OS SINDICATOS CONTRA A REVOLUÇÃO SOCIAL
Não pode existir nenhuma contradição entre o aspecto econômico e o aspecto político duma concepção revolucionária, mesmo imaginando entre os dois a mais clara demarcação orgânica e funcional. A mesma asserção é válida para qualquer concepção reacionária. Deste modo, a atual interpenetração, o acordo e a colaboração entre os sindicatos – órgãos econômicos – e os partidos políticos – órgãos ideológicos – dão-nos a chave de uns em relação aos outros, seja qual for a forma como os analisarmos. Este enunciado decorre dum velho princípio inalterável, mais do que provado pela razão e verificado pelos homens no decurso duma experiência milenária: toda e qualquer ideia ou ação política é decorrente dum substrato econômico em relação ao qual tem em seguida um papel simultaneamente diretor e repressivo. Examinaremos, neste trabalho, sob diferentes aspectos, a interpenetração do político e do econômico e analisaremos os sindicatos pondo em cena os seus atuais inspiradores. Como o demonstrou Benjamin Péret no seu trabalho, os sindicatos surgiram enquanto organismos defensivos da classe operária, face a condições de trabalho sub-humanas, apresentando-se assim, no plano industrial, como o prolongamento das antigas confrarias e corporações. As suas aspirações situam-se desde o início ainda mais abaixo que as do reformismo. Este último, desenvolvendo análises ideológicas e econômicas, pretende demonstrar que através da democracia capitalista seria possível atingir o socialismo por intermédio duma evolução legal e sem que sejam necessários atos revolucionários. No que respeita aos sindicatos, nunca se tratou nem de evolução nem de revolução, ainda menos de socialismo. O seu desejo não vai além da obtenção, para o trabalhador explorado, de condições menos intoleráveis e menos humilhantes — mas também, como o tempo nos tem demonstrado, mais rentáveis para o capital. Apesar desta tara, os sindicatos primitivos eram organismos, se não revolucionários, pelo menos de espírito operário e de composição sã relativamente à corrupção e ao falso caráter de classe dos de hoje.
Nos fins do último século e nos princípios do século XX, surge o sindicalismo dito revolucionário, ecletismo de circunstâncias, respigado simultaneamente na concepção marxista, no pretenso apoliticismo anarquista e na rotina reivindicativa dos velhos sindicatos. Não há qualquer paradoxo no fato de o período de maior influência e de mais forte avanço de um tal sindicalismo ter coincidido com o período da plena exuberância reformista.
Sorel e Bernstein, para além de serem contemporâneos, tinham mais pontos comuns do que pontos inconciliáveis. Enquanto o primeiro via no sindicalismo a panaceia dos problemas do devir histórico, o segundo, e com ele toda a sua tendência, via no parlamentarismo e nas próprias exigências da acumulação do capital, o feliz mecanismo duma evolução segura e harmoniosa para a sociedade socialista. Na realidade, sindicalismo revolucionário e reformismo encontravam-se unidos pelo mesmo elo ao formidável avanço econômico da burguesia. Era o momento em que esta atingia o zénite das suas possibilidades civilizadoras, consentindo o máximo de liberdade e de ilusões àqueles que, sem escapar totalmente ao seu complexo ideo-econômico, gesticulavam à esquerda. Por esta razão, a falência de 1914 arrastou consigo os sindicalistas e os reformistas. A C.N.T. espanhola não constitui sequer uma exceção, se bem que a neutralidade militar do seu país lhe tenha poupado a fraseologia e as atitudes de capitulação da C.G.T. francesa. A sua falência particular, como veremos mais à frente, produziu-se na própria altura da revolução proletária na Espanha, em 1936-39.
A força numérica e o peso social dos sindicatos aumentou sem cessar a partir de 1914 e se, em alguns países, como a França, a primeira diminuiu consideravelmente no curso dos últimos anos, o segundo continuou a aumentar. Disse-se que o desastre de 1914 foi indispensável para que os sindicatos tenham atingido a sua plenitude. O que se compreende, porque até então o capitalismo receava que tivessem uma força destruidora e não tinha tido ocasião para ver (exceto talvez na Inglaterra) a colaboração que poderiam fornecer-lhe. Mas desde os fins da primeira guerra mundial, numerosas experiências de controle “operário” nas fábricas surpreenderam os capitalistas com os seus efeitos satisfatórios. Elas atenuavam a luta dos trabalhadores contra o capital, facilitavam as operações e, sobretudo, faziam aumentar o rendimento do trabalho. Os sindicatos surgiam não apenas como defensores da pátria (essa entidade especificamente capitalista) mas ainda como colaboradores eficazes do próprio mecanismo da exploração. Isso fez a sua fortuna e abriu-lhes horizontes ainda insuspeitados. No entanto, foi a partir dos anos 36-37, que por muitas razões colocaram um marco muito importante na história do movimento operário, que os sindicatos tomaram a sua orientação definitiva. Puseram em evidência as aptidões graças às quais se tornaram um dos mais sólidos pilares da sociedade atual.
Há vinte anos de distância, a revolução russa e a revolução espanhola foram a primeira e a última explosão duma mesma ofensiva do proletariado mundial contra o capitalismo, ofensiva marcada por incessantes ataques em muitos outros países. Entrementes, a burocracia stalinista completava o seu capitalismo de Estado e, precisamente na altura em que a revolução espanhola atingia o seu auge, desembaraçava-se através das armas e da calúnia de todos os comunistas autênticos. Esta destruição modificou de modo decisivo todos os fatores orgânicos da luta de classes e viciou todos os fatores ideológicos. Havia muito que a intervenção russa no movimento operário mundial era negativa; em Espanha, o partido de Moscou, levado pelas suas próprias necessidades de conservação, mostrou-se a principal força de polícia contrarrevolucionária. Em julho de 1936, esforçou-se (felizmente em vão) por impedir o levantamento do proletariado que pôs em debandada na maior parte do território o exército nacional. Em maio de 1937, aquele mesmo partido metralhou o proletariado, levantado desta vez contra a sua política reacionária, venceu-o, desarmou-o e esmagou a revolução. Aquilo que os militares não tinham conseguido em julho de 1936, realizou-o o estalinismo dez anos depois.
Pela primeira vez, Moscou agia, fora do seu território, diretamente como força contrarrevolucionária. Até hoje ainda não se avaliou bem (muito falta para isso) as vastas consequências reacionárias deste acontecimento. Mas aí têm raiz todos os fatos de importância mundial que se seguiram, desde o pacto Hitler-Stálin e a segunda “grande guerra” até à política de “coexistência pacífica” e os levantamentos tais como os da Alemanha Oriental, Polônia e Hungria, que se situam, não no plano do proletariado espanhol de Maio de 1937, mas quando muito no plano da insurreição de Julho, desta feita com o exército e a polícia estalinista em vez dos militares franquistas. Imre Nagy e os seus eram para a Hungria o que a Frente Popular era para a Espanha em 1936: o subproduto dum levantamento revolucionário, mas não “a alma” da revolução.
É significativo que seja a partir de 1936 que os sindicatos, mostrando todas as suas características latentes, se tenham manifestado incontestavelmente como organismos auxiliares do capital. Que num tal desenvolvimento seja o estalinismo que consiga a maior influência sindical, salvo no respeitante às Trade-Unions inglesas e norte-americanas, é muito natural. O empirismo econômico do capitalismo encontra no empirismo contrarrevolucionário russo uma expressão política superior, que o inspira e o completa, simultaneamente; um e outro confundem-se e fundem-se até à perfeição desde que o meio propício se apresente. Ora, nos nossos dias, este meio existe, sob uma forma mais ou menos acabada, não sendo outra coisa senão o capitalismo na sua etapa atual, se se considerar cada país, mesmo atrasado, como um caso não isolado, mas inscrito no sistema mundial.
Vejamos em primeiro lugar a zona ocidental, que se gaba da sua democracia e mais concretamente do seu direito de greve. Na realidade, concede-se esta liberdade não aos trabalhadores, mas aos representantes que a lei lhes reconhece: os sindicatos. Toda e qualquer greve desencadeada pelos próprios trabalhadores suscita contra si uma coligação do Estado e dos sindicatos, que procuram esmagá-la, umas vezes através da derrota direta dos operários, outras vezes levando-os à legalidade arbitral. Desde a altura em que a greve revolucionária de 1936 em França foi sabotada pelos homens de Moscou (Maurice Thórez: “É preciso saber acabar uma greve”) e pelos da S.F.I.O. reunidos (gabinete Léon Blum e polícia dirigida pelos “socialistas”), quase todos os países conheceram greves postas em xeque pelos sindicatos, na medida em que contrariavam as suas regras econômicas e políticas. Deste modo, a greve foi, de fato e de direito, confiscada pelos sindicatos. Mas não é tudo. Para lá do fato sempre excepcional da greve, nas relações cotidianas entre capital e trabalho (que são a forja da luta de classes) os sindicatos aparecem não só como “amortecedores” entre os dois campos, mas ainda como mensageiros do primeiro junto do segundo e como agente da adaptação do segundo ao primeiro. Todas as manifestações naturais da luta do trabalho contra o capital, uma vez monopolizadas pelos sindicatos voltam-se contra os trabalhadores, em proveito do capital.
Basta lembrar alguns fatos para que a argumentação seja inegável. Os comitês de fábrica[1], bem como os delegados de departamento, de oficina, de profissão, não são a expressão da livre vontade dos trabalhadores, qualquer que seja, segundo os países, o modo da sua eleição. Eles são uma representação dos sindicatos, à margem dos quais os trabalhadores não têm o direito de eleger ninguém: mesmo os famosos “shop-stewards” britânicos têm necessidade de assentimento das Trade-Unions. Na maior parte dos países a lei decidiu que os sindicatos por ela reconhecidos representam a classe operária. Esta já não tem por conseguinte o direito de se fazer representar segundo a sua vontade e ainda menos de criar organismos diferentes dos sindicatos, para dirigir as suas lutas e quando necessário para tratar com o patronato ou com o Estado. Direitos da classe operária e direitos sindicais são manifestamente duas coisas contraditórias. Daí a oposição entre os trabalhadores e os comitês de fábrica ou os delegados departamentais, oposição sempre latente e reencontro agudo desde que se apresente um conflito de certa envergadura com o patronato, e choque direto em que a luta se amplifica. No decurso dos últimos vinte e cinco anos, todas as greves que merecem este nome tiveram de ser declaradas contra a vontade dos sindicatos ultrapassando os seus representantes nas fábricas; os trabalhadores tiveram de eleger, por si mesmos, comitês de greve. Todavia, sempre que estes comitês de greve eleitos pelos operários ou as assembleias de fábrica se deixaram influenciar pelos dirigentes sindicais, o capital tirou disso vantagem.
Os contratos coletivos de trabalho tinham como objetivo restringir o arbítrio patronal nos múltiplos domínios em que pode exercer-se: condições e horário de trabalho, intensidade da exploração (produtividade horária), leque dos salários por categoria (hierarquização), emprego e despedimento, liberdade política, direito de palavra e de assembleia nas fábricas, regulamentos internos, etc.. Os contratos coletivos tornaram-se, nas mãos dos sindicatos, aos quais a lei reconhece assim o monopólio da discussão e da assinatura, um formidável instrumento de sujeição do proletariado ao capital em geral, e aos sindicatos em particular, de tal modo que os sindicatos se tornaram, desde os nossos dias, parcial ou totalmente depositários da exploração. Despedimento e emprego são feitos as mais das vezes à vontade do capital, salvo nos casos de sindicalização obrigatória (closed shop), que longe de garantir o trabalho aos operários fornece aos sindicatos a prerrogativa da sua adjudicação, que é uma coerção econômica reacionária ao mais alto grau. Vê-lo-emos mais à frente, falando dos sindicatos na zona oriental. Os contratos de trabalho sancionam e encorajam a divisão da classe operária em grupos hierarquizados, que as diferenças de salários e os preconceitos associados à categoria e à função técnica do trabalhador opõem uns aos outros. Os sindicatos têm um cuidado instintivo na hierarquização do proletariado, sem a qual este formaria um bloco compacto frente ao capital. A necessidade de desmembrar o proletariado com a hierarquização e de o afastar assim do seu interesse supremo é tão absoluta para os sindicatos como para o capital. Durante um século, o movimento operário bateu-se contra a hierarquização e em grande parte conseguira arruiná-la enquanto preconceito, diminuindo também as suas bases materiais. No decurso destes últimos decênios, os sindicatos e os seus inspiradores políticos conseguiram restabelecer largamente o preconceito e multiplicar as categorias. A maior parte dos trabalhadores, mesmo os mais desfavorecidos, creem hoje natural e “justa” a hierarquização. Finalmente, se a ideia original dos contratos coletivos era a de pôr um freio ao arbítrio do capital, esperando a altura de o suprimir, hoje eles constituem uma regulamentação quase perfeita das exigências funcionais do sistema capitalista. Discutindo e assinando os contratos coletivos, os sindicatos comportam-se como se fizessem parte integrante dos açambarcadores dos instrumentos de produção. Nos Estados Unidos e noutros países, numerosos sindicatos são importantes acionistas de companhias que exploram os seus sindicalizados o que, longe de prefigurar uma sociedade socialista, os transforma em beneficiários da exploração no pleno sentido econômico e ideológico do termo. E onde os sindicatos não participam na elaboração de planos de exploração, reclamam-no.
Os lugares de trabalho, as grandes fábricas, em particular, arenas da luta de classes, permitem ao operariado mais revolucionário uma ação ideológica e prática permanente e de grande envergadura. Mas, esta ação, são ainda os sindicatos que a tornam impossível. Muito frequentemente os contratos coletivos estipulam que a atividade política e a distribuição de propaganda no interior da fábrica são delitos, sem falar das discussões e reuniões indispensáveis a toda e qualquer ação operária. Desde há longos anos que os sindicatos se ligaram à direção patronal sempre que se trata de despedir operários revolucionários. Tornou-se agora cláusula escrita, preto no branco, nos contratos coletivos, ou então sub-repticiamente admitida, visto estar inscrita em todos os regulamentos patronais das fábricas. Os sindicatos e os seus inspiradores políticos encarregam-se eles próprios de fazer a política contra os distribuidores de propaganda revolucionária, se preciso agredindo-os. Na Itália, os líderes sindicais stalinistas acordaram aos industriais o direito de pôr na rua, sem aviso prévio nem indenização, os operários culpados de distribuição de propaganda ou de agitação[2]. Na França, a maior parte dos regulamentos de fábrica permitem a mesma coisa, e a proibição de pensar vai tão longe que até mesmo os operários mais rebeldes têm receio de se exprimir e deixam andar. A situação não é melhor na Alemanha, na Inglaterra ou nos Estados Unidos, bem como na Rússia ou na Espanha. Deste modo, graças à ação convergente do capital e das centrais sindicais, a classe operária encontra-se reduzida à clandestinidade, mesmo nos lugares de trabalho, onde a exploram e onde deixa a pele.
É indispensável que o proletariado recupere a sua liberdade política, o que se mostra impossível sem que rejeite a atual legalidade sindical-patronal. A inteira liberdade dos homens no que diz respeito ao exercício do seu trabalho contém em gérmen a futura democracia revolucionária e o comunismo. O comunismo, sim, porque os que se dizem comunistas não o são e, por repulsa bem legítima contra estes, aqueles que o são realmente evitam com frequência reivindicar esse nome.
No domínio estritamente econômico, a situação da classe operária nunca foi pior. Tudo o que se diz em sentido contrário é lavagem do cérebro. A jornada de oito horas, que deveria ter sido substituída desde há muito pela de quatro ou cinco horas, no máximo, ainda não existe senão no papel. Em numerosos países, a recusa de fazer horas extraordinárias é causa imediata de despedimento, e por toda a parte a introdução do chamado “salário de base” (norma na Rússia), deliberadamente mesquinho, dos prêmios e gratificações de produtividade, etc., não só forçam o trabalhador a aceitar “por sua inteira vontade” jornadas de dez a doze horas, como abole, na realidade, o salário de jornada ou horário, impondo de novo o ignóbil trabalho à peça. Desde a sua origem, o movimento operário esforçou-se por acabar com esta forma de exploração, a mais velha de todas, que gasta fisicamente o trabalhador e o embrutece intelectualmente. Conseguira fazê-lo desaparecer em quase toda a Europa. Há ainda vinte anos, a maior parte dos operários considerava desonroso aceitar qualquer trabalho à peça. Hoje, este trabalho é de novo a regra, menos por imposição do capital do que pela trapaça dos sindicatos; na realidade, temos nisto uma prova das suas afinidades últimas.
No aspecto mais profundo da exploração, o da produtividade por cabeça e à hora, o proletariado vê-se encurralado numa situação terrificante. A produção que lhe é subtraída em cada dia aumenta prodigiosamente. Primeiro, as inovações técnicas, que retiram ao operário toda e qualquer intervenção criadora no seu trabalho, calculam os seus movimentos ao segundo e o transformam num “mecanismo de servidão” vivo, sujeito às mesmas cadências que os mecanismos metálicos; depois, a cronometragem, ratoeira atroz e repugnante, força os homens a trabalhar cada vez mais com o mesmo instrumental e durante a mesma unidade de tempo; em terceiro lugar, a disciplina de cada estabelecimento põe e dispõe a seu bel-prazer sobre a mais pequena suspensão de trabalho, mesmo para acender um cigarro ou para cagar; a produção que por estes meios se arranca a cada humano é enorme, como é, na mesma proporção, o seu desgaste físico e psíquico.
Tocar neste problema é pôr o dedo na ferida da sociedade atual e nos sindicatos que dela fazem parte, e não há nenhum meio de o resolver sem transformar a relação atual entre instrumentos de trabalho e trabalho assalariado, entre produção e distribuição, em resumo: sem que a revolução social se introduza. Mas para tratar tal problema como convém, é necessário ver antes o que os sindicatos representam na Rússia, protótipo cuja imitação é obrigatória em todo o seu domínio oriental e para além dele.
OS SINDICATOS NOS PAÍSES DE LESTE
Tudo o que se disse sobre a obra reacionária dos sindicatos e a deterioração da condição proletária no Ocidente é ainda mais válido para o mundo russo. Desde a altura em que, sob a égide de Stalin, o capitalismo de Estado se instalou na Rússia, todo o velho mundo burguês ali encontrou lições de exploração. De repressão policial igualmente, mas limitar-nos-emos aqui a falar das relações entre capital e trabalho e do papel dos sindicatos.
Por conseguinte, se os sindicatos em geral por toda a parte e desde há muito constituem uma força complementar do capital no seio da classe operária, a contrarrevolução stalinista, dando-lhes um forte impulso neste sentido e oferecendo-lhes um exemplo desejável, revelou-lhes o seu próprio destino intrínseco. Quase todas as medidas que desde 1936 agravam a exploração do proletariado no Ocidente e a sua condição de objeto, têm o seu modelo na Rússia stalinista.
Supressão completa das liberdades políticas e de reunião, no interior como no exterior da fábrica; horas extraordinárias impostas pela direção ou pelo insignificante salário de base (norma) da jornada de trabalho oficial, multas e medidas disciplinares à discrição dos chefes, que ditam igualmente os regulamentos de fábrica, cronometragens e controles inumeráveis, trabalho à peça, hierarquização do proletariado pelos salários e “qualificação” técnica, contratos coletivos que convêm unicamente ao capital, crescimento contínuo da produtividade em detrimento dos produtores, proibição das greves de fato ou de direito; em resumo: tudo o que, no Ocidente transforma as centrais sindicais em instituições cada vez mais negativas, recebeu um forte impulso da Rússia dos anos 30 e inspirou o capital e os sindicatos do mundo inteiro. Mesmo hoje, todos os meios que reforçam a exploração se mantêm ali os melhores, salvo talvez no que diz respeito à China.
É bem conhecido, pelo menos daqueles que estão ao corrente da situação na Rússia, que a desigualdade econômica entre privilegiado e explorado é ali maior, bem como é mais importante entre as diferentes categorias de trabalhadores. A desigualdade entre privilegiado e explorado, simultaneamente causa e efeito do capitalismo, só interessa aqui relativamente à evolução e ao futuro dos sindicatos. Seja suficiente anotar-se, para já, que isso coloca, na Rússia como em qualquer outro país, a necessidade da expropriação do capital pelos trabalhadores, o que é impossível sem que uma insurreição corte cerce, até aos seus fundamentos, o atual dispositivo governamental, incluindo partido oficial e legislação. A burocracia stalinista, ainda melhor do que qualquer burguesia, sabe intensificar a exploração acelerando o ritmo do trabalho e introduzindo no proletariado o maior número possível de categorias. É o meio tradicional do capitalismo para “estimular” a produção: substituir ao interesse histórico homogêneo do proletariado uma multiplicidade de interesses heterogêneos imediatos, que são outros tantos entraves à ação revolucionária comum. Uma vez mais, os “natchalniks”[3] sindicais e políticos russos suplantaram os do mundo ocidental[4]… Na Rússia, os operários chefes de equipe retiram lucros da exploração dos seus camaradas de trabalho: os stakhanovistas recebem um prêmio proporcional a quanto fizeram a mais da “norma” e ao número de operários da sua equipe. Veem assim a sua féria aumentada através da exploração dos simples trabalhadores e são, deste modo, levados a intensificá-la. Os sthakanovistas são por conseguinte convertidos em inimigos dos seus camaradas de trabalho mais claramente ainda do que os contramestres do Ocidente, de féria fixa.
Nada de espantoso, pois na Rússia tudo foi mistificado. Uma vez a contrarrevolução substituída à revolução, uma ditadura capitalista que se diz demagogicamente proletária apresenta na realidade impõe – como socialistas os mais sujos costumes e princípios do capitalismo tradicional. A Lei do Trabalho, aprovada em 1939, decreta: “As características da dinâmica dos salários nos países capitalistas é o nivelamento dos salários entre os operários especializados e os não-especializados. Na remuneração do trabalho, o nivelamento pequeno-burguês é o pior inimigo do socialismo. Desde há longos anos o marxismo-leninismo luta sem tréguas contra o nivelamento”.
Longos anos, com efeito, se procurou lograr-nos apresentando-se o desenvolvimento industrial pelo trabalho assalariado como a expressão fiel do pensamento marxista, que pelo contrário se fixa como objetivo a abolição deste trabalho e o nivelamento econômico da sociedade, na satisfação ilimitada de todas as necessidades individuais, igualdade e liberdade supremas, indispensáveis a todo o desabrochamento pessoal ou coletivo. Se a isso não se aspira, nada de revolucionário se pode fazer na atual curva histórica.
Nos velhos países capitalistas, a diferença dos salários no seio do proletariado é um estado de fato, estabelecido pelo mercado direto entre o capital e o trabalho. Na Rússia, ela adquiriu um valor de princípio, de lei constitucional, e, por consequência, combatê-la é um crime que diz respeito à justiça. A relação tradicional entre capital e trabalho, que a burguesia jamais soube justificar enquanto relação social, de homem a homem, mas apenas pelo subterfúgio do “direito sagrado de propriedade” (o qual na realidade se volta contra ela desde que se considere como propriedade não os meios de produção ou instrumentos de trabalho mas tudo o que é necessário ao consumo material e ao pleno desenvolvimento psíquico de cada pessoa), esta relação transformou-se, na Rússia, em relação natural e definitiva entre capacidades diferentes. Assim, às classes ou categorias sociais delimitadas de fato pela riqueza, sucedem as classes delimitadas de direito pela sua capacidade de produção e suas funções especiais. A delimitação de fato pela riqueza ganha importância em vez de a perder. Pior ainda, aí desponta uma justificação biológica da exploração do homem pelo homem.
Assinalemos ainda que os contratos de trabalho impostos pelos sindicatos russos têm como principal objeto colocar a classe operária, mesmo juridicamente, à mercê do capital, “garantindo o cumprimento ou a superação do plano de produção de Estado em cada estabelecimento dado”[5]. Trata-se de arrancar à mão-de-obra taxas de produção cada vez mais altas: “(…) A estipulação principal das obrigações contraídas deve ser: pedir mais a cada operário. Sem um reforço da disciplina do trabalho, sem uma luta enérgica contra os transgressores da disciplina do Estado e do trabalho – batoteiros, mandriões – não pode haver uma verdadeira realização das obrigações estabelecidas no contrato coletivo”[6].
A palavra contrato é uma marca de ferro para a classe operária. Coletivo ou individual, verbal ou escrito, “livre” ou imposto, o contrato de trabalho é a escritura legal da sua condição de classe escrava assalariada pelo capital, segundo os termos próprios a Karl Marx. O que chega para pôr a nu o embuste dos novos exploradores russos. Nem capital nem salariado poderiam existir numa economia socialista (e, portanto, o contrato de trabalho, isto é, as condições de aluguel da mão-de-obra, não poderiam aí realizar-se, simplesmente em virtude do desaparecimento das partes contratantes). Os meios de produção deixam de aí ser capital, bem como a força humana de trabalho tem de deixar de ser mercadoria à venda. Unidos numa só entidade econômica e social, tornam-se isentos de qualquer obrigação contratual como qualquer indivíduo em relação a si mesmo. O contrato de trabalho russo, só com virtude da sua existência inscreve-se entre os elos sociais característicos do capitalismo. Mas nas suas “inovações”, particularmente no que diz respeito ao cínico papel de guarda-forçados que aí desempenham os sindicatos, transparece o lúgubre contorno duma sociedade em degenerescência, cujos déspotas parecem mais aptos que ninguém a cortar a respiração ao proletariado.
Efetivamente, estes contratos, cuja principal cláusula é a de arrancar ao operário a maior produção possível, são elaborados pelos sindicatos e, após a formalidade da aprovação governamental, é aos sindicatos que cabe a obrigação de estimular o servilismo através da promessa duma melhor féria, de ameaçar ou de denunciar à vindita das leis os homens insubmissos ao cumprimento dos imperativos da exploração. A luta ou a simples resistência a trabalhar menos e ganhar mais (“o direito à preguiça!”) que o movimento revolucionário mundial considerou sempre como um mérito do trabalhador e uma exigência do progresso histórico, considera-a o governo russo infamante e desprezível e pune-a como crime, sempre pela via sindical.
Os sindicatos surgem, por conseguinte aos olhos do proletariado russo como os organismos imediatamente responsáveis da sua exploração e das sevícias características da contrarrevolução. Há uma quantidade de documentos convincentes, neste sentido, que facilmente encheriam vários volumes. É impossível enumerá-los aqui. Uma das maiores fraquezas do movimento revolucionário mundial, talvez a causa da sua exiguidade atual, está em não se ter levantado contra esta ignomínia. Nesta brochura, é suficiente lembrar alguns outros fatos de conteúdo e importância não menos reacionários: as leis que proíbem ao trabalhador de mudar de patrão sem autorização do próprio patrão (leis atualmente inexistentes em todos os velhos países capitalistas), que instauram o salário diretamente proporcional à produção de cada operário (trabalho à peça), sem falar dos prêmios de servilismo político; que punem com multas, suspensão temporária do trabalho, despedimento ou condenação a trabalhos forçados, o atraso, as ausências ou outras faltas à “disciplina”; que transformam em algo honroso e remunerável tudo o que o pensamento revolucionário considera ignominioso; em suma, todas as leis que constituem o torno que dilacera o proletariado como em nenhuma outra parte, aparecem no mundo russo como obra dos sindicatos. Esta legislação é simultaneamente proposta e aplicada por eles. Além disso, os campos de trabalhos forçados (de reeducação, segundo o jesuitismo oficial), túmulos de milhares de operários e muito em particular dos revolucionários, processo deliberadamente escolhido para baixar o salário médio e poder falar ao mesmo tempo da inexistência de desemprego, são também “instituições” criadas por iniciativa dos sindicatos, cujos benefícios partilham com o Estado e com o seu instrumento essencial: a polícia.
Poder-se-ia arguir que os sindicatos, como qualquer um sabe, não agem ali por sua própria iniciativa. A sua desqualificação, por parte dos assalariados, não deixa por isso de ser menos completa. A experiência mundial indica que na sua estrutura orgânica e na sua função relativamente à classe operária preexiste algo propício à sua transformação em engrenagens do mais centralizado e mais absoluto dos capitalismos. É verdade que os sindicatos russos obedecem cegamente às ordens do governo, que eles não são mais do que o seu instrumento vulgar; mas os seus próprios chefes integram-se nas mais altas hierarquias do Partido e do Estado, tornando-se assim, ao mesmo tempo, coproprietários do capital anônimo e dirigentes “operários”. Nunca um sindicato patronal sonhara com uma sujeição tão realizada dos trabalhadores.
Na Rússia, a função sindical é, nos tempos que correm, inteiramente confundida com a função exploradora do capital. O sindicato é simultaneamente patrão, contramestre e polícia. Em cada fábrica representa, em triunvirato com o diretor e técnicos (todos membros distintos do sindicato e da “célula comunista”), a mesma coisa que os conselhos confidenciais hitlerianos (Vertrauensrat). Além disso, a fusão completa do capital e do Estado-partido apaga até aos últimos traços a autonomia sindical e a atividade reivindicativa. Para os trabalhadores russos isso é uma noção que não é necessário aprenderem, pois lhe experimentaram duramente as consequências durante longos anos.
Há, na trajetória da sociedade russa, uma nítida ruptura entre o período soviético e o período sindical. Os sovietes foram os organismos representativos dos trabalhadores, executantes do seu mandato e da revolução; os sindicatos, pelo seu lado, organismos de enquadramento, foram os executantes da contrarrevolução. Os sovietes tiveram de ser paralisados e finalmente dissolvidos, enquanto que os sindicatos ganhavam importância e prerrogativas à medida que a burocracia descobria a sua natureza contrarrevolucionária. O proletariado foi rejeitado e amordaçado a tal ponto que hoje em nenhum lado a sua sujeição é tão absoluta como na Rússia. É verdade que não foram os sindicatos isoladamente que inspiraram a contrarrevolução. Esta saiu dum conjunto de interesses e de ideias burguesas, escórias da época czarista no seio da revolução, sendo a sua base principal a alta burocracia administrativa, política e técnica, cujo número de privilégios aumentaram monstruosamente. Mas os sindicatos, por sua vez (ou, se se prefere, as suas camadas dirigentes), constituem um setor inseparável desta categoria de capitalistas estatais e onipotentes que regem a imensa sociedade anônima falaciosamente dita União Soviética.
A interpenetração dos sindicatos e da contrarrevolução russa nem foi por esta imposta, nem devida ao acaso. Ela resultou do devir espontâneo, mecânico, das suas naturezas intrínsecas, tivesse o governo de assassinar ou de “purgar” certos líderes sindicais simultaneamente com os antigos dirigentes revolucionários. Ele atacava neles não as suas funções sindicalistas, mas a sua atitude comunista, real ou potencial. Enquanto organismos, e segundo a sua própria conformação, os sindicatos ajustavam-se perfeitamente aos objetivos específicos e à rotina funcional da contrarrevolução. É suficiente, para nos darmos conta disso, examinar de perto a noção de sindicato.
O sindicato é inteiramente inconcebível sem a existência universal do trabalho assalariado que, por seu turno, pressupõe a do capital. Enquanto este se encontrar encarnado em proprietários individuais comprometidos na concorrência mercantil e representados no governo por pessoas ou partidos interpostos, os sindicatos encontram-se, quando muito, em situação de discutir certas condições da exploração dos trabalhadores. Eles têm, por conseguinte, a função de regulamentar a venda da força do trabalho, função que se tornou indispensável à ordem capitalista moderna. Daí a sua importância atual, por toda a parte, enquanto estruturas complementares da sociedade, se não do próprio Estado. Mas a própria função que permitiu em tempos aos sindicatos darem no obreirismo máximo, é também um termo que assinala as suas limitações e a sua predestinação reacionária. A sua existência como corpo constituído depende inteiramente da dualidade capital-trabalho. Eles seriam imediatamente aniquilados com a supressão desta dualidade; pelo contrário, eles podem pender tanto quanto se queira para o lado do capital sem destruir esta dualidade e tornando-se, antes, cada vez mais indispensáveis à sua manutenção. Daí que quanto mais gigantesca e anônima é a concentração do capital, mais os sindicatos e ela se justapõem e mais consideram o seu papel como diretamente determinado pelos grandes interesses “nacionais”. De tal modo que até mesmo os líderes stalinistas ocidentais têm cuidado em apresentar a sua política sindical como um fator de salvação nacional. E não mentem, pois o seu único futuro é o de serem a última defesa do capitalismo estatal.
Assim, todos os sindicatos sem exceção estão em termos de passar da fase de “livre” competição entre a oferta e a procura de força de trabalho (entre operários e burguesia) à fase de enquadramento da oferta pela procura, isto é, dos operários pelo capital monopolista ou estatal. Por via direta ou indireta os sindicatos participam desde já, na maior parte dos casos, nos benefícios capitalistas, ou estão em vias disso[7]. Na Rússia, esta evolução realizou-se por intermédio da metamorfose contrarrevolucionária do país inteiro. A lei dá aos sindicatos mãos livres sobre a classe operária, sem que reste aos trabalhadores, individual ou coletivamente, a possibilidade de discutir, de aceitar ou de rejeitar as cláusulas da sua própria exploração. Todas as condições do trabalho (e, bem entendido, o que cada operário deve pensar) são ditadas pelos sindicatos diretamente em nome do capital. Como sempre, o econômico e o político interpenetram–se e acabaram por se fundir no mais duro dos absolutismos.
Os exemplos dum sindicalismo de classe que se poderiam apontar foram todos obra da influência dos revolucionários e situam-se numa época (acabada pela revolução espanhola) que permitia um certo jogo da luta de classes circunscrita ao capitalismo. Mas os revolucionários que se obstinam, hoje, a extrair dos sindicatos uma vantagem qualquer para o devir socialista, condenam-se pesadamente à ineficácia, ou a algo de pior: à traição. Os antigos combates do sindicalismo francês, espanhol, italiano, etc, foram inteiramente obra das tendências revolucionárias, claramente marxistas ou anarquistas. A C.N.T. espanhola não teria sido nada sem a F.A.I. e é a própria F.A.I. que é preciso responsabilizar pela aliança reacionária com o stalinismo durante a guerra civil. O ano de 1936 marca a falência do sindicalismo espanhol, comparável em todos os pontos à da C.G.T. francesa em 1914. Não só se submeteu, no essencial, ao stalinismo (submissão sempre apresentada como política de salvação nacional), como estabeleceu, com a central reformista U.G.T., uma aliança que comportava, em termos assaz explícitos, o capitalismo de Estado. A C.N.T. jamais se levantará duma tal queda. Todo o reagrupamento revolucionário nascido no seu seio deverá orientar-se para outros horizontes.
A experiência das coletividades na Espanha só é sindicalista pelos seus falhanços. Foi um movimento posto em marcha pelo impulso revolucionário dos militantes e das massas no mais alto grau de radicalização; os sindicatos encontraram-se perante os fatos. O mesmo se pode dizer do levantamento contra os militares em 19 de Julho de 1936 e da magnífica insurreição em Maio de 1937. Quando, após a ação revolucionária, os sindicatos intervêm, controlam, administram, já tudo mudou. A atividade do proletariado em geral e dos revolucionários em particular recua, é o prelúdio da derrota. Na mesma ordem de ideias é preciso lembrar, na França, a experiência ainda recente da greve de Nantes, em 1956. Obra de alguns militantes revolucionários nos sindicatos locais, ela foi entregue ao inimigo pelos sindicatos nacionais. Centenas de exemplos semelhantes encontram-se espalhados por todos os países do mundo. As tentativas de dar aos sindicatos um conteúdo revolucionário através de oposições internas, ou mesmo criando sindicatos inteiramente novos, estão destinadas a mau êxito. Com tais “táticas” não se conseguirá senão enfraquecer o espírito revolucionário dos que as aplicam, se não são mesmo transformados pura e simplesmente em burocratas. Os sindicatos trazem em si mesmos as múltiplas e poderosas forças de coerção e deformação da sociedade capitalista, que agem sub-repticiamente sobre os homens, modificando ou destruindo mesmo os melhores através dum incessante trabalho de erosão. Os sindicatos são tão pouco modificáveis num sentido revolucionário como a própria sociedade capitalista. Tal como esta, eles utilizam os homens para os seus fins particulares, mas os homens nunca estarão em situação de os adaptar à finalidade revolucionária; e não poderão deixar de os destruir.
Esta tentativa de modificação revela-se quimérica mesmo só do ponto de vista prático. Na maioria dos países, os trabalhadores já não se encontram nos sindicatos. Que tragam a caderneta no bolso, voluntariamente ou forçados pela lei, nem por isso deixam de os olhar com desconfiança ou repulsa. Nos países de maior experiência, os trabalhadores só recorrem aos sindicatos quando veem violados de modo flagrante os direitos que a lei capitalista lhes consente. Formalidade fastidiosa mas indispensável, de igual natureza à de se dirigir ao comissariado da polícia em caso de roubo. Eles sabem que contra as leis capitalistas é vão dirigirem-se aos sindicatos, pois estes são emanações delas. Daí a queda dos efetivos sindicais em numerosos casos e, em todos, a deserção das assembleias pela maioria dos trabalhadores. Os sindicatos, que têm uma vida burocrática e legal própria, só têm necessidade da classe operária como elemento dócil de manobra e, precisamente, com o objetivo de crescer enquanto instituição legal da sociedade em que vivemos. Sindicatos e massas proletárias têm uma vida cotidiana e móbeis inteiramente diferentes, e todo o trabalho “tático” interno, mesmo guiado pelas intenções mais puras, entravará a atividade e a vida próprias aos explorados, destruindo o seu impulso combativo e barrando-lhes o caminho da revolução social.
A posição de Lenin e de Trotsky sobre o trabalho revolucionário nos sindicatos encontra-se inteiramente fora das realidades atuais. Ela pressupunha explicitamente que o proletariado, não organizado anteriormente, se agrupava, cheio de ilusões políticas, nos sindicatos, onde a liberdade da palavra permitiria aos revolucionários exprimir-se, “desmascarar” a direção oportunista e alargar a sua influência[8]. Além das ilusões das massas sobre as organizações pseudorrevolucionárias, uma premissa-chave da tática leninista era a natureza ideológica, reformista, destas próprias organizações, então muito interessadas em obter do capitalismo concessões democráticas enquanto ala esquerda duma sociedade não acabada. Estas condições, hoje, desapareceram, e os que continuam a regular as suas atividades por elas agitam-se em vão. O proletariado fez inúmeras vezes a experiência dos sindicatos e dos partidos que os dominam, e estes mudaram num sentido inegavelmente reacionário. Comportar-se, em relação a eles, como se se tratasse de organizações ainda reformistas ou oportunistas, não é mais do que uma ingênua expressão do oportunismo atual.
O fundamento mais sólido duma crítica revolucionária dos sindicatos, aqui defendida, é um fator não contingente nem tático, mas de princípio e de estratégia, que não tinha sido tomado em consideração por Lenin e por Trotsky, sem dúvida porque só nos últimos decênios se desenhou com nitidez. Trata-se da assimilação dos sindicatos e dos seus inspiradores políticos pelo mundo do capital, já não em qualidade de ala democrática burguesa, mas como suportes da sociedade de exploração e das suas novas exigências contrarrevolucionárias. A polêmica sobre os sindicatos entre Lenin, Trotsky e Tomsky, antes da sombra sinistra da polícia stalinista ter destruído o pensamento revolucionário, encontra a solução, através da longa prova da experiência, nas conclusões desta brochura.
Há ainda revolucionários que se recusam a ver o problema e murmuram como um credo:
“Visto todas as condições que engendraram as organizações sindicais se encontrarem ainda de pé, não se vê como é que, nos nossos dias, se pode negar a sua funcionalidade”. Ao mesmo tempo, eles preveem o desaparecimento dos sindicatos para o momento do desaparecimento “dos caracteres específicos da sociedade burguesa”, isto é, uma vez facilitada “a separação dos produtores com os instrumentos de produção”[9]. Trata-se dum subterfúgio sentencioso, mais do que dum argumento. O que nisso se pode reconhecer verdadeiro, transforma-se, após análise, contra a tática de modificação revolucionária dos sindicatos. Com efeito, se se entende como condições que engendraram os sindicatos, a compra, pelos possuidores dos instrumentos de trabalho, da força humana criadora de riqueza ou, dum modo mais geral, as relações características da sociedade capitalista, reconhece-se então implicitamente que os sindicatos formam um conjunto orgânico com estas próprias condições e que subsistem com elas e para elas. A partir daí, uma funcionalidade sindical útil à revolução é tão impensável corno a da Bolsa. Trata-se igualmente de valores, nos sindicatos, pelo menos no plano do tráfico e da contratação do trabalho assalariado, que não deixam de ter relações com as cotações dos valores financeiros. Além do mais, a estas condições de funcionamento dos sindicatos, ainda existentes, como é evidente, é preciso acrescentar outras duma causalidade mais imediata e mais estreitamente delimitadas no tempo. Trata-se do período de ascensão capitalista, cuja livre concorrência, incluindo a do mercado de trabalho, permita aos operários as mais largas vantagens compatíveis com o sistema. Regulamentar e administrar estas vantagens, eis o que explica a principal razão de existência dos sindicatos. Ora, no movimento de integração do sistema em grandes trusts mundiais e em capitalismo de Estado, os sindicatos que ele alimenta começam naturalmente a ter um papel reacionário, pois não podem guardar a sua função sem se adaptarem às condições do mercado não-livre a partir de então, mas dirigido, despótico, até mesmo malthusiano, visto impedir o desenvolvimento possível da economia e do homem.
Assim, as condições que deram, em sentido estrito, origem aos sindicatos, já não existem. Morreram ao mesmo tempo que aquilo que justificava a existência do capitalismo como forma social historicamente progressiva. São os revolucionários, infelizmente, que têm um grande atraso no reconhecimento dos fatos e na análise das suas consequências.
A argumentação do Il Programa Comunista, que é a melhor justificação teórica para todas as tendências agarradas a um sindicalismo oposicionista ou revolucionário, incluindo anarquistas, é no entanto errônea do princípio ao fim. É sumamente perigosa, sobretudo em caso de revolução vitoriosa. A escapatória que consiste em remeter o desaparecimento dos sindicatos até ao apagamento dos últimos vestígios do capitalismo, na realidade até ao desabrochamento do comunismo, daria a estes organismos, durante o período de transição pós-revolucionário, um monopólio sobre o proletariado de consequências necessariamente nocivas. Longe de aproximar a sociedade do comunismo, ele levantaria mais um obstáculo, e não dos menores, que favoreceria, como na Rússia, o capitalismo de Estado. A análise de Bordiga associa o desaparecimento dos sindicatos ao desaparecimento da violência na sociedade, que o mesmo é dizer: do Estado. Ora o desaparecimento do Estado e de toda a violência social só pode ser o fruto do desaparecimento prévio da exploração, do trabalho assalariado, mais precisamente – com o que os sindicatos se encontram em contradição de interesses e de princípios.
Há um século, Karl Marx reprovava os sindicatos por restringirem as suas reivindicações às questões de férias, de horas de trabalho, etc., não dando importância ao problema da abolição do salariado, chave da supressão do capitalismo. Marx seria hoje tido como pequeno-burguês igualitário pelas gentes de Moscou e como ultra esquerdista enlouquecido por aqueles que aspiram a reformar os sindicatos. E ele não via esta abolição para as calendas gregas, para bem depois da revolução, mas como concomitante a esta, ou como sua causa. Ele pensava mesmo, já na sua época, que os países industriais dispunham de meios materiais mais que suficientes para realizarem tal revolução. Nós, os revolucionários, estamos em situação de acrescentar, nos nossos dias, que os sindicatos prejudicam toda a perspectiva de revolução social, porque se tornaram num elemento indispensável da exploração do homem pelo homem. O seu papel na economia atual é comparável ao das corporações da época manufatureira. Com esta diferença, todavia: enquanto que as corporações se mostraram inadaptáveis à grande indústria, os sindicatos adaptam-se perfeitamente à forma mais absoluta do capitalismo, a forma estatal. Eles perecerão com a vitória da revolução social (mais exatamente, o seu desaparecimento é condição desta vitória, à falta do que se transformarão num gigantesco aparelho coercitivo complementar do Estado-patrão). Aí se encontra a maior ameaça contrarrevolucionária da nossa época. Se a humanidade se mostrasse incapaz de lhe fazer frente, no mundo stalinista bem como no mundo ocidental, cair-se-ia na mais sinistra das eras.
Todos os trabalhadores devem decidir sobre os problemas econômicos postos pela marcha da sociedade para o comunismo, sem necessidade duma qualquer afiliação. Nenhum organismo pode ser identificado com a sociedade nem investido com atributos desta, quer se trate dum sindicato ou dum partido. Pode-se conceber, com base nos fundamentos materiais da revolução, a existência de diversas correntes ideológicas em competição leal para a maioria. A possibilidade de intervenção direta de todos nos assuntos sociais não deixaria de ficar mais bem garantida. Pelo contrário, a gestão sindical da economia mostra-se forçosamente antidemocrática e sufocante, porque exclui os não-membros e, na realidade, impõe-se a todos. É verdade que os ideólogos podem degenerar ou trair, mas é apenas através do desabrochamento das ideias revolucionárias que o homem conquistará a liberdade.
Mesmo as reivindicações imediatas que o proletariado tem diante de si na hora atual escapam a toda formulação pelos sindicatos. Com efeito, face à exploração acentuada pela técnica, as horas extraordinárias, o trabalho peça, a cronometragem, etc., é indispensável reivindicar-se uma redução da jornada de trabalho para cinco ou seis horas no máximo, sem diminuição do salário médio anterior, incluindo todos os prêmios. E, numa tal base, é urgente reclamar um horário de trabalho em diminuição constante, inversamente proporcional aos progressos da técnica. Está aí a forma de enfrentar as esmagadoras jornadas de trabalho atuais e de prefigurar uma reorganização do trabalho social necessário, através da supressão do gigantesco trabalho parasitário atual, na indústria bem como na burocracia governamental e administrativa.
O complemento indispensável desta reivindicação é a recusa de realizar todo e qualquer crescimento da produção, proceda ele dos aperfeiçoamentos dos instrumentos de trabalho ou da aceleração do ritmo do trabalho, se a classe operária disso não beneficia integralmente, porque esta representa o interesse da sociedade inteira, vista no seu devir civilizador. Reivindicação duma importância sem limites, não apenas contra o capitalismo e as suas ameaças de guerra, mas ainda como regra ordenadora da futura revolução vitoriosa. Por detrás dela, surge naturalmente a necessidade de desenraizar o sistema atual.
E, politicamente, seria preciso antes de mais nada impor a plena liberdade nos lugares de trabalho. Rejeição de toda e qualquer regulamentação interna que não fosse estabelecida por delegados democraticamente eleitos e em seguida aprovada em assembleia-geral. Para todo o problema ou conflito, comitês eleitos fora do sindicato em cada unidade de trabalho e revogáveis em qualquer altura. Os acordos com a direção devem comportar a aprovação dos próprios interessados e não a do sindicato ou de vários sindicatos coligados, mesmo quando pretendam representar a maioria. Por fim, a ligação entre os múltiplos comitês operários permitiria reivindicar-se enquanto objetivo imediatamente realizável a gestão operária da produção e da distribuição à escala nacional e internacional.
Um estudo circunstanciado de todos os problemas imediatos que a situação atual do mundo põe à classe operária não deixaria de fornecer dados neste sentido. As três ordens de problemas mencionados, que resumem todos os outros, mostram largamente o conservadorismo reacionário dos sindicatos e a impossibilidade, para os trabalhadores, de dar um só passo em frente sem os enfrentar. Sem se desembaraçar deles, o proletariado não sairá do seu marasmo atual e não terá mais nenhuma perspectiva revolucionária.
O futuro dos sindicatos está sem dúvida ligado ao do capitalismo; não ao da revolução. A sua aptidão a ajustarem-se ao devir reacionário da sociedade foi largamente ignorada, mesmo pelos revolucionários mais clarividentes. É preciso, entretanto, anotar uma exceção, no que toca a um teórico quase desconhecido, Daniel de Léon, cujo pensamento sobre este assunto se revelou premonitório. Desde 1905, Daniel de Léon viu que os sindicatos e partidos operários oficiais continham graves ameaças contrarrevolucionárias. O opúsculo em que expõe sucintamente as suas ideias merece a meditação de todos os revolucionários[10].
De Léon não é um “peralvilho” da análise. Os seus julgamentos são excelentes sínteses históricas e, na sua voz, ressoa a paixão revolucionária. Com base na experiência mundial, e muito particularmente nas Trade-Unions britânicas e americanas, com os seus respectivos mentores trabalhistas, ele prediz que a vitória destas organizações liquidaria claramente a revolução social: “Os líderes operários atuais representam uma posição mascarada, um ponto estratégico e uma força que sustenta o capitalismo e a sua verdadeira natureza não pode deixar de produzir uma desastrosa desmoralização na classe operária.”
De Léon compara os líderes operários e as suas organizações aos líderes da plebe de Roma. Tal como estes utilizaram perfeitamente a plebe para aceder ao piano e aos direitos da classe patrícia, sem nunca conceder às massas despossuídas mais do que migalhas, os líderes operários modernos e as suas organizações servem-se do proletariado para consolidar as suas posições econômicas e políticas no sistema de exploração capitalista: “Da mesma forma que os líderes da plebe, os líderes operários são homens “práticos”, do que se gabam; eles não alimentam “visões”, eles não correm atrás do “arco-íris”…”
“Da mesma forma que os líderes da plebe, os líderes operários não veem saída para o sistema social existente” – e, como eles, “aspiram a apagar a chama que devora a classe assalariada”.
“Tal como os líderes da plebe em Roma, e se não se os defrontam (…), os líderes operários tornarão sem dúvida nulas todas as possibilidades de salvação desta época: eles porão do avesso “ações de grande importância e vigor”, até lhes fazer perder o nome de ações”.
O aproposito da comparação entre os líderes da plebe romana e os nossos grandes burocratas sindicais e políticos ganha todo o seu valor quando se vê o papel tido em toda a história romana pelo partido dito da plebe. Surgido na época dos Tarquinos, em contradição aparentemente irredutível com a classe dos patrícios que dominavam a sociedade, ele adquire importância e conquista posições durante a República. Não foi porém em benefício da verdadeira plebe, da massa pobre, livre ou escrava, mas dos privilegiados, que a representavam formalmente e não entravam na categoria plebeia senão em função do atavismo das leis. César e Augusto, os fundadores do Império, recorrem constantemente ao embuste de se dizerem originários ou partidários da plebe. A sua vitória, ponto culminante do partido dos líderes da plebe, destruiu para sempre as possibilidades de revolução em Roma. Os usurpadores plebeus substituíram em geral a velha classe patrícia e não abriram a via a um tipo superior de sociedade, limitando-se a prolongar a decadência do mundo antigo, à qual presidiram na sua última etapa.
Apesar das grandes diferenças estruturais e ideológicas entre a civilização greco-romana e a civilização capitalista, a analogia é muito grande entre o papel dos líderes da plebe e, nos nossos dias, o dos líderes operários. Quer eles se digam apolíticos, comunistas ou socialistas, substituíram (no seu íntimo e por interesse) à principal contradição do capitalismo, a que só pode desaparecer com a sua destruição, uma outra contradição não essencial, inscrita nas necessidades funcionais do capitalismo e cuja “solução” os torna, a eles, indispensáveis, excluindo toda e qualquer intervenção revolucionária dos trabalhadores.
A burguesia e o proletariado são o perfil humano, a imagem antropomórfica da contradição social entre capital e trabalho assalariado. Esta contradição só é redutível através da abolição do capital, ato que deve suprimir, simultaneamente, o próprio trabalho assalariado. Aqui finda o capitalismo e começa a revolução socialista, de onde se apercebe o horizonte ilimitado duma nova civilização.
O espírito dos líderes ditos operários, bem como a natureza das suas organizações, são absolutamente incompatíveis com a solução desta contradição. Eles não encaram e não se esforçam por resolver senão uma contradição secundária, interna aos interesses da exploração, a da “anarquia” do capitalismo individual, com as suas crises cíclicas que pedem um plano de produção ordenado e uma severa regulamentação da mão-de-obra, incluindo desemprego. Deste modo concordam os interesses dos líderes “operários” e os do grande capital, que reclama todos os dias uma maior regulamentação econômica, maior concentração. Por outras palavras, o que eles entreveem e querem ultrapassar são as dificuldades que o sistema encontra no seu caminho em direção ao monopólio único, e de modo nenhum as que o sistema opõe à marcha da humanidade para o comunismo. Isto dito, na concentração dos meios de produção num só monopólio de Estado, o fator trabalho (de que dependem consumo, liberdade, cultura, vida inteira de todos os humanos) surge como um elemento tão subordinado às exigências do plano como o minério de ferro, o cobre ou qualquer outra matéria-prima. A supressão da burguesia não provoca de modo nenhum a do capital, tal como não provoca a do proletariado. O capital é uma função econômica, não um proprietário; desencarnando-se, fazendo-se pura função anônima, o capital completa a sua opressão do homem e impede a sua marcha graças a forças contrarrevolucionárias novas. Assim, a representação puramente antropomórfica da contradição entre capital e salário (burguesia/proletariado) faz aos líderes políticos e sindicais o serviço de apresentar a supressão do capital privado como sendo a supressão do capital em geral e a sua própria gestão econômico-política como a solução das contradições sociais. Eles sabem já, pela experiência da contrarrevolução stalinista e em grande parte pela experiência das Trade-Unions ianques e britânicas, que quanto mais completa for a concentração do capital, maior será a parte dos benefícios que conseguirão obter.
O aspecto mais ameaçador desta tendência dos líderes “operários” surge no fato de coincidir inteiramente com a lei de concentração dos capitais e com o desenvolvimento das coerções materiais e ideológicas que são sua consequência. Apesar de tudo, eles só são efetivamente perigosos em função da passividade do proletariado, que os revolucionários não poderiam sacudir agarrados a táticas e ideias ultrapassadas. Presos a velhas fórmulas, são atacados pela esterilidade. É no entanto suficiente olhar à nossa volta para se compreender que a necessidade humana duma transformação total choca-se simultaneamente com o capitalismo e com os líderes “operários”, e que este choque abre um extenso campo para a ação revolucionária. A humanidade não tem qualquer necessidade de planos tecnocráticos de produção para a própria produção, pianos que só podem ser de exploração e de guerra. A crise que atinge a civilização não encontrará saída antes de toda a produção ser orientada, sem venda prévia, para o consumo. É necessário que todos os indivíduos, em função da sua existência, estejam em condições de usar à sua vontade bens materiais e bens do espírito. O mercado de uns e de outros provoca a insatisfação da imensa maioria, a impossibilidade de pleno desenvolvimento dos indivíduos e a venalidade da cultura. Só então a supressão dos proprietários individuais ou dos trusts provocará inevitavelmente a supressão do proletariado, isto é, da classe que só consome e só vive proporcionalmente ao seu salário. E por conseguinte o poio “trabalho assalariado” que é preciso suprimir; assim desapareceriam necessariamente o capital como função econômica e os exploradores, burgueses ou burocratas de qualquer espécie. Todo o plano de produção deve então ser estabelecido em função dos dados não mercantis do consumo humano, com tudo o que estas últimas palavras supõem de liberdade política e cultural. O verdadeiro aspecto antropomórfico do problema é a supressão do trabalho assalariado, que daria ao homem a possibilidade de dirigir o seu próprio destino. Substituindo-o pela supressão dos burgueses, cujo lugar ocupariam, os líderes sindicais voltam a servir-nos o antropomorfismo falacioso das religiões, com o plano de produção em vez de Deus, pai e juiz dos homens, tendo os altos burocratas políticos, sindicais e técnicos o papel dos sacerdotes.
Que os revolucionários expulsem das fábricas e das organizações profissionais os representantes dos sindicatos, e os Thorez, os Nenni, os Reuther de todos os países, com o Vaticano acaçapado por detrás dos sindicatos cristãos, ver-se-ão paralisados. A classe operária terá recuperado a sua liberdade de ação e de pensamento e encontrar-se-á rapidamente em condições de revolver a sociedade dos pés à cabeça. Ela conseguirá então o impulso necessário para arrancar a humanidade do lodaçal em que se move.
(Milão, Maio de 1960) G. Muñis
SIGLAS CITADAS
UGT — Unión General de Trabajadores
CNT — Confederación Nacional del Trabajo
FAI — Federación Anarquista Iberica
SFIO — Seção Francesa da Internacional Operária
CFTC — Confederação Francesa dos Trabalhadores Cristãos
FO — Force Ouvrière
[1] Aqui Muñis refere-se a órgãos componentes dos sindicatos e não a órgãos autônomos que por vezes tomam este nome. [Nota de Velha Toupeira].
[2] Um operário que lê no interior da fábrica l’Unità, órgão do partido stalinista, é posto na rua sem formalidades, com a aprovação dos grandes chefes do Partido, que assinaram tal cláusula.
[3] Termo pejorativo aplicado pelo povo aos atuais amos.
[4] Durante a lua de mel das relações americano-russas por volta do fim da guerra, alguns chefes de monopólios ianques (entre outros, Johnston, então presidente da Câmara de Comércio), convidados por Moscou a visitar as suas empresas industriais, elogiavam imenso os métodos de exploração “soviéticos” que os operários americanos, lamentavam-se eles, lhes impediam de aplicar.
[5] Trud, órgão dos sindicatos russos, 19/2/47, citado por Salomon M. Schwarz em Labor in the Soviet Union, Londres, 1953, p. 230.
[6] A revolução de 1917 esboça o desaparecimento do trabalho assalariado e do capital. É assim que um crítico reformista, Zagorsky, definia a economia da primeira época como sendo “um enorme empreendimento de beneficência”. A partir da NEP (Nova Política Económica), começa claramente um movimento inverso que adquire o caráter de capitalismo de Estado por virtude da contrarrevolução estalinista. Até aí os contratos eram individuais, mesmo se não eram escritos. A sistematização dos contratos coletivos é paralela à de um capitalismo de Estado que se quer estável e definitivo.
[7] As exceções que existem não negam, como é evidente, o que se diz. Convém notar todavia que não correspondem aos países atrasados, mas sim aos velhos países da Europa. Nos países atrasados onde os sindicatos são (ou parecem ser) novos, aceitam de boa vontade ser assoldadados pela burguesia ou pelo Estado. Com frequência, os sindicatos duma mesma profissão entram mesmo em concorrência desavergonhada para oferecer a um patrão a sua mão-de-obra a mais baixo preço.
[8] É o que se pode ler em detalhe no livro bem conhecido de Lenine A doença infantil do comunismo.
[9] A tendência italiana de Bordiga de que combatemos aqui os argumentos (Il Programa comunista, 26/5/60) defende o conservadorismo tático sindical sob o ângulo mais revolucionário. Mas neste mesmo erro caiem, com um pendor oportunista, numerosos grupos de origem trotskista ou anarquista, para não dizer todos. Até mesmo os que se gabam de ser contra os sindicatos, como Socialisme ou Barbarie, praticam na realidade a velha rotina.
[10] Two pages from Roman history. I-Pleb Leaders and Labor Leaders. II-The Warning of the Grachi. Nova lorque, 1946.
O presente texto foi retirado do seguinte site: https://comunism0.wordpress.com/os-sindicatos-contra-a-revolucao-social/. Revisado por Elcana Silva.