Guia de Autoformação sobre os limites e a crítica revolucionária ao antifascismo – Gabriel Teles

[Nota do Crítica Desapiedada]: Em complemento a este guia, acesse também a publicação “Ciclo de Debates Enfrentamento: A Perspectiva Revolucionária frente o Fascismo e o Antifascismo“, que contém dois debates no YouTube, um com Lucas Maia e outro com Nildo Viana, e um podcast gravado com Guilherme Bachmann e Gabriel Teles.

O Crítica Desapiedada inaugura um novo projeto em seu site: os Guias de Autoformação. São roteiros de estudo e seleção de textos que contribuirão para autoformação sobre diversos temas ligados à perspectiva revolucionária. O objetivo desse material é ampliar a luta cultural, contribuir para o avanço da consciência revolucionária e sistematizar diversos textos espalhados na internet sobre determinados temas. O primeiro guia foi escrito pelo militante autogestionário Gabriel Teles, sobre a crítica ao antifascismo.

O antifascismo volta à moda. A ausência de criticidade reina absoluto e a adesão ao chamado “antifascismo” é feita de maneira quase generalizada por aqueles que não sabem o que é fascismo e muito menos o seu pior produto, o antifascismo. A crítica revolucionária ao antifascismo, essa concessão à sociedade capitalista, é efetuada desde a origem desse fenômeno. E aqui não devemos temer ao dizer a verdade: o antifascismo não apenas não contribui com a perspectiva revolucionária, como subordina-se à hegemonia daqueles que querem reproduzir essa sociedade miserável, independentemente se de maneira democrática ou ditatorial. Nesse sentido, a pergunta de Bertolt Brecht é correta: Como pode alguém dizer a verdade sobre o fascismo, a menos que esteja disposto a falar contra o capitalismo, que o traz à tona?

Não há dúvidas que existam indivíduos bem intencionados que se reivindicam antifascistas, seja por desconhecer a história do movimento operário e suas lutas, seja pela vontade de agir contra o (suposto) fascismo (mesmo que de maneira irrefletida e desconhecimento das experiências passadas). É exatamente para esses indivíduos, além daqueles que querem aprofundar sobre o tema, que lançamos essa guia de autoformação sobre os limites e a crítica revolucionária ao antifascismo. A nossa pretensão é desmistificar alguns elementos tanto sobre o fascismo quanto sobre o antifascismo e apontar os limites deste último numa perspectiva revolucionária.


As nossas primeiras indicações versam sobre o conceito e o significado histórico do fascismo. É impossível tratar do antifascismo sem compreender e explicar aquilo que ele combate: o fascismo. Nesse sentido, é necessário uma definição precisa desse fenômeno, bem como elementos históricos que nos forneçam um panorama amplo do momento de sua constituição e desenvolvimento.

Para tanto, indicamos o texto de Nildo Viana, “O que é fascismo?”, que traz a definição de fascismo e aponta seus principais elementos constitutivos e determinações.

Esse texto já nos é suficiente para avançarmos em nosso itinerário rumo à crítica ao antifascismo. No entanto, caso o leitor tenha tempo e disponibilidade para aprofundar sobre o tema, indicamos, à título de descrição histórica, os livros Lições sobre o fascismo de Palmiro Togliatti[1], e Fascismo e Grande Capital, de Daniel Guérin.

Dado esse passo inicial de conhecimento do fascismo, podemos avançar para o antifascismo. E aqui temos um amplo espectro de perspectivas políticas que convergem na crítica ao antifascismo no interior do bloco revolucionário: desde anarquistas, passando por bordiguistas, comunistas de conselhos e chegando aos marxistas autogestionários.

Os primeiros textos que indicamos são os de Gilles Dauvé, quais sejam: “Fascismo e Antifascismo” e “Quando as Insurreições morrem”. Estes textos serviram como introdução para uma coleção de artigos — publicados em 1930 pelo jornal Bilan, da esquerda comunista italiana — “Bilan” Contre-Révolution en Espagne, editados por 10/18, em Paris, no ano de 1979.

O autor, Gilles Dauvé, escreveu-os sob o pseudônimo de Jean Barrot. Os dez primeiros capítulos foram traduzidos para o inglês e publicados como Fascism/Antifascism, no Canadá em 1982. Essa tradução se tornou mais conhecida do que o original francês, embora omitisse a segunda metade do artigo (capítulos 11 a 24), tornando incompreensível o propósito do autor. Em 1998, uma carta de Dauvé permitiu completar o texto. No mesmo ano, Dauvé retomou essas idéias no artigo “Quando as insurreições morrem”. São textos grandes e trazem muitos exemplos históricos sobre o fracasso e os limites do antifascismo. Podemos sintetizar a discussão do Dauvé na presente citação:

A luta antifascista, que proclama e objetiva um mal menor – “Melhor é ter um capitalismo democrático do que um capitalismo fascista.” – equivale a ter que escolher entre o fogo e a brasa. Quem se coloca sob a proteção do Estado deve aceitar todas as consequências, inclusive a repressão que será exercida, quando necessária, contra os trabalhadores e revolucionários que quiserem ir além do antifascismo.”

A revista Marxismo e Autogestão publicou um tópico, “O antifascismo é o pior produto do fascismo” do texto “Fascismo e Antifascismo”, que resume a perspectiva do autor. Para os que não tiverem tempo para ler os textos na íntegra, recomendo fortemente este.

Na perspectiva anarquista, temos alguns textos importantes. O primeiro deles é O antifascismo como forma de adesão ao sistema extraído do n° 23 de Ekintza Zuzena (Ação Direta).

Começar dizendo que tanto o fascismo quanto o antifascismo desempenharam historicamente um papel contra-revolucionário e que ambos constituíram e constituem uma forma de adesão ao capitalismo pode soar um tanto forte ou, quando menos, estranho. Defender tais argumentos ou, no mínimo, promover um debate sobre um tema tão em moda como o antifascismo é a intenção deste artigo.

O segundo texto, elaborado pelo coletivo Ruptura de Madrid, é o Algunos apuntes sobre el antifascismo, que guia a sua discussão crítica sobre o antifascismo com a seguinte questão: antifascismo, necessidade real ou desvio da luta?

Entre os comunistas de conselhos, ainda temos poucos textos traduzidos que tratam dessa questão. Entre eles, o texto de Otto Rühle, “Qual Posição Tomar?”, publicado no número 24 da Revista Enfrentamento, preenche essa lacuna:

Na Segunda Guerra Mundial, ambas as frentes, tanto a democrática quanto a fascista, estão suscetíveis de serem derrotadas – uma militarmente, a outra economicamente. Não importa de que lado o proletariado se coloque, estará entre os derrotados. Portanto, não deve estar com as democracias e nem com os totalitários. Para os revolucionários com consciência de classe, há apenas uma solução: romper com todas as tradições e vestígios das organizações do passado, varrer todas as ilusões com a época intelectual burguesa e realmente aprender com as lições de debilidade e desilusão sofridas durante a fase infantil do movimento proletário.

Um outro texto importante de Rühle é o “A Luta Contra o Fascismo Começa Pela Luta Contra o Bolchevismo“.

Estou elaborando uma coletânea de textos da crítica dos comunistas de conselhos ao antifascismo. Ainda sem data para publicação. Em breve, publicaremos aqui no Crítica Desapiedada alguns desses textos.

No marxismo autogestionário, perspectiva contemporânea do marxismo autêntico, já existem algumas contribuições. A primeira delas é da Alexandra Viana, “Antifascismo e Luta pela Autogestão: uma contradição” publicada na revista enfrentamento, em edição especial dedicada ao tema do fascismo e antifascismo. A segunda contribuição é de Guilherme Bachmann em publicação nessa revista sobre O Espantalho Fascista dos Antifascistas e a Luta contra as Ilusões Democráticas. A terceira é a contribuição de Jaciara Veiga e Mateus Alves que realizam o seguinte questionamento: A quem serve o antifascismo?

Uma obra mais elaborada e sistematizada tem sido desenvolvida em forma de coletânea por Nildo Viana sobre a crítica marxista ao antifascismo com contribuições de vários autogestionários. Nos próximos meses ela será lançada e postaremos aqui.

Há centenas de outros textos e livros que efetuam a crítica ao antifascismo numa perspectiva revolucionária. Nos limitamos a indicar estes que tocam, em essência, no motivo que considerarmos o antifascismo um tiro no pé por aqueles que buscam transformar radicalmente a sociedade. É um ponto de partida que poderá ser enriquecido com outras leituras e o aprofundamento da autoformação revolucionária.

Bons estudos.


[1] A leitura desse livro deve ser feita de maneira crítica. Togliatti, em que pese ser crítico as proposições do partido comunista italiano, ainda sim reproduz o modo burocrático de analisar a realidade e não rompe com os princípios da III Internacional.

4 Comentários

  1. Destaque-se também “A luta contra o fascismo começa pela luta contra o bolchevismo”, de Otto Rühle, publicado no quarto número da Living Marxism, em 1939, além de “O anarquismo e a revolução espanhola” (1936), de Helmut Wagner, e a tese “Os Labirintos do fascismo” (1998), de João Bernardo, entre outros.

  2. Você tem razão, Erick. Esqueci de colocar alguns desses textos que você citou. Estou organizando uma coletânea de textos dos comunistas de conselhos que foram críticos ao antifascismo. Esses dois primeiros estão nela. Iremos publicá-los em breve aqui no CD. Abraços!

  3. Eu só tenho que agradecer ao Crítica Desapiedada por disponibilizar tantas fontes de informação e estudo sobre o fascismo e antifascismo. Tema hoje muito banalizado e manipulado para seus próprios interesses tanto a direita como a esquerda.
    Forte Abraço.

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