O Anarquismo e a Revolução Espanhola – Helmut Wagner

Original in German: Der Anarcho-Syndikalismus und die spanische Revolution

I.C.C. Vol. 3, números 5 e 6 – Junho de 1937 (Helmut Wagner. Traduzido de Rätekorrespondenz).

Na introdução, reproduzimos um trecho do artigo de Lucas Maia, militante autogestionário, sobre a crítica conselhista ao anarcossindicalismo. O acesso do texto na íntegra pode ser feito aqui: “Os comunistas conselhistas e o anarquismo: a crítica ao anarco-sindicalismo no contexto da guerra civil espanhola“.

À guisa de introdução, por Lucas Maia

Vejamos como os conselhistas analisaram a tendência anarcossindicalista. Esta perspectiva é duramente criticada por Helmut Wagner em artigo escrito em julho de 1937 intitulado “O Anarquismo e a Revolução Espanhola”. O intuito do texto é analisar as práticas que os anarquistas da FAI (Federação Anarquista Ibérica) e da CNT (Confederação Nacional do Trabalho) desenvolveram e como a prática anarcossindicalista é nefasta ao movimento operário. Após citar alguns trechos de uma brochura publicada pela CNT-FAI sobre as formas organizativas que a Espanha estava implantando em seu processo revolucionário, diz:

Não é necessário estourar a cabeça para se dar conta que essas proposições colocam todas as funções econômicas nas mãos do Conselho Econômico Geral. Como vimos, o Conselho Econômico Geral Antifascista é constituído por oito representantes dos sindicatos, quatro técnicos nomeados pelo Conselho Econômico Geral e quatro representantes dos Conselhos de Fábrica. O Conselho Econômico Geral Antifascista foi constituído no principio da revolução, e compõe-se de representantes dos sindicatos e da pequena burguesia (…). Apenas os quatro delegados do Conselho de Fábrica poderiam ser considerados como representantes diretos dos operários.

Além deste aspecto, Wagner demonstra como na revolução espanhola não se conseguiu nem se apontavam caminhos para superar elementos centrais que estruturam a sociedade capitalista: o dinheiro e o mercado. Ou seja, os organismos econômicos que foram sendo produzidos durante o processo tendiam a reproduzir relações características do capitalismo de estado já em pleno funcionamento na União Soviética. O que Wagner demonstra é que o mecanismo de produção e reprodução material da vida deve ser radicalmente alterado durante e depois do processo revolucionário. A permanência do dinheiro, do assalariamento, do mercado coroados com uma organização burocrática ao nível global da produção, tendia a reproduzir o capitalismo.

Se o mercado é o método adequado ao capitalismo para circular os produtos, o método comunista ou autogestionário deve ser outro, o dinheiro não pode ser o equivalente geral, que permita a circulação, mas sim as necessidades reais da população como um todo. Wagner propõe então que seriam os conselhos de produtores que garantiriam a produção necessária para as satisfações das necessidades reais da sociedade. Deste modo, era necessário articular os conselhos de consumidores, aos conselhos de produtores para se abolir o dinheiro, o mercado e o estado. Conclui assim este raciocínio: “Apenas a organização da produção e da distribuição pelos conselhos de produtores e consumidores, e o estabelecimento de uma contabilidade centralizada permitirão abolir o mercado livre”.

A grande tese que busca defender é que a prática anarcossindicalista conduz à apropriação pelos sindicatos da organização e gestão da produção ao nível global e tal prática foi não só defendida, mas também incentivada pela CNT. Afirma: “Todo o entusiasmo manifestado pela CNT a favor do direito da autogestão nas fábricas, não impede que sejam de fato os comitês sindicais que assumem a função do patronato e quem, por consequência, deve assumir a função de exploradores do trabalho”.

Também Paul Mattick conflui nas mesmas críticas ao anarcossindicalismo que se produziu na Espanha durante os anos da guerra civil, em artigo intitulado “As Barricadas Devem ser Removidas”: Fascismo Stalinista na Espanha. Em primeiro lugar, coloca a FAI-CNT no campo das burocracias dirigentes. Afirma:

Uma frente única com socialistas e com “comunistas” de partido é uma frente única com o capitalismo. É inútil denunciar Moscou e também não faz sentido criticar os socialistas: ambos têm que ser enfrentados até o fim. Mas, agora, os trabalhadores revolucionários têm de reconhecer que as lideranças anarquistas, que os burocratas da CNT e da FAI também estão no campo inimigo.

Dada a característica essencialmente burocrática destas organizações, cuja correia de transmissão é o sindicato e pelas características já apontadas por Wagner com relação à questão do mercado, dinheiro e organização burocrática ao nível global da produção e circulação, também Mattick destaca que o caminho que a Espanha está trilhando em seu processo revolucionário a está conduzindo a um capitalismo de estado.

E conclui assim sua análise:

A CNT nunca pôs a questão da revolução do ponto de vista dos operários, preocupava-se apenas com a organização. Agia em nome e com o apoio dos operários, mas nunca se interessou pela iniciativa autônoma e a ação direta destes, fora do controle da organização. O importante não era a revolução, mas a CNT.

Ou seja, tal como os bolcheviques, a CNT identificou os interesses dos operários com os da organização. Não é curioso que uma tal ideia também esteja presente na ideologia anarcossindicalista tal como a exposta por (Joyeux, 1975). Deste modo, o que vemos na relação entre a perspectiva conselhista e a anarcossindicalista é que uma aponta para a transformação autogestionária da sociedade, à medida que aponta para a generalização dos conselhos operários; a outra aponta para o estabelecimento de um capitalismo de estado, pois reproduz a relação burocrática inerente ao sindicalismo.

Deste modo, a relação conselhismo e anarcossindicalismo é bem definida, ou seja, o anarcossindicalismo é uma ideologia ligada aos sindicatos. Com o desenvolvimento e integração destes à sociedade capitalista, a defesa dos sindicatos torna-se bastante problemática, mesmo sendo este sindicato um sindicato anarquista. O conselhismo é ligado aos conselhos operários, portanto, opõem-se aos sindicatos. Assim, conselhismo e anarcossindicalismo são antagônicos, tal como conselhismo e bolchevismo. Entretanto, existem outras tendências anarquistas que apontam para questões muito semelhantes à perspectiva conselhista, tal como o anarco-coletivismo, e tendo a consciência destas questões, é necessário purgar os dogmatismos e buscar contribuir de maneira articulada para ascensão da classe trabalhadora e também a crítica de toda e qualquer forma de burocracia e sistema opressivo.

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O Anarquismo e a Revolução Espanhola – Helmut Wagner

I

As lutas heroicas dos operários espanhóis marcam uma etapa no desenvolvimento do movimento proletário internacional. Elas barraram a progressão, até aí vitoriosa, do fascismo, e, ao mesmo tempo, impulsionaram um novo período de expansão das lutas de classe. Mas o alcance da guerra civil espanhola para o proletariado mundial não se limitou a esse aspecto. A sua importância reside também no fato de ter posto à prova as teorias e táticas do anarquismo e do anarcossindicalismo.

A Espanha foi, desde sempre, a sede tradicional do anarquismo. A enorme influência que as doutrinas anarquistas aí adquiriram não se pode explicar senão pela estrutura particular das classes nesse país. A teoria proudhoniana dos artesãos individuais e independentes, como a aplicação por Bakunin, desta mesma teoria às fábricas, encontraram um apoio apaixonado entre os pequenos camponeses, operários fabris e agrícolas. As doutrinas anarquistas foram adotadas por largas frações do proletariado espanhol, e foi a isso que se deveu o levantamento espontâneo dos operários contra a sublevação fascista.

Não queremos, contudo, dizer que o desenrolar da luta foi determinado pela ideologia anarquista, ou que ela reflete o objetivo dos anarquistas. Pelo contrário, demonstraremos que os anarquistas foram empurrados a abandonar muito das suas velhas ideias e aceitar compromissos da pior espécie. Ao analisar esse processo, demonstraremos que o anarquismo era incapaz de manter-se à cabeça da situação, não pela fraqueza do movimento, que não teria permitido uma aplicação prática das mesmas, mas porque os métodos anarquistas para organizar as diferentes fases da luta estavam em contradição com a realidade objetiva. Esse tipo de situação revela semelhanças espantosas com a dos bolcheviques russos em 1917. Os bolcheviques russos foram forçados a abandonar, uma a uma, as suas velhas teorias, até serem reduzidos à exploração dos operários e camponeses segundo os métodos capitalistas burgueses; do mesmo modo, os anarquistas, em Espanha, são agora forçados a aceitar as medidas que ontem teriam denunciado como centralistas e repressivas. O desenrolar da Revolução Russa demonstrou que as teorias bolcheviques não eram válidas para resolver os problemas da luta de classe proletária; do mesmo modo, a guerra civil espanhola revela a incapacidade das doutrinas anarquistas para resolver esses mesmos problemas.

Nos parece importante elucidar os erros cometidos pelos anarquistas porque a sua luta corajosa conduziu muitos operários – que veem claramente a função de traidores executada pelos representantes da II e III Internacionais – a acreditarem que, apesar de tudo, os anarquistas têm razão. Do nosso ponto de vista, uma tal opinião é perigosa porque tende a aumentar a confusão, já grande, no seio da classe operária. Consideramos que é nosso dever demonstrar, a partir do exemplo espanhol, que a argumentação anarquista contra o marxismo é falsa; que a doutrina anarquista que falhou. Quando se trata de compreender uma dada situação, ou mostrar vias e métodos na luta revolucionária precisa, o marxismo serve ainda de guia e opõe-se ao pseudomarxismo dos Partidos da II e III Internacionais.

A fraqueza das teorias anarquistas foi primeiramente demonstrada a propósito da organização do poder político. Conforme a teoria dos anarquistas, seria suficiente, para assegurar e garantir a vitória revolucionária, deixar o funcionamento das fábricas nas mãos dos sindicatos. Os anarquistas nunca tentaram retirar o poder das mãos da Frente Popular. Também nunca trabalharam para a construção de um poder político dos conselhos (sovietes). Em lugar de fazerem a propaganda para a luta de classes contra a burguesia, pregaram a colaboração de classes em todos os grupos pertencentes à frente antifascista. Quando a burguesia começou a lutar contra o poder das organizações operárias, os anarquistas juntaram-se ao novo governo, o que constitui um importante desvio em relação aos seus princípios de base. Tentaram explicar às pessoas que em razão da coletivização, o novo governo da frente popular já não representava um poder político, mas um simples poder econômico, uma vez que os seus membros era representantes dos sindicatos, os quais pertenciam, contudo, membros da pequena burguesia do Esquerra[1]. O argumento dos anarquistas é o seguinte: uma vez que o poder está nas fábricas, e que estas são controladas pelos operários, o poder está, portanto, nas mãos dos operários. Veremos mais adiante como isso funciona na realidade.

O decreto de dissolução das milícias apareceu durante o tempo em que os anarquistas estavam no governo. A incorporação das milícias no exército regular, a supressão do POUM[2] em Madrid, foram decretados com a sua aprovação. Os anarquistas ajudaram a organizar um poder político burguês, mas nada fizeram para a formação de um poder político proletário.

A nossa intenção não é a de tornar os anarquistas responsáveis pela evolução sofrida pela luta antifascista e a sua transformação num impasse burguês. Outros fatores devem ser tidos em conta, em particular a atitude passiva dos operários dos outros países. O que criticamos mais severamente é o fato de que os anarquistas deixaram de trabalhar para uma revolução proletária real, e que se tenham identificado com o processo no qual estavam implicados. Eles ocultaram, assim, o antagonismo entre o proletariado e a burguesia, e deram continuidade às ilusões que, receamos, lhes custarão muito caro, futuramente. As táticas dos anarquistas espanhóis deram lugar a um certo número de críticas no seio de grupos libertários estrangeiros; alguns mesmos chegaram mesmo a acusá-los de traição em relação aos ideais anarquistas. Mas como os seus autores não compreendem a verdadeira situação com a qual os seus camaradas espanhóis estão confrontados, elas mantêm-se negativas.

Não poderia ser de modo diferente. As doutrinas anarquistas, pura e simplesmente, não dão resposta apropriada às perguntas postas pela prática revolucionária. Não à participação no governo, não à organização do poder político, sindicalização da produção, eis as palavras de ordem anarquistas de base. Tais palavras de ordem não se situam diretamente no sentido dos interesses da revolução proletária. Os anarquistas espanhóis caíram nas práticas burguesas porque foram incapazes de substituir as suas irrealizáveis palavras de ordem pelas palavras revolucionárias do proletariado. Os críticos e os conselheiros libertários estrangeiros não podiam oferecer soluções porque esses problemas não podem ser resolvidos senão na base da teoria marxista.

A posição mais extrema entre os anarquistas estrangeiros é a dos anarquistas holandeses (à exceção dos anarcossindicalistas holandeses da NSV – Netherlands Syndicalist Vuband). Os anarquistas da Holanda opuseram-se a qualquer luta empregando armas militares porque uma tal luta está em contradição com o ideal e o objetivo anarquista. Eles negam a existência de classes. Ao mesmo tempo, não deixam de exprimir a sua simpatia pelas massas em luta contra o fascismo. Na realidade, a sua posição equivale à sabotagem da luta. Eles denunciam toda a luta tendo como objetivo ajudar os operários espanhóis, tal como o envio de armas. O fundo da sua propaganda é este: tudo deve ser feito para evitar a extensão do conflito aos restantes países da Europa. Pregam a resistência passiva ao estilo de Gandhi, cuja filosofia, aplicada à realidade objetiva, conduz à submissão de trabalhadores sem defesa aos carrascos fascistas.

Os anarquistas de oposição sustentam que o poder central exercido pela ditadura do proletariado ou por um estado-maior militar conduz a uma outra forma de repressão das massas. Os anarquistas espanhóis respondem fazendo notar que eles (em Espanha) não lutam por um poder político centralizado; pelo contrário, favorecem a sindicalização da produção, o que exclui a exploração dos trabalhadores. Acreditam seriamente que as fábricas estão nas mãos dos trabalhadores e que não é necessário organizar todas as fábricas numa base centralista e política. Contudo, a evolução real já provou que a centralização da produção está em curso, e os anarquistas são forçados a adaptarem-se às novas condições, mesmo se contra a vontade. Por todo o lado em que os operários anarquistas negligenciam organizar o seu poder, politicamente e de uma maneira centralizada nas fábricas e comunas, os representantes dos partidos capitalistas burgueses (os partidos socialista e comunista incluídos) encarregar-se-ão disso. Isso significa que os sindicatos, em lugar de serem diretamente controlados pelos operários, nas fábricas, serão regulamentados a partir de leis e decretos do governo capitalista burguês.

II

Desse ponto de vista. põe-se uma questão: é verdade que os operários da Catalunha detiveram o poder nas fábricas depois de os anarquistas terem “sindicalizado” a produção? Basta-nos citar alguns parágrafos da brochura “Que são a CNT e a FAI?” (publicação oficial da CNT-FAI) para responder a esta pergunta.

“A direção das empresas coletivizadas assenta nas mãos dos Conselhos de Fábrica, eleitos em assembleia geral de fábrica. Esses conselhos devem ser compostos por cinco a quinze membros. A duração da participação no conselho é de dois anos (…).”
Os conselhos de fábrica são responsáveis perante a Assembleia Plenária de empresa e perante o Conselho Geral do ramo industrial. Em comum com o Conselho Geral do seu ramo de indústria, eles regulam a marcha da produção. Ao mesmo tempo, regulam as questões dos prejuízos de trabalho, suas condições, instituições sociais, etc.
O Conselho de Fábrica designa um diretor. Nas empresas empregando mais de 500 operários, esta nomeação deve fazer-se de acordo com o Conselho Econômico. Cada empresa nomeia ainda, como representante da “Generalidad”[3], um dos membros do Conselho de Fábrica, de acordo com os operários.
Os Conselhos de Empresa mantêm ao corrente dos seus trabalhos e planos a Assembleia Plenária dos operários e o Conselho Geral do seu ramo de indústria. No caso da incapacidade ou recusa de aplicação das decisões tomadas, os membros do Conselho de Fábrica podem ser destituídos pela Assembleia Plenária ou pelo Conselho Geral do seu ramo de indústria.
Se uma tal destituição é pronunciada pelo Conselho Geral da indústria, os operários da empresa podem recorrer e o Departamento de Economia da Generalidade decide do caso depois de ter ouvido o Conselho Econômico antifascista…
Os Conselhos Gerais dos ramos de indústria são compostos por: quatro representantes dos Conselhos de Fábrica, oito representantes dos sindicatos segundo as proporções das diferentes tendências sindicais na indústria, e quatro técnicos enviados pelo Conselho Econômico Antifascista. Esse comitê trabalha sob a presidência de um membro do Conselho Econômico.
Os Conselhos Gerais das indústrias ocupam-se dos seguintes problemas: organização da produção, cálculo dos custos de produção, evitar a concorrência entre as empresas, estudo das necessidades de produtos na indústria, estudo dos mercados interiores e exteriores (…), estudo e propostas práticas de métodos de Trabalho, sugestões sobre política aduaneira, edificação de centrais de venda, aquisições de meios de trabalho e matérias primas, atribuição de créditos, instalação de estações técnicas de ensaios e laboratórios, estatísticas de produção e necessidades de consumo, trabalhos preliminares para a substituição de materiais estrangeiros pelos espanhóis, etc.”[4].

Não é necessário estourar a cabeça para se dar conta que essas proposições colocam todas as funções econômicas nas mãos do Conselho Econômico Geral. Como vimos, o Conselho Econômico Geral Antifascista é constituído por oito representantes dos sindicatos, quatro técnicos nomeados pelo Conselho Econômico Geral e quatro representantes dos Conselhos de Fábrica. O Conselho Econômico Geral Antifascista foi constituído no princípio da revolução, e compõe-se de representantes dos sindicatos e da pequena burguesia (Esquerra, etc.). Apenas os quatro delegados do Conselho de Fábrica poderiam ser considerados como representantes diretos dos operários. Notamos, por outro lado, que em caso de afastamento dos representantes do Conselho de Fábrica, o Conselho de Indústria da “Generalidad” e o Conselho Econômico Geral Antifascista têm uma influência decisiva. O Conselho Econômico Geral pode destituir oposicionistas nos conselhos; contra esta medida, os operários podem apelar junto do Conselho da Indústria, mas a decisão assenta em última instância no Conselho Econômico Geral. O Conselho de Fábrica pode designar um diretor, mas para empresas maiores, o consentimento do Conselho de Indústria é necessário.

Numa palavra, pode dizer-se que os operários não têm, na realidade, qualquer poder sobre a organização e o controle das fábricas. De fato, são os sindicatos que governam. Veremos mais adiante o que isso significa.

Considerando apenas os fatos acima mencionados, somos incapazes de partilhar o entusiasmo da CNT sobre a “evolução social”. “Nos serviços administrativos palpita a vida de uma revolução verdadeiramente construtiva”, escreve Rosselli em “O que é a CNT e a FAI?” (pp. 38-39, Ed. alemã). Quanto a nós, o pulso de uma autêntica revolução não bate nos serviços administrativos, mas nas fábricas. Nos escritórios bate o coração de uma vida diferente, a da burocracia.

Não criticamos os fatos. Os fatos, as realidades, são determinadas pelas circunstâncias e as condições que escapam ao controle dos simples grupos. Que os trabalhadores da Catalunha não tenham estabelecido a ditadura do proletariado, isso não é culpa sua. A verdadeira razão reside na confusa situação internacional que coloca os operários espanhóis em oposição face ao resto do Mundo. Em tais condições, é impossível ao proletariado espanhol livrar-se dos seus aliados pequeno burgueses. A revolução estava condenada, antes mesmo de ter começado.

Não, não criticamos os fatos. Criticamos, contudo, os anarquistas por terem confundido a situação na Catalunha com o socialismo. Todos os que falam de socialismo aos operários da Catalunha – em parte porque nisso acreditam, em parte porque não querem perder a sua influência sobre o movimento – impedem os trabalhadores de verem o que se está a passar em Espanha. Eles não compreendem nada da revolução, e por isso tornam mais difícil o desenvolvimento das lutas radicais.

Os trabalhadores espanhóis não se podem permitir lutar efetivamente contra os sindicatos, porque isso conduziria a uma derrota completa nas frentes militares. Eles não têm alternativa: devem lutar contra os fascistas para salvarem a vida, e aceitar todo o auxílio sem olharem a proveniência. Não se interrogam sobre se o resultado desta luta será o socialismo ou o capitalismo; sabem apenas que devem lutar até ao fim. Apenas uma pequena parte do proletariado é conscientemente revolucionária.

Enquanto os sindicatos organizarem a luta militar, eles terão o apoio dos trabalhadores; não se pode negar que isso conduz a compromisso com a burguesia, mas considera-se isso como um mal necessário. A palavra de ordem da CNT: “Para já a vitória contra os fascistas, depois a revolução social”, exprime o sentimento ainda predominante entre os militantes operários. Mas esse sentimento pode também ser explicado pelo atraso do país, o que torna os compromissos com a burguesia não somente possíveis como obrigatórios para o proletariado. Disso resulta que o caráter da luta revolucionária sofre enormes transformações, e que, em lugar de tender para a derrocada da burguesia, leva à consolidação de uma nova ordem capitalista.

A Ajuda Estrangeira Estrangula a Revolução

A classe operária em Espanha não luta somente contra a burguesia fascista, mas também contra a burguesia do mundo inteiro. Os fascistas da Itália, Alemanha, Portugal e Argentina, auxiliam os fascistas espanhóis, nesta luta, com todos os meios de que dispõem. Esse fato basta para tornar impossível a vitória da revolução em Espanha. O enorme peso dos Estados inimigos é demasiado pesado para o proletariado espanhol. Se os fascistas espanhóis, com os seus meios consideráveis, ainda não ganharam, e tiveram mesmo algumas derrotas em muitas frentes, isso se deve aos fornecimentos de armas efetuadas por governos antifascistas. Enquanto o México, desde o princípio, forneceu munições e armas em pequena escala, a Rússia não começou o seu auxílio senão ao fim de cinco meses de guerra. O auxílio chegou depois de as tropas fascistas, equipadas com modernas armas italianas e alemãs, e apoiadas, aliás, por todos os meios de que os países fascistas dispõem, tenham feito recuar as milícias antifascistas. Isso permite continuar a lutar, o que obrigará a Itália e a Alemanha a enviar ainda mais armas, e mesmo tropas. Desse fato, esses países tornaram-se cada vez mais influentes na situação política. A França e a Inglaterra, inquietas por causa das relações com as suas colônias, não se podiam desinteressar de uma tal evolução. A luta em Espanha toma o caráter de um conflito internacional entre as grandes potências imperialistas as quais, abertamente ou não, participam na guerra para defenderem antigos, ou conquistar novos, privilégios. De ambos os lados, as forças antagônicas em Espanha recebem armas e apoio material. Não se pode ainda discernir quando e onde esta luta acabará.

Entretanto, esta ajuda do estrangeiro salva os trabalhadores espanhóis ao mesmo tempo que dá o golpe de misericórdia na revolução. As armas modernas do estrangeiro colocaram a luta no terreno militar e, por conseguinte, o proletariado espanhol foi submetido aos interesses russos. A Rússia não ajuda o governo espanhol para favorecer a revolução, mas para impedir o crescimento da influência italiana e alemã na zona mediterrânea. O bloqueio dos navios russos e a apreensão das suas cargas mostra, claramente, à Rússia o que a espera quando permitir a vitória da Alemanha e da Itália.

A Rússia tenta implantar-se em Espanha. Apenas indicaremos como, a partir da pressão que ela exerce, os operários espanhóis estão em vias de perder gradualmente a sua influência sobre o desenrolar dos acontecimentos, como os comitês de milícia são dissolvidos, o POUM excluído do governo e a CNT atada de pés e mãos.

Desde há meses, recusam-se armas e munições ao POUM e à CNT na frente de Aragão. Tudo isso prova que o poder de que dependem materialmente os antifascistas espanhóis dirige também, a luta dos operários. Estes últimos, se podem tentar desembaraçar-se da influência da Rússia, não podem recusar a sua ajuda, e, em última análise, devem aceder a todos os seus pedidos. Enquanto os operários do estrangeiro não se revoltarem contra as suas respectivas burguesias, trazendo assim um apoio ativo à luta em Espanha, os operários espanhóis deverão sacrificar o seu objetivo socialista.

A causa real da derrota interna da revolução espanhola explica-se pela sua dependência face ao auxílio material dos países capitalistas (aqui, o capitalismo de Estado russo). Se a revolução se estendesse à Inglaterra, França, Itália, Alemanha e Bélgica, então as coisas teriam um aspecto completamente diferente. Se a contrarrevolução fosse esmagada nas zonas industriais mais importantes, como ela o é, agora, em Madrid, Catalunha e Astúrias então o poder da burguesia fascista seria quebrado. Tropas de guardas brancos poderiam certamente pôr a revolução em perigo, mas nunca a vencer. As tropas que não se apoiam numa potência industrial suficiente, perdem depressa todo o poder. Assim, dizemos uma vez mais que a revolução proletária não será vigorosa se não for internacional. Se ela continua confiada a uma pequena região, será esmagada pelas armas ou desnaturada pelos interesses imperialistas. Se a revolução proletária é suficientemente forte à escala internacional, então ela não tem já necessidade de recear a degenerescência no sentido de um capitalismo de Estado ou privado. Na parte seguinte trataremos de questões que se poriam nesse caso.

A Luta de Classes na Espanha “Vermelha”

Se bem que tenhamos mostrado, na parte precedente, como a situação internacional forçava os operários espanhóis a compromissos com a burguesia, não concluímos daí que a luta de classes estava acabada em Espanha. Pelo contrário, ela continua sob a capa da frente popular antifascista, como o provam os assaltos da burguesia contra cada bastião dos comitês operários e o endurecimento das posições do governo. Os operários da Espanha “vermelha” não podem ficar indiferentes a esse processo; do seu lado, devem tentar conservar as posições adquiridas para evitar futuros excessos da burguesia e dar uma nova orientação revolucionária aos acontecimentos. Se os operários da Catalunha não se opõem à progressão da burguesia, a sua derrota total é certa. Se o governo da frente popular vencesse eventualmente os fascistas, ele utilizaria todo o seu poder para esmagar o proletariado. A luta entre a classe operária e a burguesia continuaria, mas em condições bem piores para o proletariado; porque a burguesia “democrática”, depois de ter deixado os trabalhadores vencerem os fascistas, viraria em seguida todas as suas forças contra o proletariado. A desintegração sistemática do poder dos operários continua desde há um mês; e nos discursos de Caballero pode-se já entrever a sorte que reserva aos trabalhadores o governo atual uma vez que aqueles lhe tenham dado a vitória.

Dissemos que a revolução espanhola apenas pode vencer se se tornar internacional. Mas os operários espanhóis não podem esperar que a revolução comece noutros pontos da Europa; não podem esperar a ajuda que, até ao presente, se manteve um desejo piedoso. Devem agora, imediatamente, defender a sua causa não somente contra os fascistas, mas contra os seus próprios aliados burgueses. A organização do seu poder é também uma necessidade urgente na atual situação.

Como responde o movimento dos operários espanhóis a esta questão? A única organização que disso dá uma resposta concreta é o POUM. Ele faz propaganda para a eleição de um congresso geral dos conselhos, de onde sairá um governo verdadeiramente proletário.

A isso, respondemos que as bases de um tal programa ainda não existem. Os pretensos “conselhos operários”, na medida em que ainda não estão liquidados, estão na sua maioria sob influência da “Generalidad”, a qual controla apertadamente os seus membros. Mesmo se ela efetuasse, a eleição desse congresso não garantiria o poder dos operários sobre a produção. O poder social não é o simples controle do governo. Para se manter, o poder proletário deve exercer-se em todos os domínios da vida social. O poder político central, por maior que seja a sua importância, não passa de um dos meios para o realizar.

Se os operários devem organizar o seu poder contra a burguesia, têm de começar pelo princípio. Para já, devem libertar as suas organizações de fábrica da influência dos partidos e sindicatos oficiais, porque estes últimos ligam os operários ao governo atual e, daí, à sociedade capitalista. Devem tentar, através das suas organizações de fábrica, penetrar em cada setor da vida social. Somente a partir desta base é possível construir o poder proletário; a partir dela, apenas, podem trabalhar em harmonia as forças da classe operária.

A Organização Econômica da Revolução

As questões da organização política e econômica são indissociáveis. Os anarquistas, que negam a necessidade de uma organização política, não podem, pois, resolver os problemas da organização econômica. Há uma inter-relação entre o problema da ligação do trabalho nas diferentes fábricas, e o da circulação dos bens, na medida em que o poder político operário está em causa.

Os trabalhadores não podem estabelecer o seu poder nas fábricas sem construírem um poder político operário, e este último não pode manter-se como tal se não se tem raízes na formação de conselhos de fábrica. Assim, uma vez demonstrada a necessidade da construção de um poder político, pode-se perguntar qual a forma que revestirá esse poder proletário, qual a maneira como ele integra a sociedade e se exprime a partir das fábricas.

Suponhamos que os operários das principais zonas industriais, por exemplo, da Europa, tomam o poder e esmagam, assim, praticamente, o poder militar da burguesia. A ameaça exterior mais grave para a revolução estaria assim afastada. Mas como deveriam os operários, enquanto proprietários coletivos das oficinas, recolocar a produção em marcha a fim de satisfazerem as necessidades da sociedade? Para isso, há necessidade de matérias-primas; mas de onde elas vêm? Uma vez o produto fabricado, para onde deve ser enviado? E quem tem dele necessidade?

Não se poderia resolver nenhum desses problemas se cada fábrica funcionasse isoladamente. As matérias-primas destinadas às fábricas vêm de todas as partes do Mundo, e os produtos resultantes dessas matérias-primas são consumidas no Mundo inteiro. Como irão os operários saber onde procurar as matérias-primas? Como encontrarão os consumidores para os seus produtos? Os produtos não podem ser fabricados ao acaso. Os operários não podem entregar produtos e matérias-primas sem saberem se ambos serão utilizados de modo apropriado. Para que a vida econômica não pare imediatamente, é preciso utilizar um método para organizar a circulação das mercadorias.

É aí que reside a dificuldade. No capitalismo, esta tarefa é executada pelo mercado livre e através do dinheiro. No mercado, os capitalistas, enquanto proprietários dos produtos, enfrentam-se; é aí que são determinadas as necessidades da sociedade: o dinheiro é a medida dessas necessidades. Os preços exprimem o valor aproximado dos produtos. No comunismo, essas formas econômicas, que deveriam e estão ligadas à propriedade privada, desaparecerão. A questão que se coloca é, pois: como se deve fixar, determinar sob o comunismo as necessidades da sociedade?

Sabemos que o mercado livre não pode preencher a sua função senão dentro de certos limites. As necessidades que ele mede não são determinadas pelas necessidades reais das pessoas, mas pelo poder de compra dos possuidores e pelos salários que os operários recebem. Sob o comunismo, pelo contrário, o que contará serão as necessidades reais das massas e não o conteúdo das carteiras.

É agora claro, que as necessidades reais das massas não podem ser determinadas por alguma espécie de aparelho burocrático, mas pelos próprios operários. A primeira pergunta que esta constatação levanta é, não a de saber se os operários são capazes de realizar esta tarefa, mas quem dispõe dos produtos da sociedade. Se se permite a um aparelho burocrático determinar as necessidades das massas, criar-se-á um novo instrumento de dominação da classe operária. Eis porque é essencial que os operários se unam em cooperativas de consumidores e criem assim o organismo que exprimirá as suas necessidades. O mesmo princípio vale para as fábricas; os operários, unidos nas organizações de fábrica, estabelecem a quantidade de matérias-primas de que têm necessidade para os produtos que devem fabricar. Não existe, pois, senão um meio, no comunismo, para estabelecer as necessidades das massas: a organização dos produtores e dos consumidores em conselhos de fábrica e conselhos de consumidores.

Contudo, não basta aos operários saber de que têm necessidade para a sua subsistência, nem às oficinas de conhecer a quantidade necessária de matérias-primas. As fábricas trocam os seus produtos; estes devem passar por diferentes fases, por várias fábricas, antes de entrarem na esfera do consumo. Para tornar possível esse processo, é necessário, não somente estabelecer quantidades, como também as gerir. Assim chegamos à segunda parte do mecanismo que deve substituir o mercado livre; quer dizer, a “contabilidade” social geral. Esta contabilidade deve incluir a situação de cada fábrica e conselho de consumidores, para dar um quadro claro que permita ter um conhecimento completo das necessidades e possibilidades da sociedade.

Se se não pode reunir e centralizar esses dados, então toda a produção será mergulhada no caos quando for abolida a propriedade privada e, como ela, o mercado livre. Apenas a organização da produção e da distribuição pelos conselhos de produtores e consumidores, e o estabelecimento de uma contabilidade centralizada permitirão abolir o mercado livre.

Vimos que na Rússia o “mercado livre” foi mantido, a despeito de todas as medidas de supressão decretadas pelos bolcheviques, porque os órgãos que era suposto substituí-lo não funcionam. Em Espanha a impotência das organizações em construírem uma produção comunista está claramente demostrada pela existência do mercado livre. A antiga forma de propriedade tem agora um outro rosto. Em lugar da propriedade pessoal dos meios de produção, os sindicatos têm uma parte da função dos antigos proprietários, sob uma forma ligeiramente modificada. A forma mudou, mas o sistema continua. A propriedade, enquanto tal, não foi abolida. A troca das mercadorias não desapareceu. Eis o grande perigo que ameaça o interior da revolução espanhola.

Os operários devem encontrar uma nova forma de distribuição dos bens. Se eles mantêm as formas atuais, abrem a porta à restauração completa do capitalismo. Se os operários alguma vez estabelecerem uma distribuição central dos bens devem manter esse aparelho sob o seu controle; porque, criado no simples objetivo de estabelecer registros e estatísticas, teria a possibilidade de se apropriar do poder e transformar-se em instrumento de coerção contra os operários. Esse processo seria o primeiro passo em direção ao capitalismo de Estado.

A Apropriação da Produção pelos Sindicatos

Esta tendência é claramente visível em Espanha. Os funcionários sindicais podem dispor do aparelho da produção. Têm também uma influência decisiva sobre os negócios militares. A influência dos operários na vida econômica não vai mais longe que a que têm nos seus sindicatos; e o fato de que as medidas sindicais não tenham conseguido ameaçar seriamente a propriedade privada, ilustra bem os limites dessa influência. Se os operários tomam a seu cargo a organização da vida econômica, um dos primeiros atos será dirigido contra os parasitas. O poder mágico do dinheiro, que abre todas as portas, que tudo reduz ao estado de mercadoria, desaparecerá. Um dos primeiros atos dos trabalhadores será, pois, sem dúvida, a criação de uma espécie de senhas de trabalho. Estas não poderiam ser obtidas senão por aqueles que executem um trabalho útil. (Medidas especiais respeitando os velhos, os doentes, as crianças etc., impõe-se evidentemente).

Na Catalunha, isso não se produziu. O dinheiro continuou a ser o meio de troca dos bens. Introduziu-se um certo controle sobre a circulação de mercadorias, o qual em nada aproveitou aos trabalhadores: estes viram-se obrigados a depositarem os seus parcos haveres em montepios, enquanto que os proprietários rurais, por exemplo, recebiam rendas que atingiam cerca de quatro por cento do seu capital (“A Espanha antifascista”, 10 de Outubro).

Evidentemente, os sindicatos não poderiam tomar outras medidas sem pôr em causa a unidade da frente antifascista. Pode-se pensar, também, como o permite o caráter libertário da CNT, que os sindicatos recuperariam o terreno perdido uma vez vencidos os antifascistas e tomadas todas as reformas necessárias. Mas raciocinar deste modo é cometer os mesmos erros feitos pelas espécies de bolcheviques, sejam eles de esquerda ou direita. As medidas tomadas até agora provam claramente que os operários não têm o poder. Quem pretenderá que o mesmo aparelho que hoje domina os operários, lhes dará voluntariamente o poder no dia em que o fascismo seja esmagado?

Sem dúvida, a CNT é libertária. Mesmo se supomos que os funcionários desta organização estão prontos a abandonar o seu poder desde que a situação militar o permita, o que é que realmente mudará? O poder, com efeito, não está nas mãos de um dado dirigente; pertence a um grande aparelho, composto por inúmeros “chefezinhos” que detêm as posições-chave e os postos secundários. Eles são capazes, se se virem afastados dos seus postos privilegiados, de perturbar completamente a produção. Eis aqui aflorado um problema que teve tão grande importância na revolução russa. O aparelho burocrático sabotou a vida econômica logo que os operários tiveram o controle das fábricas. O mesmo aconteceu em Espanha.

Todo o entusiasmo manifestado pela CNT a favor do direito da autogestão nas fábricas, não impede que sejam de fato os comitês sindicais que assumem a função do patronato e quem, por consequência, deve assumir a função de exploradores do trabalho. O sistema salarial manteve-se em Espanha. Apenas o aspecto mudou: antes ao serviço de capitalistas, o trabalho assalariado está agora ao serviço dos sindicatos. Eis, como prova, algumas citações extraídas de um artigo de “A Espanha antifascista”, n.º 24, de 28 de Novembro de 1936, intitulado “A Revolução organiza-se a si própria”:

“O plenário provincial de Granada reuniu-se em Cadiz, de 2 a 4 de Outubro de 1936, e adotou as seguintes resoluções:
5) O comitê de união dos sindicatos controlará a produção no seu conjunto (a agricultura incluída). Neste sentido, todo o material necessário às sementeiras e às colheitas será posto à sua disposição.
6) Como ponto de partida da coordenação entre regiões, cada comissão deve tornar possível a troca de mercadorias comparando os seus valores na base dos preços em curso.
7) Para facilitar o trabalho, o comitê deve estabelecer o levantamento estatístico daqueles que estão aptos para o trabalho a fim de saber com que potencial pode contar e como deve ser racionada a alimentação em função da dimensão das famílias.
8) A terra confiscada é declarada propriedade coletiva. Daí, a terra daqueles que têm capacidades físicas e profissionais suficientes não pode ser tomada. Isto para se obter uma rentabilidade máxima.”

(Isto é, a terra dos pequenos proprietários não pode ser confiscada. O arresto deve ser efetuado na presença de organismos da CNT e da UGT).

Estas resoluções devem ser compreendias como uma espécie de plano a partir do qual o comitê da união dos sindicatos organizará a produção. Mas ao mesmo tempo, devemos notar que a direção das pequenas explorações, assim como a das grandes em que deve ser garantida uma máxima rentabilidade, continuará nas mãos dos antigos proprietários. O resto da terra deverá servir os fins comunitários. Por outras palavras, ela deve ser colocada sob o controle das comissões do sindicato. Mais, o comitê da união dos sindicatos obtém o controle da produção na sua totalidade. Mas nem uma palavra sequer indica a função que devem ter os produtores neste novo tipo de produção. Esse problema não parece existir para a UGT. Para eles, apenas se trata de estabelecer uma outra direção, a saber, a direção do comité da união dos sindicatos que funciona ainda na base do trabalho assalariado. É a questão da manutenção do assalariado que determina o curso da revolução proletária. Se os operários continuam operários assalariados como antes, mesmo ao serviço de um comitê estabelecido pelo seu próprio sindicato, a sua posição no sistema de produção mantém-se imutável. E a revolução afastar-se-á da sua orientação proletária por causa da rivalidade inevitável que surgirá entre os partidos e os sindicatos para o controle da economia. Pode-se, pois, perguntar até que ponto os sindicatos podem ser considerados como representantes autênticos dos trabalhadores; ou, por outros termos, qual a influência dos operários nos comitês centrais dos sindicatos que dominam a vida econômica no seu conjunto.

A realidade ensina-nos que os operários perdem toda a influência ou poder sobre estas organizações, mesmo se, no melhor caso, todos os trabalhadores estão organizados na CNT ou na UGT, e elegem eles mesmos os seus comitês. Porque os sindicatos se transformam gradualmente desde que funcionem enquanto órgãos autônomos do poder. São os comitês que determinam todas as normas da produção e distribuição sem disso serem responsáveis perante os trabalhadores que os elegeram, mas que não têm em caso algum a possibilidade de revogarem esses mandatos. Os comitês obtêm o direito de dispor de todos os meios de produção necessários ao trabalho, e de todos os produtos acabados, enquanto o trabalhador apenas recebe o montante do salário definido a partir do trabalho executado. O problema para os operários espanhóis consiste pois, até ao presente, em preservar o seu poder sobre os comitês sindicais que regulam a produção e a distribuição. Ora, vê-se que a propaganda anarcossindicalista se exprime num sentido absolutamente inverso: ela mantém que todos os obstáculos serão ultrapassados quando os sindicatos tiverem nas mãos a direção total da produção. Para os anarcossindicalistas, o perigo da formação de uma burocracia existe ao nível dos órgãos de Estado, mas não nos sindicatos. Acreditam que as ideias libertárias tornam impossível um tal processo.

Mas pelo contrário, foi demonstrado – e não somente em Espanha – que as necessidades materiais fazem rapidamente esquecer as ideias libertárias. Mesmo os anarquistas confirmam o desenvolvimento de uma burocracia. “A Espanha antifascista” no seu n.º 1 de Janeiro, contém um artigo extraído de Tierra y libertad (órgão da FAI), do qual citamos o seguinte:

“O último plenário da “federação regional” dos grupos anarquistas na Catalunha expôs claramente a posição anarquista face às exigências presentes. Publicamos todas essas conclusões, seguidas de breves comentários”.

O extrato seguinte foi tirado dessas conclusões comentadas:

“4) É necessário abolir a burocracia parasitária que se desenvolveu grandemente nos órgãos do Estado, a todos os escalões.
“O Estado é o eterno berço da burocracia. Hoje, esta situação torna-se crítica ao ponto de nos levar numa corrente que ameaça a revolução. A coletivização das empresas, o estabelecimento de conselhos e de comissões favorecem o desenvolvimento de uma nova burocracia de origem operária. Desprezando as tarefas do socialismo e já não tendo nada de revolucionário, estes elementos que dirigem os locais de produção ou as indústrias, fora do controle sindical, agem frequentemente como burocratas dispondo de uma autoridade absoluta, e comportando-se como novos patrões. Nos escritórios nacionais e locais, pode-se observar o poder crescente destes burocratas. Um tal estado de coisas deve mudar. É tarefa dos sindicatos e dos operários lutar contra esta corrente de burocratismo. É a organização sindical que deve resolver este problema. Os “parasitas” devem desaparecer da nova sociedade. O nosso dever mais urgente é começar a luta, imediatamente, com determinação.”

Mas destruir a burocracia por intermédio dos sindicatos significa querer destruir o demônio com Belzebu, porque estas são as condições em que se exerce o poder, e não os dogmas idealistas, que determinam o desenrolar dos acontecimentos. O anarcossindicalismo espanhol, suportado por doutrinas anarquistas, declara-se ele próprio pelo comunismo livre e oposto a todas as formas de poder centralizado; contudo o seu próprio poder encontra-se concentrado nos sindicatos e é por intermédio destas organizações que os anarcossindicalistas realizarão o comunismo “livre”.

O Anarcossindicalismo

Assim, vimos que a prática e a teoria do anarcossindicalismo diferem totalmente. Isto era já manifesto quando a CNT e a FAI, para consolidar a sua posição, tiveram que renunciar, pouco a pouco, ao seu “anti-politismo” passado.

O mesmo desvio observa-se agora na “estrutura econômica” da revolução.

Em teoria, os anarcossindicalistas pretendem-se a “avant-garde” de um comunismo “livre”. Contudo para fazer funcionar as empresas livres no interesse da revolução, eles são levados a tirar a liberdade a estas empresas e a subordinar a produção a uma direção centralizada. A prática leva-os a abandonar a sua teoria, o que prova que esta teoria não era adaptável à prática.

Encontraremos explicação para este desvio se fizermos uma crítica radical destas teorias do “comunismo livre”, que são, em última análise, as concepções de Proudhon, adaptadas por Bakunin aos métodos modernos de produção.

As concepções socialistas avançadas por Proudhon há cem anos têm a ver com as concepções socialistas idealistas do pequeno-burguês que via na livre concorrência entre pequenas empresas o fim ideal do desenvolvimento econômico. A livre concorrência devia, automaticamente, suprimir todos os privilégios do capital financeiro e do capital agrícola. Assim qualquer direção central se tornava desnecessária: os lucros desapareceriam e cada um receberia o “fruto integral do seu trabalho”, uma vez que segundo Proudhon, só os monopólios fazem lucros. “Não tenho a intenção de suprimir a propriedade privada, mas de a socializar; quer dizer de a reduzir a pequenas empresas e de a privar do seu poder”. Proudhon não condena os direitos de propriedade enquanto tais; vê a “liberdade real” na livre disposição dos frutos do trabalho e condena a propriedade privada somente enquanto privilégio e poder, enquanto “direito de um senhor” (Gottfried Salomon: Proudhon e o socialismo, p. 31). Por exemplo, para eliminar o monopólio do dinheiro, Proudhon tinha imaginado um banco de crédito central para o crédito mútuo dos produtores, suprimindo assim o custo do dinheiro-crédito. Isto lembra a afirmação da “Espanha antifascista” de 10 de Outubro:

“O sindicato CNT dos empregados do banco de crédito de Madrid propõe a transformação imediata de todos os bancos em instituições de crédito gratuito para a classe operária, quer dizer contra uma compensação anual de dois por cento…”

Contudo, a influência de Proudhon nas concepções dos anarcossindicalistas não se limita a estas questões relativamente secundárias. O seu socialismo constitui, fundamentalmente, a base da doutrina anarcossindicalista, com algumas revisões provocadas pelas condições modernas da economia altamente industrializada.

Na perspectiva do “socialismo de livre concorrência”, a CNT concebe simplesmente as empresas como unidades independentes. É verdade que os anarcossindicalistas não querem voltar à pequena empresa. Propõem liquidá-la, ou deixá-la morrer de morte natural quando ela já não funciona de uma maneira suficientemente racional. Portanto, basta substituir as “pequenas empresas” de Proudhon pelas “grandes empresas”, e os artesãos pelos “sindicatos operários”, para ter uma imagem do socialismo visto pela CNT.

A Necessidade de uma Produção Planificada

 Na realidade, estas teorias são utópicas. São praticamente inaplicáveis à situação espanhola. A livre concorrência, neste estado de desenvolvimento, já não é possível, e ainda menos num contexto de guerra e de caos como o da Catalunha. Aí, um certo número de empresas ou de comunidades inteiras libertaram-se e tornaram-se independentes do resto do sistema de produção – na realidade, com o único resultado de explorar os consumidores – a CNT e a FAI devem agora sofrer as consequências das suas teorias econômicas. A isso são levadas para evitar a destruição da frente unida antifascista, o que seria muito perigoso, num momento em que a guerra civil exige a união de todas as forças.

Os anarcossindicalistas não têm outra solução a não ser a já adotada pelos bolcheviques e os sociais-democratas, a saber: a abolição da independência e a sua subordinação a uma direção econômica central. Que esta direção seja assumida pelos seus próprios sindicatos não diminui em nada o alcance de uma tal medida. Um sistema centralizado de produção em que os operários são unicamente assalariados não desagrada à CNT, um sistema funcionando segundo os princípios capitalistas.

Esta contradição entre a teoria dos anarcossindicalistas e a sua prática deve-se em parte à sua incapacidade para resolver os problemas mais importantes postos pela revolução proletária no domínio da organização econômica, a saber: como, e sobre que base, seria determinada a repartição da produção social total entre todos os produtores? Segundo a teoria anarcossindicalista, esta repartição deveria ser determinada pelas empresas independentes formadas por indivíduos livres, graças à intervenção do “capital livre”, o mercado restituindo por intermédio da troca, o valor integral da produção posta em circulação. Este princípio foi mantido no momento em que a necessidade de uma produção planificada – e, portanto, de uma compatibilidade central – se impunha desde há muito tempo. Os anarcossindicalistas reconhecem a necessidade de planificar a vida econômica e pensam que isto é irrealizável sem uma centralização contabilística implicando um recenseamento estatístico dos fatores produtivos e das necessidades sociais. Contudo, eles omitem como dar uma base efetiva a estas necessidades estatísticas. Ora, sabe-se que a produção não pode ser contabilizada estatisticamente nem planificada sem uma unidade de medida aplicável aos produtos.

Modo de Produção Bolchevista contra Modo de Produção Comunista

O comunismo regula a produção segundo as necessidades das grandes massas. O problema do consumo individual e da repartição das matérias-primas e dos produtos semiacabados entre as diversas empresas não pode ser resolvido graças ao dinheiro, como no sistema capitalista. O dinheiro é a expressão de certas relações de propriedade privada. O dinheiro assegura ao seu possuidor uma certa parte do produto social. Isto é tão válido para os indivíduos como para as empresas. Não existe propriedade privada dos meios de produção no comunismo; contudo, cada indivíduo terá direito a uma certa parte da riqueza social para seu consumo, e cada fábrica deverá poder dispor das matérias primas e meios de produção necessários. Como deve isso ser feito? Os anarcossindicalistas respondem vagamente referindo-se aos métodos estatísticos. Nós vemos aí um problema muito importante para a revolução proletária. Se os operários simplesmente se fiassem num “serviço estatístico” para determinarem a sua parte, criariam assim um poder que já não poderiam controlar.

Abordamos aqui a seguinte questão: Como será possível unir ou acordar esses dois princípios que parecem à primeira vista contraditórios, a saber: todo o poder aos operários, o que implica um federalismo (concentrado) e a planificação da economia, que conduz a uma extrema centralização? Apenas poderemos resolver esse paradoxo se considerarmos os fundamentos reais da produção social na sua totalidade. Os trabalhadores apenas dão à sociedade a sua força de trabalho. Numa sociedade sem exploração, como a comunista, o único padrão para determinar o consumo individual será a força de trabalho fornecida por cada um à sociedade.

No processo de produção, as matérias primas estão convertidas em bens de consumo pela força de trabalho que se lhe acrescenta.

Um serviço estatístico seria completamente incapaz de determinar a quantidade de trabalho incorporada num dado produto. O produto passou por múltiplos estágios, isto é, um número imenso de máquinas, ferramentas, matérias-primas, e produtos semiacabados serviram para sua fabricação. Se é possível a um serviço estatístico central reunir todos os dados necessários num quadro claro, compreendendo todos os níveis do processo de produção, as empresas ou as fábricas estão melhores colocadas para determinar a quantidade de trabalho cristalizado nos produtos acabados, calculando os tempos de trabalho incluídos nas matérias primas e o necessário à produção de novos produtos. A partir do momento em que todas as empresas estão ligadas entre si no processo produtivo, é fácil a uma delas determinar a quantidade total de tempo de trabalho necessário para um produto acabado, baseando-se nos dados disponíveis. Melhor ainda, é mais fácil calcular o tempo de trabalho social médio dividindo a quantidade de tempo de trabalho empregue pela quantidade de produtos. Esta média representa o fator final determinante para o consumidor. Para ter direito a um objeto de uso corrente, ele deverá simplesmente provar que deu à sociedade, sob uma forma diferente, a quantidade de tempo de trabalho cristalizado no objeto que deseja. Assim se encontra suprimida a exploração. Cada um recebe o que deu, cada um dá o que recebeu: isto é, a mesma quantidade de tempo de trabalho social médio. Na sociedade comunista não há lugar para um serviço central de estatística, tendo o poder de estabelecer “a parte” atribuível às diferentes categorias de assalariados.

O consumo de cada trabalhador não é determinado “de cima”; cada um determina, pelo seu trabalho, quanto pode pedir à sociedade. Não há outra escolha na sociedade comunista, pelo menos durante o primeiro estágio. Os serviços estatísticos apenas podem servir para fins administrativos. Estes serviços podem, por exemplo, calcular os valores sociais médios de acordo com os dados obtidos nas fábricas; mas eles são empresas como as outras. Não detêm privilégios. É absurdo imaginar que uma sociedade comunista poderia tolerar um serviço central dotado de poder executivo; com efeito, em tais condições, apenas pode existir a exploração, opressão e capitalismo.

Queremos sublinhar agora dois pontos:

1. Se disso resultasse uma outra ditadura, esta apenas refletiria as relações fundamentais de produção e distribuição dominantes na sociedade.

2. Se o tempo de trabalho não é a medida direta da produção e da distribuição, se a atividade econômica é apenas dirigida por um “serviço de estatística” estabelecendo a ração dos trabalhadores, então esta situação conduz a um sistema de exploração.

Os sindicalistas são incapazes de resolver o problema da distribuição. Este ponto somente é abordado numa única ocasião, na discussão sobre a reconstrução econômica, aparecida em “A Espanha antifascista” de 11 de Dezembro de 1936:

“No caso de se introduzir um meio de troca que não tivesse qualquer semelhança com o dinheiro atual e que apenas servisse para simplificar a troca, esse meio de troca seria administrado por um ‘conselho de crédito'”.

Ignora-se completamente a necessidade de uma unidade contabilística que permita o cálculo das necessidades sociais, e, por isso, a medida do consumo e da produção. Nesse caso, o meio de troca tem por única função simplificar o processo de troca. Como isso se realiza, continua um mistério.

Também nada nos é dito sobre o modo de calcular o valor dos produtos a partir de um tal meio de troca; não se estabelece qualquer critério para avaliar as necessidades das massas; não se sabe se a repartição será determinada pelos conselhos de fábrica ou organizações de consumidores, ou ainda pelos técnicos dos serviços administrativos. Pelo contrário, o equipamento técnico do aparelho produtivo é descrito com forte detalhe. É assim que os sindicalistas reduzem todos os problemas econômicos a simples problemas técnicos.

Existe neste domínio uma semelhança evidente entre os sindicalistas e os bolcheviques; o ponto central, para eles, é a organização técnica da produção. A única diferença entre as duas concepções é que a dos sindicatos é mais ingênua. Mas ambas tentam iludir a questão da elaboração de novas leis de funcionamento econômico. Os bolcheviques são apenas capazes de responder concretamente à questão da organização técnica, propondo uma centralização absoluta sob a direção de um aparelho ditatorial. Os sindicalistas, pelo seu lado, no seu desejo “de independência das pequenas empresas”, não podem tão pouco resolver este problema. Quando se esforçam por fazê-lo, sacrificam na realidade o direito à autodeterminação dos operários.

O direito à autodeterminação dos operários nas fábricas é incompatível com a direção centralizada; e isto, é assim como os fundamentos do capitalismo, o dinheiro e a produção de mercadorias, não será abolido a não ser quando um novo modo de produção, fundado sobre o tempo de trabalho social médio, vier substituí-lo. Para levar esta tarefa ao seu fim, os operários não devem contar com a ajuda dos partidos, mas apenas com a sua ação autônoma.


[1] “Esquerda Espanhola”. Principal partido catalão. Representante da pequena burguesia. (N.T.F.).

[2] Partido Operário de Unificação Marxista, organização muito próxima do trotskismo, principal vítima dos excessos stalinistas. (N.T.F.).

[3] “La Generalidad”, governo autônomo da Catalunha. (N.T.F.).

[4] “Que são a CNT e a FAI?”, traduzido no Catalogne libertaire 1936-1937, A. e D. PRUDHOMMEAUX, Cahiers Spartacus n. 11, Novembro 1940, pp. 57-58. (N.T.F.).

O ensaio é uma transcrição da versão que se encontra disponível no seguinte livro: A Contra-Revolução Burocrática. Coimbra: Centelha, 1978. A transcrição do texto foi comparada com a versão disponível em: http://guy-debord.blogspot.com.br/2009/06/otto-ruhle-o-anarquismo-e-revolucao.html.
O original em alemão pode ser acessado em: Der anarcho-syndikalismus und die spanische revolution.

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