Original in English: The Power of the Classes
Publicado em: International Council Correspondence, vol. 2, no. 6. Maio de 1936.
I
O poder da classe capitalista é enorme. Nunca houve na história uma classe dominante com tanto poder. O seu poder é, em primeiro lugar, o poder do dinheiro. Todos os tesouros do mundo lhe pertencem, e o capital moderno, produzido pelo trabalho incessante de milhões de operários, supera todos os tesouros do velho mundo. O mais-valor é, em parte, acumulado em um capital cada vez maior e mais novo; a outra parte deve ser gasta pelos capitalistas. Eles compram funcionários para serem seus atendentes pessoais; eles também compram pessoas para defendê-los, para salvaguardar seu poder e sua posição dominante. No capitalismo, tudo pode ser comprado com dinheiro; músculos e cérebro, bem como amor e honra, tornaram-se mercadorias. O velho John D. Rockefeller disse: “todos podem ser comprados se soubermos o seu preço”. A afirmação não é exatamente verdadeira, mas mostra a visão de mundo dos capitalistas.
Os capitalistas compram jovens proletários para formar uma força combatente. Da mesma forma que compram capangas contra grevistas, em tempos de maior perigo, eles organizam enormes exércitos de voluntários equipados com as melhores e mais modernas armas, bem alimentados e bem pagos, para defender a sua sagrada ordem capitalista.
No entanto, o capitalismo não pode ser defendido apenas pela força bruta. Sendo ele próprio o resultado de um elevado desenvolvimento de forças intelectuais, deve, portanto, ser defendido por essas mesmas forças intelectuais. Por trás da luta física na guerra de classes, está a disputa espiritual das ideias. Os capitalistas sabem disso, muitas vezes melhor do que os operários. Por isso, compram todos os cérebros competentes que podem. Muitas vezes de forma grosseira, aberta; na maioria das vezes, no entanto, indiretamente. Isso é feito, por exemplo, através da doação de dinheiro para fins culturais. Numerosos estudantes de ciência em todo o mundo beneficiaram-se em suas pesquisas com os recursos da “Fundação Rockefeller”. Assim, o nome “Rockefeller” tem uma reputação no campo das ciências naturais, onde “Ludlow” não é sequer mencionado. Este tipo de filantropia serve bem ao capitalismo. Os capitalistas fundaram universidades por todo os Estados Unidos, onde, entre outras ciências, a sociologia é ensinada para demonstrar a impossibilidade e a crueldade do comunismo. Os jovens deixam as universidades imbuídos dessas ideias e sabem que altos salários e reconhecimento público os esperam se não se desviarem do caminho correto do capitalismo.
Os capitalistas compram a imprensa, compram os editores, compram todos os meios de publicidade e, assim, moldam a opinião pública. É um despotismo espiritual invisível através do qual toda a nação é levada a pensar como a classe capitalista deseja que ela pense. O dinheiro reina sobre o mundo, e assim pode comprar todo o poder disponível dos cérebros.
Em segundo lugar, o poder capitalista é político. O Estado é a organização da classe capitalista. A sua tarefa é tornar possível a produção privada e permitir que os capitalistas individuais prossigam com as suas atividades ao proteger e regular as suas relações.
O governo faz leis para a proteção dos empresários “honestos” contra “ladrões” e “assassinos”. Contra os grevistas e revolucionários, muito mais perigosos para a ordem social existente, leis ainda mais drásticas são feitas. Para a aplicação destas leis, são usados a polícia e a prisão. Em todas as greves, em todas as manifestações políticas, os operários encontram a polícia de prontidão contra eles, espancando-os e prendendo-os em benefício da classe capitalista e para proteger os lucros capitalistas. Gangues de bandidos são contratadas e recebem autoridade policial; e quando os operários não podem ser subjugados dessa forma, milícias e grupos de cidadãos são mobilizados contra eles.
Em cada país capitalista, o exército é a força mais forte a serviço da classe capitalista, porque para as suas guerras com outros países, ela precisa do poder de combate de todo o país, incluindo todas as classes.
O exército é um corpo organizado unido pela mais estrita disciplina militar, provido dos meios mais cruéis, refinados e eficazes de matar e destruir. Se é usado em guerras políticas, onde, no pior dos casos, a classe capitalista sofre apenas pesadas perdas, não será usado então em caso de revolução, onde a classe capitalista é ameaçada com a perda de tudo o que possui?
Assim, a nação é a fortaleza do capitalismo. Sendo um poder fortemente organizado, ao nível nacional, dirigido pela vontade uniforme do governo central, dotada de um exército poderoso, ela protege a classe capitalista. A força física, no entanto, não é suficiente para subjugar um povo ou uma classe. Na história, quantos governos fortes foram derrubados por rebeliões, mesmo estando fortemente armados. As forças espirituais geralmente são mais decisivas do que o mero poder físico. No capitalismo, a regra mostra que, a longo prazo, é mais eficaz enganar as pessoas do que atacá-las.
Portanto, o poder capitalista consiste, em terceiro lugar, no seu poder intelectual. As ideias de uma classe dominante estão difundidas entre a maioria dos membros da sociedade. Certamente a classe capitalista não poderia comprar guardas e intelectuais se esses não compartilhassem de sua ideologia e sentimentos. O governo capitalista não poderia governar, mesmo com toda a sua força física, se a massa do povo não estivesse envolvida pelas mesmas ideias que o próprio governo. Como é possível que, na massa do povo, mesmo na classe operária, prevaleça esse espírito capitalista?
A principal força é a tradição e a herança. A ideologia da classe capitalista não é senão a ideologia das antigas classes médias, dos pequenos produtores. A ideia de propriedade privada como um direito natural, a crença de que todos devem construir a sua própria fortuna e que a livre-concorrência garante os melhores resultados, a máxima de que todo mundo tem apenas que cuidar de si e Deus cuidará do resto, a convicção de que a poupança e o esforço são as virtudes que asseguram a prosperidade, e que os Estados Unidos são o melhor país e que ele deve ser defendido das outras nações, todas essas crenças são herdadas do tempo e da classe dos pequenos negócios. Esse é o credo que os grandes capitalistas querem que as massas acreditem como verdades eternas hoje em dia.
Os pais ou avós dos proletários de hoje eram pequenos produtores; pequenos agricultores, colonos, artesãos, mesmo pequenos capitalistas, esmagados pela concorrência. Eles também herdaram essas ideias, e em sua juventude as viram como verdadeiras. Então a sociedade mudou rapidamente e a grande indústria se desenvolveu, e eles se tornaram para sempre proletários. As suas ideias, no entanto, não podiam mudar tão rapidamente e a sua mente agarrava-se à velha ideologia.
Ainda assim, a escola da vida é poderosa e impressiona a mente com novas ideias de acordo com o mundo em mudança. Agora, a escola capitalista entra em ação. Através de todos os meios disponíveis, as ideias capitalistas são propagadas e artificialmente forçadas na mente do povo. No início nas escolas, quando as mentes das crianças são flexíveis e influenciáveis; depois para os adultos, através do púlpito, imprensa diária, rádio, filmes, etc. Sua tarefa não é apenas manter vivo nas mentes da classe operária o modo capitalista de pensar, mas ainda mais, impedir completamente os operários de pensar. Ao encher seu tempo e suas mentes com futilidades empolgantes, eles matam todo o desejo por leitura e pensamento sérios.
Isso pode ser chamado de enganar os operários? A classe capitalista é sincera com essa propaganda; acredita no que tenta forçar aos operários. No entanto, a ideologia capitalista é uma insensatez para os operários. Os operários têm de cultivar as novas ideias que crescem a partir do mundo em mudança; têm de adquirir o conhecimento da evolução do trabalho e da luta de classes como caminho para o comunismo.
Assim, o poder da classe capitalista é mais que apenas o seu dinheiro e poder político. Os pequenos produtores, os pequenos agricultores, que acreditam que serão bem sucedidos pelo esforço pessoal — como às vezes é possível — são parte do poder dos capitalistas. Todo operário que só se preocupa apenas consigo mesmo e não com o futuro de sua classe, todo operário que só lê jornais capitalistas e se interessa principalmente por lutas de boxe, etc., ao fazê-lo, contribui para o poder da classe capitalista.
No rápido desenvolvimento das formas técnicas e econômicas de produção, a mente do homem fica para trás. Este atraso mental das massas trabalhadoras é o principal poder da classe capitalista.
II
O que a classe operária pode opor contra esse poder? Em primeiro lugar, a classe operária é a classe mais numerosa da sociedade. Com o crescimento da indústria ela aumenta continuamente, enquanto o número de produtores independentes diminuiu relativamente. As estatísticas disponíveis mostram que, nos Estados Unidos, a classe operária é a maior classe. Apenas os agricultores e os empregados assalariados[1] seguem, a uma certa distância, como classes importantes. A classe capitalista propriamente dita é insignificante numericamente; e os pequenos produtores, a classe média e os pequenos comerciantes são muito menos numerosos do que os operários. Número, no entanto, não é a única coisa que conta. Milhões dispersos em casas separadas por toda a extensão do país não podem exercer o mesmo poder que os mesmos milhões em conjunto nas cidades. As grandes cidades são os centros da vida econômica, cultural e política. Os milhões de operários, que formam a maioria da população desses centros, reunidos em grandes aglomerações de classe, devem, nestas condições, exercer uma potente força social.
Na Roma antiga, os proletários também eram numerosos e fortemente concentrados. Seu poder social, entretanto, não era nada porque não trabalhavam. Eram parasitas que viviam do dinheiro público. Com os proletários modernos, a situação é o contrário.
O segundo elemento do poder da classe operária é a sua importância na sociedade humana. É sobre o seu trabalho que se funda a sociedade. Os capitalistas podem ser dispensados, os pequenos produtores e comerciantes podem ser dispensados, sem prejudicar a produção do que é necessário à vida, que ocorre principalmente nas grandes fábricas. A classe operária, entretanto, não pode ser dispensada. Só o trabalho dos agricultores pode ser comparado com esse papel essencial e fundamental.
Os operários têm o aparelho de produção em suas mãos. Eles o gerem, eles o operam, eles o comandam, eles têm poder direto sobre ele. Não legalmente, pois legalmente eles têm que obedecer aos capitalistas, e a polícia e os soldados fazem valer esse direito legal. Na verdade, a produção é dos trabalhadores, pois sem eles a maquinaria viva produtora é uma carcaça morta. Se se recusam a trabalhar, a sociedade não consegue existir. Isso já aconteceu, uma greve geral paralisou toda a vida econômica e social e, assim, obteve importantes concessões da relutante classe dominante. Então, por um momento, como um clarão, revelou-se o grande poder da classe proletária, a sua ligação íntima com o aparelho de produção.
No entanto, uma condição de peso deve ser cumprida para esse poder potencial se tornar um poder vivo e real. Tal ação unificada de toda a classe não é possível se não for sustentada por uma grande força moral. Portanto, como terceiro elemento do poder proletário, temos a solidariedade, o espírito de unidade, a organização. A solidariedade é o vínculo que une a vontade de todos os indivíduos separados em uma vontade comum, alcançando assim uma poderosa ação organizada.
É correto falar de uma virtude especificamente proletária? O próprio capitalismo não pratica a organização e a ação unificada em suas fábricas, em seus trustes, em seus exércitos? Aqui, a unidade é baseada no comando, nas multas, nas penalidades. É certo que ações conjuntas devem acontecer em cada classe visando seus interesses comuns, mas também aqui se manifesta a verdadeira posição econômica, na qual os capitalistas são concorrentes e os trabalhadores são camaradas.
O capitalismo é baseado em negócios privados, em interesses privados. Quanto mais avidamente o capitalista persegue seus interesses pessoais, melhor é para o seu negócio. Logo, um forte egoísmo é desenvolvido, submergindo as simpatias humanas naturais. Os operários, por outro lado, não conseguem ganhar nada com o egoísmo. Enquanto enfrentarem o capital individualmente, são impotentes e miseráveis; só através da ação coletiva é que podem ganhar melhores condições. Quanto mais perseguem apenas interesses pessoais, mais são derrotados. Quanto mais desenvolvem um sentimento de camaradagem, de ajuda mútua, de sacrifício por sua classe, melhor é para seus interesses.
Quando no alvorecer da civilização surgiu a propriedade privada, os homens se separaram, cada um trabalhando em sua própria terra, de modo a desenvolver a produtividade do trabalho na competição mútua. Neste desenvolvimento através dos séculos, do artesanato à indústria moderna, o homem civilizado chegou a uma autodeterminação robusta, à independência, à confiança nos seus próprios poderes e a um forte sentimento de individualismo. Todas as suas energias e faculdades foram despertas para o serviço em prol de seus poderes de luta. No entanto, isso se deu à custa de perdas morais; o egoísmo e a crueldade cresceram na humanidade, a desconfiança e a inimizade surgiram entre companheiros.
Agora o proletariado moderno está surgindo, pela primeira vez uma classe sem propriedade, portanto sem interesses reais de uns contra os outros. Ainda dotados das energias pessoais e faculdades herdadas de seus ancestrais, eles são treinados pela máquina para a disciplina da ação comum. Embora suas tentativas para alcançar um padrão de vida melhor sejam irremediavelmente derrotadas pelo poder esmagador do capitalismo, muitas coisas boas advêm delas. Seus interesses comuns contra a classe capitalista despertam sentimentos de fraternidade.
Assim como a classe operária encontra força na sua superioridade moral sobre a classe capitalista, também encontra força na sua superioridade intelectual. Ao sentimento é somado o conhecimento. Primeiro vem o feito, a ação da solidariedade, que nasce espontaneamente das profundezas da emoção e da paixão. Depois vem a percepção de que há um conflito inevitável entre interesses opostos. É a primeira forma da consciência de classe. Com o aprofundamento do conhecimento, as formas de ação, as condições de luta são vistas claramente; e como é o caso em toda ciência, essa visão conduzirá as ações futuras dentro de formas mais eficientes para se obter os resultados almejados.
Depois de seu número, sua importância social, sua força moral de solidariedade, esse conhecimento é o quarto elemento do poder proletário. É a ciência desenvolvida principalmente por Marx e Engels, que explica, em primeiro lugar, o curso da história desde o crescimento da sociedade nos seus primórdios, através do feudalismo e do capitalismo, daí até o comunismo, baseando essa análise no desenvolvimento do trabalho e da sua produtividade. Em segundo lugar, explica a estrutura da produção capitalista e mostra como o capitalismo deve se desfazer através de suas próprias forças, desenvolvendo e explorando a classe proletária, levando-a à revolta através de seus próprios colapsos, e aumentando assim os poderes de luta dos proletários.
Essa ciência, o marxismo, é uma ciência proletária. A classe capitalista rejeita-a; os seus cientistas negam a sua verdade. De fato, é impossível que a classe capitalista a aceite. Nenhuma classe pode aceitar uma teoria que proclama seu próprio colapso e morte; pois ao aceitá-la, não poderia lutar com plena confiança e com plena força. Lutar contra a aniquilação é um instinto primário, tanto numa classe quanto num organismo.
A classe capitalista não pode enxergar além do horizonte do capitalismo. Desse modo, ela vê a crescente concentração de capital, o poder crescente das grandes finanças, as grandes crises e as guerras mundiais que se avizinham, a maré ascendente da luta proletária com a sua ameaça de revolução, ela vê todos esses fenômenos sem tirar uma conclusão racional deles. Não vê sentido na história, embora seus cientistas mais hábeis investiguem cada detalhe; não vê luz no futuro, a incerteza e misticismo enchem sua mente. No entanto, ela tem uma determinação: lutar pela sua supremacia.
Para os trabalhadores, a sua ciência ilumina o árduo caminho para o futuro. Ela esclarece sua vida, seu trabalho, sua pobreza, sua relação com os seus empregadores e com as outras classes. Ela explica-lhes a realidade do mundo à medida que a experimentam, diferente, de fato, dos ensinamentos capitalistas. Enquanto a escola da vida marca as suas mentes com novas ideias conforme o novo mundo, é essa ciência da sociedade que molda essas ideias em um conhecimento firme e consistente. Assim, os trabalhadores acabarão por adquirir a sabedoria de que necessitam na sua luta pela liberdade.
[1] Pannekoek se refere a salaried employees, o que pode ser traduzido como empregados ou trabalhadores assalariados. Dentro da discussão de Pannekoek sobre as classes sociais no capitalismo, o termo “trabalhadores assalariados” é utilizado de modo genérico, indicando provavelmente os chamados “serviçais” ou “subalternos”, ou seja, trabalhadores que estão ligados ao setor de serviços (escritórios, bancos, escolas, etc.). (Nota do Tradutor)
Traduzido por Marco Túlio Vieira, segundo a versão disponível em: http://aaap.be/Pages/Pannekoek-en-1935-The-Power-Of-The-Classes.html. O original pode ser acessado em: http://aaap.be/Pdf/International-Council-Correspondence/International-Council-Correspondence-2-06a.pdf. Revisado por Alexandre Guerra.
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