Observações sobre as Teses sobre a Próxima Crise Mundial, a Segunda Guerra Mundial e a Revolução Mundial (1935) – Karl Korsch

[Nota do Crítica Desapiedada]: As Teses criticadas por Korsch podem ser vistas em: Teses sobre a Próxima Crise Mundial, a Segunda Guerra Mundial e a Revolução Mundial (1935) – Heinz Langerhans.
Confira também o Dossiê: Karl Korsch, Guerra e Nazifascismo.


OBSERVAÇÕES SOBRE AS TESES SOBRE A PRÓXIMA CRISE MUNDIAL, A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL E A REVOLUÇÃO MUNDIAL[1][2]

Ao analisar estas teses, será bom deixar completamente de fora os três primeiros parágrafos (isto é, as Teses 1 e 2 e o primeiro parágrafo da Tese 3). Eles contêm afirmações em parte não fundamentadas (a “provável” coincidência da próxima crise mundial com a Segunda Guerra Mundial), em parte experiências subjetivas do autor (seu “choque” ao observar que forças da revolução antes reunidas estão esgotadas), em parte uma enumeração dos pontos esclarecidos e definidos nas próprias Teses. Só quando chegamos à última frase desta seção (“Contentamo-nos principalmente em explicar as causas das guerras capitalistas”, etc.) que obtemos algo que serve como uma introdução real para a análise da Guerra Mundial que se iniciou imediatamente depois disso.

Com essa omissão, a estrutura das Teses se torna bastante clara. Na primeira parte (restante da Tese 3) se discute a pré-história e a história do período de crise atual que se iniciou com a Guerra Mundial; na segunda parte (Teses 4 e 5) o desenvolvimento adicional após a “transição da crise aguda à depressão” e as perspectivas de a próxima crise coincidir com a Segunda Guerra Mundial. Segue, após isso, como terceira parte (Tese 6), a exposição das “satisfações” e “dificuldades” que surgem do novo estado de coisas e as tendências reveladas nisso para a revolução mundial dos trabalhadores, junto dum olhar retrospectivo sobre a “ação morosa que se cultivou no movimento operário” antes do estado de coisas atual, a causa dessa ação morosa e a agora visível superação dessas causas.

Este olhar geral por si só realça uma peculiaridade destas Teses. Nesta análise da situação total do movimento operário de nossa época, deixa-se bastante de se considerar a crise econômica mundial atual, que dura desde 1929 e que ao menos em alguns aspectos continuou a se aprofundar e aguçar, e em certo sentido inclusive o “presente” em geral. Não se afirma com relação à crise atual, mas sim com relação às “crises do pós-guerra” ou às “grandes crises mundiais da atualidade” das quais, portanto, a crise atual forma apenas um exemplo especial (no penúltimo parágrafo da Tese 3), que nelas, certamente, descobre-se, de um lado, o caráter aprisionante do sistema social do Estado-nacional assentado no trabalho assalariado e no capital, mas que, por outro lado, o esforço de vincular as forças produtivas mais uma vez à relação de produção entre trabalho assalariado e capital e ao processo capitalista de acumulação e enquadrá-las no quadro do Estado-nacional foi “tratado com sucesso”. Do mesmo modo, no último parágrafo da Tese 3, “as crises do pós-guerra (1921-1929)” são, certamente, por um lado (em conexão com o “período de depressão atual”, seguindo, no ciclo da “onda longa”, o “período de melhoria de 1895-1913”) denotadas como “crises do sistema”, mas, por outro lado, a ideia da crise final que tal expressão parece implicar é imediatamente descartada por meio da seguinte “expectativa” de que “a próxima crise mundial terá o mesmo caráter”. Na frase seguinte (Tese 4), a “crise aguda” já se tornou nada mais que uma coisa do passado, da qual se diz que a transição ao “período de depressão”, com um “período de respiro” resultando dentro de alguns anos no mais tardar, já foi realizada.

Da mesma maneira, tudo que é dito nestas Teses acerca da situação, tarefas, perspectivas e dificuldades do movimento operário de nossa época não está em lugar algum relacionado ao presente, mas à “próxima crise mundial”, “a segunda guerra mundial”, (frase de encerramento da Tese 5), e, com isso, a “segunda situação revolucionária mundial” (frase de encerramento da Tese 6). As Teses lidam, isto é, praticamente não lidam em nada com o presente de fato, mas com um futuro calculado, sem qualquer base aparente, com certeza completa em termos de anos: “Não há motivos que possam nos levar a não esperar a próxima crise mundial por volta de 1940 com certa expectativa e a calcular e dar nossos passos de acordo com ela”. Na realidade, o autor das Teses poderia dizer no máximo, em face de suas disquisições anteriores muito gerais, que se temos motivos positivos especiais para antecipar a crise mundial “por volta de 1940”, não apareceu nenhum motivo contrário das tendências gerais de desenvolvimento econômico atualmente visíveis. Porém, mesmo para além de tais defeitos especiais na formulação e apoio de afirmações individuais, esta desconsideração real do presente real e a atualização fictícia de uma situação “provavelmente” revolucionária no futuro é um golpe nos próprios fundamentos dessas Teses no que diz respeito a seu caráter materialista-prático. O lugar desse caráter é tomado, por um lado, por puro idealismo e subjetivismo idealista, que coloca sua perspectiva “contra” a realidade objetiva e, por outro lado, como o suplemento polar ideal, pelo objetivismo pseudomaterialista que fala da necessidade de determinados processos históricos de uma maneira geral demais, sem determinar “assim” sua perspectiva.

Embora a conexão entre esses fenômenos como crise mundial, guerra e revolução, ou capital e Estado na sociedade capitalista monopolista moderna, até agora sempre considerados muito isoladamente, tenha sido demonstrada nessas Teses com muita força do lado objetivo e representada em formulações marcantes e às vezes novas e originais, a tarefa prática que nasce dessa conexão objetiva para a classe trabalhadora foi anunciada apenas de maneira abstrata. O autor se satisfaz, a este respeito, com a simples repetição duma única frase, “revolução mundial”, que, agora, contudo, deste lado subjetivo, permanece bastante indeterminada e sem conteúdo. Dele, aprendemos positivamente apenas uma coisa, a saber, que, como uma atividade revolucionária dos trabalhadores na época atual nada menos do que essa “ação revolucionária mundial da classe trabalhadora” pode “nos” beneficiar, deve ser realizada diretamente e como um todo, e a preparação organizacional e ideacional dirigida imediatamente a esse objetivo (Teses 2, 3, 4 e 6). Diz apenas que essa “revolução mundial” merece totalmente o nome de uma “revolução da classe trabalhadora”. Quando “se tentar qualquer coisa a menos” – como já demonstrado pelo movimento no período seguinte à recente guerra e que fracassou como revolução na vitória e na derrota –, “a classe, como um exército de milhões, simplesmente cessa de funcionar como criadora da história”. Diz-se que toda revolução que ou no seu primeiro momento ou em seu desenvolvimento posterior é limitada a um único país contém inevitavelmente “o elemento da contrarrevolução”, e isso vale em particular para a revolução “russa” de 1917. (Além desta revolução, o autor das Teses também tem consciência de outras, toda uma “série” de revoluções políticas nacionais que fluem da crise do pós-guerra e para a “vitória” da qual a antecedente “ação morosa que se cultivara no movimento operário” formara a pré-condição. Não fica claro de quais outras revoluções nacionais isso se trata). A tentativa do trotskismo de pôr no lugar da revolução mundial real sua mera “camuflagem ideológica” ao interpretar a série de revoluções nacionais do período atual como a “revolução permanente” é repudiada expressamente. E todas essas “subcorrentes proletárias revolucionárias” que no período anterior “transcenderam” o caráter limitado do movimento operário de então, “associado com as tarefas social-reformistas e (apenas) político-revolucionárias”, são designadas sem exceção como meras tendências “utópicas” que deixam inalteradas os movimentos realmente intracapitalistas do trabalhador assalariado daquela época, mas conseguiram lhes prover “meramente um suplemento ideológico”. Para que a “revolução mundial dos trabalhadores” proclamada nestas Teses permaneça uma música do futuro para a qual ainda não há, no passado e no presente, um começo real no movimento e desenvolvimento reais da classe trabalhadora, salvo por umas poucas tentativas empreendidas no final da “primeira guerra mundial”, mas, entrementes, completamente esgotadas e “decadentes” (entre elas, particularmente, a tentativa “heroica” dos revolucionários do outubro russo de avançar sua revolução russa como a revolução mundial incipiente). Na Tese 2, embora tenhamos num primeiro momento, após a constatação do caráter esgotado de todas as “energias da revolução reunidas no ciclo revolucionário de 1850-1917”, uma referência a certos começos, embora “fracos”, ainda no final das Teses se afirma expressamente que as “ações revolucionárias da classe trabalhadora devem, de modo geral, começar mais uma vez desde o início”. Esse estado de coisas é, certamente, por um lado, designado como uma “dificuldade” (a única “dificuldade genuína da nova situação”), mas, por outro lado, também é celebrado como o “corte” final “do cordão umbilical entre a revolução burguesa e a proletária” e, logo, como um “estado de coisas gratificante para os trabalhadores revolucionários”. Os trabalhadores “conquistaram” – podemos expressar brevemente o sentido desta parte final das Teses –, nesse marco zero de sua ação revolucionária ao qual acabaram de chegar, “pelo menos a liberdade negativa para seus próprios objetivos enormes”.

Contra essa afirmação, primeiro deve-se objetar que ela, na verdade, não é verdadeira. Quando as Teses afirmam, dentre outras coisas, que agora nenhum de seus antigos e dilapidados líderes consegue mais presumir sussurrar aos trabalhadores qual é sua “missão histórica”, a triste realidade mostra, ao invés disso, o contrário. Eles podem presumi-lo, podem fazê-lo e o fazem, e os trabalhadores também os escutam, não só na Inglaterra e outros países fora da Alemanha, mas também na Alemanha, e hoje mais uma vez do que no primeiro período após a capitulação sem resistência de ambas as lideranças de partido social-democrata-comunista ante a “revolução nacional e socialista” hitleriana. Em segundo lugar, contudo, esta “liberdade negativa” dos trabalhadores de todas as influências através das quais eles até agora foram “desviados” de seus próprios enormes objetivos ex hypothesi (isto é, completamente indefinidos e disformes) – tal liberdade seria ao mesmo tempo sua “liberdade” de toda a sua história anterior, inclusive de todas as experiências de luta vencidas nessa história, e a reversão da classe trabalhadora daquela determinidade que conquistou em seu desenvolvimento anterior ao estado inicial (dado através de sua mera existência econômica como uma classe suprimida e explorada na sociedade capitalista) da “classe em si”. É impossível conceber como poderia omitir tudo duma vez e sem um novo “recuo perante a enormidade ainda indefinida de suas próprias tarefas” fora desta condição de uma liberdade absoluta, isto é, de um nada absoluto, pela mera “aproximação da segunda guerra” e da “segunda situação revolucionária mundial” às quais deu origem, àquela determinidade e realidade mais altas de uma genuína revolução operária direta e verdadeiramente proletária, verdadeiramente adequada à classe, que abrange verdadeiramente o mundo para a qual somente, na visão do autor dessas Teses, o lançamento das forças proletárias, após as experiências amargas do passado, ainda vale absolutamente a pena e sem cuja realização qualquer nova atividade operária militante deve levar meramente a mais um e ainda pior declínio à morosidade. Na realidade, não é o inflamado chamado à ação (isto é, à ação diretamente revolucionária mundial dos trabalhadores em conexão com a próxima crise da guerra mundial “por volta de 1940”), mas a punição receosa posta no fracasso de seguir este último aviso – é a punição que forma o conteúdo real das perspectivas expressas nessas Teses. O autor diz, com efeito: se oferece aos trabalhadores mais uma vez – num período que está agora apenas alguns anos no futuro – aquela oportunidade incomparável que eles não conseguiram utilizar completamente no fim da “primeira guerra mundial”.

Na segunda guerra mundial ficará óbvio que existe somente um programa convincente: a ordem mundial do trabalho e que a libertação dos trabalhadores é a pré-condição de sua realização. Porém, se os trabalhadores não conseguirem lutar por sua liberdade, então a classe dominante ampliará internacionalmente os novos meios de dominação, hoje construídos em escala nacional, sobre escombros e sangue e submeterá as forças produtivas a um adestramento ainda mais rigoroso. Será este o conteúdo das novas lutas revolucionárias mundiais.

Aqui, na própria formulação continua-se sem decidir se, afinal, essas “novas lutas revolucionárias mundiais” do futuro próximo também não levarão em seu resultado real à “extensão internacional” dos “novos meios [fascistas] de dominação” ao invés da “emancipação dos trabalhadores” e a um “adestramento [fascista] ainda mais rigoroso” do que ao “livre desabrochar das forças produtivas”.

Neste lugar, nos deparamos num ponto a partir do qual se torna imperativo atacar não só o conteúdo subjetivamente prático dessas Teses, mas ao mesmo tempo seu conteúdo teoricamente objetivo; isto é, a análise teórica que apresentam do desenvolvimento histórico e das tendências de desenvolvimento objetivas que são identificadas nisso. Levanta-se a questão de se não está oculta, mesmo na combinação objetiva da crise, guerra e revolução mundiais, como é apresentado nessas Teses duas vezes (uma retrospectivamente para a primeira guerra mundial de 1913-1919, a outra vez, prospectivamente para a iminente crise da guerra mundial dum futuro próximo), uma capitulação ou outra antes do ataque violento do adversário capitalista fascista, um ataque que no momento atual é obviamente percebido como todo poderoso. Com tais capitulações, hoje todo o movimento operário europeu está cheio de estados de espírito derrotistas e prisões ideológicas, e mesmo a tendência revolucionária dentro do movimento operário mostra um pouco da mesma tribulação.

Se examinarem, deste ponto de vista crítico, o conteúdo teórico objetivo das presentes Teses, à primeira vista tudo parece na melhor ordem revolucionária. É um ataque revolucionário à posição inimiga, e nenhuma capitulação, quando a “alternância imemorial [?] de guerra e paz” – que aparentemente (não, como afirmado nas Teses com uma adaptação exagerada às ideias do adversário, “em si”) “acontece em outras conexões” – é reconhecida como “envolvida no ciclo industrial” e a “guerra industrial” moderna é reconhecida como uma forma especial de crise capitalista. Sem dúvida, esta percepção nova de revolução é pressuposta nas Teses como um estado de coisas diretamente óbvio ao invés de fundamentado e provado, e a caracterização da guerra como uma forma de crise capitalista que em seu próprio curso é intensificada mais uma vez à crise ainda contém nesta forma imediata um caráter metafórico e mistificador. Todavia, a igualação da guerra à crise perde inclusive este resquício final de aparente mistificação quando se acrescenta a simples e em nenhum sentido metafórica observação de que o modo de produção especial da guerra moderna – um modo de produção que não produz produtos e meios de produção, mas destruição e meios de produção – não representa nada mais que uma manifestação normal da produção capitalista. O modo de produção capitalista constantemente conteve e contém em si em todos os seus estágios de desenvolvimento os dois tipos de produção, aquele da criação e aquele da destruição de produtos. Ambos formam componentes inseparáveis da produção capitalista em sua forma social específica como “produção de mercadorias”, isto é, como produção não simplesmente de produtos, mas de produtos como mercadorias, e este modo de produção histórico não está completo até termos ambos juntos. O que surge hoje é simplesmente isto, que agora inclusive certas distinções formais que até então sempre existiram entre as duas formas fenomênicas da produção capitalista (a assim chamada produção normal para a paz e a outra – na realidade, nada menos normal –, a produção para a guerra e na guerra) estão sendo cada vez mais erradicadas por um processo de assimilação mútua e que assim a identidade interna destes dois ramos igualmente legítimos da produção capitalista é evidenciada. Numa época em que uma parte da produção “normal” em tempos de paz consiste na destruição maciça consciente e “planejada” de produtos, meios de produção, forças produtivas e produtores, quando ao mesmo tempo o peso relativo da assim chamada “indústria de guerra” excede, mesmo na paz, em muito e numa medida que aumenta cada vez mais do que qualquer outro ramo de produção, e cada ramo de produção especial por sua vez é, mesmo na paz, tratado potencialmente e com a aproximação da guerra também realmente como um mero departamento subordinado da indústria de guerra unificada – nessas condições parece perfeitamente lógico que a guerra em si, que segundo o objetivo e modo de existência não deve mais ser distinguida da indústria de guerra e da indústria da paz, finalmente não deve mais ser distinguida destes outros ramos de produção capitalista de mercadorias, mesmo no pensamento. Caso tenha se dado esse passo, então a sentença paradoxal na qual a guerra em si é considerada uma mera forma especial das crises que inevitavelmente ocorrem periodicamente no curso da produção capitalista, isto é, como uma crise que duma outra maneira, mais direta e mais simples, “realiza o trabalho especial de qualquer crise, a destruição de valor que não pode ser transformado em lucro” – esta sentença das Teses se torna assim não só compreensível como uma simples observação prática, fica, na verdade, imediatamente claro por que no processo de guerra que ocorre agora mesmo nas formas de produção capitalista, “a pressuposição da crise está dada mais uma vez na crise”, na medida em que a “superprodução” que ocorre em todas as crises também ocorre aqui na forma de uma “produção intensificada para além de sua própria medida” – produção de materiais de destruição e da destruição em si. Esta intensificação da crise para uma nova crise que ocorre na própria crise é, de fato, a tendência inevitável que irrompe na guerra e na paz, uma tendência que veio claramente à luz no final da Guerra Mundial e que por causa do desenvolvimento posterior das formas de produção capitalistas (em seu agora reconhecido modo duplo de existência como genuínas formas de produção e formas de destruição, ambas as quais sob relações capitalistas combinam-se para formar um todo indivisível e que apenas as duas juntas representam a realidade concreta da produção capitalista de mercadorias) continuou se fortalecendo e deve continuar a se fortalecer ainda mais no futuro. O presente desenvolvimento do modo de produção capitalista está se dirigindo assim, num mesmo processo, tanto em direção à nova crise e à nova guerra, como em direção à combinação de ambos numa nova crise de guerra mundial através da qual, para a classe de produtores reais uniformemente suprimidos e explorados na guerra e na paz, as pressuposições para uma nova situação revolucionária mundial estão sendo de fato cumpridas do lado objetivo. O esclarecimento magistral (apesar de sua brevidade) desta situação objetivamente revolucionária é equivalente a um genuíno, e em suas consequências para a preparação e realização da luta revolucionária dos trabalhadores, desenvolvimento posterior de nossa percepção da revolução proletária, também importante praticamente.

E é do mesmo modo um ataque revolucionário à posição inimiga, e não uma capitulação, quando nas Teses a linha de separação incisivamente desenhada pela antiga teoria marxista entre economia e política, capital e Estado, é tendencialmente apagada e o “Estado” se converte em “Capitalista total” real demeramente “ideacional”, e o sujeito automático “capital” com o patrocinador “Estado” como órgão especial é fundido num “capital sujeito-total unificado”. A luta contra o Estado capitalista se tornou hoje, de fato, de uma maneira bastante diferente e mais direta uma componente da luta de classes proletária revolucionária contra o domínio capitalista do que no período anterior, quando o movimento operário socialista de fato (como representado admiravelmente nas Teses) movia-se continuamente dentro da (insatisfatoriamente de ambos os lados) contradição da reforma social e da revolução política (apenas) e, consequentemente, os trabalhadores de qualquer área não conseguiam chegar à realidade concreta completa de sua luta social-revolucionária. Também é uma crítica revolucionária que ataca o cerne não só do inimigo de hoje, mas também dos falsos amigos do movimento operário de ontem e de hoje, quando se afirma nas Teses que através da conquista de poder pelo nacional-socialismo hitleriano “a revolução política e a única reforma social possível contra os trabalhadores triunfaram” simultaneamente e, logo, ao mesmo tempo, o caráter contrarrevolucionário (resultante) desses dois objetivos ostensivamente progressistas das agora ultrapassadas formas do movimento operário se tornaram evidentes.

Entretanto, além dessas reais intensificações revolucionárias do ataque proletário a todas as formas antigas e novas de incorporação do Estado capitalista e do poder econômico há nestas Teses também uma série de formulações através das quais a única luta que permanece aberta aos trabalhadores na Alemanha, a luta contra o que lá hoje é a única incorporação da dominação de classe capitalista, torna-se vaga e ambígua. É uma tendência perigosa, em sua consequência para o desdobramento revolucionário da força de ataque proletária no período de desenvolvimento histórico atual, quando nestas Teses faz-se a declaração lapidar de que através das novas formas monopolistas de Estado e capital a tarefa de alcançar “pelo menos a maior medida [!] de desdobramento [!] das forças produtivas transcendentes [?] no quadro dado” está sendo realizada no momento. Lembremo-nos nesta conexão também da tese anterior, na qual a crise econômica mundial atual foi proclamada como uma coisa do passado, agora superada, e a transição à depressão com a perspectiva de um “período de respiro” começando em breve e se encerrando na “próxima crise mundial” foi anunciada. Lembremo-nos, mais, da forma peculiar com que, adiante nas Teses, indicou-se como outra perspectiva, talvez mais provável, para o desenvolvimento internacional posterior da condição mundial atual, além do desdobramento completo das forças produtivas imobilizadas no quadro “nacional” adequado através da revolução proletária, também somente a “disciplina mais acentuada” destas forças produtivas pela extensão do domínio fascista também numa escala internacional.  Vê-se que essas três formulações tomadas juntas – a crise, já pertencente ao passado, a solução dessas tarefas cuja solução contínua, segundo a doutrina marxista, forma o conteúdo material real de todo o desenvolvimento histórico-mundial, mas que, no presente momento, é alcançada pelo fascismo vitorioso numa escala nacional e talvez no futuro seja alcançada ainda mais numa escala internacional – estas três formulações resultam num caminho de desenvolvimento histórico sobre o qual, entre a crise mundial, a guerra mundial e a revolução, podem suscitar uma forma de sindicato bastante diferente, exatamente oposta àquela que o autor destas Teses tem em sua consciência subjetiva e gostaria de anunciar como lema de luta para o proletariado revolucionário. No lugar de arrebentar o desenvolvimento livre e sem restrições das forças produtivas e os grilhões capitalistas, vem primeiro seu máximo desdobramento no âmbito nacional (violentamente “alcançado” pelo fascismo sem arrebentar sua forma capitalista atual) e, depois disso, possivelmente também no internacional, na forma de uma “disciplina” ainda mais aguçada. Atacando primeiro nacionalmente e então estendendo as posições conquistadas a uma escala internacional, o fascismo realiza sua “tarefa histórica” ao mostrar à sociedade capitalista, ameaçada por um lado pela revolução social e, por outro lado, por sua própria dissolução, uma saída heroica e força a ela a escolha desse caminho heroico. Com essa perspectiva, contudo, a revolução social do proletariado se converte de uma necessidade do desenvolvimento da sociedade humana no interesse privado de uma classe isolada ou até mesmo apenas dum grupo de judeus ou de outros agitadores racialmente estrangeiros.

A ambiguidade introduzida nas Teses através dessa formulação acerca das possibilidades econômicas de desenvolvimento social atualmente dadas é ainda mais fortalecida por meio de uma fórmula política igualmente ambígua que ocorre na mesma conexão: “O Estado-sujeito capital assume o monopólio da luta de classes”. Isso pode significar e de fato significa, segundo o seu primeiro e mais óbvio sentido, que o Estado fascista reprime toda a luta de classes anterior dos trabalhadores assalariados contra o capital. “O despedaçamento de todos os órgãos de classe dos trabalhadores é sua primeira conquista”. Só faltaria acrescentar à observação bastante correta contida na primeira frase, do ponto de vista de uma concepção marxista clara baseada no fato da luta de classes, mais uma declaração que lance luz na questão de qual mudança é vivida, como resultado desta “monopolização” através do Estado fascista, pelo outro lado da luta de classes até agora exercida na sociedade capitalista, a luta de classes do capital contra os trabalhadores assalariados. Essa declaração precisaria demonstrar, digamos, que o Estado fascista – associado da maneira mais próxima ao grande capital e, embora formalmente determinado por sobre o capitalista individual, ainda em sua existência material geral dependente do capital – continua a exercer, nesta outra forma expandida e aguçada, “em prol do Estado”, aquela luta de classes “monopolizada” contra os trabalhadores. Por fim, a partir de uma concepção verdadeiramente dialética, isto é, praticamente revolucionária e materialista, seria preciso acrescentar que o Estado fascista, em virtude dessa continuação, expansão e aguçamento da luta de classes que “monopolizou”, está ao mesmo tempo por sua parte exposto à contínua, expandida e aguçada luta de classes dos trabalhadores. Ao invés desta concepção adequada à classe, dialética e revolucionária, a fórmula da “monopolização da luta de classes pelo Estado fascista” se baseia numa concepção diferente, como a próxima frase prova. O autor das Teses entretém a ideia de que, nesta “monopolização da luta de classes”, em suas duas formas antagonistas como uma luta do trabalho assalariado contra o capital e do capital contra o trabalho assalariado, o Estado fascista está, na verdade, sendo bem-sucedido ao menos temporariamente e em escala nacional:

Introduz-se uma ação social pacificadora implacável a fim da incorporação “orgânica” da parte do capital representada pelo trabalho assalariado ao novo Estado. Ao mesmo tempo, se realiza uma reorganização ampla da classe capitalista para ajustá-la à tarefa especial da economia política no período atual […] A lucratividade do setor privado é substituída pela lucratividade da economia nacional. O Estado-sujeito capital organiza o mercado interno regula – um “cartel geral” nacional – os preços […].

Todas estas tarefas, então, segundo as declarações aqui citadas a partir das Teses, estão sendo fundamentalmente realizadas pelo Estado fascista exatamente da maneira que poderiam ser realizadas por um Estado operário revolucionário proveniente de uma revolução operária genuína, na medida em que o Estado deve permanecer limitado ao âmbito nacional ou deva, depois, ser assim limitado. Declara-se expressamente que não há diferença de uma natureza fundamental entre essas formas diferentes e graus de fusão do Estado e do capital como, de um lado, o “capitalismo de Estado bolchevique” e, do outro, a “intervenção sistemática” fascista e a “condução econômica” nacional-socialista. Na realidade, com este fracasso em distinguir entre desenvolvimentos diretamente opostos historicamente, e com toda a apreciação de suporte não-dialética das possibilidades econômicas e políticas de um Estado fascista ou nacional-socialista permanecer fundamentalmente no âmbito capitalista, a realização histórica e a capacidade de realização, logo, também a força de ataque e defesa da contrarrevolução fascista-nacional-socialista atualmente triunfante é monstruosa e, para o desenvolvimento do contramovimento proletário, prejudicialmente superestimada. Para esclarecer a medida desta superestimação, podemos nos lembrar de que esse monopólio sobre a luta de classes como, segundo essas Teses, o nacional-socialismo hitleriano e o fascismo mussoliniano “conquistaram” hoje não era reivindicado nem pelo ditador revolucionário Lenin para seu “Estado camponês e operário” no desenvolvimento “comunista de guerra” do ano de 1920. Nas disputas travadas naquela época, antes da transição ao “NEP”, acerca do caráter futuro dos sindicatos soviético-russos, o máximo que Lenin ousou sugerir foi, essencialmente, que os sindicatos deviam se restringir, no futuro, à luta de classes comum para o propósito de garantir os interesses diretos dos trabalhadores no âmbito do sistema estatal e econômico soviético e deviam, doravante, renunciar à intensificação revolucionária desta luta, agora que a extensão adicional da revolução se tornara a tarefa imediata do Estado soviético. No desenvolvimento posterior do socialismo de Estado e do capitalismo de Estado russo, nas formas da NEP e da Neo-NEP, mesmo este direito, garantido num primeiro momento por Lenin, à luta de classes comum pelos interesses imediatos dos trabalhadores foi, como sabemos, novamente negado aos sindicatos. O atual capitalismo de Estado stalinista outorgou completamente a si mesmo, isto é, do mesmo modo que o Estado ditatorial de Hitler e Mussolini, este “monopólio da luta de classes”. Mas nem num caso nem no outro (e neste caso, apenas por causa da posição incomparavelmente mais frágil destas “ditaduras” capitalistas contrarrevolucionárias em relação às reivindicações por lucros por parte do capital privado – uma reivindicação que nunca foi fundamental ou realmente rompida – muito menos do que na ditadura leninista-stalinista) essa “monopolização” ideológica da luta de classes nas mãos do Estado foi de fato realizada mesmo que por um tempo dentro do âmbito nacional. Do mesmo modo que segundo o princípio internacional do marxismo revolucionário, o socialismo proletário não pode ser construído “em um país”, seja total ou parcialmente, seja permanente ou temporariamente, então também segundo o mesmo princípio a luta de classes em suas duas manifestações antagonistas não pode ser eliminada “em um país” ou convertida num simples componente das funções de decisão econômicas e políticas exercidas – sem contradição com as fronteiras nacionais – pelo Estado.

O próprio autor estabelece um limite às duas tarefas do poder econômico e estatal fascista que são, nestas Teses, reconhecidas como capazes de concretização no âmbito nacional. No único lugar em que ele pensa “dialeticamente”, isto é, de maneira verdadeiramente materialista e praticamente revolucionária, ele declara que o “Estado-sujeito capital” que, regula os preços como um cartel geral, “com isso intensifica ao mesmo tempo [!] a concorrência internacional”. “A política comercial internacional se tornou a questão vital (‘crepúsculo da autarquia’).” As novas formas monopolistas não só fracassaram em resistir ao curso cíclico da economia mundial; elas fracassaram também em retirar sua própria esfera de ação da “lei natural” do capitalismo.

Porém, mesmo fora o fato de que o limite – aqui diretamente geográfico – estabelecido para a realização das tarefas econômicas e políticas do desenvolvimento mundial atual por meio do fascismo seja, afinal, considerado não completamente insuperável, mas sim que a possibilidade de ser atravessado por um fascismo que estende internacionalmente seus novos meios de domínio seja admitida expressamente, esta introdução final da maneira dialética de encarar as coisas, através das quais uma solução positiva das tarefas estabelecidas pelo desenvolvimento atual das forças produtivas e das relações de produção é excluída nacional e internacionalmente no quadro fascista, chega tarde demais. Tão dialeticamente quanto a regulação do mercado doméstico por meio do Estado-sujeito fascista, o capital se realiza numa escala internacional como uma concorrência aguçada que recua muito rapidamente também sobre o mercado doméstico, então a suposta “solução” das tarefas econômicas e políticas do fascismo se torna envolvida antecipadamente, dentro do próprio processo de produção na escala puramente nacional, e, do primeiro passo em diante, em contradições sempre novas e mais aguçadas. Neste momento, seria conveniente abraçar uma análise verdadeiramente marxista e materialistamente prática das combinações presentes e futuras da crise mundial, da guerra mundial e da revolução mundial, e proclamar a luta atual do proletariado em cada país e numa escala internacional contra a forma presente do aqui e do agora do domínio capitalista e todas as suas expressões, como o único conteúdo genuíno da “revolução mundial” proletária.


[1] International Council Correspondence Vol. 1, no. 8, Maio de 1935, p. 13-22.

[2] O presente artigo foi traduzido a partir do inglês, diferentemente do artigo A Próxima Crise Mundial, a Segunda Guerra Mundial e a Revolução Mundial (Teses), que foi traduzido por nós a partir do alemão. Por esse motivo, as citações das Teses foram traduzidas diretamente do inglês, o que pode levar a pequenas diferenças nas citações. [N. T.]

Traduzido por Thiago Papageorgiou, a partir da versão disponível em: https://www.marxists.org/archive/korsch/1935/05/remarks.htm.