Três Poemas de Herman Gorter

[Nota do Crítica Desapiedada]: Disponibilizamos ao leitor a tradução de três poemas de Herman Gorter, autor comunista de conselhos holandês que ficou muito conhecido na Holanda por ser poeta impressionista[1]. Ao longo da sua vida, Gorter publicou diversos livros de poesias, sonetos e canções, marcados inicialmente pela fase mais intimista, sentimental, e, posteriormente, pela fase “socialista”, engajada politicamente, na qual os poemas aqui disponíveis fazem parte. Em português, o leitor poderá encontrar alguns textos de Gorter, especialmente os seus ensaios teóricos e críticos, no seguinte link: Herman Gorter (1864-1927). Por outro lado, a sua produção artística é pouco conhecida e assim solicitamos à Jan Freitas a tradução de algumas poesias, sugestão gentilmente aceita e que agora publicamos no CD. As poesias fazem parte das Obras Seletas de Herman Gorter, Parte 8, “Últimos poemas”, disponíveis em: https://www.dbnl.org/tekst/gort004jcli08_01/.
Obs.: Disponibilizamos também para leitura o pdf com a versão bilíngue dos poemas (holandês/português): Três Poemas de Herman Gorter.


[1] Nas breves informações disponíveis na Wikipedia holandesa, seção Herman Gorter, pode ser lido: “Herman Gorter está entre os maiores poetas da língua holandesa. Ele começou cantando os louvores do amor e terminou com a palavra “amor” no último poema que ele escreveu pouco antes de sua morte”. Dentre os poemas políticos de Gorter, destaca-se Pan de 1912, marcado pela visão utópica de um mundo pós-revolucionário, comunista.


Poemas de Herman Gorter

Os Conselhos de Trabalhadores (ou A Derrota - título do tradutor) 

Agora que a derrota foi sofrida,
E os trabalhadores são empurrados de volta
para a escuridão da tirania,
agora quero cantar, em voz baixa e aguda e fina,
como voltam a subir da miséria
de novo para a luz dourada do sol.
Pois, o meu coração vive a vida deles. É certo,
que eles voltarão a subir, fortes e puros.
voarão de novo para o céu
saindo do pântano negro da escravidão,
conquistarão para si o formigueiro
na terra. Agora para sempre. O Objetivo Final.
Quero cantar assim numa luz dourada.
Na derrota eu quero ser o seu poeta.
Destino Terrível (título do tradutor)
 
Terrível era o destino dos homens.
Trabalhavam e labutavam e levantavam terra
em suas pás, para alimentos e para lenha,
fiaram e teceram para roupas,
araram a terra e também os mares,
era só para enriquecer alguns poucos,
e escravizá-los a eles próprios em seu poder.
Tem sido assim desde que o comunismo
das tribos desapareceu do mundo.
Terrível é o destino dos homens.
Trabalham e labutam e levantam a terra
em suas pás, para alimentos e roupas,
fiam e tecem para fazer roupas
lavram a terra e os mares,
apenas para tornar os poderosos ricos,
eles mesmos escravos do poder.
E agora os proletários formam,
de longe, a maioria de todos os seres humanos.
Terrível é o destino da humanidade.
 
Terrível é o destino da humanidade.
Dentro dela grassa uma luta eterna.
Dentro das tribos há paz,
Entre as tribos, a guerra eterna.
Assassinavam e matavam uns aos outros.
E depois a posse pessoal
veio no lugar da posse comunal,
e com ele o poder do homem sobre o homem
no lugar da igualdade,
as grandes massas do povo
aos poucos se tornaram escravos e servos,
depois trabalhadores assalariados.
E um mar de miséria e opressão
espalhou-se por toda a humanidade.
Pobreza, doença, esgotamento,
desemprego, a mais profunda ignorância,
mutilação do coração e da alma,
sacrifício da alma e do corpo
pelo poder, riqueza de uns poucos,
este é o destino das grandes massas,
que uns poucos atiram para o fundo,
que arrasta uns poucos para o fundo.
Terrível é o destino da humanidade.
 
Terrível é o destino da humanidade.
Criam uma grande riqueza,
seu trabalho cria grande poder
para alguns.
Mas esses poucos os oprimem.
Terrível é o destino da humanidade.
 
O trabalho das massas cria trabalho melhor,
o domínio sobre toda a natureza.
Mas serve de arma da opressão
das massas.
Terrível é o destino da humanidade.
 
O trabalho das massas cria a ciência
e a arte dourada.
Mas elas servem como armas de opressão
das massas.
Ai, ai, ai!
Tudo o que as massas criam
serve de arma para sua própria opressão!
Terrível é o destino da humanidade.
 
Terrível é o destino da humanidade.
Entre eles grassa uma luta eterna.
Os poderosos lutam pela posse
da terra e sacrificam as massas,
os trabalhadores,
os milhões,
na luta pelo que eles não têm.
Terrível é o destino da humanidade.
 
Mas não há luz na escuridão?
Não há salvação para as massas,
os oprimidos por milhares de anos,
não há salvação da noite?
 
Sim, há três luzes que brilham
para as massas dos oprimidos,
três estrelas distantes na noite.
São elas trabalho, luta e amor.
 
Estas três iluminam a escuridão da noite,
e mostram de longe, muito, muito longe,
em nuvens de vapor quase não-visíveis,
mal visíveis
a costa tênue da terra da liberdade.
O comício (título do tradutor)
 
Como um rio vindo da montanha,
quando as nuvens do céu caíram
nela, e as montanhas e o céu parecem
derretidos, precipitar-se pelo precipício,
arrastando árvores, animais e pessoas com eles,
assim também os tempos passaram, arrastando os escravos com eles. -
 
Foi sempre assim, por centenas de séculos
o tempo, que é o poder das coisas, arrastou
os povos, os poderosos: guerreiros,
príncipes e sacerdotes e os reis,
a nobreza, o clero e, por último, os cidadãos,
seus oprimidos, e agora os trabalhadores,
como cadáveres e coisas num rio de poder,
como cadáveres vivos, vivendo impotentes. -
 
O rio e o poder eram eles mesmos o tempo. -
 
Os poderosos e os trabalhadores,
o capital e o trabalho são eles mesmos o tempo. -
 
Assim passou, num grande rio
de poder e escravos, o século XIX.
E daquele rio saiu um grupo de camaradas,
se libertando daquele rio, fora dele,
subindo à terra com passo ligeiro.
 
E eles passaram por uma grande cidade,
de cor clara da neve, de cor cinza da pedra,
e eles foram a um comício.
E lá se levantou aquele pequeno homem, Karl Marx,
no alto do palco, alto na sala,
e se preparou para falar estando à espera.
Sua cabeça era larga e poderosa. Seu corpo,
curto e poderoso. E seus pelos de barba eram
lívidos e claros como o aço, mas seu cabelo era
   ] preto,
suas mãos largas e pesadas.
 
Seu rosto era alto e firme e sério
sólido como basalto e cristal. Na pele,
amarelo pálido, perto da boca e dos olhos tinha
   ] dobras,
quente e úmido. Como do amor.
Seu coração era profundo como a grande Natureza,
como uma fonte profunda na Natureza.
Um caminho parecia ligar seus olhos ao seu coração
e de novo de seu coração de volta.
Seu olho estava firme como o céu.
Levantado para cima ele parecia a natureza
como ela levanta-se da terra até o céu.
E seu olhar era como o da natureza.
inabalável e firme,
pois por lá do universo ele viu o povo. -
 
Mas, olhando mais de perto, também se podia ver
   ] isto:
parecia como se o poder de toda a humanidade
que se concentrara na luta
para existir há milhões de séculos,
nele tinha chegado a um ponto culminante
de razão e sabedoria do que agora deveria ser feito
para a salvação e felicidade de toda a humanidade.
E parecia como se o sentimento de toda a humanidade
 
que se tinha declarado naquela grande batalha
e purificado em cada vez mais claro
sentimento, sabedoria e intuição,
o que é realmente bom para toda a humanidade,
se concentrara em seu coração,
e havia se tornado cristal de sangue.
Parecia como se este entendimento, este sentimento
   ] humano,
o havia preenchido, todo o seu ser, tanto,
que tinha que vir dele, de seu ser,
era como se sua voz, pois começou a falar,
fosse a de toda a humanidade, oprimida em séculos
de luta e agora veio à liberdade,
saindo da luta e de séculos de escravidão.
Sua voz pesada era como a do mar
e ele começou a falar:
 
«Trabalhadores, seu inimigo não é a natureza,
nem Deus, nem vocês mesmos, mas a sociedade.
É a sociedade, o capital.
Mas para derrotá-los, é preciso conhecê-los.
O que é o capital?
As pessoas do mundo inteiro
são divididas entre possuidores e
não-possuidores. Os primeiros têm tudo,
a terra em si, seu solo, todos os edifícios
e todas as ferramentas. Os não-possuidores
não têm nada. Têm apenas fome. Como eles vivem?
Os possuidores compram os não-possuidores,
com salários, por hora, por dia, por semana, por
   ] ano.
E deixam os fazer mais a cada hora,
todos os dias, todas as semanas, todos os anos,
em valor, do que o valor desse salário.
O valor de cada dia é o trabalho,
a quantidade de trabalho social
necessário para sua reprodução. Portanto, o valor
de vocês, Trabalhadores, é o valor de
seus alimentos, seus bens domésticos, seu
  ] combustível e sua roupa,
necessário para fazer-te trabalhar um dia,
uma hora, um ano, e para não morrer,
mas para mantê-lo como um trabalhador
que não tem nada além de seu corpo.
Mas nesse dia você pode produzir muito mais
 
em valor do que o valor de seu salário.
Sobretudo pelas máquinas que diminuem o valor
de seus alimentos e roupas tanto,
que você os produza num tempo mais curto,
e, portanto, em todo o tempo que resta
cria valor para seus senhores, sem remuneração,
dado de graça. Isso é o capital.
Seu trabalho não remunerado é capital,
você mesmo é a fonte do capital,
Você o cria e o dá aos dominadores nas mãos.
 
Vocês mesmos são os criadores dos seus próprios
    ] inimigos,
do domínio sobre você, da miséria
que o oprime e o faz morrer, que condena suas
   ] esposas
para sempre, e definha seus filhos.
 
A causa deste estado horrível,
aterrorizante para você, não para os possuidores,
é que existem possuidores da terra
e não-possuidores.
 
Assim o remédio para a sua miséria
é que vocês acabem com essa posse,
e se tornem vocês próprios, todos juntos,
    ] possuidores
de tudo, da terra e de suas ferramentas.
E que trabalhem juntos, todos juntos como um só.
E que depois dão tudo o que fizeram à comunidade,
que organiza o trabalho e distribui o produto.
O remédio para sua miséria é, assim,
o Comunismo.»
 
Como aos náufragos, a terra sobe
do mar, perto, mas parece um esforço infinito
 
de penetrar as ondas de penugem,
assim parecia a demonstração deste grande Marx
para os reunidos neste comício.
 
Como um farol derrama sua luz branca
sobre o céu, para todos, para todos,
e no fundo do mar, poucos olhos o vêem,
azul escuro brilhando num céu encoberto,
comunicando ao coração uma vaga esperança,
assim, alguns estavam a mirar aquele grande Homem.
E ele continuou:
 
«Vocês parecem de perguntar como é possível
que vocês, trabalhadores, que são tão pobres,
que não têm nada, nenhum conhecimento,
    ] nenhum dinheiro, nenhuma arma,
superar aqueles que têm toda a terra,
toda a ciência, o dinheiro e as armas?
A resposta é esta:
É o próprio capital que o torna possível,
o próprio capital os torna poderosos.
O capital destrói todos os fracos,
destrói através de sua concorrência
todos os pequenos, todos os artesãos e agricultores
que viviam de suas pequenas ferramentas.
Também destrói capitalistas maiores
e os faz proletários, como vocês.
 
Ele o faz em todos os lugares da face da terra.
Milhões e milhões de trabalhadores
surgem em toda parte, e faz suas multidões
cada vez mais numerosas, mas o exército
dos capitalistas fica menor.
 
E tão certamente que o povo já uma vez derrotou
    ] a nobreza,
a cidadania derrotou os príncipes e o clero,
assim, o trabalho um dia derrotará
o capital, os capitalistas.
Isto é tão certo quanto eu estou aqui,
e dar a conhecer isto a vocês, sentados ali.»
 
Assim como o timoneiro no bote salva-vidas
fica em pé no leme e dirige o barco
para perto do navio que, fervendo na ressaca,
fica desamparado, e sem ele seria desfeito
em pedaços, assim Marx estava ali diante o
    ] Proletariado.
E como alguém que na frente do barco
segura a linha e fica de pé, atirando-a para cima
 
para o naufrágio, para que todos possam se salvar,
assim miraram-lhe, como fosse timoneiro
e salvador ao mesmo tempo, alguns trabalhadores.
      
Era a voz da humanidade que através dele falava,
 
de toda a humanidade que já foi,
era a mente de toda a humanidade,
chegar ao seu zênite, à sua salvação.
Era o sentimento de toda a humanidade,
que chegou ao âmago de seu coração,
o mais profundo de seu coração,
    ] sua sabedoria de coração.
Era toda a Humanidade que tinha vindo
ao seu rebento mais completo, à sua floração
    ] mais alta.
Como os sitiados numa cidade,
de muito longe veem fogos, os jatos brilhantes
dos canhões, e ouvem de longe os trovões
daqueles que vêm em seu auxílio,
    ] tal ouvem a voz de Marx.
Como os garotos de uma escola
sentam com a cabeça ereta na luz,
com a boca e os olhos abertos ouvem
o que diz o professor. Penetra orelha e olhos,
entendem já algo, mas ainda não muito bem.
 
Como num ninho de pássaros, os filhotes ficam
lado a lado colado, de boca aberta,
como num ninho de águia, as águias jovens,
os bicos abertos silenciosamente à espera,
ingénuos, ainda não sabem voar.
E como então, o pai chega voando
até o ninho com uma forte batida de asa, e
alimenta-os, todos juntos, sem distinção,
lá estava Marx. Lá estavam os trabalhadores.
E assim estava por toda a terra.
 
E um dos trabalhadores que estavam ali sentados,
exclamou, um fulano de cabelos loiros sujos
eriçados como uma escova na cabeça,
um nariz firme e uma boca larga
com dentes lisos e com as mãos pesadas,
agitando-os reunidos:
«Como você acha que eles podem se unir?
Somente por propaganda ou pela luta?
E se for pela luta, por qual luta, por quê?»
Claro era a voz como água
saltando das rochas das montanhas,
poderoso como uma força da própria natureza.
E ele disse: «Por ambos, propaganda e
Luta. E lutar por quê? Para melhores salários,
horário de trabalho mais curto e proteção por leis.
Isso os reunirá.»
 
E outra voz, dum canto distante,
perguntou, e era uma mulher de rosto pálido,
cabelo preto penteado da cabeça para trás
e olhos negros ardentes;
«Como você acha que os trabalhadores de todos
    ] os países
podem se reunir numa única união?
Eles são hostis uns aos outros, esses escravos.»
E ele respondeu: «A luta em um país
despertará outras em outros países. E então,
a luta em todos os países se unirá numa luta só,
porque o capital mundial se une
na opressão dos trabalhadores.»
E outro homem se levantou do meio da sala,
um fulano claro com cabelos loiros de cinza,
branco como um espírito e com olhos ardentes
como chamas amarelas. E ele disse isto:
«Não tema, Marx, que esta luta pelo pouco
 
fará dos trabalhadores os escravos
do capital, que com dádivas pequenas
sempre pode satisfazê-los e assim amarrá-los?
E vincular seus líderes a ele nos seus
escritórios? E assim fazer com que os trabalhadores
sejam escravos de si mesmos?» Essas palavras mugiram
através da sala, como se uma tempestade começasse.
Mas Marx respondeu: «Este perigo existe.
Na luta pelo pouco os trabalhadores podem eles próprios transformarem-se em pequenos cidadãos.
    ] Mas a luta
entre os capitalistas tornar-se-á mais feroz
e mais violenta. Eles se destruirão uns aos outros
nas guerras. E o destino dos proletários,
apesar dumas melhorias temporárias,
será tal que terão de esmagar o capital
e estabelecer o Comunismo.»
 
Como o sol brilha sobre a terra
pela manhã, e todas as folhas das árvores
tiritam e tremem com a luz forte,
o sol é certo, as folhas não são.
Como o sol nasce pela manhã no mar lanoso
sobe e brilha sobre a terra,
rico e suave e sólido, mas o mar está impetuoso,
tal foi o discurso de Marx e a reunião.
 
E eles partiram na escuridão da cidade.
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