Salvar o capitalismo, uma crítica marxista do keynesianismo – Charles Reeve

Nota de leitura do excelente Marx et Keynes de P. Mattick, reeditado pela Gallimard e sobre o qual nós por muitas vezes falamos, por Charles Reeve, publicado na revista Offensive (setembro de 2010, nº 27) e na revista online Divergences nº 22 (outubro de 2010).

Em 1969, enquanto o capitalismo atravessava um período de prosperidade, aparecia nos Estados Unidos o Marx et Keynes, les limites de l’économie mixte. Fruto de uma longa reflexão iniciada durante a crise de 29 e continuada nos anos seguintes após a guerra, essa obra de Paul Mattick argumenta que as formas novas de intervenção do Estado na economia não passavam de uma solução provisória aos problemas do capitalismo e, a longo prazo, criariam novas contradições. Publicado na França três anos depois, esse livro acaba de ser reeditado[1].

Nascido na Alemanha em 1904, numa família operária, Paul Mattick passa sua infância em Berlim. Ainda criança, se une à organização juvenil da Liga Espartaquista e participa da revolução ao lado de tendências extremistas. Eleito ao conselho operário dos aprendizes, na Siemens, se torna membro do KAPD – Partido Comunista Operário da Alemanha (não-parlamentarista). De espírito independente e revoltoso, fazendo prova de uma energia inesgotável, dotado de uma inteligência viva, Mattick participa das greves e dos enfrentamentos rebeldes de rua e faz parte de grupos operários expropriadores que lideram ações na metade dos anos 20. Preso em diversas circunstâncias, quase é executado por várias vezes pelos capangas da República de Weimar. Ainda muito jovem, começa a escrever para a imprensa revolucionária, se vincula aos setores artísticos radicais próximos do movimento dadaísta enquanto trabalha na fábrica, vivendo de forma precária, ao passo que a repressão se acentua contra os círculos radicais. Em 1926, enquanto o movimento revolucionário está exaurido, enquanto a escalada do nacional-socialismo e a submissão das forças comunistas em Moscou traduzem a vitória da contrarrevolução, Mattick parte para os Estados Unidos.

Metalúrgico na região de Chicago, Mattick milita com os sindicalistas revolucionários americanos, os IWW, bem como em pequenos grupos de comunistas heterodoxos então abundantes. Muito ativo no movimento dos desempregados que começa a se desenvolver no início da crise de 29, sobretudo na região de Chicago, Mattick continua escrevendo e editando as revistas da corrente comunista de conselhos americanos, Living Marxism e New Essays,[2] onde escrevem também Pannekoek, Korsch e outros apoiadores de correntes antibolcheviques. Após a guerra, ele parte para Vermont, vivendo em seguida em Boston. Esse período de isolamento terá fim com a renovação do interesse pelas ideias do comunismo antiautoritário, ao fim dos anos 1960. Mattick fará então diversas visitas à Europa, convidado por grupos do movimento estudantil. Ele morre em Boston, em 1981, deixando uma vasta obra. Dirá um dia que, para ele, “a revolução foi uma grande aventura”, a paixão de sua vida.

Foi durante a sua experiência em Chicago, nos debates no seio dos comitês de desempregados e grupos radicais, que Mattick se interessou pelas teorias da crise. Ele descobria então a obra de Henryk Grossmann, economista marxista polonês, não tão ortodoxo, ligado à Escola de Frankfurt[3]. Voltando à teoria da acumulação de Marx, Grossmann tinha rompido com a tese dominante entre os teóricos socialistas que reduzia os limites da acumulação capitalista ao problema da realização do mais-valor – a tese do subconsumo. Para Grossmann, a crise se explica, pelo contrário, pela “lei da tendência de queda da taxa de lucro”, com o problema da rentabilidade do capital encontrando suas raízes nas contradições da produção de mais-valor, no terreno da exploração. A teoria do valor-trabalho de Marx e a relação capital-trabalho são também trazidas de volta ao centro da análise do processo de acumulação capitalista. A partir dessa abordagem inovadora, Mattick e seus amigos dos comitês de desempregados extraem implicações práticas. As consequências sociais da desaceleração da acumulação se impunham, no cotidiano, tornando possível a tomada de consciência da natureza desequilibrada do sistema, dos seus limites, e a consequente subversão do capitalismo por um movimento independente de trabalhadores. A atividade autoemancipadora poderia se destacar do reformismo social-democrata e do vanguardismo bolchevique, correntes onde a consciência elaborada pela organização revolucionária tinha um papel determinante.

Após a Segunda Guerra Mundial, a ascensão do capitalismo foi apresentada como o sucesso do keynesianismo. Mattick viu em Keynes um pensador burguês radical, crítico das teorias clássicas e liberais, da ideia da capacidade reguladora “natural” do mercado. Ele admitia que a intervenção do Estado havia transformado o capitalismo e prolongado sua existência. Porém, lembra Mattick, foram a guerra e suas enormes destruições que restabeleceram a rentabilidade do capital e relançaram a máquina econômica, não as políticas keynesianas. Mattick então tentará confrontar “a teoria e a prática keynesianas com uma crítica marxista”, argumentando que a teoria do valor-trabalho permanecia um método de análise válido após a intervenção do Estado na economia.

Uma convergência se produziu entre a esquerda keynesiana e as correntes modernistas do marxismo, colocando o foco no estímulo por meio do consumo, induzido pelas despesas do Estado. Criticando a tese do subconsumo, Mattick pesquisou nas contradições das relações sociais de exploração as causas da crise de rentabilidade do capital privado, insistindo na ideia de que a intervenção do Estado, ao favorecer o consumo, não modifica em nada os desequilíbrios do sistema.

O próprio Keynes reconhecia, à sua maneira, que essa intervenção era a consequência dos problemas de acumulação. Contra os defensores do liberalismo, Mattick demonstrou que não era o aumento da intervenção do Estado a causa dos problemas do capitalismo privado, mas, pelo contrário, que eram as dificuldades na produção do lucro no setor privado que justificavam o intervencionismo. Para ele, os limites da economia mista eram inerentes ao aumento dessa intervenção, ou seja, o acrescimento da produção social induzido por fundos públicos. Esses fundos, deduzidos dos lucros do setor privado ou financiados pela dívida, pesam na rentabilidade total do capital, com a produção induzida pelas ordens do Estado não sendo diretamente produtora de novos lucros, mas uma redistribuição dos lucros totais em benefício de setores capitalistas.

Essa teoria parece ter encontrado uma confirmação nos fatos ilustrados pela evolução do capitalismo moderno. A intervenção do Estado se alargou em todos os setores. Indispensável à economia dita mista, à “falsa prosperidade”, ela é o único meio de manter o emprego e o equilíbrio social num nível mínimo, o qual Keynes se preocupava fortemente. Todavia, a ideia keynesiana segundo a qual os déficits do Estado em período de recessão seriam absorvidos pela retomada privada da produção de lucro nunca se confirmou. Após a Segunda Guerra Mundial, a retomada foi acompanhada de um crescimento da dívida pública. E Mattick realçou que “as condições que tornavam essa solução eficaz estão em vias de desaparecer”. Certamente, as crises mostram que Keynes tinha razão ao dizer que o jogo do mercado ameaça a sobrevivência do capitalismo. Elas também mostram que o intervencionismo não atua sobre os fundamentos da rentabilidade do capital, como prova o nível atingido pela dívida soberana, que acabou por bloquear o funcionamento financeiro do sistema. Eis a prova da exaustão do projeto keynesiano. Como se vê atualmente, na ocasião do G20 de Toronto, as classes dirigentes se encontram presas entre a redução do déficit e o agravamento da recessão e do desemprego.

Deixem que a recessão se aprofunde e nos encontraremos numa nova fase do capitalismo. A carta keynesiana não poderá mais ser jogada e o colapso da produção colocará o sistema perante riscos sociais enormes. A ideia de Mattick, de acordo com a qual o keynesianismo foi apenas a milésima tentativa da classe capitalista de salvar provisoriamente seu sistema de exploração, se encontrará mais uma vez encorajada.

O desequilíbrio e a força destrutiva do sistema de economia mista, que se tornou planetário, surgem no horizonte. A sua derrocada pela reconstrução coletiva de um modo novo de reprodução da vida aparece, mais uma vez, menos como uma escolha ideológica e mais como uma necessidade prática. É essa a problemática liderada por Paul Mattick por toda a sua vida que encontramos em Marx et Keynes.


[1] Marx et Keynes, les limites de l’économie mixte, [Marx e Keynes, os limites da economia mista] Gallimard, 2010, 432 p., € 9,50. Das obras de Paul Mattick está disponível em francês, especialmente, o Le marxisme hier, aujourd’hui et demain, [O marxismo ontem, hoje e amanhã] Spartacus, Paris, 1983. Vários dos seus textos estão disponíveis online.

[2] N.T.: Marxismo Vivo e Novos Ensaios.

[3] De Henryk Grossmann, Marx, L’économie politique classique et le problème de la dynamique, [A economia política clássica e o problema da dinâmica] Champ Libre, Paris 1975.

Traduzido por Breno Teles, a partir da versão disponível em: https://bataillesocialiste.wordpress.com/2010/10/27/sauver-le-capitalisme-une-critique-marxiste-du-keynesianisme/.