Pensamento e máquinas – Anton Pannekoek

Pensamento e Máquinas[1]

Algumas reflexões, suscitadas pelos artigos do Prof. Dr. F. L. Polak na “Folia” de 10 e 17 de março, talvez despertem interesse.[2]

Por meio do computador moderno, que pode executar operações científicas melhor e mais rápido do que o pensamento humano, são levantadas questões que se expressam em termos como “máquinas pensantes” e “mecanização do espírito”. A isso se liga também a pergunta se é possível que as funções do espírito humano possam ser cada vez mais e mais e, por fim, totalmente assumidas por máquinas.

Deve-se considerar que o próprio pensamento humano está vinculado a mecanismos – ao cérebro, mais precisamente. Pensar é trabalho do cérebro. Quando, portanto, se fala do pensar e do operar das máquinas, impõe-se naturalmente a comparação dos mecanismos que em cada caso estão em ação. O mais moderno e poderoso computador, o Eniac[3], que é uma maravilha de construção racional, é composto por 18.000 válvulas, às quais se somam outras partes que provocam, direcionam, conduzem e captam os fluxos de elétrons. O manto cerebral humano, o córtex, que é, segundo os neurologistas, a sede da consciência pensante, consiste em uma densa rede de nove bilhões de células nervosas, cada uma dotada de vias nervosas que terminam em ramificações finas, por meio das quais estão conectadas entre si. A transmissão dos estímulos se dá por meio da alternância entre cargas e descargas elétricas, bem como por conexões e decomposições químicas. A diferença quantitativa, que consiste apenas no número de elementos, é tão enorme que se pode até falar de uma diferença qualitativa. As possibilidades de estabelecer conexões entre as células cerebrais são infinitamente grandes e estão além da nossa capacidade imaginativa. Que elas constituam, dessa forma, a base material para uma vida espiritual rica e variada, foi formulado pelo neurologista americano Judson Herrick da seguinte maneira: “A conhecida complexidade do cérebro, e especialmente do córtex cerebral, é adequada a qualquer explicação teórica das funções cerebrais, seja ela qual for. Aqui não há carência de recursos.”

Uma distância inconcebivelmente grande é compreendida pelo sentimento como infinita. O entendimento precisa dividi-la em etapas compreensíveis para poder concebê-la e medi-la. Uma diferença de complexidade tão inimaginavelmente grande como a que há entre o cérebro e a máquina não é percebida como uma diferença de grau, mas como uma diferença de essência. O funcionamento do cérebro humano e o funcionamento da natureza material ao nosso redor – incluindo as máquinas criadas por nós mesmos – estão tão incomensuravelmente distantes um do outro, que os contamos como pertencentes a dois mundos completamente distintos: ao mundo material e ao mundo do espírito. Mesmo permanecendo no mundo orgânico, a distância entre o cérebro humano e a vida simples de um organismo unicelular se mostra como um contraste qualitativo fundamental. Mas também aqui podemos subdividir a diferença em etapas por meio de fases intermediárias: primeiro, do organismo unicelular sem sistema nervoso central até um ser multicelular com as primeiras células nervosas filiformes; depois, desses até os seres vivos superiores com gânglios nervosos centrais para o processamento de estímulos. Em seguida, dos vertebrados inferiores, que possuem cérebros e nos quais já se observa um primeiro córtex cerebral, até os mamíferos superiores, nos quais o córtex desempenha um papel dirigente – aqui é que se começa a falar de consciência ou de pensamento –, trata-se de um grande passo, mas não de um salto, pois o desenvolvimento é determinado por formas intermediárias que se seguem de modo contínuo. Do símio ao ser humano há novamente um salto tão grande que frequentemente é compreendido como uma diferença fundamental em qualidade e essência, como uma diferença entre dois mundos. No entanto, mesmo aqui pode-se estabelecer uma transição gradual. Cada uma dessas etapas é, em maior ou menor grau, compreensível. Em conjunto elas formam uma diferença que – numa visão global – parece ser inconcebível, incomensurável e de caráter inteiramente qualitativo.

Tomemos, para comparação, o caso mais simples do ser humano e do universo. Para a ciência grega, o mundo celeste era qualitativamente distinto do terreno. Era um mundo etéreo, composto de substâncias completamente diferentes, divinamente idealizado, que incluía o mundo terrestre. A relação entre ambos os mundos era, por um lado, comparável à relação entre o mundo espiritual e o mundo material de hoje, por exemplo, no fato de que se suspeitava que o mundo das estrelas regia o mundo terreno. Para a ciência posterior, isso se tornou um caso de pura distância, afastamento e medição. Expressa em medidas humanas (metros, quilômetros), a distância até uma nebulosa espiral distante é absolutamente impensável, mesmo que se possa escrevê-la com um número de 23 algarismos. O mesmo vale para a distância até o Sol, que exige 11 algarismos. Um milhão não conseguimos imaginar, mas conseguimos falar sobre isso. Se agora estabelecermos estações, uma sucedendo à outra, cada uma com dimensões muitas vezes maiores: partirmos de nosso entorno para o globo terrestre, deste para o Sol e o sistema solar, de lá para as estrelas mais próximas, depois para a Via Láctea, e dali para as nebulosas espirais – então é possível compreender cada passo individualmente e, assim, apreender o mundo como um todo racional.

Deve-se ainda observar que, por mais simples que pareça, a diferença quantitativa entre cérebro e máquina está longe de poder ser compreendida em toda a sua extensão. Cada uma das nove bilhões de células nervosas é composta de protoplasma, uma estrutura formada por numerosas moléculas que consistem principalmente em substâncias proteicas complexas. A máquina é composta de metal, vidro e outros materiais que consistem de moléculas que são estruturas muito simples, formadas por um pequeno número de átomos geralmente semelhantes entre si. As moléculas de proteína são estruturas complexas, compostas por dezenas ou centenas de milhares de átomos diversos, com possibilidades de combinação, adição e decomposição incalculáveis, que só se tornam reconhecíveis quando são reduzidas a substâncias mais simples. Nas proteínas vivas, a complexidade estrutural atinge certamente um grau ainda mais elevado. É justamente por isso que ela pode fornecer a base material para a riqueza das mais simples manifestações da vida. Comparando máquina e cérebro, lidamos, portanto, com a soma de dois fenômenos imensuráveis: que vão desde a matéria técnica até a substância viva, desde a simples célula viva até o cérebro humano.

Visto assim, não parece que as máquinas poderão assumir o trabalho de pensar dos cérebros em um futuro próximo.


[1] NT: Texto extraído da obra “Arbeiterräte: Texte zur sozialen Revolution”, p. 665, que compilou em alemão a obra de Anton Pannekoek. O texto original foi publicado como “Denken en Machines” em Folia Civitatis. Semanário da Civitas Academica da Universidade de Amsterdã, n. 28, p. 3, 25 mar. 1950, e foi traduzido para o alemão por Walter Delabar.

[2] Refere-se ao artigo de F.L. Polak, “De Wentelgang der Wetenschap en de maatschappij van morgen”, publicado em Folia Civitatis. Semanário da Civitas Academica da Universidade de Amsterdã, n. 26, 10 de março de 1950 (2º ano), p. 1,  n. 27, 17 mar. 1950.

[3] NT: O Eniac (Electronic Numerical Integrator and Computer), desenvolvido entre 1943 e 1945 nos Estados Unidos, foi o primeiro computador digital eletrônico de grande escala.

Traduzido por Vinícius Posansky. Revisado por Thiago Papageorgiou.