O Fracasso da Classe Operária – Anton Pannekoek

Publicado em: Politics, Vol. III (1946), No 8 (Setembro). Fonte: https://www.aaap.be/Pages/Pannekoek-en-1946-The-Failure-Of-The-Working-Class.html.

I

Em vários números de Politics, se apresentou a questão: porque a classe operária fracassou em sua missão histórica? Porque não ofereceu resistência ao nazismo na Alemanha? Porque não existe o menor traço de um movimento revolucionário entre os operários dos Estados Unidos? E nos perguntamos (número de novembro, p. 349): que aconteceu com a vitalidade social da classe operária mundial? Porque no mundo inteiro as massas parecem incapazes de empreender novos caminhos que levem à sua própria emancipação? As considerações seguintes talvez permitam esclarecer um pouco o problema.

É fácil perguntar agora: porque os operários não se levantaram diante da ameaça fascista? Para realizar um combate é necessário um objetivo positivo. Diante dessa ameaça, não havia mais do que duas possíveis respostas: ou bem deixar intacto o capitalismo de velho tipo, e seu séquito de desemprego, crise, corrupção e miséria – em lugar que o nazismo se apresentara sob as cores de um movimento anticapitalista e tendendo a instaurar o reino do trabalho, da grandiosidade e da comunidade nacional – ou bem desencadear a revolução socialista. Na realidade, a grande questão é: porque os operários alemães não desencadearam a revolução?

Bom, havia realizado essa experiência em 1918. Porém, esta revolução lhes ensinou que nem o partido socialdemocrata nem os sindicatos eram instrumentos de libertação; ao contrário, ambos se revelaram como instrumentos da restauração capitalista. Que fazer então? Aderir ao partido comunista? Porém, este não propunha outro caminho e fazia sua propaganda do capitalismo de Estado, onde a privação de liberdade era ainda maior do que nos demais países.

Podia ser de outro modo? O objetivo proclamado do partido socialista da Alemanha – no fundo, por todos os partidos socialistas do mundo – era o socialismo de Estado. Segundo seu programa, a classe operária devia inicialmente conquistar o poder político, logo, através desse poder, organizar a produção conforme um sistema econômico planificado sob direção estatal. O seu instrumento deveria ser o partido socialista, cujo número de adeptos era composto por mais de 300 mil integrantes, aos quais se deve acrescentar mais um milhão nos sindicatos e três milhões de eleitores, dirigidos por um enorme aparato de políticos, agitadores, periodistas, todos desejosos em substituir os governantes do momento. O programa socialista decidia também que a classe capitalista seria expropriada com a ajuda de medidas legais e a produção seria organizada segundo um sistema de planificação cuja gestão estaria nas mãos de órgãos centrais.

É claro que em tal sistema a emancipação dos trabalhadores não pode ser mais que parcial, mesmo garantido o seu pão cotidiano. A sociedade teria mudado apenas por cima, pois, na base, nesse sistema, sempre existirão fábricas com operários assalariados, sob ordens de diretores e administradores. Este é, por exemplo, o edifício social que descreve, depois da Primeira Guerra Mundial, o socialista inglês G. D. H. Cole, cujos estudos sobre o socialismo de corporações e de outras reformas do sistema industrial exerceram muita influência nos meios sindicais. Ele dizia que a totalidade da população seria incapaz de dirigir a indústria como é a totalidade dos acionistas de uma grande empresa (…). No regime socialista, como no capitalista em grande escala, será necessário colocar a gestão das grandes empresas industriais nos experts assalariados, escolhidos por seus conhecimentos especializados e por suas competências em tal ou qual domínio… Tudo leva a crer que os dirigentes efetivos das indústrias socializadas serão nomeados seguindo métodos quase iguais aos em vigor na empresa capitalista moderna… Tudo leva a crer que a socialização de um ramo qualquer da indústria não deveria provocar grandes mudanças no pessoal de direção.

Assim, os operários poderão ver novos mestres tomar o lugar dos antigos. Bons mestres transbordantes de humanismo, no lugar dos terríveis mestres saqueadores de hoje. Mestres escolhidos por um governo socialista ou, no melhor dos casos, eleitos por eles. Porém, uma vez escolhidos os mestres, é preciso obedecê-los! Os operários não possuem o menor poder na empresa, não dispõem absolutamente dos meios de produção. Por cima deles se encontra toda uma burocracia de chefes e administradores que os comanda e dirige. Projetos dessa classe podem seduzir aos trabalhadores posto que se sentem impotentes diante do poder capitalista. Foi isso que aconteceu quando se fixou o princípio de sua progressão durante o século 19. Por serem demasiadamente fracos para tomar dos capitalistas os seus postos de comando, não viam outra saída: um socialismo de Estado, um governo de socialistas que expropria os capitalistas.

Hoje, os operários começam a compreender que o socialismo de Estado constitui novos grilhões e nada mais. Porém, se encontram diante da tarefa extremamente árdua que consiste em descobrir métodos novos e colocá-los em prática. O que é impossível sem uma profunda e radical mudança de ideias e ainda estando acompanhados de mil conflitos internos. Se nos dizem: o vigor da luta diminuiu, a vacilação, a incerteza, a divisão, reinam, energia desapareceu. Que há de surpreendente nisso?

Uma mudança de pessoal dirigente não basta para aniquilar o capitalismo. É necessário, para isto, abolir a própria função de direção. Para conquistar a liberdade real, os trabalhadores devem poder dispor diretamente dos meios de produção. A primeira condição de uma livre comunidade mundial não é que as massas trabalhadoras tenham suficiente comida, mas que dirijam elas mesmas seu trabalho, de forma coletiva. O conteúdo real de sua existência é o seu trabalho produtivo, a transformação fundamental pertence, portanto, não ao reinado passivo do consumo, mas ao reinado ativo da produção. O problema que surge agora é saber que será feito para unir a liberdade à organização. Como, tanto no caso de cada empresa como no caso da economia mundial, é possível organizar a produção de forma que os trabalhadores, na qualidade de parte componente de uma comunidade solidária, dirijam, eles mesmos, o seu trabalho? Dispor dos meios de produção quer dizer que o pessoal, o conjunto de operários, técnicos e quadros, através de seu esforço coletivo, transformam a fábrica e colocam em movimento o aparato de produção, no qual eles mesmos se dirigem. O meio de organizar a totalidade social será realizado por assembleias que reúnam os delegados de todas as empresas – os conselhos operários – que é onde se discutirá e regulará os assuntos gerais. O desenvolvimento desta organização de conselhos permitirá, pois, resolver o problema. Porém, este desenvolvimento constitui um processo histórico, o qual pede tempo e passa por uma transformação total das concepções e mentalidades.

Esta nova visão de um comunismo livre apenas começa a penetrar no espírito dos trabalhadores. De repente, torna-se possível compreender porque o movimento operário, antes cheio de promessas, só podia fracassar. A emancipação real, concreta, exige algo mais que um objetivo final restrito. Pois, se o objetivo final não se situa além de um simulacro de libertação ou sendo uma libertação parcial, as forças despertadas são insuficientes para obter resultados fundamentais. Por isso o movimento socialista alemão, incapaz de fornecer armas suficientemente poderosas para combater o capitalismo monopolista, com suas forças colossais, tinha que sucumbir. Era necessário que a classe operária se movimentasse por meio de novos caminhos… Porém, não chegou a se livrar da rede de doutrinas e de palavras de ordem impostas pelo velho partido, não podia fazer frente ao capitalismo agressivo. E isto foi a entrada em um período de decadência contínua, denotando a necessidade de uma nova orientação.

Quando se fala do fracasso da classe operária, o que se fala é sobre um fracasso ligado a objetivos finais demasiado restritos. A luta real pela emancipação ainda nem começou. Visto sob este ângulo, o que se convencionou chamar movimento operário destes últimos cem anos não foi mais que uma sucessão de disputas de vanguarda. Os intelectuais, que possuem o costume de reduzir a luta social à fórmulas mais abstratas e mais simples, estão inclinados a subestimar a formidável amplitude da transformação a realizar. Eles dizem que isso é tão fácil quando escolher um nome para colocar numa urna eleitoral. Porém, se esquecem da necessidade de uma profunda revolução interior das massas operárias, que forneceria a lucidez, solidariedade, perseverança, ânimo e vontade ardente de luta, imprescindível para vencer o imenso poder físico e espiritual do capitalismo.

Em nossos dias, os operários do mundo inteiro se encontram diante de inimigos com uma força inaudita, duas forças capitalistas hostis e repressoras: o capitalismo monopolista dos Estados Unidos e Inglaterra e o capitalismo de Estado russo. O primeiro inimigo caminha para uma ditadura social camuflada em formas democráticas; o segundo se reconhece abertamente como uma ditadura, que se dizia “do proletariado”, mas ninguém acredita mais nisso. Ambos buscam reduzir os operários ao estado de seguidores dóceis e bem adestrados, que só agem conforme as ordens dos chefes de partido, um através do programa socialista dos partidos socialdemocratas e o outro usa a fraseologia, slogans e velhos truques do partido comunista. A tradição de lutas gloriosas do passado serve para mantê-los na dependência de ideias obsoletas. Na competição para dominar o mundo, cada um tenta manter os trabalhadores em seu rebanho, gritando contra o capitalismo, em um caso, e contra a ditadura, no outro caso.

Se surge uma resistência, tanto contra uma como contra a outra, os trabalhadores começam a perceber que só podem lutar com êxito apenas aderindo e proclamando de uma vez por todas o princípio exatamente oposto: o princípio da cooperação entusiasta entre personalidades livres e iguais. Sua tarefa consiste em descobrir os meios que permitem transformar este princípio em ação prática.

II

A questão fundamental aqui é saber se há indícios de um espírito de luta existente ou o despertar da classe trabalhadora. Para responder a isso, devemos deixar o campo das querelas de partidos políticos, destinadas a enganar as massas, e nos voltarmos para o campo dos interesses econômicos, onde os trabalhadores intuitivamente realizam sua luta amarga pelas suas condições de vida. Aqui percebemos que a transformação das pequenas empresas em grandes empresas, os sindicatos deixam de ser instrumentos de luta dos trabalhadores. Nos tempos modernos, essas organizações se transformam cada vez mais em órgãos pelo qual o capital monopolista dita sua vontade para a classe operária.

Quando os operários começam a perceber que os sindicatos são incapazes de dirigir sua luta contra o capital, a tarefa do momento consiste em descobrir e colocar em ação novas formas de luta: a greve selvagem. Este é, efetivamente, o meio de se libertar da tutela exercida pelos velhos líderes e as velhas organizações, de tomar as iniciativas necessárias, de pensar o momento e as formas de ação, para tomar as decisões. Neste contexto, cabe a eles fazer a propaganda, difundir o movimento e dirigir sua própria ação. As greves selvagens constituem explosões espontâneas, a manifestação autêntica da luta de classes contra o capitalismo. Neste dia, certamente, não terão objetivos mais gerais. Porém, manifestam concretamente o nascimento de uma nova mentalidade: a autodeterminação ao invés da determinação dos líderes, autoconfiança ao invés de dependência; espírito de luta ativa ao invés de aceitação de ordens vindas de cima; solidariedade e unidade inquebrantáveis com os camaradas e não o dever imposto por membros de partidos e sindicatos. Essa unidade de ação, na greve, corresponde, obviamente, à unidade no trabalho produtivo de todos os dias, do pessoal das lojas, das empresas, das docas. A atividade coletiva, o interesse comum frente ao chefe capitalista comum, que os compele a uma ação unitária. Nas discussões e decisões, todas as aptidões individuais, todas as forças do caráter e da mente, entusiasmadas e desdobradas ao máximo, realizam uma cooperação para atingir um objetivo comum.

No curso das greves selvagens, esboça-se uma nova orientação prática da classe operária, uma tática nova: o método da ação direta. Estas lutas constituem a única rebelião que conta frente a este poder de fazer perder a vontade e de repressão que é o capital internacional, o capital dono do mundo. Certo, em pequena escala, movimentos parecidos estão quase infalivelmente fadados ao fracasso total. Trata-se apenas de sinais precursores. Seu sucesso depende da sua extensão para massas cada vez mais extensas. Somente o medo de ver a extensão dessas greves ao infinito pode levar o capitalismo a ceder. Se a exploração se faz cada vez mais intolerável – o que é inquestionável – a resistência não deixará de renascer e atingirá massas sempre mais amplas. Quando esta resistência toma uma amplitude deste nível, podendo perturbar gravemente a ordem social, quando os trabalhadores atacam o capital em sua essência, será necessário enfrentar o poder do Estado e seus imensos recursos. Em seguida, suas greves devem tomar um caráter político; eles devem ampliar sua visão social; os comitês de greve, encarnação da comunidade de classe, assumirão funções sociais mais amplas, assumindo a forma de conselhos operários. A partir desse momento, a revolução social, a decomposição do capitalismo, aponta no horizonte.

Existe algum motivo para esperar um desenvolvimento revolucionário no futuro, sob condições que não existem atualmente? Parece que podemos, com alguma probabilidade, indicar tais condições satisfatoriamente. Nos escritos de Marx há a fórmula seguinte: um sistema de produção não desaparece antes que desenvolvam todas as suas possibilidades intrínsecas. A persistência do capitalismo permite hoje descobrir, nesta fórmula, uma verdade mais profunda do que a que era visível anteriormente. Enquanto o capitalismo estiver em condições de assegurar a vida e a comida para as massas da população, elas não sentem uma vontade imperiosa de acabar com este sistema. Enquanto o capitalismo tem a possibilidade de estender seu império a outras regiões do globo, consegue fazer frente às suas necessidades. Assim, enquanto metade da população mundial está fora do sistema capitalista, então ele pode seguir seu curso. Milhões de homens que se aglomeram nas planícies férteis da Ásia do Leste e do Sul, vivem, ainda, em condições pré-capitalistas. Enquanto eles puderem pagar por trilhos, locomotivas, fábricas e máquinas, as empresas capitalistas, especialmente nos Estados Unidos, poderão prosperar e expandir. E é da classe operária americana que dependente, a partir de agora, o destino da revolução mundial.

Em outros termos, a necessidade da luta revolucionária se imporá quando o sistema capitalista englobar a maior parte dos homens, quando se tornar impossível qualquer expansão significativa. Neste estágio supremo do capitalismo, a ameaça de um extermínio em massa fará deste combate uma necessidade para todas as classes da sociedade, tanto para os camponeses como para os intelectuais, assim como para os operários. O que se encontra aqui condensado em alguns parágrafos remete a um processo histórico extremamente complexo, que preencherá todo um período de revolução, precedido e acompanhado por lutas espirituais e mudanças essenciais nas ideias fundamentais. Estas mudanças devem ser objeto de estudos atentos por parte de todos aqueles para os quais o comunismo sem ditadura – a organização da sociedade sobre a base da liberdade associada ao sentimento de pertencimento à comunidade – representa o futuro da humanidade.

Publicado originalmente em: Anton Pannekoek: Partidos, Sindicatos e Conselhos Operários. Traduzido por Nildo Viana.