor]

Tradução de Thiago Papageorgiou.

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